A história na ponta do mastro (*)
1097. Um homem depunha por momentos a pesada armadura. Vencera mais uma batalha contra os opressores mouros. Estava cansado,
mas feliz. Não só pela vitória alcançada, como também pelo prêmio de sua coragem. Ao herói, Conde Henrique de Borgonha, era
oferecido como tributo um território ao Sudoeste da Europa, o Condado Portucalense. E o primeiro estandarte do denodado combatente
em terras ofertadas foi um singelo quadrado branco, cortado por uma cruz azul.
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Bandeira de Henrique de Borgonha (1097)
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Bandeira de Afonso Henriques (1139)
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Seu sucessor, Afonso Henriques (1130-1185), no ano em que assumiu o governo, enfrentou os
mouros na sangrenta batalha de Ourique. E, na noite precedente, sonhou com Cristo. Era da vontade divina, conta a lenda, que a
Afonso Henriques caberia transformar o condado em monarquia e zelar pela religião cristã em seus domínios. No sonho, Cristo
transmitiu-lhe essa missão e ordenou-lhe que fizesse de suas cinco chagas um símbolo que deveria figurar nas armas da monarquia.
Assim lhe disse o Senhor no sonho. Assim fez Afonso Henriques no condado. Vencedor da
batalha, fundou, em 1139, o reino português e transformou a bandeira real. Conservou o campo branco, mas a cruz azul de seu pai
cedeu lugar a outra, formada por cinco escudetes também azuis. Em cada um deles, as chagas representadas por cinco besantes de
prata, ou seja, círculos semelhantes ao besante, antiga moeda de Bizâncio.
Em 1250, Dom Afonso III, o Bolonhês, conquistou Algarves, que anteriormente fazia parte do
Califado de Córdoba. Acrescentou, então, à bandeira real portuguesa as armas do vencido: doze castelos de ouro em campo de púrpura.
Bandeira de Dom Afonso III (1250)
Tal rei, tal bandeira - Depois de Afonso III, o Bolonhês, a bandeira ainda passou por
várias transformações. Cada rei acrescentava, tirava o mudava algo no pavilhão português. Dom João I (1385-1433) não o modificou
muito. Filho bastardo de Dom Pedro I de Portugal, Dom João era mestre da Ordem Militar de Avis. Em março de 1385, as cortes do
reino, reunidas em Coimbra, alegaram que nenhum dos legítimos herdeiros do trono possuía suficiente capacidade para tomar as rédeas
do poder. E entregaram-nas a Dom João, Mestre de Avis, que, uma vez no trono, junto às insígnias de seus predecessores a cruz de sua
ordem, oculta quase toda por um escudo.
No reinado de Dom Manuel I (1495-1521), chamado o Venturoso, os portugueses realizaram
várias façanhas marítimas que trouxeram mudanças à bandeira. O monarca, envaidecido, criou uma bandeira pessoal: no centro do campo,
dividido em quatro triângulos vermelhos e brancos, colocou a esfera armilar de ouro, formada de vários círculos.
A esfera armilar, considerada já na antigüidade como símbolo de autoridade e domínio
imperial, tornou-se, para os portugueses, o símbolo de seu poderio naval.
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Bandeira do Mestre de Avis (1385)
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Bandeira de Dom Manuel I (cerca de 1510)
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A bandeira de Cabral - As primeiras naus portuguesas que vieram ter às praias
brasileiras navegavam, como as demais embarcações lusitanas, com a bandeira da Ordem de Cristo: a cruz da Ordem, vermelha, em campo
de neve. A que Cabral trouxe consigo ao Brasil estivera exposta num altar erguido próximo à torre de Belém, ainda em Portugal,
quando de uma missa rezada pelo bom êxito da frota descobridora. A cruz da Ordem figurava nas velas de todas as naus de Cabral.
Bandeira de Dom João III (cerca de 1550)
A coroa na bandeira - Dom João II (1521-1557) retomou a bandeira do período de Dom
João I. No entanto, dela retirou a cruz da Ordem de Cristo. Conservou o escudo com a cruz formada por cinco escudetes azuis, agora
encimado pela coroa real.
Pouco tempo ficou a coroa portuguesa na bandeira. Ao tempo da dominação espanhola
(1580-1640), ramos verdes ladeavam o escudo e a coroa real foi substituída pela espanhola, em tamanho maior.
Restaurada a monarquia lusitana, a coroa portuguesa voltou ao seu lugar, na vida e na
bandeira. O escudo manteve-se centralizado. Mas os ramos desapareceram, por ordem de Dom João IV. O campo passou a ser azul,
simbolizando o culto a Nossa Senhora da Conceição, padroeira de Portugal desde 1646.
A cruz no Brasil - Até a época de Dom João IV, usava-se no Brasil uma bandeira na
qual figurava o escudo português, circundado por uma corrente, de onde pendia a cruz da Ordem de Cristo. Mas essa não era a única.
Havia outra, utilizada não só no Brasil como na Índia. Era branca, tendo ao centro a esfera armilar. À direita um jesuíta empunhava
a cruz, e à esquerda luzia o escudo português.
Embora a bandeira da cruz da Ordem de Cristo não fosse a única, era a mais usada e
vigorava na maioria dos domínios portugueses de ultramar. Até os bandeirantes a levaram, quando penetraram pelos sertões do Brasil.
E em cada local avançado a içavam, como um marco da posse da terra.
Bandeira de Dom João IV para o Brasil (1645)
A esfera do principado - Depois de 27 de outubro de 1645, o Brasil passou a ter sua
própria bandeira. Porque, nessa data, Dom João IV (1640-1656) conferiu a seu filho Teodósio o título de príncipe do Brasil, que, a
partir daí, se transmitiu aos herdeiros diretos da coroa.
O pavilhão, concebido especialmente para o Principado do Brasil, era todo branco. Dominava-o
a esfera armilar de ouro, encimada por um pequeno globo azul e uma cruz vermelha. Essa foi a bandeira mais usada durante a navegação
comercial entre o Brasil e a metrópole.
O real decreto - Fazia já oito anos que a colônia tinha sido elevada à categoria de
Reino Unido a Portugal e Algarves, quando o rei de Portugal, então residente no Rio de Janeiro, proclamou em documento régio:
Eu, Dom João, por graça de Deus rei do Reino Unido de Portugal e do
Brasil e Algarves, daquém e dalém-mar, em África, Senhor da Guiné e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia e
da Índia etc., faço saber que, tendo sido servido unir os meus reinos de Portugal, Brasil e Algarves, para que juntos constituíssem
efetivamente um só e mesmo reino, e incorporar em um só escudo real as armas de todos os três reinos (...); e, ocorrendo que para
este efeito o meu reino do Brasil ainda não tem armas que caracterizem a bem merecida preeminência a que me aprouve exaltá-lo, hei
por bem e me apraz o seguinte:
1º - que o reino do Brasil tenha por armas uma esfera armilar de ouro
em campo azul;
2º - que o escudo real português, inscrito na dita esfera armilar de
ouro em campo azul, com uma coroa sobreposta, fique sendo, de hoje em diante, as armas do Reino Unido de Portugal, Brasil e
Algarves, e das mais partes integrantes de minha monarquia;
3º - que estas novas armas sejam por conseguinte as que uniformemente
se hão de empregar em todos os estandartes, bandeiras, selos reais e cunhos de moedas, assim como em tudo mais em que até agora se
tenha feito uso das armas precedentes. No Palácio do Rio de Janeiro, aos 13 de maio de 1816.
E se tal foi a ordem, tal foi a bandeira do Reino Unido.
Bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1816)
Abaixo a esfera - A bandeira do Reino Unido não teve longa existência. Em 21 de
agosto de 1821, após a revolução do Porto, a qual reivindicava a volta de Dom João VI a Lisboa e o retorno do Brasil à condição de
colônia, as assembléias constituintes deliberaram que a bandeira do Reino Unido seria apenas portuguesa. Manteria o branco e o azul,
em dois campos. E aboliria a esfera armilar, conservando o escudo e a coroa real.
No ano seguinte, o regente do Brasil, Dom Pedro, rebelou-se contra ordens provenientes da
metrópole e, num gesto de protesto, seguido por seus comandados, arrancou do uniforme as bandas azuis e brancas representativas de
Portugal. E logo se pôs a pensar numa nova bandeira para o Brasil.
Bandeira do Reino Unido definida pelas Cortes de Lisboa (1822)
O auriverde pendão do Império - Onze dias após a proclamação da Independência, as
cores nacionais passaram a ser o verde e o amarelo. Não se sabe ao certo por que teriam sido escolhidas essas cores. Alguns crêem
que o verde seria o da casa de Bragança, dinastia portuguesa desde 1640 até 1910, da qual descendia Dom Pedro. E o amarelo
representaria a casa de Habsburgo-Lorena, nobre família da Áustria à qual pertencia Dona Maria Leopoldina, primeira esposa de Dom
Pedro I. Mas são conjeturas. O decreto que criava a nova bandeira nada esclarecia a respeito de cor. Dizia apenas que deveria ter "o
verde da primavera e o amarelo do ouro".
Ainda no terreno das conjeturas, as cores da bandeira teriam sido escolhidas pessoalmente
por Dom Pedro e indicadas, por ele, ao francês Jean Baptiste Debret (1768-1848). O famoso artista viera ao Brasil em 1816,
juntamente com outros pintores e escultores, para formar a Academia Real de Belas-Artes. Com a indicação de Dom Pedro, Debret
concebeu a bandeira nacional, inspirando-se em alguns pavilhões militares franceses, posteriormente à Queda da Bastilha (14 de julho
de 1789). Um desses pavilhões tinha um losango branco, disposto entre quatro triângulos azuis e vermelhos. Ao centro ostentava,
cruzados, uma espada, o barrete frígio usado pelos revolucionários, o báculo e a pá. Atravessava-os uma faixa: Vis unita major
nunc et semper (A força unida maior agora e sempre).
Pavilhão francês que serviu de inspiração a Jean Debret em 1822
A bandeira brasileira concebida por Debret tinha o campo verde com um losango amarelo
inscrito, observando a recomendação do imperador no que dizia respeito às cores. Sobre o losango, um escudo e uma coroa. Inscrita no
escudo, em campo verde, a esfera armilar de ouro, que assim reaparecia na bandeira, atravessada pela cruz da Ordem de Cristo. A
circundá-la, dezenove estrelas de prata sobre orla azul representavam as províncias. Ladeavam o escudo um ramo de café e um de
tabaco, símbolos das riquezas agrícolas do País.
Bandeira brasileira a partir da Independência em 1822
Abaixo o império - As campanhas pela proclamação da República eram seguidas de
projetos de novas bandeiras para o Brasil. uma delas seria adotada com o advento do novo regime. Se o plano político do País urgia
ser reformado, parecia a alguns republicanos que o mesmo era válido para a bandeira. Esta teria de acompanhar a mudança. Nenhuma
lembrança, nenhum vestígio do passado deveria ser preservado.
Apesar disso, muitos dos projetos apresentados tinham ainda forte cunho tradicionalista, que
os republicanos a todo custo queriam evitar. Aquiesceram, porém, em conservar dois componentes do velho pavilhão imperial. O
primeiro era o verde-amarelo, que, segundo a maioria dos republicanos, devia ser mantido na mesma disposição da bandeira imperial: o
losango de ouro em campo de esmeralda. O segundo era o "lábaro estrelado", não só por figurar já no Hino Nacional, que não seria
alterado, como também por representarem as estrelas alguns dos ideais republicanos.
Projetos de bandeira - Os artistas partidários da República deram vazão à sua veia
criadora e apresentaram dezenas de projetos para o pavilhão que seria desfraldado logo após a proclamação do novo regime. Um deles
(1) apenas propunha a substituição da antiga coroa imperial pelo barrete frígio.
Outro achava que o campo verde devia ser mantido, sobreposto à cruz da Ordem de Cristo.
Dentro, uma esfera azul, orlada de estrelas de prata. Ao centro, a esfera armilar. Os ramos da bandeira imperial também se
mantiveram. Era, na verdade, uma bandeira muito semelhante à imperial (2).
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Projeto (1) de bandeira da República (1889)
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Projeto (2) de bandeira da República (1889)
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Nos esboços seguintes, as estrelas apareciam como uma constante. Um projeto mantinha o
losango amarelo em campo verde, e as estrelas, cinco, dispunham-se sobre uma esfera azul, no centro do losango, representando o
Cruzeiro do Sul (3).
A esfera armilar retornou em um dos projetos, no centro da bandeira, dentro de uma esfera
azul margeada de estrelas brancas (4).
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Projeto (3) de bandeira da República (1889)
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Projeto (4) de bandeira da República (1889)
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Ou então, ainda no centro de uma esfera azul orlada também de estrelas brancas, deixando ver
as pontas da cruz da Ordem de Cristo, que, como na bandeira imperial, aparecia atrás da esfera (5).
Em outro desenho, a cruz da Ordem de Cristo atravessava a esfera armilar, inscrita num
círculo azul orlado de estrelas. Era a mesma disposição que figurava na bandeira do império (6).
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Projeto (5) de bandeira da República (1889)
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Projeto (6) de bandeira da República (1889)
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Um único esboço apresentado abolia tanto o verde e o amarelo como as estrelas. A bandeira,
segundo o autor, devia ser composta em três faixas horizontais: preta, vermelha e branca, representando a fusão dos elementos
formadores da etnia brasileira: o negro, o índio e o português.
No centro da faixa vermelha, o escudo, onde se inscrevia a esfera armilar. Esta ocultava uma
âncora branca, da qual apareciam apenas as extremidades. Encimava o escudo o barrete frígio. Ladeando a esfera, dois ramos de café.
Deveriam figurar ainda um cavalo e um boi, simbolizando a atividade pastoril. Mas foram retirados do projeto, porque
sobrecarregariam o pavilhão (7).
O auriverde e as estrelas retornaram no desenho seguinte: uma série de 13 listras
horizontais, verdes e amarelas alternadamente. Ao canto esquerdo, um quadrado azul com 21 estrelas de prata. Essa bandeira chegou a
ser adotada pelo governo provisório durante alguns dias (8).
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Projeto (7) de bandeira da República (1889)
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Projeto (8) de bandeira da República (1889)
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Enfim, a República - A 15 de novembro de 1889, no mesmo dia em que se proclamou a
República, discutia-se como seria a bandeira. O projeto vencedor foi o da autoria de Raimundo Teixeira Mendes. O decreto autorizando
a criação data de 19 de novembro do mesmo ano. O lema "Ordem e Progresso" foi inspirado no filósofo positivista Augusto Comte
(1798-1857), cujo pensamento era admirado e seguido pelos republicanos brasileiros. A parte artística foi confiada ao pintor Décio
Vilares.
O autor do projeto justificou sua elaboração num artigo publicado no Diário Oficial
de 24 de novembro de 1889: o círculo azul em que está inscrita a faixa Ordem e Progresso traz à memória a esfera armilar" e,
portanto, o período do Brasil-reino. As cores, azul e branca, lembram a fase do Brasil-colônia. As estrelas representam o céu do Rio
de Janeiro na madrugada histórica de 15 de novembro. Antes de elaborar seu traçado, o autor consultou o astrônomo Manuel Pereira
Reis. Apesar disso, a disposição das estrelas foi criticada por não corresponder à realidade. Teixeira Mendes alegou que as
desenhara seguindo mais o senso estético que a orientação do cientista.
É curiosa a justificativa apresentada para o verde e amarelo, que "caracterizam o conjunto
das produções da natureza viva e da natureza morta". Ainda sobre o verde, diz o autor, citando Comte, que "esta nuança convém aos
homens do porvir, porque caracteriza a esperança, como o anuncia por toda a parte a vegetação, ao mesmo tempo que indica a paz".
Em 1892, o Congresso pensou em suprimir o lema "Ordem e Progresso", por achá-lo de mau
gosto. Mas, em face da reação, desistiu da idéia.
Em 1908, uma comissão em que figurava, entre outros, o poeta Olavo Bilac, apelou "para que
se comemorasse condignamente o pavilhão nacional". O apelo foi atendido: 19 de novembro, dia do decreto autorizando a criação da
bandeira, ficou sendo dedicado à sua festa. (...)
(Transcrito de Novo Conhecer/Brasil, 1977, Editora
Abril Cultural, São Paulo/SP)
Veja também:
História da Bandeira Nacional |