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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - URBANISMO (I)
Disciplina, ou caos (1)

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Metropolização, conurbação, verticalização. Os santistas passaram a segunda metade do século XX se acostumando com essas três palavras, que sintetizam um período de grandes transformações no modo de vida dos habitantes da Ilha de São Vicente e regiões próximas. É desse período esta matéria, publicada no jornal santista A Tribuna em 22 de junho de 1980:
 
DESENVOLVIMENTO URBANO
Para evitar o caos, um pouco de disciplina

Texto de Lane Valiengo
Fotos de Sílvio Guimarães e Anésio Borges

Não há mais o que esperar: ou o crescimento urbano de Santos começa a ser controlado e organizado a partir de agora, ou então, dentro de dez anos a qualidade de vida da população será bem inferior à atual. E a Cidade poderá até tornar-se inviável, sem a estrutura necessária para suportar os novos tempos que se anunciam.

E tudo isso porque o concreto está avançando cada vez mais.

Até agora, os grandes prédios concentravam-se quase que exclusivamente na orla das praias e imediações. Surgiu então um paredão que ocupou praticamente todos os espaços, com raras exceções, qual uma enigmática Muralha da China.

Mas, hoje, os edifícios de dez ou doze andares já estão surgindo em áreas antes ocupadas por residências baixas, no máximo de três pavimentos. Paralelamente a uma tendência imobiliária - buscar novas áreas de expansão - esta deslocação dos prédios em direção aos bairros poderá trazer sérias conseqüências para o desenvolvimento harmonioso de Santos.

Além da ameaça de transformar - a médio prazo - a Cidade em uma tentativa de metrópole, cheia de espigões em cada esquina, estas tendências certamente prejudicarão a circulação do ar, já comprometida pelo paredão existente na orla das praias. E em um lugar bastante úmido, como a Baixada Santista, a questão da ventilação adequada é essencial para que se mantenha um padrão aceitável de qualidade de vida.

Para os mais céticos, a falta de um planejamento adequado e sua correspondente aplicação prática provocará, antes do ano 2000, a implosão de Santos, um autêntico caos urbano e social. Principalmente levando-se em conta que a Cidade é hoje o centro vital de uma região com mais de um milhão de habitantes, e que oferece serviços à população de todos os outros municípios da Baixada.

Mas ainda há tempo para evitar o desastre, desde que aqueles que têm na mão o poder de decisão - principalmente a Prefeitura - resolvam voltar os olhos para o futuro não muito distante. Ou então, passaremos a conviver com todos os problemas e neuroses das cidades de concreto que o homem moderno construiu nos últimos tempos, autênticos atestados de insensibilidade, erigidos em nome do desenvolvimento desenfreado.

E é assim que se deteriora o meio-ambiente e nega-se espaço às populações. Até chegar o dia em que nem mesmo nossos filhos e os filhos deles terão áreas suficientes para sentirem que a liberdade é fundamental para qualquer homem, em qualquer tempo e lugar.


Na orla das praias, um verdadeiro paredão de concreto

Um novo código de uso do solo?

Uma lei para defender a qualidade de vida: pode parecer utópico demais para os tempos apressados que vivemos hoje, mas é exatamente isto que a Prodesan pretende com o novo código de uso do solo.

Este código, entretanto, ainda não passa de uma minuta de projeto, surgida a partir de 1978, com a publicação de um longo estudo sobre a situação urbana de Santos e suas tendências, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado. Segundo o presidente da Prodesan, Aníbal Martins Clemente, não se trata de um pacote de projetos, mas sim de um planejamento contínuo, em constante atualização, que vem sendo realizado há sete anos, e que tem por objetivo principal a lei maior, ou seja, o código de uso do solo (a legislação atual é de 1968, e já não atende às necessidades da Cidade, por causa das muitas transformações sofridas nos últimos anos na estrutura urbana).

Este planejamento contínuo inclui o controle de todas as informações necessárias ao desenvolvimento urbano, como tráfego, educação e saúde, entre outras. E, além disso, diversos projetos setoriais, como o Projeto CURA, o Aglurb e a instalação de ciclovias, que fazem parte de um conjunto de medidas sugeridas, tendo por objetivo a criação do novo código.

Os técnicos que elaboraram o PDDI sabem muito bem que a ocupação da orla da praia, em Santos, foi feita através do capital, o mesmo acontecendo agora com a expansão dos prédios por alguns bairros. Afinal, vivemos em um sistema eminentemente capitalista, e fugir desta realidade seria comprometer todo o planejamento. "Nós não pretendemos proibir a construção de grandes edifícios, mas sim organizar esta expansão. Não estamos contra os empresários, em hipótese alguma".

E um dos métodos para disciplinar este crescimento é a criação de áreas alternadas. Ao lado de um conjunto de grandes prédios, áreas livres, procurando-se um ponto de equilíbrio. Assim, propõe-se como desejável "maciços de alta densidade, ligados entre si por corredores de média densidade, que por sua vez envolvem ilhas de baixa densidade ou remansos ambientais". Este é, na verdade, um dos pontos principais - e mais urgentes - do novo código de uso do solo.

É claro que uma alteração substancial como esta não pode ser feita de um dia para outro, porque envolve, principalmente, uma certa dose de mudança de hábitos por parte da população. Mas se alguma coisa não começar a ser feita imediatamente, dentro de mais alguns anos a população terá perdido seus hábitos à força, pois o tipo de vida e as condições de sobrevivência em Santos serão bem diferentes de agora. Ou seja, bem mais degradantes.

E, sem dúvida, estamos vivendo o momento certo para que o crescimento da Cidade comece a ser realmente planejado.


Disciplinar o avanço imobiliário, uma das propostas do PDDI

Taxa de crescimento é de 2,7 por cento

A reduzida taxa de crescimento urbano de Santos - apenas 2,7 por cento ao ano - dá uma certa margem de segurança para os planejadores, pois, segundo eles, não existem condições para que aconteça um novo "boom" imobiliário na Cidade. Mas advertem: "Este crescimento moroso não significa estagnação. A Cidade não está estagnada, mas sim apresenta uma situação estável".

Esta situação permite, por exemplo, que os problemas sejam detectados e sanados a tempo. E, para evitar o caos, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado propõe alguns princípios básicos, tais como: uso de solo diferenciado, reforço das unidades ambientais, preservação do conforto ambiental, reforço do centro histórico da Cidade, aprimoramento dos detalhes da paisagem urbana, instalação de equipamentos urbanos e criação de condições para o setor de transportes.

Dentro disso, um dos pontos que mais chama atenção é a proposta para que a área central seja preservada em sua estrutura atual. A propósito, registre-se que não estão sendo feitas mais obras que dependam de algum tipo de destruição de prédios ou alargamento de vias, no Centro. Ao lado do centro histórico, propõe-se a criação de uma área de concentração de investimentos públicos e particulares, destinados ao setor de prestação de serviços, e que surgiria na área da Av. Conselheiro Nébias, próximo ao seu início. Ao mesmo tempo, toda a área do Bairro do Paquetá seria valorizada e integrada ao Centro.

Subcentros - Outra proposta: a criação de centros locais, em determinados bairros, seguindo o exemplo de subcentro espontâneo, o Gonzaga, valorizando algumas áreas da Cidade. Neste ponto, porém, o PDDI aconselha a preservação de todo o eixo da Av. Ana Costa na situação em que hoje se encontra, incluindo o aspecto paisagístico. Não seria permitido, deste modo, surgimento de novos paredões de prédios na Ana Costa.

Estes subcentros teriam estrutura adequada ao bairro em que fossem criados, podendo incluir estabelecimentos comerciais, equipamentos urbanos, e de serviços, e até áreas de lazer.

Esta idéia, inclusive, foi abordada também em 1956, pelo Grupo Executivo de Planejamento, que propôs a criação destas áreas para evitar a queda da qualidade de vida.

Na verdade, a ocupação do solo em Santos foi feita aos saltos: depois da implantação do Centro, houve um deslocamento para a orla das praias. Agora, o crescimento urbano está voltando, indo da orla para o Centro. E, para os técnicos da Prodesan, é preciso disciplinar esta tendência.


Os grandes prédios começam a avançar em direção aos bairros

Surgem os edifícios, em lugar dos casarões

A primeira tentativa concreta de ordenamento urbano de Santos deve-se a Saturnino de Brito, responsável pela construção dos canais de drenagem. Tendo por objetivo o saneamento das áreas alagadiças da região, o plano - datado de 1905 - traçava um projeto urbanístico para Santos, tendo como ponto de orientação exatamente os canais. Em função deles, surgiram as principais vias de penetração, ligando o Centro às praias e, ainda, determinando o aparecimento de diversos bairros.

Até 1950, o crescimento voltou-se para a ocupação da região Leste da ilha. Com a valorização dos terrenos, a população mais carente foi se afastando para a encosta dos morros.

Surgem então as indústrias de Cubatão, e, ao mesmo tempo, intensifica-se o fluxo turístico em direção à Baixada Santista. Com a necessidade de novas estruturas urbanas, para obrigar a crescente procura de residências, acontece o adensamento da parte insular da região. Ou seja, o saturamento surgiu antes do previsto.

Os antigos casarões, com grandes áreas verdes na frente e as inevitáveis sacadas na parte superior, começam a desaparecer a partir de 1960. Inicia-se então a substituição das edificações, surgindo os grandes prédios, dentro de um processo típico de adensamento.

Santos procurava mais espaço, queria e precisava crescer. Acelera-se então o crescimento vertical. Paralelamente, consolidam-se os núcleos dos bairros da Zona Noroeste, enquanto as encostas dos morros abrigam populações cada vez maiores.

A ocupação clandestina intensifica-se, em áreas pouco valorizadas, principalmente na Vila Alemoa, Vila Progresso e a região dos diques, na Zona Noroeste. Como sempre, o capital provoca a expulsão gradativa das populações mais carentes, processo que hoje está cada vez mais claro: Santos transforma-se gradativamente em uma cidade para pessoas de renda média para cima, enquanto os de renda mais baixa procuram outros municípios - principalmente São Vicente e o Distrito de Vicente de Carvalho, em Guarujá.

No início da década de 70, a invasão dos grandes prédios na orla das praias tornou-se irreversível, e hoje o problema do deslocamento dos edifícios para os bairros - principalmente a área do Embaré, a Vila Rica e Vila Belmiro - começa a preocupar técnicos, planejadores, urbanistas e arquitetos, pois estas modificações estruturais poderão, com o tempo, comprometer definitivamente a qualidade de vida em Santos.

Segundo as previsões do PDDI, se não forem adotadas medidas para disciplinar a ocupação do solo, a orla das praias não terá mais nenhuma área livre em 1990, e processo semelhante poderá ocorrer nos bairros próximos (limitados pela linha férrea) no ano 2000. Prevê-se também um salto considerável em algumas áreas da Zona Noroeste e uma taxa de crescimento anual de nove por cento para o Distrito de Bertioga.

E, se tudo isto realmente acontecer, adeus qualidade de vida...


Aos poucos, os antigos casarões estão desaparecendo

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