José Bonifácio
Mural de Oscar Pereira da Silva, Museu Paulista/SP, reprodução de Grandes
Personagens...
José Bonifácio (1763-1838)
Os homens ao redor da mesa são conspiradores. Estão
reunidos para, segundo eles próprios, "defender por todos os meios a integridade, categoria e independência do Brasil, como Reino, e a Constituição
legítima do Estado". Um velho, a quem os outros chamam de Tibiriçá, dirige os trabalhos, e acaba de propor a formação de uma sociedade
secreta, o "Apostolado da Nobre Ordem dos Cavaleiros da Santa Cruz". O primeiro a aplaudir a idéia é um jovem, que ali tem o nome de Rômulo.
Data do acontecimento: 2 de junho de 1822; local: Rio de Janeiro.
Brasil e Portugal ainda formam um Reino Unido, mas aqueles homens querem o Reino do
Brasil senhor de seus destinos. Por isso, tratam de organizar-se clandestinamente. Três lemas os unem: "Independência ou Morte", "União e
Tranqüilidade", "Firmeza e Lealdade".
E juram "promover com todas as forças, e até à custa da vida e fazenda, a integridade,
categoria e independência do Brasil como Reino Constitucional... opondo-se tanto ao despotismo que o altera como à anarquia que o dissolve".
Todos parecem decididos, resolutos, dispostos a tudo. E são homens ilustres, ricos,
poderosos. Que diriam o Príncipe Regente Dom Pedro e seu ministro José Bonifácio, se soubessem da conspiração?
Terminada a reunião, assinam a ata de fundação da sociedade. Antes de seu pseudônimo,
Rômulo coloca as iniciais D.P.A.; Tibiriçá, por sua vez, escreve J.B.A.S.
D.P.A. queria dizer Dom Pedro de Alcântara. Tibiriçá era José Bonifácio de
Andrada e Silva.
Primeiro Antônio, depois Bonifácio - José Bonifácio nasceu a 13 de junho de
1763, segundo filho de Bonifácio José Ribeiro de Andrada com sua prima Maria Bárbara da Silva, e foi batizado com o nome de José Antônio de Andrada
e Silva. A primeira vez em que ele aparece usando o nome pelo qual se tornaria célebre é em 1776, quando um recenseamento realizado em Santos, onde
nascera, revela a existência de um José Bonifácio de Andrada, de treze anos, estudante.
Mas não havia muito que estudar na pequena vila e seu pai, um dos homens mais ricos e
ilustres do lugar, enviou o filho para São Paulo. Na capital da província existiam uma boa biblioteca e cursos de francês, lógica, retórica e
metafísica, dados pelo Bispo Manuel da Ressurreição. O garoto Bonifácio logo revelou talento, mas, embora procurassem orientá-lo para o sacerdócio,
parecia preferir outros caminhos. Mesmo assim, o velho Bonifácio José mandou tirar habilitações de genere, necessárias para quem quisesse
dedicar-se à carreira clerical, em nome de quatro dos seus filhos: Patrício, José Bonifácio, Antônio Carlos e Martim Francisco. Foi certidão demais:
só Patrício aceitou o conselho do pai, tornando-se sacerdote.
Na mesma época do pedido das certidões, José Bonifácio, aos dezesseis anos, pensava em
outra coisa:
Derminda, aquele amor que me juraras,
onde está, tantas vezes prometido?
É possível que seja aborrecido
Josino teu, que dantes tanto amaras?
Quem era essa musa inspiradora - Derminda - a História não registrou. O fato é que,
sempre apaixonado, Américo Elísio - como José assinou todos os seus poemas de juventude - não mostrava nenhum pendor para a vida
eclesiástica. Concluídos seus estudos em São Paulo, o pai resolveu enviá-lo para o Rio, de onde seguiria para a universidade, em Coimbra.
Da sua estada na capital da Colônia, só se tem notícia através de novos versos,
cantando outra mulher, agora oculta sob o pseudônimo de Alcina. Aos vinte anos, ocupando com suas muitas namoradas, José Bonifácio não podia prever
que jamais reveria seu pai, morto seis anos mais tarde.
Em 1783, o moço partia para Portugal. Só voltaria 36 anos depois.
Os versos agora são para Newton - A 30 de outubro de 1783, José Bonifácio
matricula-se na Faculdade de Direito de Coimbra. Menos de um ano depois, passa a freqüentar também os cursos de filosofia natural (que então incluía
história natural, química e filosofia) e matemática.
Coimbra, que desde 1303 era a sede da cultura portuguesa, passava por dias difíceis. O
Marquês de Pombal, ministro do Rei José I, havia decretado profundas modificações na universidade: tentou modernizá-la, introduzindo o ensino das
ciências baseadas na observação e o estudo dos filósofos do seu tempo. Com a morte de José I (1777), Pombal deixou o governo, e seus sucessores -
contrários às reformas do antigo ministro - resolveram que a universidade deveria cuidar apenas de literatura e teologia. Já em 1778, por um alvará
régio, haviam sido proibidos vários livros e, no ano seguinte, o reitor da universidade, Francisco de Lemos, foi substituído por uma autoridade
eclesiástica de Lisboa, "com a missão de providenciar contra o ardor revolucionário com que os jovens se aplicavam à lição voluntária dos livros de
errada doutrina".
Os estudantes, contudo, sempre encontravam um jeito de continuar lendo os pensadores
mais audaciosos. Assim fez também José Bonifácio. Sua poesia, uma vez integrado na universidade, passou a dedicar-se aos filósofos: "Tu, Leibniz
imortal, tu, grande Newton. A razão lhe revigoras..."
Embora qualificasse Jean-Jacques Rousseau de "sublime", suas idéias inclinavam-se mais
para Voltaire. Como ele, José Bonifácio odiava o despotismo, dizendo em versos "Maldição sobre ti, monstro que a humanidade aviltas", mas não
chegava a querer a república, preferindo uma "monarquia esclarecida". Como Voltaire, pregava a liberdade e a tolerância, mas não admitia governo
exercido pelo povo inculto. Via com maus olhos os movimentos revolucionários, pois entendia que a ordem era uma exigência da própria natureza. Essa
filosofia iria acompanhá-lo por toda a vida.
O pensamento liberal levava José Bonifácio a pensar na autonomia da América, sem que
isso significasse necessariamente a independência. E já nessa época atacava a escravização de índios e negros no Brasil. Voltava-se também contra a
política seguida na colônia portuguesa da América, dizendo que "as ciências e as letras estavam por terra e só interessava vender açúcar, café,
algodão, arroz, tabaco".
Mas em Portugal, não só os estudantes de Coimbra discordavam dos sucessores de Pombal.
O marquês deixara adeptos, como, por exemplo, Dom João de Bragança, Duque de Lafões e primo da Rainha Dona Maria I. Fora ele quem fundara a Academia
de Ciências de Lisboa, dedicada à pesquisa e à introdução de novas técnicas no Reino. Em 1789, José Bonifácio, já formado em direito e filosofia,
foi convidado pelo fidalgo a fazer parte da Academia de Ciências. Pouco depois, o jovem brasileiro apresentava seu primeiro trabalho - Memória
Sobre a Pesca das Baleias e Extração de seu Azeite -, no qual, em meio a citações eruditas, procurava melhorar os processos da indústria
pesqueira.
Universidade de Coimbra, em Portugal
Foto: Grandes Personagens da Nossa História
Um longo passeio pela Europa - Naquele fim do século XVIII, as minas de ouro do
Brasil já pouco produziam, e o governo português buscava homens que entendessem de mineralogia, tanto para aumentar o rendimento das minas
existentes, como para pesquisar novos filões. Não havia ainda uma especialização das ciências, e assim, embora José Bonifácio estivesse escrevendo
sobre baleias, sua atividade chamou a atenção da Coroa.
A 18 de fevereiro de 1790, por indicação do Duque de Lafões, José Bonifácio, Manuel
Ferreira da Câmara Bethencourt e Sá (também brasileiro) e Joaquim Pedro Fragoso são escolhidos para percorrer a Europa, com o objetivo de
"adquirirem por meio de viagens literárias e explorações filosóficas os conhecimentos mais perfeitos de mineralogia e mais partes da filosofia e
história natural'.
Era uma espécie de bolsa de estudos. Os três homens deveriam seguir para a França,
onde cursariam química e mineralogia durante pelo menos um ano, e depois para as regiões da Alemanha (na época ainda não unificada), Suécia,
Dinamarca, Inglaterra e Escócia. Em junho de 1790, os três puseram-se a caminho.
Um cientista na revolução - França, 1790. Todos os cidadãos, homens e mulheres,
usavam os laços tricolores da Revolução. No ano anterior fora promulgada a Declaração dos Direitos do Homem e reunira-se a Assembléia Constituinte.
Em Paris, pela primeira vez na História, todo o povo mergulhava nos negócios da política. Os aristocratas iam perdendo terreno e novos partidos
disputavam asperamente o poder: os liberais moderados de La Fayette buscavam conciliar a nobreza com o resto da nação, mas estavam fracassando
frente aos girondinos (burgueses liberais) e aos jacobinos (radicais) de Robespierre. E nos jornais, que circulavam às centenas, havia
a palavra de Marat, pedindo todo o poder para o povo.
A 14 de julho, no Campo de Marte, 400 mil franceses estão reunidos para assistir à
cerimônia celebrada por Talleyrand, no altar da pátria.
Para José Bonifácio, recém-chegado a Paris, a Revolução Francesa devia ter sido
extremamente estimulante, pois tentava-se pôr em prática o que haviam dito os filósofos que ele tanto admirava. Entretanto, apesar da sua
inteligência e imensa curiosidade intelectual, que o levava a ler e escrever sobre todas as coisas, não fez senão uma análise superficial dos
acontecimentos, mostrando desagrado pela "falta de ordem" reinante na França. Seus apontamentos dedicavam mais espaço às mulheres do Palais Royal
que aos políticos da época.
E assim, enquanto o povo se agitava nas ruas, Bonifácio entregava-se com afinco às
aulas de química e mineralogia. Aluno brilhante, ao terminar os cursos tornou-se membro da Sociedade Filomática de Paris (filomático é quem ama as
ciências) e da Sociedade de História Natural, onde apresentou seu segundo trabalho científico: Memória Sobre os Diamantes do Brasil.
Em julho de 1791, o Rei Luiz XVI tentou fugir da França, caindo prisioneiro.
Seguiram-se novas lutas e distúrbios e, pouco depois, nesse mesmo ano, José Bonifácio deixou a França, rumo aos principados alemães. Sua parada
seguinte foi em Freiberg, na Saxônia, onde fez amizade com o naturalista Alexander von Humboldt, e adquiriu definitivamente a fama de cientista.
Estagiou em diversas outras regiões mineiras da Europa, mas foi na Suécia e na Noruega que sua carreira de mineralogista chegou ao apogeu, quando
descobriu e descreveu doze novos minerais, quatro dos quais constituíam espécies totalmente desconhecidas.
A carreira do cientista prosseguiu na Dinamarca e Inglaterra, tornando-se ainda membro
de academias científicas em Berlim, Viena, Estocolmo, Londres e Edimburgo. A vida de José Bonifácio parecia, então, indissoluvelmente ligada à
ciência. Ao fim da longa viagem de estudos, que durou dez anos, casa-se com Narcisa Emília O'Leary, de ascendência irlandesa, regressando a Portugal
em setembro de 1800. Durante sua ausência, Dom João tornara-se príncipe-regente, enquanto na França a Revolução cumprira seu ciclo, levando Napoleão
Bonaparte ao poder. Mas a política não interessava a José Bonifácio de Andrada e Silva, o grande cientista.
Gabriela Frederica, uma das três filhas de José
Bonifácio, casou com Martim Francisco, seu tio. Em correspondência a Novo Milênio, um de seus descendentes,
Ricardo C. Amaral, esclarece que José Bonifácio o
Moço é o que aparece à direita, com a mão sobre o ombro da irmã mais nova. Ele explica que essa identificação consta - com a mesma foto - no livro
José Bonifácio – O Moço, de Julio Cezar Faria (historiador ligado ao Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo), publicado em 1944 pela
Companhia Editora Nacional
Foto do acervo de Francisco de Andrada e Silva/SP, reprodução de Grandes Personagens...
Bonifácio contra Bonaparte - Em Portugal reencontrou seus irmãos mais moços,
Antônio Carlos e Martim Francisco, que haviam recém-concluído seus cursos em Coimbra. Tornou-se, também, amigo do Conde de Linhares, ministro de Dom
João, e logo começou a receber uma série de comissionamentos governamentais, passando os anos seguintes a inspecionar as minas do Reino. Além disso,
lecionou mineralogia em Coimbra.
Sua primeira intenção era desenvolver a Ciência em Portugal, mas logo desanimou pela
falta de material de trabalho - "nessa universidade não há coleção mineralógica que sirva e valha coisa alguma" - e também pela falta de verbas, que
não lhe permitiam modernizar o trabalho das minas.
Em 1806, aos 43 anos, escreveu ao Conde de Linhares: "Estou doente, aflito e
cansado... vou deitar-me aos pés de Sua Alteza Real para que me deixe ir acabar o resto dos meus cansados dias nos sertões do Brasil..."
Dois anos depois, o "homem cansado", o cientista desinteressado da política, seria
posto à prova. Napoleão mandara invadir Portugal e a família real retirava-se para o Brasil. No país ocupado pelos franceses, teve início um
movimento clandestino de libertação. Entre seus chefes estava José Bonifácio. Ainda em 1808, organizou-se em Coimbra o "Corpo Voluntário Acadêmico",
que entrou em luta com os invasores, conseguindo libertar algumas regiões. Como militar, chegando ao posto de tenente-coronel, Bonifácio instalou
fábricas de munições e também comandou tropas de infantaria, no ataque direto ao inimigo.
Finalmente, os franceses se retiraram e, em 1815, batido pela Áustria, Prússia, Rússia
e Inglaterra, Napoleão era confinado na ilha de Santa Helena. Cessada a ocupação, Bonifácio retornou às suas funções científicas. Parece não se ter
associado ao movimento liberal português, que se opunha à crescente influência inglesa no Reino, na ausência da família real.
Ligou-se, entretanto, à Maçonaria, fraternidade secreta onde se congregavam os
liberais da época, mas não participou da frustrada revolta dos maçons em 1817, que pretendia estabelecer a monarquia constitucional, e teve como
conseqüência a execução de Gomes Freire de Andrade, um dos líderes. No mesmo ano, soube da revolução de Pernambuco, em que seu irmão Antônio Carlos
fora preso.
A despeito de todas as ligações que possuía, mantinha-se à margem das disputas. Seu
único objetivo na época era ser desobrigado das funções que exercia, a fim de poder voltar ao Brasil, de onde partira há tanto tempo. Para isso,
enviava longas petições ao rei.
Só em 1819 conseguiu ver atendidos seus pedidos. Despediu-se da Academia de Ciências:
"É esta a derradeira vez (com bem pesar o digo) que tenho a honra de ser o historiador de vossas tarefas literárias e patrióticas, pois é forçoso
deixar o antigo, em que me encontro, para ir habitar o novo Portugal em que nasci".
Com ele vieram sua esposa, a filha Gabriela e os criados. À comitiva conseguira
acrescentar, com o consentimento da esposa, uma criança de colo, sua filha ilegítima Narcisa Cândida. Com 56 anos de idade, após 36 anos de
ausência, José Bonifácio voltava ao Brasil, segundo dizia, para terminar seus dias como agricultor.
Não deixam um cidadão em paz - Após breve passagem pelo Rio de Janeiro, onde
recusou alguns convites para cargos oficiais, José Bonifácio chegou a Santos. Reunida a família (sua mãe ainda vivia), declarou que voltara ao
Brasil para descansar, encerrar seus estudos e fugir da vida pública. Tornou-se então amigo inseparável do irmão Martim Francisco, que acabou seu
genro, casando-se com sua filha Gabriela. Juntos fizeram várias excursões mineralógicas, observando terras e inspecionando a casa de fundição de
Sorocaba. Os relatórios a respeito dessas incursões eram praticamente os únicos contatos oficiais que Bonifácio mantinha com o governo.
Entretanto, longe da sossegada vila de Santos, os acontecimentos conspiravam para
mudar novamente os caminhos da sua vida.
Os liberais, em Portugal, tinham afinal realizado uma revolução vitoriosa: exigiam a
volta do rei e queriam uma Constituição. As guarnições militares no Brasil apoiavam o movimento. Os círculos liberais brasileiros exultavam e,
embora discordassem da Metrópole em muitos pontos, estavam todos de acordo quanto à convocação de uma Assembléia Constituinte.
A 24 de abril de 1821, Dom João VI embarcava de
volta a Portugal, deixando Dom Pedro como Regente. Antes de partir convocara eleições, para que se formassem nas províncias as juntas governativas
constitucionais e fossem eleitos os deputados à Constituinte que se reuniria em Lisboa.
Uma das conseqüências dessa reviravolta política foi a libertação dos presos da
revolução pernambucana de 1817, entre eles Antônio Carlos de Andrada e Silva. Mas não seria essa a única alegria da família, pois Santos e São
Vicente indicavam os irmãos Martim Francisco e José Bonifácio para representá-las nas eleições que se realizariam em São Paulo.
Sendo o mais velho e o de maior prestígio entre os representantes das três comarcas da
província - São Paulo, Itu e Paranaguá -, José Bonifácio foi escolhido para presidir a eleição. De repente, viu-se alçado à categoria de líder
político, precisando assumir, desde logo, uma posição. Os liberais, principalmente da bancada de Itu, achavam que a Constituinte era uma ruptura com
o passado, e que nenhum membro do antigo governo, nomeado por Dom João VI, deveria ser mantido.
José Bonifácio contestou. Para ele, era possível um governo de união nacional, e a
introdução paulatina de medidas liberais deveria ser feita de comum acordo com os antigos mandatários. Comparada com o absolutismo anterior, a
monarquia constitucional seria um passo adiante, e não um novo regime.
José Bonifácio propunha o congraçamento geral, dizendo: "Esta eleição só pode ser
feita por aclamação unânime". Sua preocupação fundamental era de que as alterações fossem feitas dentro da ordem, e ela só poderia ser alcançada com
a união dos "espíritos lúcidos". E, para obter isso, estava disposto a conciliar.
Das janelas de um prédio, em São Paulo, indicou aos eleitores reunidos na praça em
frente o nome de João Carlos Oyenhausen, que já era governador, nomeado por Dom João VI, como o novo governante da província. Aliava-se assim aos
conservadores, ignorando os protestos dos liberais mais agressivos. A eleição era por aclamação e a proposta de José Bonifácio foi aceita sem maior
discussão. Ele próprio foi lembrado para a vice-presidência da Junta Governativa.
Sua Excelência, o ministro - A maioria das Juntas Governativas Provinciais,
renegando o absolutismo, procurava ignorar o príncipe-regente e aliar-se à Constituinte de Lisboa. São Paulo, governada por Oyenhausen, que
permanecia fiel adepto do absolutismo, embora dentro do esquema político conciliatório de José Bonifácio, foi a primeira província a reconhecer a
autoridade de Dom Pedro, quando este assumiu a Regência. Compreendendo de onde lhe partia tal apoio, o príncipe-regente escreveu a seu pai, Dom João
VI, em julho de 1821, dizendo que "a José Bonifácio de Andrada e Silva se deve a tranqüilidade atual da Província de São Paulo".
Os fatos dariam razão a José Bonifácio. A Constituinte portuguesa mantinha o firme
propósito de proceder à recolonização do Brasil, abolindo a relativa autonomia que os brasileiros haviam obtido a partir de 1808. Ao constatar que o
liberalismo luso era apenas para efeito interno, as Juntas Governativas tiveram que romper com ele e se viram isoladas. A de São Paulo, ao
contrário, apoiou-se em Dom Pedro.
Quando chegou ao Brasil a ordem das Cortes para que o príncipe-regente retornasse à
Europa, surgiram manifestações de protesto diante da recolonização em marcha. José Bonifácio, em nome de sua província, enviou ao príncipe uma
exigência clara:
"Vossa Alteza Real deve ficar no Brasil, quaisquer que sejam os projetos das Cortes
Constituintes, não só para nosso bem geral, mas até para a independência e prosperidade futura do mesmo Portugal. Se V. A. Real estiver (o que não é
crível) deslumbrado pelo indecoroso decreto de 29 de setembro, além de perder para o mundo a dignidade de homem e de príncipe, tornando-se escravo
de um pequeno número de desorganizadores, terá também que responder, perante o céu, do rio de sangue que decerto irá correr pelo Brasil..."
Outras províncias aderiram rapidamente. Minas mandou dizer que "não admitiria mais os
ferros e jugo que outrora nos oprimiram". A carta de José Bonifácio fora recebida a 2 de janeiro de 1822. No dia 9, José Clemente Pereira,
presidente da Câmara do Rio de Janeiro, entregou ao príncipe uma petição análoga em nome do povo fluminense. A Dom Pedro agradava todo esse
movimento, pois ele próprio não tinha a intenção de ceder às pressões vindas de Portugal. Necessitava apenas de apoio popular e competentes
conselheiros para resistir.
Sentindo-se forte, respondeu a Clemente Pereira: "Como é
para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto: diga ao povo que fico."
Sete dias depois, Dom Pedro nomeava José Bonifácio ministro do Reino e de
Estrangeiros.
Visconde de Cairu e o conselheiro José Bonifácio
Óleo de R. Nunes, na Câmara de Vereadores de Salvador/Bahia,
reproduzido de Grandes Personagens da Nossa História
A lutra, atrás dos bastidores - Assim que assumiu o ministério, José Bonifácio
viu-se envolvido numa situação muito delicada, dado o precário equilíbrio do governo. De um lado, os liberais procuravam precipitar os
acontecimentos, pensando na completa independência de Portugal e até em proclamar a República. Com esse objetivo, organizaram agitações nas
províncias e pressionaram o governo de todas as maneiras. Do outro lado, havia o partido português, formado principalmente por militares e
comerciantes lusos, tentando retirar os poderes do príncipe-regente e querendo que prevalecesse a autoridade da Constituinte de Lisboa.
Entre as correntes antagônicas, debatia-se o Governo, procurando manter os laços com
Portugal sem perder a autonomia conquistada. No entanto, como Dom Pedro já demonstrara no episódio do 'Fico", a preservação da autonomia era o
fundamental.
Essa política encontrava apoio nos grandes proprietários e comerciantes brasileiros,
que pretendiam obter a independência do Brasil com um mínimo de alterações, ou seja, conservando a ordem estabelecida.
Para enfrentar a ameaça do partido português, que sem base política procurava
valer-se da força militar, principalmente no Nordeste, onde a resistência lusa era encabeçada pelo general
Madeira, José Bonifácio convidou o general francês Pedro Labatut a fim de organizar um exército pacificador. Em julho de 1822, Labatut seguiu para a
Bahia: ia combater o grande reduto de tropas lusitanas. Com igual energia o ministro atacou as insurreições liberais.
A maior luta realizava-se, no entanto, nos bastidores da Maçonaria, e reunia os mais
importantes elementos liberais. Dentro dela, digladiavam-se duas facções. Gonçalves Ledo, à frente de seu grupo, a Maçonaria "Vermelha", exigia do
governo medidas concretas, como a convocação de uma Constituinte brasileira, e voltava-se contra a repressão aos levantes liberais. Por seu lado, à
testa da Maçonaria "Azul", José Bonifácio concordava com a Constituinte, mas recusava-se a ceder diante das pressões. Do Governo deviam partir as
iniciativas que levariam à independência.
Nessa disputa, Gonçalves Ledo marcou algumas vitórias. Procurando ganhar para si o
príncipe-regente, destituiu José Bonifácio de suas funções de Grã-Mestre da Loja do Grande Oriente da Maçonaria, nomeando Dom Pedro para o seu
lugar. O ministro respondeu fundando o "Apostolado", que se organizava nos moldes da própria Maçonaria, com o fim específico de promover "a
independência do Brasil".
Nessas condições, o próprio Ledo teve que participar da fundação do "Apostolado", mas
José Bonifácio conservou a direção da nova sociedade. No dia seguinte, 3 de junho, a Constituinte brasileira era convocada por Dom Pedro. O
documento era quase uma declaração de independência, embora se ressalvasse no texto a união com Portugal. Imediatamente, José Bonifácio propôs
várias medidas visando a garantir a autonomia brasileira. A 21 de junho de 1822, conseguiu que se impusesse como condição para o ingresso em cargos
públicos o juramento prévio de aceitação da independência do Brasil.
Em fins de julho de 1822, novos fatos relegaram a segundo plano a disputa entre os
maçons. Soube-se que a Constituinte lisboeta havia declarado o embargo de armas para o Brasil e preparava o envio de tropas para impor respeito às
suas decisões.
Isso equivalia a uma declaração de guerra. Mesmo os mais conservadores não tinham
outra saída senão rejeitar o ultimato. Daí por diante uniram-se os maçons. A 1º de agosto, Dom Pedro se apresentava como regente do "vasto império"
do Brasil, repelindo as exigências portuguesas. No mesmo dia, um manifesto de autoria de Ledo afirmava a soberania do Brasil. A José Bonifácio coube
redigir outro manifesto, este destinado ao conhecimento das demais nações.
No decreto de Dom Pedro e nos manifestos oficiais colocava-se claramente que o Brasil
era nação independente e soberana, que se governaria a si própria, sem permitir qualquer interferência em seus negócios internos. Poderia manter os
laços de união com Portugal, desde que Lisboa quisesse aceitar essas evidências.
Convencido da importância do apoio europeu, José Bonifácio desenvolveu intensa
atividade junto aos representantes das potências estrangeiras no Brasil. Ao mesmo tempo, enviou delegados brasileiros a Londres, Paris e Washington.
Pensou também em estabelecer uma aliança mais sólida com os governos de outras nações sul-americanas, em particular a Argentina, para fazer frente a
eventuais pressões das nações européias. Chegou mesmo a falar numa Federação Americana, com inteira liberdade de comércio entre os países que dela
participassem.
No plano interno, tomavam-se providências para conseguir o apoio das províncias e Dom
Pedro iniciou uma viagem por Minas Gerais e São Paulo. A acolhida apoteótica de Dom Pedro em Minas e a boa aceitação que as medidas tomadas no
Brasil encontraram em outras nações demonstraram que o governo trilhava caminho seguro.
Em fins de agosto chegaram ao Brasil notícias das últimas decisões das Cortes
lisboetas, reduzindo o príncipe a seu delegado temporário, com secretários de Estado nomeados em Portugal e autoridade circunscrita apenas às
províncias em que ela se exercia de forma efetiva. Como Dom Pedro se achasse em São Paulo no dia 2 de setembro,
reuniu-se o Conselho de Estado sob a presidência de Dona Leopoldina, para discutir as últimas resoluções. Aí decidiu-se o embargo dos fundos da
Cia. de Vinhos do Douro, a título de represália.
E José Bonifácio escreveu a Dom Pedro: "A sorte está lançada, e de Portugal não temos
que esperar senão escravidão e horrores". A resposta do príncipe foi dada a 7 de setembro. Destruídos todos os
vínculos com Portugal, formalizava-se a independência do País.
Depois da independência, a tempestade - Em apenas nove meses de ministério,
Bonifácio conseguira aplainar o caminho da independência. A proclamação se fizera exatamente como pretendera, dentro da ordem e afirmando a
autoridade constituída. A conseqüência principal desse processo foi a conservação da unidade nacional.
Entretanto, logo após a proclamação, as divergências entre José Bonifácio e Gonçalves
Ledo voltaram a aparecer. Os maçons mais radicais exigiam que Dom Pedro jurasse a Constituição ainda não elaborada e anistiasse os presos políticos.
O "Apostolado", com a política de fazer as coisas devagar, repudiava a anistia e o juramento prévio da Constituição.
Alves Branco Muniz Barreto, em nome da Maçonaria, apelou a Dom Pedro, acusando o
ministro José Bonifácio de "despotismo, a coberto da autoridade". A reação de Bonifácio não se fez esperar: convenceu Dom Pedro a fechar a Maçonaria
e ordenou a alguns de seus opositores mais exaltados que abandonassem o Rio. Finalmente, avisou o presidente da Câmara, Clemente Pereira, que
deveria pedir demissão.
Eram sem dúvida atos de violência, praticados em nome da pacificação do País. Mas os
maçons ainda eram poderosos, e Gonçalves Ledo contra-atacou, levando Dom Pedro a reconsiderar suas determinações, reabrindo a Maçonaria.
A 27 de outubro, menos de dois meses depois da independência, José Bonifácio pediu
demissão.
Na vitória, a derrota - Sem contar com Bonifácio e os proprietários e
comerciantes que o apoiavam, Dom Pedro não conseguiu formar novo governo. Para fazê-lo, precisava entregar-se ao grupo de Ledo, que pretendia uma
monarquia constitucional, onde o príncipe teria apenas posição secundária.
Por outro lado, a opinião pública, desconhecendo o conflito de bastidores, não
compreendia o afastamento de José Bonifácio e, insuflada pela imprensa partidária do "Apostolado", voltava-se contra a Maçonaria, acusando-a de
querer secretamente tutelar a Nação.
A 30 de outubro, atendendo a inúmeras petições que lhe chegaram, Dom Pedro chamou de
volta José Bonifácio e deu-lhe poderes ainda maiores. O resultado é que vários maçons, entre eles Clemente Pereira, foram deportados, enquanto
Gonçalves Ledo fugia para Buenos Aires.
Finda a luta interna, José Bonifácio preparou a coroação de Dom Pedro, que teve lugar
a 1º de dezembro de 1822. Além disso, preocupado com as lutas pela independência, que prosseguiam no Norte, chamou o almirante inglês Thomas
Cochrane para organizar uma esquadra. Ao mesmo tempo, preparou um programa de governo.
A Assembléia Constituinte iniciou seus trabalhos a 3 de maio de 1823. Com ela, a
estrela de José Bonifácio começou a declinar: o ministro deixava claro que considerava o imperador com poderes superiores aos da Assembléia; esta
acusava-o de perseguições arbitrárias e despotismo. Na verdade, José Bonifácio não confiava na Assembléia, que a seu ver carecia de homens cultos e
honrados. Por outro lado, os planos de José Bonifácio, incluindo medidas ousadas como a abolição da escravatura (ainda que paulatina), fizeram com
que os fazendeiros vacilassem em continuar a apoiá-lo.
Bonifácio seria vítima da própria contradição. Liberal na administração, não o era na
política. No fim, todos, liberais ou não, voltaram-se contra ele. Apenas podia valer-se dos laços que o uniam ao imperador, mas mesmo nesse campo
havia adversários poderosos, como a Marquesa de Santos, cuja inimizade reforçou o clamor da Assembléia e as manobras dos
políticos. Aconselhado por ela e pressionado pelos outros, Dom Pedro, a 15 de julho, forçou a demissão de Bonifácio. Com ele, retiraram-se Martim
Francisco, também ministro, e sua irmã, Maria Flora, camareira da imperatriz.
A mesma receita para nova oposição - José Bonifácio nunca pretendera ser
político. Dom Pedro não o queria mais, a nação afirmava não precisar dele. Era o bastante: retirar-se-ia para Santos, entre "os seus livros, pedras
e reagentes químicos". Pretendia "deixar para sempre a malfadada Corte", mas para isso teria que pedir licença à Assembléia, pois era deputado por
São Paulo. Ainda uma vez, os fatos contrariariam seus planos.
Antônio Carlos, também deputado, sem dúvida o liberal mais agressivo entre os três
irmãos, acabava de iniciar uma vigorosa ação parlamentar: seria ele o principal autor da Constituição que estava sendo elaborada e queria ajuda dos
irmãos. Por isso, José Bonifácio permaneceu na Corte.
A 15 de setembro iniciaram-se as discussões sobre os 272 artigos do projeto de
Constituição que criava um Executivo forte, dando ao imperador o direito de nomear e demitir ministros, mas também garantindo os direitos do
Legislativo e Judiciário. José Bonifácio subscreveu o projeto, embora duvidasse da capacidade dos membros da Assembléia que o discutiriam, devido à
"incauta ignorância política que nela havia, como sempre houve e há de haver em todas as Assembléias" de qualquer nação que seja, presentes,
passadas e futuras".
Chegou mesmo a sugerir ao imperador, de quem continuava amigo, que enviasse uma
mensagem à Câmara procurando apressar a aprovação do projeto. Dom Pedro respondeu-lhe que precisava respeitar a autonomia da Assembléia Constituinte
e que nada poderia fazer.
Enquanto isso, em Portugal, um golpe dissolvera a Constituinte e restabelecera o
domínio pleno de Dom João VI. Isto bastou para que surgissem rumores de uma nova união com Portugal, ainda mais que alguns dos ministros e quase
todo o pessoal a serviço de Dom Pedro eram portugueses.
Os lances da independência ainda eram demasiado recentes. Os liberais se alarmaram e
recrudesceu a campanha antiportuguesa. O Tamoio e o Sentinela, dois jornais ligados aos Andradas, iniciaram uma campanha contra a
admissão de oficiais portugueses no exército brasileiro.
A questão evoluiu e dois oficiais lusos, sentindo-se ofendidos por um artigo do
Sentinela, agrediram seu suposto autor, que defendia a posição dos Andradas. Depois de pedir providências ao governo, Antônio Carlos, da tribuna
da Câmara, clamava por vingança. E Martim Francisco protestava, pois "...ainda suportamos em nosso seio semelhantes feras..."
Declarava-se a crise política, e quase todo o ministério, ferido em seus brios,
demitiu-se. Um novo ministro, Vilela Barbosa, há pouco chegado de Portugal, comunicou à Câmara que os oficiais da guarnição do Rio e o próprio
imperador estavam sendo ofendidos pelos jornais e por alguns deputados, o que não podia continuar acontecendo.
No mesmo dia, 11 de novembro, a Câmara respondeu que lamentava o incidente, mas
colocava em dúvida a apregoada lealdade das tropas portuguesas. E, para que pudesse tomar alguma providência, pedia maiores esclarecimentos. A
sessão continuou, à espera da réplica do governo. Os deputados continuaram a deliberar, mas nada havia a fazer. A longa sessão de 11 a 12 de
novembro terminaria com a chegada de um oficial trazendo um decreto de Pedro I: a Constituinte estava dissolvida.
José Bonifácio, seus irmãos e alguns outros deputados liberais foram presos, e a 20 de
novembro embarcados num velho navio que partia para a Europa. Estavam sendo deportados.
Exilado no Sul da França, José Bonifácio só pensava em voltar ao Brasil e descarregar
sua irritação contra Pedro I, chamando-o em seus artigos de "Malasarte" e "Rapazinho".
Entretanto, desde 1824, Dom Pedro já havia declarado que José Bonifácio era
"perfeitamente inocente", embora não o tivesse chamado de volta. O princípio da autoridade, de que o Andrada fora grande defensor, era a razão dada
pelo governo, onde pontificavam homens como Oyenhausen, Clemente Pereira e Gonçalves Ledo, que - uma vez ministros - passaram a defender a
autocracia disfarçada.
Só o ressurgimento da oposição parlamentar permitiu que José Bonifácio pudesse
regressar ao País, aqui chegando em julho de 1829, como sempre disposto a não se envolver em política. Neste ano morrera-lhe a esposa - Dona Narcisa
-, e, com 66 anos, pretendia terminar seus dias completando trabalhos científicos.
A amizade que reatara com Dom Pedro iria frustrar-lhe os planos. Forçado a abdicar (7
de abril de 1831), o último decreto e Dom Pedro dizia: "Por este meu imperial decreto nomeio tutor dos meus amados
e prezados filhos ao muito probo, honrado e patriótico cidadão José Bonifácio de Andrada e Silva, meu verdadeiro amigo".
E escreveu a seu antigo ministro: "Espero que me faça este obséquio, acreditando que
se não mo fizer eu viverei sempre atormentado. Seu amigo constante, Pedro".
Caricatura de José Bonifácio por Ângelo Agostini, com a legenda: "Festejos da
Independência. Grande sarilho no Largo de São Francisco na noite de 8 de setembro. O Patriarca Bonifácio, perdendo a paciência, esteve quase
disposto a reagir contra os turbulentos".
Revista Ilustrada, Coleção do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de
São Paulo (USP)
Reprodução de Grandes Personagens da Nossa História
Retiro final, na ilha de Paquetá - Para Dom Pedro e José Bonifácio, a tutoria
era um assunto pessoal. Mas a Câmara assim não compreendia, e recusou ao imperador o direito formal de fazer a indicação. Não obstante, nomeou
Bonifácio como tutor dos filhos de Pedro I. A tutoria transformara-se em problema partidário, que logo arrastaria Bonifácio de volta à arena
parlamentar.
Os liberais, tendo à frente Feijó, então ministro da Justiça, empenhavam-se em impedir
qualquer tentativa de retorno de Dom Pedro I. Por isso, o velho José Bonifácio, ligado aos partidários do imperador por laços de amizade, passou a
ser alvo de ataques no Parlamento. Em abril de 1832, houve um fracassado levante restaurador, e na repressão que se seguiu Feijó exigiu que a
Câmara o destituísse da tutoria. Encontrara elementos que incriminavam José Bonifácio como conspirador.
Mas o velho estadista teve ainda uma última vitória. Por apenas um voto, o Senado
rejeitou o pedido, levando Feijó a demitir-se da pasta da Justiça. No entanto, como continuassem as lutas entre pedristas, moderados (que formavam o
governo) e exaltados, os regentes encheram-se de coragem e, por decreto de 14 de setembro de 1833, retiraram o futuro Pedro II dos cuidados de seu
tutor.
José Bonifácio pensou em resistir, mas estava com setenta anos. Permaneceu preso em
sua casa na ilha de Paquetá.
Próximo ao fim, a nova situação trazia-lhe, paradoxalmente, a paz que tantas vezes
buscara. Era uma vida rica que se extinguia: estudante vigoroso, cientista desligado da política, soldado que combatera Napoleão; secretário da
Academia de Ciências de Lisboa, membro das mais importantes sociedades de pesquisa da Europa, catedrático de mineralogia em Coimbra; deputado,
vice-presidente da Província de São Paulo, ministro do Império; poeta sem talento, cavalheiro galante; exilado político, tutor de um imperador. E,
sobretudo, o homem que moldara a independência brasileira.
Agora, era a tranqüilidade que buscara. Ler e escrever. Não se
dignou sequer a defender-se no processo que o governo armara contra ele. Só ler e escrever. Eram os últimos anos. Morreu às 3 horas da tarde de 6 de
abril de 1838.
(N.E.:
Ricardo C. Amaral, descendente de José Bonifácio que
reside nos Estados Unidos, enviou a Novo Milênio informações complementares sobre a genealogia do Patriarca da Independência:
"Historicamente:
José Bonifácio teve 4 filhas em total - duas filhas legítimas com a mulher dele,
Narcisa Emilia O'Leary, e duas filhas ilegítimas com outras duas mulheres diferentes.
A mulher de José Bonifácio, Narcisa Emilia O'Leary, nasceu em 1770 na Irlanda.
Num dos livros que eu li constava que ela era muito bonita, de olhos verdes e tinha uma
voz linda de soprano.
Um alemão que era amigo de José Bonifácio do tempo que ele estudou na Alemanha foi
visitá-lo em sua casa no Brasil. Ele descreveu o jantar e a noitada que passou na residência de José Bonifácio; também descreveu a mulher de José
Bonifácio e disse que ele era um dançarino de primeira classe, dançava muito bem. Ele também menciona que José Bonifácio bebia muito café preto –
uma xícara atrás da outra.
José Bonifácio e Narcisa Emilia se casaram no dia 31 de janeiro de 1790 em Portugal.
Logo em seguida, José Bonifácio foi estudar em Paris e ela ficou em Portugal.
Nessa época, José Bonifácio teve uma filha ilegítima com Madame Delanay; o nome dessa
filha era Elisa e ela nasceu em Paris em 1793. Essa filha ilegítima era a filha mais velha de José Bonifácio. Há livros históricos que mencionam que
ele mandava de vez em quando um pouco de dinheiro para essa filha que morava em Paris. Em 1819, antes dele voltar ao Brasil, quando seu amigo
Drumont (acho que estou soletrando errado o nome desse amigo dele, mas de qualquer modo é um nome meio parecido) foi a Paris, José Bonifácio pediu
que ele visitasse sua filha Elisa e lhe escrevesse contando se ela era muito parecida com o pai dela.
Foi quando José Bonifácio de Andrada e Silva voltou a Portugal em 1800, depois de
estar viajando pela Europa por quase 10 anos, que teve duas filhas com a mulher com quem havia casado: a primeira era Carlota Emilia Ribeiro de
Andrada e sua irmã mais jovem era Gabriela Frederica de Andrada (da qual eu sou descendente).
A segunda filha ilegítima de José Bonifácio nasceu em Portugal em 1819. Quando José
Bonifácio voltou ao Brasil, no fim daquele ano, trouxe esse bebê, que o casal adotou em Portugal, porque o bebê era uma filha ilegítima de José
Bonifácio. Os historiadores não sabem o nome da mãe e a razão pela qual ela entregou essa criança para José Bonifácio e sua mulher adotarem e
levarem para o Brasil.
Dez anos depois, quando a mulher de José Bonifácio morreu (aos 59 anos de idade), no
dia 21 de julho de 1829 - a bordo do navio em que o casal voltava ao Brasil, após o exílio na França - esta filha já estava com dez anos de idade.
José Bonifácio adorava esta filha e lhe deu toda a atenção possível, sendo tutor dela nos seus estudos, após o falecimento da mulher.
Esta filha também o adorava e foi ela que tomou conta de José Bonifácio nos últimos
anos da vida do Patriarca. Existem outras informações sobre esta filha, sobre com quem ela se casou e detalhes da família dela. O nome dela era
Narcisa Candida."). |