São Paulo em peso levantou-se
contra a opressão ditatorial
e foi para as ruas da cidade clamar pela libertação do País
Tradições democráticas de São Paulo
Geraldo Rocha (*)
As tradições democráticas de São
Paulo se tornaram tão arraigadas que o povo bandeirante não pôde, por mais tempo, suportar o jugo ditatorial que lhe impunha a
ditadura implantada pelos aproveitadores, que se eternizavam no governo, após o movimento vitorioso de 1930. Os ideais de
liberdade, implantados por Silva Jardim, Campos Salles, Bernardino de Campos, Júlio de
Mesquita e outros pioneiros da República, não podiam subsistir, abafados como se encontravam pela
opressão dos triunfadores do dia, que não admitiam opinião divergente do seu credo totalitário.
Crescia, dia a dia, a agitação, até chegar a um ponto em que
ninguém mais queria suportar a opressão, explodindo a revolta que empolgou, desde logo, todos os confins do Estado. Ocorreram os
primeiros conflitos na capital e todo o povo passou a ser empolgado pelo sentimento de revolta, que, sem organização, explodiu
em todos os recantos de São Paulo, como um movimento quase espontâneo da indignação popular.
Pode-se afirmar que o movimento revolucionário não teve chefes e
foi um gesto de revolta puramente instintivo, em um povo desabituado a suportar tiranias.
O coronel Euclydes Figueiredo, um dos oficiais mais briosos do
nosso Exército, conhecido pelo seu devotamento à causa democrática, que se achava em 1930 servindo nas fronteiras do Sul, não
tendo aderido ao movimento revolucionário, tornou-se um dos chefes mais acatados no primeiro momento, sendo logo depois
substituído pelo general Bertoldo Klinger, que se encontrava, então, no comando da guarnição de Mato Grosso, de onde veio
assumir o comando geral da revolução.
São Paulo tratou, imediatamente, de se organizar para resistir ao
ataque de todo o Brasil, que, dominado pela ditadura, não recusara o seu concurso para abafar os anseios dos patriotas que
lutavam pela volta de um regime normal consentâneo com as tradições costumeiras de nossa pátria.
A luta passava a ser desigual, mas o ardor e o entusiasmo dos
paulistas fugia a todos os raciocínios. Faltavam a São Paulo recursos bélicos de toda a ordem, mas o patriotismo dos paulistas
supria essas necessidades. As fábricas foram mobilizadas trabalhando dia e noite para produzirem armas e munições. Faltou ouro
para importações de utilidades bélicas do estrangeiro e o povo, conhecendo de tais necessidades, se privou de jóias e alfaias de
toda a ordem, oferecendo até as alianças nupciais para constituírem reservas auríferas com que adquirir armas de luta no
estrangeiro.
Os atos de heroísmo e de abnegação se repetiram em todos os lares
por todo o território do estado bandeirante e, do mais rico ao mais pobre, ninguém deixou de contribuir com a sua parcela para o
triunfo da luta em que o Estado se empenhara, a fundo, pela salvação do Brasil.
Não se tratava de uma luta separatista, conforme procurava fazer
crer a ditadura em defesa de sua causa antipática, mas sim de um movimento emancipador do Brasil, encabeçado por São Paulo, fiel
às tradições democráticas, de que se imbuíra em conseqüência dos postulados propagados pelos pioneiros da república.
De São Paulo partiram as bandeiras, por cujo intermédio, durante a
união de Portugal e Espanha, pioneiros audazes lançaram os fundamentos do nosso grande País, do nosso continente e, cônscios das
mesmas responsabilidades, os paulistas do século vinte reivindicavam o restabelecimento das fórmulas democráticas, suspensas
pela ambição de fronteiriços, esquecidos das tradições que nos legaram os nossos antepassados.
A revolução paulista, porém, apesar de perdida, aparentemente, não
deixou de produzir os frutos desejados. Pouco tempo depois de cessadas as hostilidades foi eleita uma Constituinte e votados os
termos de uma Carta Magna que, se bem que derrogada pelo seu autor, foi também substituída por um novo instrumento
constitucional que dura até nossos dias.
Glória, pois, ao
heróico povo paulista que soube morrer nas trincheiras, lutando para que subsista no Brasil um regime de ordem e de lei,
imperando sobre o arbítrio de chefes autocratas que colocam os seus caprichos como suprema lei. São Paulo, mesmo perdendo,
ministrou ao Brasil uma grande lição.
(*) Geraldo Rocha era então
presidente de O Mundo Gráfica e Editora S.A., do Rio de Janeiro - a editora de O Mundo Ilustrado.
Capa da edição especial de O
Mundo Ilustrado, de 7 de julho de 1954
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