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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - URBANISMO (H)
Pensar Santos (1)

Metropolização, conurbação, verticalização. Os santistas passaram a segunda metade do século XX se acostumando com essas três palavras, que sintetizam um período de grandes transformações no modo de vida dos habitantes da Ilha de São Vicente e regiões próximas. Esta série de matérias especiais foi publicada nesse período pelo jornal santista A Tribuna, na edição em que comemorava seu 90º aniversário, em 26 de março de 1983:


Muralha de prédios atinge a Ponta da Praia
Foto: Rogério Bomfim, publicada no Diário Oficial de Santos em 27/5/2004

A idéia surgiu após alguma discussão: por que não entregar Santos a várias pessoas e saber o que elas pensam a respeito da Cidade onde vivem ou trabalham? Foi assim que se fez. Sob o mesmo tema - Pensar Santos -, elástico e livre, deixamos nas mãos dessas pessoas e com suas cabeças a incumbência de traçar um perfil desta Cidade de muitos contrastes. O que cada um fez a seu critério, dentro ou fora de suas profissões. Aqui está o resultado. Veja o que pensam de Santos uma historiadora, um administrador de empresas, uma arquiteta, um advogado e poeta, um médico, um engenheiro e um agente de viagens.


90 anos de A Tribuna: saúde!

Fausto Figueira de Melo Jr. (*)

João, como outros tantos, resolveu tomar o "amarelinho". O ônibus da CSTC não dava mais... Abriu o jornal, colocou sua marmita entre as pernas e partiu para o trabalho. Era cedo ainda, mas o congestionamento "jovem" da entrada da Cidade fazia com que tivesse de levantar-se mais cedo. No jornal, aumento da gasolina, maxidesvalorização, inflação e fotografias de gordos ministros achando tudo natural. Capemi, Baumgarten e outras coisinhas sem importância. Serginho, o Xulapa, tinha acabado com o jogo: ô, ô, ô, ô, Santos... Mais embaixo, uma nota pequena dizendo que a autonomia estava mais uma vez adiada.

Elefante branco. Ônibus sobe, ônibus desce. De repente, tudo começa a virar. João, como tantos outros, fecha os olhos. Náuseas. De olhos fechados, enxerga a filhinho, o filho e o cachorro. Não dá mais pra agüentar. Toca a campainha, mas não dá mais tempo... Suor frio, dor na barriga, vômitos. Justo hoje que não podia chegar atrasado. Os homens da fábrica estão apertando. Cada vez mais os atestados - João, te cuida. Muito atestado é pé na rua e chute no traseiro. E pra arranjar outro emprego não está mole não. Só na sua sessão já foram 15. Dos 15, 3 João como você...

Desce, cambaleia e cai. O que que há João? Tu bebeste? Olhos fechados, dor na barriga, tudo escuro. Silêncio.

De repente, olhos abertos, tudo claro, a barriga melhorou. Está no hospital. Santa Casa de Santos. Porta aberta para o mar...

Na sua frente, um doutor de bigodinho. Cara de cansado. Ele, João, ameaçado de não ter nenhum emprego e o doutor com sete empregos pra poder se sustentar. O doutor de bigodinho estava com cara de operário. Estava com cara de João, como ele, como tantos...

Ah, seu Braz Cubas. Se o senhor soubesse que ao fundar esta cidade com um hospital estava começando com hábito muito difundido neste país, de entender que as pessoas doentes estão dentro do hospital...

Seu Braz Cubas, o doente não é um ser deitado, ele anda, está nas feiras, nas praças, na rua e toma "amarelinho". Seu Braz Cubas, o doente é uma pessoa como nós, como João, como tantos. Não sei se lhe chamo de Braz ou de Cubas (estou ficando íntimo, né?), mas seu Braz, doença é não ter dinheiro, não ter transporte, não ter emprego, não ter segurança no trabalho. Senhor Braz Cubas, doença grave, doença de isolamento, é não ter autonomia.

No seu tempo, seu Braz Cubas, mas faz muito tempo, imagine, que o Governo da Corte lhe dava um pedaço de terra e você, alguns amigos seus, vinham para cá e faziam o que queriam, não precisavam dar satisfação pra ninguém. Mas faz muito tempo...

Imagina, "ilmo.' Braz Cubas, que nesta cidade fundada pelo senhor pegaram canos de saneamento, que dava para canalizar bons córregos da Zona Noroeste, e colocaram os ditos canos em pé, transformados em floreiras. Ficaram bonitos mesmo, mas será que isto é prioridade?

Senhor Braz Cubas, gostaria que você conhecesse o João. Cara legal, como outros tantos. Na sua marmita tinha ovo frito, arroz e feijão; na sua marmita tinha fome.

Precisava também conhecer a Santa Casa. Está mudada. Seus empregados há cinco meses não recebem. Tem muito João lá, muita Maria também, como outros tantos.

Seu Braz Cubas: se o senhor soubesse que saúde é tudo isto...

O doutor de bigodinho, operário como ele, com um Fusca, um Seiko e um apartamento BNH (tudo quase igual) chega bem perto do João!

João, acorda, João. Te mexe. Abre os olhos. Respira fundo, não te entrega! João, você não vai morrer. Você precisa de atestado?

(*) Fausto Figueira de Melo Jr., médico, preside o Sindicato dos Médicos de Santos.


Av. Bernardino de Campos, no trecho entre o cruzamento com a Av. Francisco Glicério (ao alto) e a confluência com a Rua Euclides da Cunha (parte inferior da foto)
Foto: Anderson Bianchi, publicada no Diário Oficial de Santos em 3/7/2003 

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