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ROTA DE OURO E PRATA - ARMADORAS 
Extinção do Lloyd Brasileiro completa um ano

 

A companhia de navegação estatal alcançou o auge no decorrer do século e conheceu o declínio na presente década (*)

Armando Akio e Laire José Giraud (*)

A extinção da estatal Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro completa hoje um ano, determinada pelo presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, para dar um fim à crescente dívida, que atingiu níveis dramáticos no final da década de 80 e início dos anos 90, com o arresto (apresentação judicial) de navios.

A maior e mais tradicional armadora brasileira foi fundada em 19 de fevereiro de 1890, na República, durante o governo do marechal Hermes da Fonseca. Na segunda década do século XX, a companhia já era a maior do País. Em 1939, por exemplo, tinha frota de 122 navios, que dava ao Brasil a liderança no setor marítimo na América do Sul.

Antes da Primeira Guerra Mundial, o Lloyd dispunha de excelentes navios de passageiros e de cargas também, atuando em linhas para o Prata, para a América do Norte e Europa. Alguns dos nomes da fase: Rio de Janeiro, São Paulo, Acre, Pará, Satélite e Javari.


O navio misto de cargas e passageiros São Paulo, irmão do Rio de Janeiro
construído no final do século XIX

Torpedeamento - Em 1917, durante a Primeira Guerra, o Paraná foi torpedeado por submarinos alemães em águas da França, o que provocou o rompimento de relações diplomáticas do Brasil com a Alemanha. Um dos resultados da decisão foi a ocupação dos cargueiros alemães que se encontravam em portos brasileiros.

Após a Segunda Guerra Mundial, o Lloyd comprou, nos Estados Unidos e Canadá, os cargueiros da série Nações. Na época, o nome da companhia era aportuguesado, Loide, assim como os batismos dos navios: Loide Argentina, Loide Cuba, Loide Honduras, Loide Uruguai, Loide América, Loide Canadá, Loide Brasil, Loide México e Loide Chile, entre outros. Essas embarcações ficaram conhecidas como Bombas, porque o desenho lembrava uma bomba. Foram excelentes navios, que navegaram mais de 20 anos.

Ainda durante a Segunda Guerra Mundial, o Lloyd perdeu alguns navios da frota, torpedeados por submarinos alemães, todos em 1942, como o Buarque em 16 de fevereiro, o Cairu em 8 de março, o Cabedelo em 4 de abril, o Parnaíba em 1º de maio, o Comandante Lira em 18 de maio, o Gonçalves Dias em 24 de maio e o Alegrete em 1º de junho.

O Lloyd, terminada a Segunda Guerra Mundial, utilizou vários navios para o transporte de pracinhas e refugiados de guerra, entre eles o D. Pedro I, o D. Pedro II e o Barão de Jaceguai.


O jornal A Tribuna de Santos noticiou o desfile da FEB no Rio de Janeiro, 
que ocorreu no dia 19 de julho de 1945

Transporte nacional - Nos anos 50, na cabotagem, a navegação doméstica, também operavam navios da série Rios, como o Rio Ipiranga, Rio Guaíba, Rio São Francisco e Rio Amazonas, entre outros.

Ainda na cabotagem, operavam outros famosos navios do Lloyd: Comandante Pessoa, Comandante Capela, Aspirante Nascimento, Atalaia, Alegrete e Duque de Caxias.

Para as linhas internacionais, na década de 60, o Lloyd destacou cargueiros como o Paranaguá, Guanabara, Todos os Santos, Cabo Orange, Cabo de Santa Marta, Presidente Kennedy e Almirante Graça Aranha, que também deixaram marcas na memória de muita gente ligada ao mar.

Santos - Em Santos, o movimento do Lloyd era tão grande, que a companhia utilizava um rebocador para manobrar os seus navios, o Mestre Sebastião, com o objetivo de economizar.

O intenso movimento de navios do Lloyd em Santos propiciava à Cidade um faturamento extra: os tripulantes gastavam dinheiro aqui. Um cargueiro de linha regular chegava a ter 45 tripulantes.

No maior porto brasileiro, Santos, o Lloyd era representado exclusivamente pela agência marítima Nautilus. O volume de transporte de mercadorias da armadora era imenso, a ponto de se registrar com freqüência mais de dez navios do Lloyd por dia atracados no cais. Nos picos, chegava-se ao número de 17. Era fácil encontrar de quatro a seis embarcações da empresa encostadas no porto.


Anúncio do Lloyd Brasileiro, no início do século XX

Na sede carioca, a empresa tinha até cais próprio e não usava práticos

No Rio de Janeiro, onde ficava a sede da empresa, a Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro contava com um cais próprio, além de não utilizar práticos de porto. Os navios eram manobrados pelos próprios arrais da armadora.

Os serviços regulares do Lloyd abrangiam dez linhas, inclusive o Extremo Oriente, com destaque para o tráfego europeu, para onde mantinha sete saídas mensais, e para os Estados Unidos, para onde partiam seis embarcações por mês.

Na década de 70, vieram os famosos Itas, que homenageavam os velhos navios da Companhia Costeira. Eram 14, dos quais 12 foram construídos no Brasil. Entre esses liners (navios de linha regular), podem ser citados o Itapuca, Itagiba, Itaité, Itanagé, Itassucé, Itapura, Itaquatiá, Itaipé e Itapagé.

Os Itas foram construídos entre 1970 e 1972. O Cantuária e o Itaberá, também pertencentes à série, saíram de estaleiros estrangeiros e não de nacionais.

Ampliação do comprimento - A armadora aderiu à tecnologia de jumborização (aumento do tamanho) de navios, que custava menos que a construção de um novo cargueiro.

Com isso, a companhia também acompanhava a evolução do transporte marítimo, mais especificamente da intensificação do uso do contêiner.

Os navios jumborizados deslocavam 12 mil toneladas, mediam 160 metros de comprimento, comportavam 19.822 metros cúbicos de cargas, inclusive frigorífica. O financiamento foi da Superintendência Nacional da Marinha Mercante (Sunamam), do Ministério dos Transportes.

O Lloyd herdou da Companhia Costeira os famosos Cisnes Brancos, navios de passageiros que ganharam tal denominação em virtude de o casco deles ser branco: Anna Nery, Rosa da Fonseca, Princesa Leopoldina e Princesa Isabel.


Lloyd Atlântico, construído em 1986 em estaleiro nacional, chegando a Santos em 11/2/1992 
Foto: Carlos Nogueira

Orgulhos - Os últimos orgulhos da armadora foram os navios porta-contêineres Lloyd Pacífico e Lloyd Atlântico. O primeiro foi construído em 1984, no estaleiro Ishikawajima do Japão, com capacidade para 1.210 contêineres e comprimento de 188 metros. O segundo, em 1986, no estaleiro Ishikawajima do Rio de Janeiro, também para 1.210 contêineres e com igual comprimento.

Desde a fundação, em 1890, o Lloyd Brasileiro sempre enfrentou dificuldades, mas a que surgiu no final dos anos 80 para a década de 90 foi a que levou a companhia a uma situação insustentável, com prejuízos e dívidas imensas, que finalmente levaram à extinção, há um ano.

Um dos golpes que levaram o Lloyd ao naufrágio foi a decisão do Governo de abrir a navegação brasileira e companhias estrangeiras. O objetivo era baratear os fretes marítimos, reduzindo os custos das importações e exportações.

O resultado foi uma acirrada concorrência entre as armadoras, que na disputa por espaço levaram os preços dos fretes para baixo, com reflexos trágicos para o Lloyd. Este quadro foi aliado à má gestão, ao excesso de pessoal e a custos trabalhistas elevados, entre outros fatores.

Nos anos 90, ainda se tentou passar o Lloyd Brasileiro para uma armadora privada, mas as negociações não chegaram a um resultado satisfatório.

Leilão - Alguns dos navios do Lloyd foram leiloados para quitar parte das dívidas. A empresa alemã Eckhardt Marine, de Hamburgo, adquiriu o Itaquatiá, Itanagé, Itapé, Itaité e Itapagé.

A armadora nacional Norsul adquiriu os graneleiros Rio Apa, Rio Trombetas e Rio Branco. Esses navios ficaram, durante vários anos, ancorados na baía de Guanabara.

O último ato do Lloyd, que alcançou o posto de maior companhia de navegação da América Latina e de uma das maiores do mundo, foi a extinção, atolado em dívidas de R$ 240 milhões.

 (*) Armando Akio é editor de Porto & Mar. O colaborador Laire José Giraud é despachante aduaneiro e pesquisador de assuntos marítimos.

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 15/10/1998