Galerias pluviais
Na circunvalação da montanha se dispensará o canal contínuo, substituindo-o por
pequenas valetas e sarjetas, as quais serão tributárias das caixas de detenção da areia (sist. "R. de Brito")., de onde partirão as grandes galerias
pluviais.
Quatro destas galerias (n. 1 a 4) fazem parte integrante do projeto apresentado em
junho de 1905 e vão ser executadas.
Nestas galerias serão aproveitados os excelentes tubos de cimento armado, fabricados
pelo Snr. Dr. José Rebouças; estes tubos serão aplicados em plena secção, ou cortados diametralmente para servirem de abóbada à secção retangular
das galerias feitas in situ. Estas galerias descarregarão nos trechos de embocadura no cais, construídos pela Companhia Docas de Santos.
Canais de drenagem
Os canais de drenagem projetados e aprovados são em número de oito, mas a eles virão
ter outros tributários - canaletes, galerias, coletores e sarjetas subsidiárias (n. 5 a 14) formando a rede pluvial completa.
Em grandes linhas, eis a descrição dos cursos:
A retificação do
Rio dos Soldados,
já executada, começa na Doca do Mercado,
no extremo da galeria construída pela
Companhia Docas de Santos; na
Rua Braz Cubas
se bifurca, seguindo um ramo por essa rua, parte em galeria e parte em canal, conforme está executado até atravessar a
linha férrea
da Companhia Docas de Santos; será no futuro prolongado até a baía, onde sairá próximo à foz dos
Dois Rios,
que serão aterrados. A parte em galeria tem por abóbada virolas de 1,60 m, de cimento armado, cortadas ao meio.
A retificação do Rio dos Soldados, conforme está executada, continua o seu curso pela
Rua Rangel Pestana,
e atravessa a Avenida Ana Costa;
pouco adiante recebe o canal que drenará a planície
Jabaquara, vindo do ocidente. O canal grande continuará para o
Sudoeste, passando entre o Morro das Vigárias
e a ponta de Jabaquara; aí mudará de declividade e se bifurcará.
Um ramo, com a mesma secção, se aproximará da montanha, se curvará e seguirá para a
Praia José Menino,
saindo em terrenos do Snr. Dr. Paulo de Queiroz. O outro ramo, atravessando e saneando os terrenos
Marapé,
correrá paralelamente à Avenida Ana Costa, na distância de cerca de 600 m, direção Sul, saindo na mesma praia e já está sendo executado.
Três outros canais cortarão de mar a mar os terrenos
entre Vila Macuco, Avenida
Conselheiro Nébias e a Ponta da Praia.
Dos canaletes tributários está feita uma parte
da retificação do córrego Cachoeirinha, em
José Menino (raio de um metro).
Vamos dar os caracteres dos tipos principais: depois descreveremos as pontes
executadas.
Os canais são de tipos diferentes, de acordo com a capacidade necessária e as
condições locais.
A capacidade, quer das galerias na cidade, quer dos canais, foi avaliada para esgotar
as águas contribuintes pelas superfícies tributárias, desde a linha de cumeada da montanha, descendo as encostas vertentes, até os bairros
futuramente formados, com as suas superfícies revestidas pelo calçamento ou cobertas pelos telhados das casas. O cálculo obedece aos princípios
expostos na memória que apresentamos ao Terceiro Congresso Científico Latino-Americano, reunido no Rio de Janeiro em 1905.
A técnica da construção constitui a parte mais interessante pela feliz aplicação de um
simples revestimento de concreto armado, em perfil transversal, nimiamente apropriado à execução econômica e sanitária da obra no terreno fluente.
O perfil é formado por um segmento circular (fig.1), cujo raio R varia com o tipo
e cujo ângulo central é de noventa graus: portanto, as tangentes extremas t formam com o horizonte ângulos de 45 graus, e uma parte destas
tangentes serve de diretriz para prolongar o revestimento de concreto armado, que depois se dobra e mergulha no terreno, formando duas abas de
resistência e de apoio para os taludes das terras, também inclinados a 45 graus e revestidos de grama até as banquetas marginais M.
O revestimento de concreto armado é formado por barras de ferro redondo de 8 mm de diâmetro,
colocadas transversalmente (segundo a diretriz) de 10 cm a 15 cm de espaçamento; longitudinalmente (segundo a geratriz) são entrançadas naquelas as
barras de 3 mm a 5 mm de diâmetro; a espessura do concreto que envolve as barras é de 10 cm a 15 cm; feito o concreto se regulariza a superfície
interna por meio de um reboco de argamassa de um de cimento e três de areia. No fundo e nas paredes laterais existem drenos-filtros, que
descarregam a água do subsolo e diminuem as subpressões; estes drenos, formados de tijolos perfurados, que saem de um fundo de areia grossa e
pedrinhas, exigem cuidado para que nunca deixem passar a areia do subsolo, o que prejudicaria a integridade da obra.
No cruzamento das ruas atuais ficam os bueiros para a descarga dos coletores pluviais,
a construir pela municipalidade.
Um outro tipo de canal (fig. 2), mais caro, apropriado, porém, aos casos de ruas de
escassa largura, é o adotado na rua Rangel Pestana. O ângulo central é de 120 graus, as tangentes revestidas se inclinam a 60 graus e sobre as abas
E se levantam os muros verticais, que podem ser de cimento armado, ou de alvenaria de pedra, ou de alvenaria de tijolo; no coroamento do muro
se implanta o parapeito.
Em qualquer destes casos se não deve perder de vista que o revestimento de concreto
armado vem resolver de um modo cabal, estético, sanitário e econômico, a questão da retificação de córregos e a das canalizações pluviais dentro das
cidades. Não se trata de canais de navegação; se essa utilidade os reclamasse em Santos outras seriam as condições do projeto.
Não só é fácil a limpeza dos canais revestidos, como também a execução do revestimento
não exige cuidados especiais quanto à estabilidade; qualquer conserto eventual pode ser executado com a maior facilidade. Pelo antigo sistema de
construir, as muralhas laterais são verdadeiros muros de arrimo, e qualquer fenda indica um defeito ou uma ameaça à estabilidade da obra; aqui, uma
fenda real e eventual nunca poderá comprometer a estabilidade, e esta estará sempre (mesmo que as fendas se multiplicassem e aí o ferro se
consumisse) e melhores condições do que os simples revestimentos de pedra seca em perfis igualmente traçados; tais fendas apenas trabalhariam como
drenos imprevistos. Por este motivo, são também desnecessários cuidados especiais para que a argamassa do revestimento superficial não
estale, por efeito do forte calor em Santos.
Limpeza dos canais e descargas
O revestimento completo da secção, normalmente molhada pelas águas de enchente,
permite a limpeza normal e a a auto-limpeza, por meio de um "batel-adufa" (à semelhança do que se usa nos grandes esgotos de Paris) transportando,
pelo impulso das águas represadas, os detritos para os poços ou caixas de areia construídos no fundo do canal, em diversas situações.
Para a conservação sanitária dos canais de Santos é indispensável
o prolongamento de mar a mar, conforme o projeto da Comissão. É preciso que as águas se renovem, por ocasião das grandes marés, no fluxo e no
refluxo; do contrário a obra ficaria defeituosa e poderia mesmo trazer a desagradável impressão (embora bem atenuada) do canal do Mangue no Rio de
Janeiro (*).
Para esta renovação de águas e para manter as descargas livres da obstrução de areias
acumuladas pelo mar, serão estabelecidas adufas que represem as águas de preamar e as descarreguem em baixa-mar; este assunto será convenientemente
estudado e exposto após a instalação e o funcionamento dos aparelhos.
A propósito da conservação do canal, faz-se necessário punir os que atirem impurezas e
pedras às águas, até que todos se habituem a estimar os melhoramentos que a todos pertencem; a lei de proteção dos cursos, tão necessária
como fundamental garantia da salubridade do país, compreenderá, certamente, este caso.
Avenidas laterais
Os canais de drenagem, bem como os cursos naturais retificados, devem ficar sempre no
centro ou lado de avenidas e ruas, nunca atravessando os quarteirões ou terrenos particulares, para que não se faça servidão imunda das suas águas.
Em Santos as novas avenidas estão abertas com 30 m e 35 m de largura, ficando o canal
ao centro.
O tipo de canal (fig. 1) com as banquetas e os taludes gramados, em avenidas
arborizadas, é essencialmente apropriado para atenuar a forte reverberação solar das cidades tropicais. O tipo de canal (fig. 2) com o ângulo
central de 120 graus, muros marginais e parapeitos (tipo aplicado na rua Rangel Pestana) é mais caro e permite reduzir a superfície ocupada, quando
é escassa a largura disponível para as ruas.
Estes canais, com as suas avenidas, constituem um elemento estético de valor
apreciável no que está feito; além dos outros serviços sanitários a que se destinam, não é para desprezar o da distribuição da ventilação, quer
devido à largura das avenidas, quer favorecida pelo próprio curso das águas.
Estas razões reforçam o argumento em favor do indispensável prolongamento dos canais
de Santos até a baía, de mar a mar.
Pontes e passadiços
As pontes e passadiços executados são de tipos diferentes, e a variedade é, por sua
vez, elemento de estética para obras que não são, e nem devem ser, de caráter meramente utilitário.
Esse predicado não podia ser desprezado em Santos, o grande empório comercial, a
cidade de recepção para os que, vindos do mar, se destinam a S. Paulo, ou apenas por aqui passam para terras estranhas e daqui devem levar boa
lembrança. Este é o programa do Governo e a ele procurou satisfazer a Comissão do Saneamento.
Aquelas obras de arte são de concreto armado, mas o modo de fundar algo oferece de
interessante sob o ponto de vista técnico. Sabe-se que a regra, na arte de construir, é fundar sobre planos horizontais, em um só plano ou em
degraus.
Vamos dar uma explicação a todos acessível, das fundações das novas pontes. Elas não
são feitas em planos horizontais; - serve de fundação a própria superfície cilíndrica do canal, reforçada na proporção dos ferros e com as nervuras
transversais, espaçadas de três em três metros. É aliás intuitivo que a estabilidade seria obtida para obras pesadas construídas sobre esta
superfície côncava, à semelhança do que se faz estabelecendo pesadíssimas construções mecânicas sobre as superfícies côncavas dos navios; teremos as
nervuras ou as cavernas, para o reforço do esqueleto do canal ou do navio (figs. 3, 4 5). Dito isto, é fácil compreender a razão de ser da
construção, e o mais se resume na indagação da distribuição das pressões no terreno e nas alvenarias.
Nas pontes das avenidas Conselheiro Nébias e Constituição, foram aproveitadas, como
galerias laterais de descarga, virolas de cimento armado existentes, com o diâmetro de 1,60 m (fig. 3); assim, o vão central ficou limitado a três
metros, o que permitiu dar às pontes a pequena espessura de 15 cm a 18 cm, deixando por baixo um vão livre de 2,50 m a 2,70 m de altura, para a
franca passagem de escaleres de passeio, por ocasião das grandes marés, ou para aquele mister represando as águas.
A prova da grande economia realizada com os novos tipos de pontes está no seguinte: -
a nova ponte, incluindo o preço do material que já existia (trilhos e virolas), e o da ornamentação, custou cerca de 25 contos, ou menos dez contos
que a antiga ponte, na mesma avenida.
As pontes das ruas Constituição e as de Braz Cubas são de estilos diferentes.
A ponte na
Rua Senador Feijó
não se destina a trânsito pesado, visto que o traçado dos bondes elétricos estava projetado por
(N.E.: "por" no sentido de "via Rua")
Braz Cubas: destina-se apenas a facilitar o pequeno trânsito de carruagens e automóveis e
constitui um motivo ornamental. É a ponte de construção mais leve, tendo apenas 15 cm de espessura em vão de 5,40 m, podendo, entretanto, dar
passagem a duas carruagens do peso total de 16 toneladas.
O tipo de construção se aproxima do tipo Matrai, ou de uma pequena ponte suspensa com os cabos de
aço cobertos de cimento (fig. 4); estes cabos, de duas polegadas de diâmetro, envolvem o canal e fecham em ciclo os esforços fletores e resistentes;
os cabos existiam nos depósitos da Comissão desde 1892. Está calçada com asfalto e escória de ferro.
A ponte Ana Costa (fig. 5 B) é bastante ampla para o mais movimentado trânsito de
bondes e outros veículos, no cruzamento de duas avenidas. Os seus parapeitos são ornamentados por duas calhas em que as folhas multicores dos
crotons lhes dão o desejado realce.
Na extremidade do canal, na praça do Mercado, e junto às pontes Braz Cubas e Ana
Costa, estão feitas as escadas de acesso para as embarcações.
Alguns passadiços oferecem certo interesse pelo aspecto leve da construção; no
tabuleiro de cimento armado foram feitas aberturas transversais para o enxugo, à semelhança do que se faz nos pavimentos de madeira.
As canalizações de ferro para água e gás passam sob o passeio das pontes, em caixas
facilmente reabertas para qualquer conserto ou substituição; aí passarão também os emissários de tubos de ferro das estações elevatórias distritais.
Junto às pontes das ruas Constituição e Senador Feijó se vêem tubos de ferro que atravessam o canal perto do fundo - são canalizações provisórias
do esgoto antigo, e que desaparecerão brevemente, após a execução da rede nova.
A ornamentação das pontes, com o granito artificial, ou mosaico, de cimento e mármore,
foi executada pelo artista D. Savorelli, estabelecido em Santos.
Seja dito de passagem que algumas pessoas pensam constituir um grande incômodo público
não haver uma ponte em cada cruzamento de rua; outras pensam que as pontes devem ter a largura e o nível das ruas... Os exemplos instrutivos, dados
pela generalidade das cidades em análogas condições, são os melhores argumentos para corrigir a insensatez das reclamações ou das críticas.
Valor das obras concluídas
As obras de drenagem superficial, inauguradas a 27 de agosto de 1907, compreendem os
serviços constantes dos Quadros juntos, mencionando as quantidades de obra e o custo dos trechos inaugurados.
Temos, portanto, dois quilômetros de canais prontos e inaugurados em agosto de 1907,
além de cerca de 500 metros de afluentes, quinze obras d'arte e os serviços extraordinários mencionados. Estas obras, excluindo a quota de
administração geral (almoxarifado, escritório central etc.), comum a todos os serviços a cargo da Comissão, incluindo, porém, o ordenado do
engenheiro e a conservação das obras, importaram em quantia inferior à da verba autorizada (...)
A população de Santos, os visitantes estrangeiros e nacionais, têm dispensado a estas
obras elevado apreço, o que realça o ato do Governo mandando executá-la e justifica a necessidade do seu prosseguimento. Além das representações
feitas à Câmara Municipal e ao Snr. Dr. secretário da Agricultura, há que destacar o eloqüente apoio dos proprietários que cederam, gratuitamente,
os seus terrenos, em extensão superior a oito quilômetros por 35 m de largura.
Quadro n.1
Especificação e quantidades dos serviços executados
até 27 de agosto de 1907
Número de ordem
|
Especificação
|
Quantidades
|
1
|
Retificação do Ribeirão dos Soldados, até passar a Avenida Ana
Costa |
1.360,00 m
|
2
|
Canal Braz Cubas:
a) trecho em galeria
b) trecho em canal com o fundo de raio 0,80 m, tipo especial
c) trecho em canal de raio 1,00 m, taludado |
217,00 m
156,00 m
17,00 m
|
3
|
Galeria, córrego M.Serrat |
18,20 m
|
4
|
Galerias pluviais afluentes (Avenida Conselheiro Nébias, Rua Braz
Cubas) |
148,00 m
|
5
|
Coletores de manilhas afluentes |
325,25 m
|
6
|
Canalete da Usina terminal, raio 1 m (Cachoeirinha) |
278,00 m
|
7
|
Pontes:
a) abertura do canal 9,00 m
b) vão 5,40 m
c) vão 2,00 m
d) ponte-galeria vão 1,60 m |
2
3
1
6
|
8
|
Passadiços |
3
|
9
|
Remoção de terra para aterro de avenidas e do antigo Rio dos Soldados |
15.940,00 metros cúbicos
|
10
|
Muros e passeios, em terrenos cedidos para o alargamento |
616,65 metros lineares
|
11
|
Calçamento da Viela sanitária e das ruas |
1.251,30 metros quadrados
|
12
|
Serviços diversos:
Derivações de cursos; modificações de encanamentos de água, gás e esgotos; postes
para a iluminação do Canal Rangel Pestana; assentamento de meios fios; passeio nos canais; arborização das margens; remoção de pequenas casas;
indenizações de benfeitorias etc.
RESUMO
|
|
A
|
Extensão total de canais e canaletes |
2.030,00 m
|
B
|
Idem de afluentes |
491,45 m
|
C
|
Idem de bueiros de 0 ,60 x 0,60 m |
104 m
|
D
|
Número total de pontes e passadiços |
15
|
(*) Em diversos opúsculos e artigos para o Jornal
do Comércio, tenho mostrado a necessidade do prolongamento do Canal do Mangue, de mar a mar, indicando como preferíveis um dos seguintes
traçados:
a) contando a Praça da República, passando ao sopé do morro de Santo Antonio e
atravessando o Largo da Lapa (v. Esgotos de Santos, pág. 34, 1903);
b) cortando os terrenos de arrasamento do morro do Senado e vindo sair na Lapa pela
então projetada avenida Mem de Sá, que deveria ter sido oportunamente alargada (v. artigos anexos ao opúsculo Águas pluviais). |