Festa de operários na Praça da República, em Santos, início do século XX
Foto publicada com o texto (obs.: corrigida a inversão/espelhamento da foto no livro)
Imagem do cartão postal cedida a Novo Milênio pelo professor e pesquisador
Francisco Carballa
Santos insalubre, café, porto e exploração. Palco ideal para as lutas dos anarquistas
Ivani Ribeiro da Silva (*)
Santos, café e porto têm suas histórias entrelaçadas e são o ponto de partida de uma nova sociedade baseada no trabalho operário.
As conseqüências do desenvolvimento da produção do café, no interior de São Paulo, passam pela modernização do porto e urbanização da Cidade, criando a necessidade de mão-de-obra inexistente em Santos, mas
suprida com os imigrantes que engrossam as bases de uma nova política definida pela luta operária por melhores condições de trabalho e de vida.
Desde que São Paulo se firmou como centro econômico, tendo como alavanca o café, uma série de transformações definiram o progresso da província e a importância de Santos como porta
aberta para o escoamento de mercadorias e recebimento de outras do exterior, necessárias para o desenvolvimento do comércio e da indústria nascente na área urbana paulistana, como decorrência da grande produção do café.
Tanto a atividade agrária do café como a industrial determinaram outras modificações, de natureza social. A falta de mão-de-obra especializada entre os brasileiros foi contornada com a
vinda de imigrantes, principalmente da Itália, Espanha e Portugal, dando um novo impulso à economia. No entanto, o aumento da população agravou os problemas urbanos decorrentes da falta de infra-estrutura para atender o comércio, interno e externo,
e à própria vida da população. Essas dificuldades eram sentidas principalmente em Santos, onde as condições climáticas e a insalubridade eram responsáveis por inúmeras epidemias que freqüentemente dizimavam os moradores à volta do porto.
Diante desse quadro, exportadores e importadores, interessados no crescimento das economias agrária e industrial, passaram a cobrar dos governos estadual e federal as melhorias no porto
e na própria cidade santista, que, na segunda metade do século XIX, já dispunha de uma estrada de ferro ligando-a ao Planalto, a São Paulo Railway. Agricultores, comerciantes e industriais eram representados pelas
associações comerciais de São Paulo e de Santos, dois órgãos que se faziam ouvir nos governos, já que as reivindicações da população santista não encontravam, sozinhas, eco entre os governantes.
Infra-estrutura precária - Os inúmeros rios formados pelos mananciais de água cortavam Santos de ponta a ponta e formavam um terreno úmido. O aumento da
população e a falta de serviços básicos, como saneamento, o clima úmido e abafado, além de uma larga faixa de mangue circundando todo o porto, contribuíam para que Santos fosse uma terra rejeitada, onde quase ninguém queria morar ou trabalhar,
mesmo com a grande oferta de empregos.
A vocação portuária de Santos estava delineada desde o início da colonização e a necessidade da utilização do porto por São Paulo ficou comprovada no momento em que a agricultura crescia
e precisava de um escoadouro para o exterior próximo e ágil. Mas o porto santista estava longe de oferecer isso, pelo menos até as últimas décadas do século XIX.
Apesar da São Paulo Railway, inaugurada em 1867, as mercadorias para exportação e as de importação pela indústria paulista sofriam a ação do tempo empilhadas nas ruas, já que, depois de
desembarcadas ou na espera para serem levadas aos navios, através da longas pontes, a maior parte não cabia nos poucos e pequenos trapiches à volta do porto. Para chegar ao trem, o transporte era
demorado, mesmo com as muitas carroças que apareceram para esse serviço.
E este era outro problema. Atraídos pela facilidade de ganhar o sustento, já que as exportações de café eram intensas, os carroceiros multiplicaram o número de cocheiras existentes na
Cidade para abrigar os animais utilizados no serviço de transporte. O tipo de alimento oferecido a eles e a sujeira que produziam favoreciam a proliferação de ratos, os principais transmissores da peste bubônica, a responsável pela morte de muitos
moradores em diversas epidemias. As próprias mercadorias nas ruas repletas de lixo atraíam ainda mais a ação dos roedores.
Febre amarela, varíola, tuberculose e malária eram outras epidemias que freqüentemente atacavam a população, matavam os trabalhadores e dificultavam o
recrutamento de outros. Maurício Lamberg, um alemão que visitou Santos, em julho de 1887, escreveu o seguinte a respeito da insalubridade de Santos: "O clima é em geral insalubre e, nos meses de verão, isto é, de
novembro a maio, torna-se realmente mortífero, podendo-se dizer que essa cidade pertence ao número das mais insalubres do mundo. Não há verão em que a febre amarela não ceife grande número de europeus. É preciso acrescentar que ultimamente Santos
tem melhorado e feito obras importantes no porto: mesmo como higiene e como clima ficou sendo um pouco melhor que anteriormente".
Maurício Lamberg, no final de sua declaração, refere-se a algumas poucas obras que nessa época eram feitas para tentar contornar a situação. Os serviços efetivos de esgoto começaram em
1903 pelo engenheiro José Rebouças. Em 1905, o secretário da Agricultura, Jorge Tibiriçá, convidou o engenheiro sanitarista Saturnino de Brito a apresentar um projeto para drenagem do solo de Santos, completando os serviços de esgotos. As galerias
de águas pluviais e canais de drenagem começaram a ser construídos em 1910 (N.E.: na verdade, em 27/8/1907 já existiam mais de 2 km de canais e canaletes). Uma
comissão de saneamento, nomeada pelo Estado, determinou a construção do Hospital de Isolamento, Hotel de Imigrantes e Esgotos de São Vicente.
Um ramal de estrada de ferro como opção mais rápida de transporte entre Santos e São Vicente; outro para eliminar as carroças que levavam as mercadorias até o sopé da Serra do Mar; obras
da Câmara e Cadeia de Santos, demolição de prédios antigos e construção de outros novos, como destaca Wilma Therezinha Fernandes de Andrade, além dos serviços de abastecimento de água encanada, gás e eletricidade contribuíram para a modernização da
Cidade. Não pode ser esquecido o transporte coletivo municipal, antes feito por carroças, depois por bondes com tração animal e, a partir de 28 de abril de 1909, elétricos. Eles determinaram a
expansão da Cidade e contribuíram para que a limpeza pública se tornasse uma realidade. Foi desse modo que a vida urbana em Santos se tornou adequada e contribuiu para o progresso econômico de São Paulo.
Carroças levavam o café até os navios, na primeira década do século XX
Reprodução de cartão postal da época
Porto e imigrantes - O porto foi a razão de interesse dos paulistanos por Santos; contudo, suas falhas apareciam mais a cada aumento na produção de café ou de mercadorias
industrializadas. Na metade do século passado (N.E.: século XIX), o Porto de Santos não era mais o Porto do Açúcar, pois este produto já tinha declinado no interesse
dos agricultores. Passou a ser o Porto do Café e a sua importância cresceu mais ainda na medida em que foi sendo aparelhado.
O cais improvisado pelas pontes de madeira seguia 20 ou 30 metros mar adentro. Em 1889, eram 23 pontes de madeira mal conservadas e exploradas por particulares que cobravam aluguel e
acabavam por encarecer a mercadoria. Houve resistência por parte dos proprietários de pontes, quando a Companhia Docas, apoiada pelo Governo, derrubou tudo para a construção do cais de pedra. Em 1892, o primeiro trecho de 260 metros já estava
pronto e, no ano seguinte, passou a funcionar o primeiro armazém e mais 400 metros de cais com ligação dos trilhos do porto com os da São Paulo Railway.
Em 1909, estavam concluídos os 4.720 metros planejados pela empresa Docas, que tinha à frente um grupo econômico encabeçado por Cândido Gaffrée e Eduardo Palassin Guinle. Já havia também
25 armazéns internos junto ao pátio de movimentação de cargas, 23 pátios cobertos, 15 armazéns externos, dois tanques para óleo combustível e 38.300 metros de linhas férreas e desvios.
Todas as obras na Cidade e no porto exigiram muita mão-de-obra, o que era difícil ter em Santos, devido à má qualidade de vida oferecida. Foram os imigrantes estrangeiros e do Nordeste
brasileiro que atenderam às necessidades, embora muitos abandonassem a Cidade fugindo das doenças. Mas os que ficaram deram o início a uma nova classe em Santos, a proletária, responsável por inúmeras questões sociais em busca de garantias
trabalhistas e contra os maus patrões. Este operariado não fugiu à regra do movimento já existente em São Paulo e Rio de Janeiro, que marcou a organização operária no começo do século (N.E.: século XX) sob influência do anarco-sindicalismo trazido pelos imigrantes. Santos era uma cidade ideal para lutas por melhores condições de vida e os imigrantes já conheciam isso em seus países.
Anarquismo e anarco-sindicalismo - Santos foi uma cidade essencialmente anarco-sindicalista, no começo do século XX. Junto com São Paulo e Rio de Janeiro, era uma região muito
importante nas questões políticas do trabalho, com reflexos diretos na economia, uma vez que a orientação passada aos trabalhadores pelo anarco-sindicalismo era a resistência e as greves como armas contra as explorações. Quando os movimentos
paredistas em São Paulo não repercutiam seus efeitos desejados, os trabalhadores de Santos, principalmente os do porto, entravam em cena. Parar o porto significava parar os lucros, e tudo acabava sendo resolvido.
As orientações anarco-sindicalistas encontravam repercussão entre a massa trabalhadora mais por necessidade do que por convicção política. Santos era um arsenal de dificuldades, no dia a
dia dos habitantes e dos operários, justamente as bases das lutas.
O anarco-sindicalismo é uma corrente do anarquismo, que tem como proposta a organização do ser humano baseada na liberdade total e individual para o desenvolvimento da sociedade, como
define Proudhon, considerado o pai do anarquismo.
Essa forma de organização da sociedade, com a ausência total de governo e propriedade, dá as linhas mestras para a formação de várias correntes, uma delas o anarco-sindicalismo que luta
pelo mesmo ideal anarquista de igualdade entre as pessoas sem as diferenças surgidas com o capitalismo. Mas enquanto o anarquismo repudia a luta reivindicatória com o fim econômico, por achar que ela acentua e reconhece os detentores do poder, os
anarco-sindicalistas se adaptam às tendências da sociedade vigente, utilizando a luta por melhores condições de vida como instrumento de conscientização e ação direta visando à solidariedade nas necessidades naturais e sociais do indivíduo livre,
dentro do grupo autônomo e na federação livre.
Para os teóricos, o anarquismo pode ser detectado nas ações mais remotas do ser humano. Mas, como forma de organização da sociedade, é no século XIX que ele se torna motivo de discussões
entre vários líderes espalhados nos principais países da Europa, como Alemanha, Inglaterra, Holanda, Suécia, Estados Unidos, França, Itália, Espanha e Portugal. Nestes quatro últimos, a corrente do anarco-sindicalismo encontra campo fértil e ganha
maior expressão.
Embora o anarco-sindicalismo tenha alcançado maior interesse nos países latinos, é na Espanha que ele resistiu mais, sobrevivendo até mesmo na clandestinidade. O sindicalismo ganhou
campo entre os adeptos do anarquismo coletivista de Bakunin e, depois de muitas greves e insurreições, foi fundada a Confederação Nacional do Trabalho (CNT), inspirada na CGT francesa. E o movimento não ficou por lá, pois italianos e espanhóis
trouxeram o anarco-sindicalismo para a América Latina com a imigração do começo do século (N.E.: ...XX). Os países mais expressivos nessa forma de organização da sociedade trabalhadora eram
México, Cuba, Argentina, Chile, Peru, Uruguai e Brasil.
Anarco-sindicalismo no Brasil - O anarco-sindicalismo como orientação doutrinária tem sua origem entre os trabalhadores ainda nos tempos coloniais. Eles se reuniram em
agrupamentos, com a colaboração da Igreja, para a promoção da solidariedade e apoio mútuo. Esses agrupamentos chegaram a ser proibidos pela Constituição de 1834, mas sobreviveram nas corporações de ofícios, como de cabeleireiros, modistas,
alfaiates, perfumistas e dentistas, que traziam da França os ideais da Revolução Francesa. Essa fase do movimento trabalhista no Brasil se chamava mutualista e terminou com a Abolição da Escravatura, quando começou a fase de resistência, definida
pela imigração, pelas atividades manufatureiras na faixa litorânea e industrialização nos principais centros, como Rio de Janeiro e São Paulo, possível com o capital acumulado pelas exportações de café.
A imigração européia para o Brasil era significativa, assim como as idéias políticas, a partir da Proclamação da República, quando surgiram novos agrupamentos agora em torno do
socialismo, que teve seu primeiro congresso no Brasil em agosto de 1892. Os paulistas de origem italiana eram os mais representativos nesse congresso e, entre eles, estava Silvério Fontes, um médico sergipano radicado em Santos e considerado o
primeiro marxista brasileiro de militância política.
Depois do I Congresso, o Brasil teve dois partidos, o Socialista Brasileiro e o Socialista Operário, este último responsável pela realização do II Congresso, em 1902, em São Paulo.
Alguns dos congressistas se manifestaram contrários à idéia da formação de um partido político, exaltando a reunião de todos os sindicatos, considerados os únicos órgãos genuinamente operários que poderiam combater as instituições, como o Estado e
a Igreja, além dos próprios partidos políticos.
Essas idéias, já esboçando o anarco-sindicalismo, levam os mesmos congressistas a uma reunião no Rio de Janeiro, em abril de 1906, para o I Congresso Operário Brasileiro, com
representações do Rio de Janeiro, São Paulo e Interior de São Paulo, além do Nordeste. Os temas discutidos foram partido e sindicato, comemoração do Primeiro de Maio, assistencialismo nos Sindicatos, necessidade de uma
Central Operária Brasileira, tipo de organização sindical, lutas prioritárias e atuais da classe operária e luta pelo direito de reunião.
Nesse momento, o café já havia tomado conta da economia e dado condições mais do que oportunas para a industrialização. São Paulo crescia e Santos se modernizava. Tudo isso contribuiu
para engrossar a massa trabalhadora, que passava a ser organizada pelos anarquistas que, a exemplo de libertários de outros países, principalmente latinos, ligaram-se aos sindicatos e às sociedades de resistência. A proposta lançada nesse congresso
foi a de organizar o proletariado para fazê-lo avançar nas lutas e despertar a consciência de classe. Os participantes do I Congresso Operário assumiram o anarco-sindicalismo, já conhecido no Brasil a partir dos livros teóricos de sindicalistas
europeus trazidos pelos imigrantes.
Luta operária - Santos não estava sozinha na luta operária. As dificuldades trabalhistas e a má qualidade de vida se reproduziam nos principais centros da economia brasileira e
esses foram os principais fatores que abriram caminho para a Confederação Operária Brasileira (COB), formada durante o I Congresso Operário sob modelo da CGT francesa na sua luta sindical e apartidária, significando um avanço para o operariado com
a integração nacional.
A redução da jornada de trabalho para oito horas diárias foi o item priorizado pelos anarco-sindicalistas no I Congresso. Os operários chegavam a trabalhar até 15 horas e nas indústrias
de São Paulo isso acontecia também com mulheres e crianças empregadas por salários mais baixos que os dos homens para os mesmos serviços. Além disso, a ação direta dos anarco-sindicalistas discutida no congresso indicava demonstrações,
manifestações, denúncias na imprensa contra as arbitrariedades em decorrência do capitalismo, edição de jornais, comícios, cursos de propaganda, elevação do nível de instrução dos operários e criação de institutos e escolas operárias.
Os instrumentos para a prática dessa ação direta eram a greve parcial ou geral, boicote, sabotagem, manifestação política e denúncias públicas. Uma das primeiras campanhas dos
anarco-sindicalistas foi militarista, anti-guerra e contra o sorteio de militares para a guerra. Até o inicio da segunda década do século XX, o movimento operário de orientação anarco-sindicalista vai sentir uma retração causada pelos ataques
policiais aos sindicatos e líderes, principalmente os ligados à COB.
Jornal de 30/10/1892, de tendência socialista
Reprodução de História da Imprensa de Santos, Olao Rodrigues, 1979
Operários em Santos - Sem dúvida, foi o café o responsável pelas transformações de Santos. As melhorias no porto foram feitas a partir da necessidade de tornar exportações e
importações mais ágeis e a urbanização da Cidade ocorreu em função de tornar o centro comercial do café adequado para os comissários, obrigados a permanecer perto das transações econômicas e, também, uma região em condições de segurar os
trabalhadores tão necessários aos serviços portuários.
O anarco-sindicalismo ainda não estava estruturado em Santos, quando tiveram início as greves por categorias. As próprias condições da Cidade, principalmente com problemas relacionados
com a saúde e a higiene, favoreciam as revoltas e os protestos por parte de quem estava ligado diretamente a ele. Neste caso se destacam os trabalhadores do porto, dos transportes coletivos e da construção civil, que tinham os serviços mais
insalubres.
Os salários eram a principal reivindicação no começo do século. Em agosto de 1900, trabalhadores da área santista da Estrada de Ferro São Paulo Railway Company declararam-se em greve por
melhores salários, pagos mensalmente, substituição do feitor encarregado dos serviços de carga e descarga e não dispensa de funcionários devido à greve, considerada "calma e pacífica" pelo jornal Tribuna do Povo. A companhia não cedeu aos
trabalhadores e uma nova assembléia orientada pelos anarco-sindicalistas decidiu manter a greve, enquanto a empresa ameaçava trazer trabalhadores da Capital para os serviços de carga e descarga, o que aconteceu três dias depois. Os trabalhadores,
em piquete, impediram a saída de carroças carregadas de mercadorias para o porto e a polícia interveio, prendendo muitos grevistas, ao mesmo tempo em que espalhava comunicados à população sobre a intenção da ação rigorosa contra o movimento
grevista.
Uma semana depois desse episódio, negociantes da Capital de São Paulo ofereceram homens para trabalhar no lugar dos grevistas, e comerciantes de Santos passaram a colaborar com a
polícia. A Companhia Docas, já com a concessão de 90 anos para explorar os serviços do porto, ficou cercada por marinheiros armados a fim de garantir o andamento do serviço sem a ação dos piquetes. Seis dias depois, o movimento acabou sem que os
trabalhadores tivessem sequer um de seus pedidos atendidos.
A partir desse episódio, Santos se inseriu entre os centros de maior agitação operária, equiparando-se ao Rio de Janeiro e a São Paulo, onde se concentrava a maior parte dos imigrantes
vindos para o Brasil. Além disso, os trabalhadores de outros centros se tornaram solidários, como os gráficos de São Paulo que aderiram à greve da Internacional União dos Operários contra a Companhia Docas. Outras categorias de São Paulo e de
Santos pararam para engrossar o movimento dos portuários.
A primeira década do século XX foi sacudida por muitas greves, principalmente dos trabalhadores do porto, ou por reivindicações próprias ou solidariedade a categorias de Santos ou São
Paulo. A violência policial se tornou generalizada e as greves e reuniões sindicais passaram a ser motivo para a aplicação da Lei de Expulsão dos Perturbadores Estrangeiros, preparada no Governo de Afonso Pena,
em 1909. A intenção era bastante clara: pressão contra os anarquistas.
Das muitas greves realizadas em 1912, os trabalhadores em pedreiras de Santos iniciaram o movimento pela redução das 10 horas de trabalho. Eles foram acompanhados pelos carroceiros e
motoristas, ao todo somando 1.500 operários em greve. Ao final de oito dias de paralisação conseguiram a vitória, atendendo aos objetivos da orientação anarco-sindicalista dos líderes que viajavam entre São Paulo, Santos e Rio de Janeiro,
estabelecendo comunicação entre os trabalhadores, promovendo a sua conscientização, fortalecendo os movimentos deles, nem todos anarco-sindicalistas declarados, mas conscientes de que só com união é que poderiam sobreviver.
Uniões e sindicatos - Desde o final do século passado (N.E.: século XIX), os trabalhadores procuravam se unir em ligas,
sociedades e uniões para escapar dos problemas provocados pela falta de condições no trabalho. Elas são características do período de resistência e, no Brasil, foram registradas cerca de 200, sendo a maior parte no Estado de São Paulo. Além de
aglutinar os trabalhadores contra as opressões impostas pelo capitalismo, as ligas e uniões também funcionaram como centros de cultura operária, com fundação de escolas para adultos e filhos de operários, seguindo a orientação moderna do educador
espanhol Francisco Ferrer y Guardia.
No começo do século (N.E.: ... XX) surgiram as primeiras federações com bases sindicais. Em 1905 foi criada a Federação Operária
de São Paulo, que tinha por finalidade articular as associações menores e uniões gerais. Ela foi substituída, em 1913, pelo Comitê de Defesa Proletária. Em Santos, em 1908, surgiu a Liga dos Sindicatos Operários, transformada em Federação Operária
no ano seguinte.
As condições de Santos e a grande quantidade de imigrantes que a Cidade recebeu foram motivos que levaram à formação de muitas associações beneficentes, de ajuda mútua, de resistência e
sindicatos, estes mais no final da segunda década do século XX. Elas contribuíam para a assistência às famílias em caso de doença, morte do trabalhador pai de família, auxílio funeral, assistência médica e até com cooperativas para aquisição de
alimentos mais baratos.
Jornal editado por Silvério Fontes em 15/9/1895
Reprodução de História da Imprensa de Santos, Olao Rodrigues, 1979
Jornais e idéias - Os anarco-sindicalistas promoviam a conscientização dos trabalhadores através de teatro, reunião com palestras, bibliotecas, escolas, mas principalmente pelos
jornais, que eram a arma propagadora de idéias e tiveram importância fundamental no movimento operário, unindo os trabalhadores de todo o Brasil pela comunicação.
Os periódicos, muitas vezes escritos na língua do grupo imigrante a que se destinavam, na maior parte das vezes italiano, eram inúmeros em todo o território nacional. São Paulo era o
centro que mais concentrava estes jornais, destacando-se o dos gráficos, a categoria mais consciente dentro do movimento anarco-sindicalista. Santos, apesar de sua tradição de cidade que mais teve jornais, em proporção aos grandes centros, também
participou das edições da Voz Operária, órgão oficial da Confederação Operária Brasileira, de orientação anarco-sindicalista. No entanto, na Cidade, foram editados alguns periódicos ligados a associações, uniões e sindicatos que não podiam
ser considerados essencialmente anarco-sindicalistas, mas esboçavam alguns ideais do movimento.
Tribuna Operária, União dos Operários, Aurora Social e O Proletário eram os que se definiam como anarco-sindicalistas e traziam, além de noticiário, artigos
escritos por militantes da própria Cidade. Esse material, inclusive os jornais operários não engajados no movimento anarco-sindicalista, não existe mais em Santos. Muitos jornais se perderam, principalmente na época dos saques aos sindicatos
durante a Revolução de 64. Os jornais que escaparam da ação depredadora, por serem parte da coleção do anarquista Edgard Leuenroth, estão na biblioteca da Faculdade de História da Unicamp (N.E.: Universidade de
Campinas/SP).
Outro fator que contribuiu para a não preservação dos jornais era a curta duração desses periódicos que, sem sustentação econômica e obrigados à clandestinidade, desapareciam levando boa
arte da história do proletariado santista do começo do século, fundamentalmente anarco-sindicalista. Esta orientação só vai cessar por volta de 1920, quando os comunistas entram em cena e fundam o Partido Comunista Brasileiro, em 1922, que passa a
orientar os sindicatos.
(*) Ivani Ribeiro da Silva é mestre em jornalismo e doutora em Ciências da
Comunicação pela ECA-USP. Jornalista e licenciada em História pela Unisantos. Professora da Facos (Unisantos) e por vários anos (até 1997) editora no jornal santista A
Tribuna. Leciona no Centro de Ciências da Comunicação e Artes da Universidade Católica de Santos (Unisantos).
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