HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Um novo brasão na terra dos bastardos... (1)
Depois de oito décadas, foi alterado em 2004 o símbolo heráldico da cidade, que ilegalmente
a transformava em uma aldeia de bastardos. Mas...
No início de 2004, a Municipalidade santista adotou um novo Brasão d'Armas,
substituindo o que foi usado por cerca de 84 anos, e corrigindo alguns dos erros de Heráldica antes cometidos, como o formato do escudo e o tipo da
coroa. Mas não todos, a se considerar o depoimento de especialistas. Um dos mais graves se refere à "banda auriverde", que continua não chegando às
bordas do escudo, o que transforma Santos numa terra de bastardos - embora enfim evoluindo de aldeia para cidade. O brasão
atual é este, segundo a Prefeitura Municipal de Santos:
No dia 26 de fevereiro de 2004, o jornal santista A Tribuna noticiou:
SÍMBOLO
Novo brasão já pode ser visto na Cidade
Da Reportagem
O novo brasão de armas de Santos, modificado após 84 anos, já pode ser visto
em impressos e bandeiras da Cidade. A Bandeira de Santos hasteada em frente à Prefeitura, por exemplo, já traz o atual símbolo oficial do Município.
Segundo a Secretaria de Comunicação, todos os materiais de divulgação impressos a partir de agora trarão o novo
brasão. Por isso, a mudança será gradual.
A modificação do símbolo é resultado de estudo feito por uma comissão de três pesquisadores da Cidade conhecedores
da Heráldica - ciência que estuda os brasões: Jaime Mesquita Caldas, Antônio Ernesto Papa e Wilma Terezinha. Segundo eles, o principal problema era
que, pelo brasão antigo, Santos não era representada como uma cidade, mas apenas como aldeia. Se não bastasse este equívoco, os símbolos ainda
mostravam que tratava-se de um local colonizado pelos franceses, e não pelos portugueses.
Após a realização da pesquisa apontando os erros do desenho, os pesquisadores conceberam um novo símbolo, que
retrata com fidelidade a história e as características de Santos.
Com o novo brasão pronto, criou-se uma Comissão Especial de Vereadores (CEV), em 2001, presidida por Roberto
Oliveira Teixeira (PTB), a fim de transformar o estudo em projeto de lei. O projeto foi aprovado pela Câmara e, em janeiro, finalmente sancionado
pelo prefeito Beto Mansur. Para Teixeira, o brasão é importante porque representa uma espécie de retrato da Cidade.
História - O símbolo municipal foi criado pelo pintor Benedicto
Calixto, em 1920. O artista teve de seguir as especificações que constam na lei que criou o brasão, promulgada em setembro daquele ano
pelo então prefeito Joaquim Montenegro. Calixto também se inspirou no brasão antigo da Cidade, criado em 1888. A Bandeira de Santos foi criada em
1957 pelo prefeito Sílvio Fernandes Lopes. |
A respeito do brasão anterior, o pesquisador Fernando Martins Lichti comentou, em sua obra Poliantéia
Santista (3º volume, 1996, Editora Caudex Ltda., S. Vicente/SP):
Brasão e Bandeira de Santos
A Bandeira de Santos foi instituída pela Lei nº 1.986, de 3 de outubro de 1957,
sancionada pelo prefeito municipal, engenheiro Sílvio Fernandes Lopes.
Toda branca, retangular, tem no centro, em suas cores originais, o Brasão de Armas da
Cidade, criado pela Lei nº 638, de 16 de setembro de 1920, e restabelecida pela Lei nº 925, de 22 de janeiro de 1948.
É cópia, com diversas alterações, do brasão pintado no último estandarte municipal,
mandado confeccionar pela Câmara em 1888. A esfera armilar simboliza a Ciência e a Navegação. A banda auriverde, que a atravessa obliquamente,
recorda as cores usadas pelas autoridades e pelos patriotas da época da Independência, no tope nacional instituído oficialmente por José Bonifácio,
por decreto de 18 de setembro de 1822 - cores que, por decreto da mesma data, foram adotadas para a Bandeira do nascente Império.
Neste pormenor, o brasão atual diverge do que existe no estandarte municipal de 1888,
pois a banda atravessa a esfera em sentido diagonal, entre os círculos polares e não apenas a zona equatorial, como agora.
A modificação introduzida se afasta, aliás, da tradição histórica, porquanto na
Bandeira do Principado do Brasil, na do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, e na do Império, a banda corre, invariavelmente, de um círculo
polar a outro.
O campo de goles significa, de modo geral, que todos os brasileiros devem seu sangue à
Pátria, e, particularmente, que os primeiros santistas, ao tempo de Braz Cubas, sacrificaram-se em defesa da terra, lutando contra os piratas e os
silvícolas.
O caduceu de Mercúrio é o emblema da atividade comercial, da qual o deus pagão era
patrono.
A coroa mural em forma de castelo representa a força e resistência em memória do que
Santos foi outrora como praça militar fortificada.
Os metais das armas evocam a entrada da primeira "bandeira" no sertão, chefiada
por Braz Cubas, e a descoberta do ouro e outros metais.
O café é símbolo da riqueza paulista e da base comercial de Santos.
A divisa latina Patriam Charitatem et Libertatem Docui - que, segundo o
memorial explicativo mandado publicar pela Câmara, assim se traduz: "À Pátria ensinei a Liberdade e a Caridade" - quer dizer que, fundando o
primeiro hospital da Misericórdia do Brasil, e fundando a Independência, por intermédio dos três Andradas, deu Santos aos
povos o exemplo daquelas virtudes cívicas. |
A mesma obra Poliantéia Santista incluiu este artigo do pesquisador J. Muniz Jr. (texto confrontado com o
original, publicado no antigo jornal diário Cidade de Santos, em 23 de novembro de 1980):
Brasão do Município de Santos em uso até janeiro de 2004
Brasão e Bandeira de Santos
(fazem de Santos uma aldeia)
Histórico, análises e alterações
Pesquisa e texto de J. Muniz Jr. (*)
Já se disse que o
brasão de armas nacional, criado com a República, é "inaceitável e ridículo" de acordo com as regras de heráldica, e que a bandeira brasileira
também tem seus defeitos. Tal tese foi defendida pelo heraldista Clóvis Ribeiro que, por volta de 1930, chegou a apresentar outros projetos visando
à restauração do Escudo d'Armas da Nação, bem como a reforma da Bandeira Nacional.
Segundo consta, o símbolo da República brasileira foi desenhado, "sob encomenda" do
Marechal Deodoro da Fonseca, por um litógrafo alemão, empregado da Casa da Moeda, e que não era especializado em heráldica. Também é sabido que a
Bandeira Nacional foi elaborada pelo Apostolado Positivista do Brasil que, por intermédio do coronel Benjamin
Constant, positivista convicto, conseguiu a sua adoção pelo Governo Provisório de 1889, impedindo assim que os republicanos adotassem uma
bandeira idêntica à dos Estados Unidos (com listras horizontais verdes e amarelas e 21 estrelas de prata no
canto azul). Mas, apesar da tentativa de reforma, os símbolos nacionais (aprovados pelo decreto 4, de 19 de novembro de 1889) atravessaram os tempos
intocáveis.
Também o Brasão D'Armas da Cidade de São Paulo,
elaborado pelo poeta Guilherme de Almeida e pelo desenhista-pintor José Wasth Rodrigues e instituído em 1917, por ato do então prefeito Washington
Luís, sofreu censuras e acabou sendo modificado, pois ostentava uma coroa mural própria de aldeia (de três torres), não tinha apoio, e, além do
braço armado amputado, seu listel era de prata, como se fosse de metal, enquanto deveria ser apresentado em esmalte (cor). Depois de várias
correções, o brasão paulistano foi finalmente oficializado.
O mesmo ocorreu com os brasões e bandeiras estaduais, que sofreram remodelações
posteriores, e inclusive de municípios, como o de São Vicente, que foi modificado por iniciativa do historiador Jaime
Mesquita Caldas, através da Lei nº 1.648, de 22 de março de 1976, durante a administração do engenheiro Jorge Bierrenbach Senra. O brasão de armas
vicentino atual é de autoria do dr. Lauro Ribeiro Escobar, com base na concepção do pintor-historiador Benedicto Calixto,
tendo sido instituído oficialmente, juntamente com uma nova bandeira, após ter passado por um estudo, correções e aprimoramento.
De acordo com um trabalho histórico do professor Francisco Meira, que chegou a ser
publicado no Diário Oficial do Município de Santos, foi apresentado o desenho de um novo Brasão de Armas, e o mesmo encontrava-se em estudo
pela Comissão de História, então nomeada pelo prefeito. Depois de estudos preliminares, devido às falhas heráldicas que tinham sido apontadas tanto
nas armas como na bandeira, o escudo foi remodelado pelo heraldista Arcinoé Antônio Peixoto de Faria e, segundo consta, submetido à apreciação de
acordo com as regras de heráldica, sem contudo ter sido aprovado.
Estudo preliminar do Brasão de Santos feito pelo
heraldista Alcinée Antônio Peixoto de Faria, que não chegou a ser oficializado
Imagem publicada com a matéria
O Brasão da Cidade - O Brasão d'Armas da Cidade de Santos, instituído pela Lei
nº 638, de 16 de setembro de 1920, assinada pelo então prefeito tenente-coronel Joaquim Montenegro, foi descrito da seguinte forma na época:
"Escudo português em campo de goles (vermelho), uma esfera armilar de prata com uma
banda auriverde, posta em diagonal entre as linhas tropicais. Das extremidades do eixo da esfera sai um caduceu de ouro, que é rematado por uma
pinha em torno da qual se estendem duas asas em ação de vôo; na haste do caduceu enroscam-se duas serpentes do mesmo metal. Sobre a parte superior
do escudo, que é orlado de prata, pousa a coroa mural de ouro, composta de quatro torres com três amelas (N.E.:
correto: ameias) e duas portas cada uma. O escudo é cingido por dois ramos de café de sua cor, e sobre a fita de prata,
por baixo do escudo, se inscreve em letras de goles a divisa Patriam Charitatem et Libertatem Docui.
"Escudo e Coroa Mural - "Em campo de goles (vermelho), uma esfera armilar de
prata com uma banda auriverde, posta em diagonal, entre as linhas tropicais. Das extremidades do eixo da esfera sai a haste de um caduceu de ouro,
que é rematado por uma pinha, em torno da qual se estendem duas asas em ação de vôo. Sobre a haste do caduceu enroscam-se duas serpentes do mesmo
metal. Sobre a parte superior do Escudo, que é orlado de prata, pousa a coroa mural, de ouro".
Explicações - A "Esphera Armillar" simboliza a ciência e a navegação. Compõe-se
esta esfera de círculos ou meridianos verticais, que vão cruzar nos dois pólos, e de linhas paralelas, formando zonas que giram sobre o vácuo, em
torno de um eixo que vai de um a outro pólo.
Os antigos navegantes usavam esta esfera para seus cálculos astronômicos, e a Escola
de Sagres, em Portugal, adotou-a como símbolo da ciência de marcar. Este símbolo passou, depois, a fazer parte do Brasão d'Armas do Brasil, e foi
usado no cunho de nossas moedas e medalhas, como também nos emblemas dos uniformes militares dessa época.
A Banda Auriverde, que cinge a esfera armilar, em sentido diagonal, com as cores
nacionais do Brasil, era a divisa ou fitão que adornava o peito das autoridades e patriotas no tempo da Independência,
sobre a qual se lia, às vezes, o lema: Independência ou Morte.
A cor vermelha do Escudo simbolizava o sangue, tributo que todos os patriotas
brasileiros devem verter pela garantia e segurança de sua Pátria. No escudo de Santos essa cor simboliza e representa, também, o sacrifício do
sangue que os seus primeiros habitantes, no tempo de Braz Cubas, impuseram, para defender a povoação contra os repetidos ataques dos piratas e dos
próprios índios Tamoyos e Carijós.
O Caduceu, segundo a mitologia, era a vara mágica que Apolo deu a Mercúrio - o
mensageiro dos Deuses - e sobre a qual se enroscavam duas serpentes, tendo na extremidade uma pinha e duas asas abertas.
A Coroa Mural, que descansa sobre o escudo, compõe-se de muralhas com amelas
(N.E.: correto: ameias) em forma de castelos, e simboliza a força e resistência. Santos, como
povoação primitiva e como praça militar fortificada, desde o tempo de Braz Cubas, tem direito a usar este símbolo de força e resistência - como tem
igualmente o de ostentar em seu Brasão a banda auriverde da Independência, em memória de seu filho, o Patriarca da
Independência.
Os metais das armas que guarnecem o Brasão da Cidade de Santos representam e
simbolizam, também, a sua primeira Bandeira ou a sua primeira entrada no sertão, levada avante por Braz Cubas, em 1562, conforme consta de
documentos autênticos dessa época e do epitáfio do seu túmulo, que dizia: "Descobriu ouro e metais e fez fortalezas por
ordem del-Rei" etc. etc.
Suporte - O café: os ramos de café que cingem o escudo do Brasão de Santos
representam a principal riqueza agrícola de São Paulo, que constitui a base do comércio da praça de Santos.
Divisa - Sobre uma fita de prata, por baixo do escudo, se inscreve, em letras
de goles, a Divisa ou Mote: "Patriam Charitatem et Libertatem Docui". Este Mote - "À Pátria Ensinei a Liberdade e a Caridade" -
constitui a divisa da Cidade de Santos, pois, antes de dar predicamento de Vila à sua povoação, já havia o fundador Braz Cubas criado, no mesmo
local, o Hospital da Misericórdia, sob a invocação de Todos os Santos (Santa Casa da Misericórdia), primeira instituição de caridade fundada no
Brasil e na América, a qual deu nome à dita povoação do porto de Santos.
Santos ensinou à Pátria a caridade, com esse ato de seu fundador, como também pela
ação patriótica de seus filhos - os três Andradas - Santos deu e ensinou a liberdade à Pátria Brasileira, com esforços por
eles empregados para proclamação da Independência, em 1822 - "Patriam Libertatem Docui".
O brasão da cidade foi restabelecido através da Lei nº 925, de 22 de janeiro de 1948,
com a assinatura do então prefeito Rubens Ferreira Martins. Quanto à bandeira do Município, foi instituída pela Lei nº 1.986, de 3 de outubro de
1957, na administração do engenheiro Sílvio Fernandes Lopes.
Gráfico mostrando os erros existentes no brasão da cidade e que foi apresentado junto
com o projeto do vereador Kosei Iha, visando a sua modificação de acordo com o parecer do CEHM
Imagem publicada com a matéria
Novo projeto - Em setembro (N.E.: de 1980),
o vereador Kosei Iha apresentou na Câmara Municipal projeto de lei nº 74/80, visando alterar a Lei nº 638, de 16 de setembro de 1920, justificando a
sua proposição da seguinte forma:
"Os primeiros brasões a surgirem no Brasil foram os dos titulares do Império (brasão
de família), ou aqueles que, por hereditariedade, vieram de Portugal. O primeiro brasão de domínio (cidade) existente no Brasil foi o da cidade de
Salvador, instituído em 1552. Em São Paulo presume-se que o primeiro brasão tenha sido o de Campinas, logo seguido de Conceição de Itanhaém e
Santos.
"Com relação a esses brasões, cumpre notar que foram executados pelos leigos, sendo
que nos dias de hoje o Conselho Estadual de Honrarias e Mérito (CEHM), instalado na Casa Civil do Palácio dos Bandeirantes, reunindo-os em um
colegiado de armas, tal como foi feito nos primórdios do aparecimento da heráldica, procura reestudá-los, corrigi-los e aprimorá-los, não só para os
municípios que já os possuem, como também promove estudos heráldicos para as cidades que ainda não possuam brasão e bandeira.
"O artigo 195, parágrafo único da Constituição Federal, faculta aos Estados e
Municípios o uso de um brasão e bandeira próprios. Entretanto, a falta de heraldistas especializados dá margem ao amadorismo dominante, em que
várias prefeituras promovem concursos populares entre desenhistas, dando como decorrência brasões que nada têm de heráldico e que depõem contra as
pretensões de quem os adota.
"Cientes desse órgão (CEHM) estadual, vários municípios já recorreram,
solicitando um reestudo no seu brasão e bandeira, como foi o caso, para não citar todos que já o fizeram, o município de Campinas e logo a seguir o
de São Vicente. De acordo com o brasão de nossa cidade, Santos é uma aldeia.
"O Brasão de Santos foi adotado pela municipalidade em virtude da Lei nº 638, de 20 de
setembro de 1920. É cópia, com diversas alterações, do brasão pintado no último estandarte municipal mandado confeccionar pela Câmara, em 1888. Este
brasão, restaurado por Benedicto Calixto (seu autor), é hoje usado com inúmeras falhas heráldicas. Sendo um dos primeiros no Estado de São Paulo, o
seu autor, embora fosse um grande pintor e historiador nas ciências heráldicas, era um curioso.
"Quais são essas falhas? Podemos enumerá-las: a coroa mural, a esfera armilar, o
próprio escudo, a banda bicolor, a cor da coroa mural e das portas da mesma, a cor da esfera armilar e do caduceu, a cor do listel, a colocação dos
suportes (ramos de café) e finalmente a bordadura, além de incorreções cometidas pelo autor na descrição do brasão, conforme se pode ler no texto da
lei instituidora do símbolo. A descrição começa da seguinte maneira: 'escudo redondo português...', enquanto o desenho apresentado é um
estilo samnitico, de origem francesa. Santos nada tem a ver com a França, e sim com Portugal.
"A coroa mural, que é uma das principais peças na heráldica de domínio e que nos dá o
grau hierárquico do local, da forma que se nos apresenta, identifica Santos como uma aldeia. A coroa mural correta passaria a ser de 8 torres, sendo
5 à vista (três torres e duas ameias), de prata, identificando o brasão do domínio e classificando a cidade como de segunda grandeza, ou seja, sede
de comarca. A coroa mural de ouro só pode figurar em brasões de capitais.
"A esfera armilar é representada no atual brasão como sendo um mapa-múndi, com
meridianos e de prata. A verdadeira esfera armilar é chapada, com linhas retas e vazia do campo. O listel também é representado como sendo de prata
com letras vermelhas. Dada a natureza do objeto representado, presume-se que seja de pano, não se podendo admitir um pano de metal (prata).
"A banda bicolor diverge da que existe no estandarte municipal de 1888. Naquele, a
banda bicolor atravessa a esfera armilar em sentido diagonal entre os dois círculos polares e não abrange apenas a zona equatorial como agora. A
bordadura é uma heráldica que guarnece todo o contorno do escudo. A sua largura deve ser uma sexta parte do campo do escudo, a fim de que este não
fique excessivamente reduzido. O que vemos agora assemelha-se a um filete. O suporte do escudo (ramos de café) deve estar junto ao mesmo e não
distante. O escudo não deve ficar no ar e sem apoio.
"A bandeira municipal deve ser oitavada, também de conformidade com a tradição
heráldica portuguesa, com o brasão ao centro, tendo por cores as principais peças do escudo. Sendo essas cores ouro e prata, correspondem a branco e
amarelo, tão logo sejam modificados a cor da esfera armilar e o caduceu, que deve ser de ouro. A atual bandeira, inteiramente branca com o brasão ao
centro, é bandeira de aldeia, confirmando-se essa condição com a coroa mural existente de três torres do brasão.
"Um reestudo, correção e aprimoramento do brasão e bandeira de Santos, é por demais
simples e merecia melhor atenção dos responsáveis pelos destinos da Municipalidade, uma vez que o brasão da cidade é o embaixador da cultura e
civismo de seu povo".
Realmente, as falhas apontadas pelo vereador Kosei Iha já foram comprovadas pelos
estudiosos de heráldica, restando agora, diante da sua justificativa, um estudo em relação à alteração pretendida, a cargo do Conselho de Honrarias
e Mérito, que é o órgão estadual encarregado do assunto, para que a Cidade de Santos - com todo o respeito ao inesquecível pintor-historiador
Benedicto Calixto - possa ostentar um Brasão D'Armas à altura de suas tradições históricas.
(*) Transcrito do jornal
Cidade de Santos, de 23 de novembro de 1980
O antigo estandarte da Câmara Municipal de Santos, confeccionado em 1888 e que serviu
até o advento da República
Foto: Os Andradas, livro 1, p.209, também publicada com a
matéria
|
Também publicado na obra Poliantéia Santista:
Estudo do Heraldista Lauro Ribeiro Escobar
Este parecer foi solicitado pela Câmara Municipal de Santos ao então Secretário da
Cultura do Estado, Dr. Antonio Henrique Cunha BuenoSenhor
Secretário.
Solicita o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Santos manifestação da Secretaria da
Cultura sobre o Projeto de Lei nº 74/80 que visa alterar a Lei Municipal nº 638, de 16 de setembro de 1920, que dispõe sobre o Brasão de Armas da
Cidade de Santos.
Seja-nos permitido, primeiramente, louvar a iniciativa do N.Vereador autor do projeto,
uma vez que o histórico Município de Santos está a merecer, de longa data, que se lhe altere o Estema, de molde a tê-lo representando condignamente
a parcela do sacrossanto Torrão Paulista, de glorioso passado e berço de figuras que ergueram alto o nome da Pátria.
Cumpre-nos sublinhar, por oportuno, que o Brasão de Armas instituído pela Lei nº
638/20 se ressente de imperfeições, sendo certo, contudo, que algumas delas decorrem, meramente, da desobediência do desenho ao texto da Lei
referida, que enunciou, corretamente, mas não foi devidamente atendido, enquanto outras se devem a incorreta elaboração pelo autor.
Desta maneira, o escudo é indicado na Lei nº 638/20 como "português", porém o escudo
reproduzido nos papéis oficiais, obras e próprios municipais santistas, não corresponde ao formato de escudo que - por ter sido grandemente
divulgado quando das guerras que determinaram a expulsão dos mouros da Península Ibérica - veio a ser conhecido como "escudo português", ou "escudo
espanhol", ou melhor e para se fazer justiça a ambos os países "escudo ibérico".
O escudo ibérico tem a parte superior retangular e a inferior boleada, tendo sido
adotado pelo Estado de São Paulo e grande maioria dos municípios paulistas. É o formato que mais convém a descendentes de portugueses, como se
afirmou no Decreto Estadual nº 5.656, de 29 de agosto de 1932, que instituiu o Brasão de Armas do Estado de São Paulo. Relembra a raça colonizadora
e principal formadora, sustentavam Guilherme de Almeida e Wasth Rodrigues, quando justificaram o projeto de Brasão de Armas para a Cidade de São
Paulo. É o formato de escudo adotado pelos mais tradicionais municípios do Estado de São Paulo, tais como São Vicente, Campinas, Sorocaba, Tatuí,
Itu, Itapetininga, Taubaté, Guaratinguetá etc.
Andou corretamente a Lei nº 638/20 ao adotá-lo. Mas a reprodução, como já afirmamos,
não obedeceu ao ditame legal, pois o escudo que se vê a marcar a presença do Município de Santos é um escudo com a ponta (parte inferior) em chaveta,
escudo artificial, por nunca utilizado como peça da armaria defensiva, surgindo no século XVI por concepção do heraldista francês Hierosme de Bara.
Conseqüentemente, o formato de escudo ora em uso pelo Poder Público
Municipal infringe a própria Lei Municipal que criou o Brasão de Armas de Santos.
Nesse passo, a alteração, que se faz necessária, visa cumprir, pura e simplesmente, o
mandamento ínsito na Lei nº 638/20.
Outro aspecto que está a merecer reparo é o desenho da esfera armilar, erroneamente
reproduzida nas Armas Santistas, por puro desconhecimento do desenhista do que seja o desenho. Não há aqui, também, fazer-se qualquer restrição ao
texto legal, nem há necessidade de que este descreva a peça com detalhes, de vez que se subentende há de ser corretamente reproduzida.
Do que foi até aqui esclarecido, conclui-se que as imperfeições do escudo e da esfera
armilar, no Brasão de Armas de Santos, não podem ser atribuídas à Lei nº 638/20, mas sim a quem executou o desenho.
É certo, entretanto, que o art. 1º da Lei nº 638/20 descreveu mal o Brasão de Armas de
Santos. E o Projeto de Lei ora em exame não foi mais feliz. A Heráldica dispõe de vocábulos e construções adequados, que devem ser empregados, sem a
utilização de palavras supérfluas. Deveria o artigo 1º daquela lei, portanto, se ater à descrição do Brasão de Armas de Santos, em linguagem
heráldica correta, deixando todos os esclarecimentos e interpretação das peças para o artigo seguinte.
Exemplo do supérfluo está na descrição do caduceu no artigo 1º da Lei nº 638/20:
"...que é rematado por uma pinha em torno da qual se estendem duas asas em ação de vôo; na haste do caduceu enroscam-se duas serpentes...".
A correta enunciação estará em se afirmar somente a existência do caduceu, sem se
descrevê-lo, por absolutamente dispensável.
A Lei nº 638/20 também não se utiliza dos termos heráldicos adequados ao se referir às
posições da esfera armilar e do caduceu: "Das extremidades do eixo da esfera sai um caduceu de ouro...". A forma correta será dizer-se: "...uma
esfera armilar de prata, brocante sobre um caduceu de ouro...".
O Projeto de Lei nº 74/80 vai mais longe, perdendo-se em descrições desnecessárias e
se utilizando, também, de linguagem anti-heráldica.
Faz a Lei nº 638/20, como também o Projeto de Lei nº 74/80, referência a uma "banda
auriverde", colocada sobre a esfera armilar, isto é, em boa linguagem heráldica, estaria a esfera armilar carregada de dita peça.
Examinando-se, porém, o atual Brasão de Armas de Santos, vê-se que a peça descrita
como "banda" não corresponde à que em Heráldica leva tal denominação. A banda é peça honrosa que ocupa a parte média do escudo, na diagonal que se
desenvolve do cantão destro do chefe ao cantão sinistro da ponta, tocando os bordos do escudo.
Ora, a peça que a Lei nº 638/20 descreve como uma "banda auriverde"
vem a ser, em realidade, um "bastão posto em banda, cortando de sinopse e ouro", uma vez que o "bastão" vem a ser uma cética encurtada, isto é, peça
mais estreita que a banda e que não toca os bordos do escudo. Por designar a bastardia, deve tal peça ser evitada nos Brasões de Armas Municipais,
sob pena de se estar proclamando que "nesta cidade todos são bastardos"!
Cada peça do escudo deve ter sua presença justificada. Contudo, o Memorial Explicativo
que acompanhou o parecer da Comissão de Justiça e Poderes nº 73, de 1920, que, por força do disposto no parágrafo único do artigo 1º da Lei nº
638/20, passou a fazer parte integrante do aludido Diploma Legal, não justificou a adoção de um escudo "orlado de prata".
A orla é uma peça semelhante à bordadura, mas que não alcança os extremos do escudo. A
bordadura, normalmente, tem por largura um sexto do escudo, mas pode ser reduzida, denominando-se, neste caso, "debrum". Logo, o escudo atual do
Brasão de Armas de Santos, conquanto descrito como "orlado de prata", deve ser entendido como "debruado de prata", que é a forma correta de se
brasoná-lo.
Não foi justificada a adoção do debrum, que portanto poderá ser retirado, ou, caso
assim o entendam os Eméritos Legisladores Santistas, poderá ser mantido, justificando-se tal manutenção em dispositivo próprio de Lei. Poderá,
também, ser transformado em bordadura e carregado de peças que evidenciem as características de Santos e seu nobre povo.
No tocante à coroa mural, deve ser de prata, com oito torres (cinco à vista), que é a
destinada aos núcleos que detêm a dignidade de cidade, mas que não são capitais.
O listel deve acompanhar uma das cores predominantes no campo do escudo.
Como suportes, foram adotados ramos de cafeeiro, a avocar a riqueza comercial, que fez
do porto de Santos seu principal escoadouro. Ficou esquecida a cana-de-açúcar, trazida da Ilha da Madeira e implantada no
litoral, que representou a primeira riqueza da região.
Recomendamos, pois, seja elaborado um substitutivo ao Projeto de Lei nº 74/80, vazado
em linguagem heráldica escorreita, sendo que um dos artigos da futura Lei deverá simplesmente descrever o Brasão de Armas, o seguinte interpretá-lo
e os demais disporem sobre o uso. Algumas alterações poderão ser introduzidas no Estema Santista, corrigindo o atualmente em uso, porém sem
desfigurá-lo. Entre as alterações, deverá ser dada atenção à coroa mural, ao listel e ao bastão posto em banda, sendo de toda a conveniência a
eliminação deste. O debrum poderá ser mantido ou transformado em bordadura, com a largura correta e carregada de corações, para externar a caridade,
virtude que bem pode ilustrar as origens de Santos. Os suportes poderão vir a ser uma haste de cana-de-açúcar e um ramo de cafeeiro, a lembrar a
primeira riqueza e aquela que definiu Santos como porto próspero.
A redação do projeto de lei deverá ficar a cargo de um heraldista, para que a
linguagem heráldica seja respeitada, propiciando-se tal assessoramento técnico aos dignos edis santistas.
Também os desenhos deverão ser executados sob a supervisão de heraldista, para que os
termos da Lei sejam respeitados, evitando-se a repetição do que ocorre com o atual Brasão de Armas de Santos. Também poderá ser iniciativa salutar
um debate entre os NN. Vereadores e representante da Secretaria da Cultura para a fixação das alterações a serem introduzidas no Brasão de Armas de
Santos, proporcionando, desta forma, tal assessoramento ao tradicional Município.
Por derradeiro, poderá ser, concomitantemente, estudado um projeto de Bandeira
Municipal para Santos, dentro dos cânones vexilologicos brasileiros.
É o nosso parecer, s.m.j.
São Paulo, 22 de junho de 1981
a) Lauro Ribeiro Escobar.
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Fernando Martins Lichti acrescenta,
como uma quase profética nota do editor ao estudo de Lauro Escobar: "Os estudos foram feitos, os erros foram analisados, mas o brasão e a bandeira
de Santos ainda permanecem com todas as suas falhas heráldicas"...
O brasão antigo (E) e o adotado em 2004 (D): nova coroa sobre a velha "banda
auriverde"...
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