Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/santos/h0181e03.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 11/28/12 21:49:41
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - Raul Soares - DL
O navio-prisão (5-C)

Clique na imagem para voltar ao índice desta sérieUma das páginas negras da história santista

Leva para a página anterior da série

Série de matérias publicadas no jornal santista Diário do Litoral, relembrando a história do navio-prisão e provocando para que o tema seja debatido na Comissão da Verdade instituída neste ano para a apuração dos fatos relativos ao regime militar implantado no Brasil a partir de 1964. Esta matéria foi publicada na edição de terça-feira, 23 de outubro de 2012, página 7:

Imagem: reprodução da página com a matéria

DEMOCRACIA À DERIVA
Era uma vez um navio-prisão sem lei e sem respeito à dignidade humana

Hoje faz 48 anos que o navio Raul Soares foi desativado no Porto de Santos, encerrando um capítulo sombrio da história do Pais, escrito com torturas e repressão

Repórter: Francisco Aloise

Em 1964, o Raul Soares serviu de navio-prisão, mas em seu interior não havia lei e nem respeito à dignidade humana. A sua presença num banco de areia, no Porto de Santos, próximo à Ilha Barnabé, era uma ameaça e afronta aos santistas. A embarcação, com seu casco negro e sua enorme chaminé fumegante, chegou rebocada, pois não tinha mais forças para navegar.

Não trazia carga e nem iria receber qualquer tipo de mercadoria, a não ser presos políticos, todos sem um processo legal e sem direito a nada. Segundo consta, no total, foram quase 500 presos políticos que passaram pelo navio, que foi adaptado para receber 600 prisioneiros.

Direitos aos habeas-corpus jamais foram respeitados. As ordens de soltura também não eram atendidas. Segundo relatos de sobreviventes, que constam em reportagens e livros sobre o navio-presídio, fazia parte da tripulação o tenente da Polícia Marítima, de prenome Ariovaldo, que, pelos relatos, era o mais violento dos carcereiros. As ordens de soltura passavam por ele, mas consta que, de imediato, ele providenciava a abertura de um novo inquérito para impedir a saída do preso.

 

O navio-prisão foi desativado em 23 de outubro de 1964.

Ficou no Porto de Santos durante 6 meses

 

Tortura psicológica – A ordem dentro do navio era uma só: a tortura psicológica. À noite, os presos ouviam que um rebocador deixaria o Raul Soares durante a madrugada em alto mar. Os presos que recebiam habeas-corpus eram detidos novamente assim que pisavam no cais; outros eram repetidamente trocados das celas próximas às caldeiras para as junto ao frigorífico do navio – chamado choque térmico – que deixou muitos deles doentes e que pode ter levado alguns desses prisioneiros à morte.

O Raul Soares foi construído em 1900, pela empresa alemã Hamburg-Sud, e batizado de Cap Verde. Sua função era transportar imigrantes da Europa para a América do Sul. Pesava mais de 5.000 toneladas e tinha capacidade para 587 passageiros. Vendido em 1919 para a Grã-Bretanha, passou a denominar-se Madeira, em 1922. Em1925, comprado pelo Lloyd Brasileiro, passou a ser chamado de Raul Soares, em homenagem ao político que governou Minas Gerais e que dá nome a uma cidade mineira. O navio foi responsável pela condução de muitos migrantes do Norte e Nordeste do País para o Porto de Santos.

Na década de 60, o navio era um velho de 64 anos e não tinha mais forças para navegar. Já inativo, o Raul Soares, no cais da Ilha de Mocanguê, no Rio de Janeiro, foi rebocado pela embarcação Tridente, da Marinha, chegando no dia 24 de abril de 1964 ao Porto de Santos. Com uma semana, começou a sua função de navio-prisão, recebendo os primeiros prisioneiros políticos, sob a acusação de subversão, por se oporem ao governo militar que havia deposto o então presidente da República, João Goulart, em 31 de março.

Em 23 de outubro, a embarcação foi desativada como prisão flutuante, retornando ao Rio de Janeiro, na manhã do dia 2 de novembro de 1964, onde foi desmontada e suas peças vendidas como sucatas. Assim chegou ao fim, de forma inglória, aquele que é conhecido na história não por seus feitos na navegação mundial, mas sim, como o símbolo da repressão no Porto de Santos, o maior da América Latina.


Prisioneiros e oficiais de Marinha, no convés do navio, em 1964
Foto: reprodução, publicada com a matéria

Três calabouços – Os calabouços do navio eram três, batizados, ironicamente, pelos próprios presos, com nomes de boates da Boca do Lixo de Santos, os tradicionais inferninhos, bastante famosos na época, ou seja:

1 – El Morocco: era um salão totalmente metálico, ao lado da caldeira, sem nenhuma ventilação, onde a temperatura passava dos 50 graus, não possuía iluminação. Ainda assim era o melhor.

2 – O Night and Day: era uma pequena sala onde o preso ficava com água gelada até o joelho.

3 – O Casablanca: era onde eram despejadas as fezes dos presos.

Eram usados para quebrar a resistência dos prisioneiros políticos. A maioria dos presos do Raul Soares passou, ao menos, por uma dessas três salas.

Consta nos fatos narrados pelos sindicalistas que ficaram trancafiados no navio, que foi onde o ex-líder operário, Manoel de Almeida, contraiu a doença que o matou dois meses depois. E foi por lá que outro preso, Waldemar Guerra, se transformou no mais resistente, permanecendo 16 dias num deles, sem comer.

Sem banheiro – Segundo ainda os relatos dos presos, não havia banheiro nas celas improvisadas. A conversa era proibida e nas poucas vezes em que foi possível a montagem de um sistema qualquer de comunicação (cartas, bilhetes, rádio peão – conversas ao pé do ouvido), a descoberta era punida com a proibição dos arejamentos e das idas ao imundo banheiro coletivo, sendo obrigados os presos a fazer suas necessidades no chão da própria cela.


Há 48 anos, o navio-prisão Raul Soares era desativado e seus presos encaminhados à Cadeia Pública do Palácio da Polícia, em Santos. Dias depois, o navio da repressão a sindicalistas deixou de vez o Porto de Santos, sendo rebocado para o Rio de Janeiro, onde virou sucata, encerrando um capítulo negro da história do sindicalismo de Santos
Foto: reprodução, publicada com a matéria

Leva para a página seguinte da série