DESENVOLVIMENTO URBANO
Para evitar o caos, um pouco de disciplina
Texto de Lane Valiengo
Fotos de Sílvio Guimarães e Anésio Borges
Não há mais o que esperar: ou o crescimento urbano de
Santos começa a ser controlado e organizado a partir de agora, ou então, dentro de dez anos a qualidade de vida da população será bem inferior à
atual. E a Cidade poderá até tornar-se inviável, sem a estrutura necessária para suportar os novos tempos que se anunciam.
E tudo isso porque o concreto está avançando cada vez mais.
Até agora, os grandes prédios concentravam-se quase que exclusivamente na orla das
praias e imediações. Surgiu então um paredão que ocupou praticamente todos os espaços, com raras exceções, qual uma enigmática Muralha da China.
Mas, hoje, os edifícios de dez ou doze andares já estão surgindo em áreas antes
ocupadas por residências baixas, no máximo de três pavimentos. Paralelamente a uma tendência imobiliária - buscar novas áreas de expansão - esta
deslocação dos prédios em direção aos bairros poderá trazer sérias conseqüências para o desenvolvimento harmonioso de Santos.
Além da ameaça de transformar - a médio prazo - a Cidade em uma tentativa de
metrópole, cheia de espigões em cada esquina, estas tendências certamente prejudicarão a circulação do ar, já comprometida pelo paredão existente na
orla das praias. E em um lugar bastante úmido, como a Baixada Santista, a questão da ventilação adequada é essencial para que se mantenha um padrão
aceitável de qualidade de vida.
Para os mais céticos, a falta de um planejamento adequado e sua correspondente
aplicação prática provocará, antes do ano 2000, a implosão de Santos, um autêntico caos urbano e social. Principalmente levando-se em conta que a
Cidade é hoje o centro vital de uma região com mais de um milhão de habitantes, e que oferece serviços à população de todos os outros municípios da
Baixada.
Mas ainda há tempo para evitar o desastre, desde que aqueles que têm na mão o poder de
decisão - principalmente a Prefeitura - resolvam voltar os olhos para o futuro não muito distante. Ou então, passaremos a conviver com todos os
problemas e neuroses das cidades de concreto que o homem moderno construiu nos últimos tempos, autênticos atestados de insensibilidade, erigidos em
nome do desenvolvimento desenfreado.
E é assim que se deteriora o meio-ambiente e nega-se espaço às populações. Até chegar
o dia em que nem mesmo nossos filhos e os filhos deles terão áreas suficientes para sentirem que a liberdade é fundamental para qualquer homem, em
qualquer tempo e lugar.
Na orla das praias, um verdadeiro paredão de concreto
Um novo código de uso do solo?
Uma lei para defender a qualidade de vida:
pode parecer utópico demais para os tempos apressados que vivemos hoje, mas é exatamente isto que a Prodesan pretende com o novo código de uso do
solo.
Este código, entretanto, ainda não passa de uma minuta de projeto, surgida a partir de
1978, com a publicação de um longo estudo sobre a situação urbana de Santos e suas tendências, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado. Segundo
o presidente da Prodesan, Aníbal Martins Clemente, não se trata de um pacote de projetos, mas sim de um planejamento contínuo, em constante
atualização, que vem sendo realizado há sete anos, e que tem por objetivo principal a lei maior, ou seja, o código de uso do solo (a legislação
atual é de 1968, e já não atende às necessidades da Cidade, por causa das muitas transformações sofridas nos últimos anos na estrutura urbana).
Este planejamento contínuo inclui o controle de todas as informações necessárias ao
desenvolvimento urbano, como tráfego, educação e saúde, entre outras. E, além disso, diversos projetos setoriais, como o Projeto CURA, o Aglurb e a
instalação de ciclovias, que fazem parte de um conjunto de medidas sugeridas, tendo por objetivo a criação do novo código.
Os técnicos que elaboraram o PDDI sabem muito bem que a ocupação da orla da praia, em
Santos, foi feita através do capital, o mesmo acontecendo agora com a expansão dos prédios por alguns bairros. Afinal, vivemos em um sistema
eminentemente capitalista, e fugir desta realidade seria comprometer todo o planejamento. "Nós não pretendemos proibir a construção de grandes
edifícios, mas sim organizar esta expansão. Não estamos contra os empresários, em hipótese alguma".
E um dos métodos para disciplinar este crescimento é a criação de áreas alternadas. Ao
lado de um conjunto de grandes prédios, áreas livres, procurando-se um ponto de equilíbrio. Assim, propõe-se como desejável "maciços de alta
densidade, ligados entre si por corredores de média densidade, que por sua vez envolvem ilhas de baixa densidade ou remansos ambientais". Este é, na
verdade, um dos pontos principais - e mais urgentes - do novo código de uso do solo.
É claro que uma alteração substancial como esta não pode ser feita de um dia para
outro, porque envolve, principalmente, uma certa dose de mudança de hábitos por parte da população. Mas se alguma coisa não começar a ser feita
imediatamente, dentro de mais alguns anos a população terá perdido seus hábitos à força, pois o tipo de vida e as condições de sobrevivência em
Santos serão bem diferentes de agora. Ou seja, bem mais degradantes.
E, sem dúvida, estamos vivendo o momento certo para que o crescimento da Cidade comece
a ser realmente planejado.
Disciplinar o avanço imobiliário, uma das propostas do PDDI
Taxa de crescimento é de 2,7 por cento
A reduzida taxa de crescimento urbano de Santos - apenas
2,7 por cento ao ano - dá uma certa margem de segurança para os planejadores, pois, segundo eles, não existem condições para que aconteça um novo
"boom" imobiliário na Cidade. Mas advertem: "Este crescimento moroso não significa estagnação. A Cidade não está estagnada, mas sim apresenta uma
situação estável".
Esta situação permite, por exemplo, que os problemas sejam detectados e sanados a
tempo. E, para evitar o caos, o Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado propõe alguns princípios básicos, tais como: uso de solo diferenciado,
reforço das unidades ambientais, preservação do conforto ambiental, reforço do centro histórico da Cidade, aprimoramento dos detalhes da paisagem
urbana, instalação de equipamentos urbanos e criação de condições para o setor de transportes.
Dentro disso, um dos pontos que mais chama atenção é a proposta para que a área
central seja preservada em sua estrutura atual. A propósito, registre-se que não estão sendo feitas mais obras que dependam de algum tipo de
destruição de prédios ou alargamento de vias, no Centro. Ao lado do centro histórico, propõe-se a criação de uma área de
concentração de investimentos públicos e particulares, destinados ao setor de prestação de serviços, e que surgiria na área da Av. Conselheiro
Nébias, próximo ao seu início. Ao mesmo tempo, toda a área do Bairro do Paquetá seria valorizada e integrada ao Centro.
Subcentros - Outra proposta: a criação de centros locais, em determinados
bairros, seguindo o exemplo de subcentro espontâneo, o Gonzaga, valorizando algumas áreas da Cidade. Neste ponto, porém,
o PDDI aconselha a preservação de todo o eixo da Av. Ana Costa na situação em que hoje se encontra, incluindo o aspecto paisagístico. Não seria
permitido, deste modo, surgimento de novos paredões de prédios na Ana Costa.
Estes subcentros teriam estrutura adequada ao bairro em que fossem criados, podendo
incluir estabelecimentos comerciais, equipamentos urbanos, e de serviços, e até áreas de lazer.
Esta idéia, inclusive, foi abordada também em 1956, pelo Grupo Executivo de
Planejamento, que propôs a criação destas áreas para evitar a queda da qualidade de vida.
Na verdade, a ocupação do solo em Santos foi feita aos saltos: depois da implantação
do Centro, houve um deslocamento para a orla das praias. Agora, o crescimento urbano está voltando, indo da orla para o Centro. E, para os técnicos
da Prodesan, é preciso disciplinar esta tendência.
Os grandes prédios começam a avançar em direção aos bairros
Surgem os edifícios, em lugar dos casarões
A primeira tentativa concreta de ordenamento urbano de
Santos deve-se a Saturnino de Brito, responsável pela construção dos canais de drenagem. Tendo por objetivo o saneamento das
áreas alagadiças da região, o plano - datado de 1905 - traçava um projeto urbanístico para Santos, tendo como ponto de orientação exatamente os
canais. Em função deles, surgiram as principais vias de penetração, ligando o Centro às praias e, ainda, determinando o aparecimento de diversos
bairros.
Até 1950, o crescimento voltou-se para a ocupação da região Leste da ilha. Com a
valorização dos terrenos, a população mais carente foi se afastando para a encosta dos morros.
Surgem então as indústrias de Cubatão, e, ao
mesmo tempo, intensifica-se o fluxo turístico em direção à Baixada Santista. Com a necessidade de novas estruturas urbanas, para obrigar a crescente
procura de residências, acontece o adensamento da parte insular da região. Ou seja, o saturamento surgiu antes do previsto.
Os antigos casarões, com grandes áreas verdes na frente e as inevitáveis sacadas na
parte superior, começam a desaparecer a partir de 1960. Inicia-se então a substituição das edificações, surgindo os grandes prédios, dentro de um
processo típico de adensamento.
Santos procurava mais espaço, queria e precisava crescer. Acelera-se então o
crescimento vertical. Paralelamente, consolidam-se os núcleos dos bairros da Zona Noroeste, enquanto as encostas dos morros abrigam populações cada
vez maiores.
A ocupação clandestina intensifica-se, em áreas pouco valorizadas, principalmente na
Vila Alemoa, Vila Progresso e a região dos diques, na Zona
Noroeste. Como sempre, o capital provoca a expulsão gradativa das populações mais carentes, processo que hoje está cada vez mais claro: Santos
transforma-se gradativamente em uma cidade para pessoas de renda média para cima, enquanto os de renda mais baixa procuram outros municípios -
principalmente São Vicente e o Distrito de Vicente de Carvalho, em Guarujá.
No início da década de 70, a invasão dos grandes prédios na orla das praias tornou-se
irreversível, e hoje o problema do deslocamento dos edifícios para os bairros - principalmente a área do Embaré, a
Vila Rica e Vila Belmiro - começa a preocupar técnicos, planejadores, urbanistas e
arquitetos, pois estas modificações estruturais poderão, com o tempo, comprometer definitivamente a qualidade de vida em Santos.
Segundo as previsões do PDDI, se não forem adotadas medidas para disciplinar a
ocupação do solo, a orla das praias não terá mais nenhuma área livre em 1990, e processo semelhante poderá ocorrer nos bairros próximos (limitados
pela linha férrea) no ano 2000. Prevê-se também um salto considerável em algumas áreas da Zona Noroeste e uma taxa de crescimento anual de nove por
cento para o Distrito de Bertioga.
E, se tudo isto realmente acontecer, adeus qualidade de vida...
Aos poucos, os antigos casarões estão desaparecendo
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