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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - GREVE!
Negociata: nove milhões de salários mínimos

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Logo após deflagrada a Revolução Militar de 1964, começaram as prisões de inúmeras lideranças que pudessem ameaçar de alguma forma os interesses do novo regime, especialmente na área sindical, já que o Brasil vinha atravessando uma fase de seguidas greves. Santos seria inclusive tornada depois área de segurança nacional, perdendo o direito de eleger prefeito e tendo inúmeros políticos com seus direitos cassados. Uma página da história negra da repressão aos sindicatos foi contada na edição número 2 do jornal Preto no Branco, da Cooperativa dos Jornalistas de Santos Ltda. (Jornacoop), em setembro de 1979:

A maioria dos sindicatos foi invadida por tropas militares nos dias que se seguiram ao movimento armado. No dia 3 de abril foi a vez do Sindipetro, com bombas e gás e algumas prisões. Os documentos foram apreendidos para exame e nunca mais voltaram
Foto publicada com a matéria

Denunciou negociata: preso

Texto de Carlos Mauri Alexandrino

Esta é uma história de corrupção e de injustiça e, para começá-la, é importante reconstituir um episódio: a invasão do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Refinação e Destilação de Petróleo de Santos, o Sindipetro. Vejamos o que disse A Tribuna no dia 4 de abril de 1964, sobre a operação militar realizada na tarde anterior:

"Ao retorno da praia, investigadores da delegacia especializada, juntamente com um choque da Polícia Marítima e Aérea, seguiram para o prédio da rua Itororó, 79, onde no sétimo andar está instalado o Sindipetro. As dependências estavam abertas, sendo detidos e encaminhados para a Delegacia de Ordem Política e Social quatro funcionários que ali se encontravam na ocasião e que posteriormente foram dispensados".

"Foi procedida a uma busca no interior da sede do sindicato, sendo apreendido todo o material de propaganda ali encontrado, bem como as pastas do arquivo de correspondência para exames minuciosos posteriormente".

A verdade é que não foram apreendidas apenas as pastas de correspondência, mas todos os documentos, inclusive livros de atas de assembléias gerais. Um deles, entretanto, não estava entre as apreensões, pois havia sido retirado a tempo dos arquivos: um relatório elaborado por uma comissão especial que apurava desvio de materiais novos da Refinaria Presidente Bernardes, vendidos como sucata imprestável, em 1962. Dessa comissão fazia parte Nelson Azeredo Coutinho, tesoureiro do sindicato.

- E onde estava esse Nélson nos primeiros dias de abril de 64?

- Eu estava em uma reunião intersindical no Rio de Janeiro e cheguei a Santos depois da eclosão do golpe militar. No dia 7 de abril fui me apresentar na Refinaria e encontrei mandando em tudo, por lá, o então major Antônio Erasmo Dias. Entrei pela portaria e fui interpelado pelos soldados que me reconheceram por fotografia e fui levado até o Erasmo. Chegou com aquele jeitão dele, gritando, e ameaçando, e eu respondia que estava ali representando os trabalhadores e que queria falar com o superintendente e não com um major do Exército. Fui preso em seguida.

O major Erasmo sacou os revólveres e perguntou se alguém tinha alguma coisa a dizer.

Façamos um pequeno parêntesis na história para lembrar o que aconteceu no dia 3 de abril: Erasmo subiu num tablado, reuniu os trabalhadores, agarrou as coronhas dos revólveres que trazia na cinta e anunciou que o interventor do sindicato era Rivaldo Gonçalves Otero. "Vocês usam chaves inglesas e de boca e essas daqui são as minhas ferramentas - disse o major, sacando as armas. Alguém tem alguma coisa contra o interventor?"

Nélson Azeredo foi a julgamento somente em 1969, após a edição do AI-5, depois de uma penosa espera sem emprego: foi demitido por justa causa e nem sequer baixa em sua carteira de trabalho quiseram dar. Virou feirante e dono de bar.

O julgamento durou cinco horas na Justiça Militar que avocara o caso da Justiça Civil, que não via como condenar alguém por atividades sindicais plenamente reconhecidas em lei. Acabou condenado a três anos de prisão, como todos seus companheiros da diretoria do Sindipetro, a serem cumpridos no presídio de Santos. Foi libertado condicionalmente depois de cumprir metade da pena, "desde que exercesse atividade legal e me apresentasse de dois em dois meses na Justiça Militar, com a carteira de trabalho assinada". Essa última era a parte difícil, pois em seu primeiro emprego, na Mafersa (esta mesma que está sendo privatizada agora), durou somente 87 dias, até chegar o atestado ideológico do Dops.

Voltemos um pouco o tempo e vejamos alguns trechos das cartas escritas na prisão por Nélson Azeredo, endereçadas ao então presidente Emílio Médici e seu ministro da Justiça, Alfredo Buzaid:

"...granjeamos, antes de 64, alguns inimigos gratuitos e outros comprometidos em malversação de verbas da Refinaria Presidente Bernardes, como é o caso do engenheiro Cláudio Godinho e do senhor Afonso Blum, chefe do almoxarifado e do depósito de sucata, local onde foram feitas várias negociatas com materiais novos, rotulados como imprestáveis".

O engenheiro exigia, pelos jornais, que fôssemos condenados por subversão à ordem.

Dias depois da entrega do relatório final apontando as irregularidades e instituindo procedimentos que seriam adotados posteriormente para a manipulação e encaminhamento da sucata, o superintendente da Refinaria fazia memorando interno de reconhecimento pelo trabalho do grupo e reconhecia que "aqueles problemas com a sucata há muito vinham preocupando seriamente a administração da empresa".

Naquele momento havia motivos para comemoração, já que ficara provado que a organização dos trabalhadores era um eficiente meio de conter a corrupção administrativa nas empresas estatais. Era uma grande vitória do sindicato. A derrota viria depois.

O grupo teria duração inicial de 60 dias que acabaram prorrogados por mais 90, dadas as irregularidades encontradas nos depósitos de sucata da refinaria, um grande pátio cercado, onde pouco os trabalhadores entravam e sobre o qual não havia qualquer controle documental. No dia 4 de dezembro daquele ano, o grupo apresentava um relatório final contundente: haviam sido localizados materiais novos ou em condições imediatas de recuperação no surpreendente valor de Cr$ 150.260.000,00, que seriam vendidos como sucata, por preços irrisórios - naturalmente, a pessoas certas. Para se ter uma idéia do que significava essa soma, basta lembrar que o salário mínimo da época era de Cr$ 16,00.

A trapaça já havia rendido nada menos que nove milhões de salários mínimos.

O material comprado era armazenado nos almoxarifados apenas o tempo suficiente para que fosse esquecido e, então, removido para os depósitos de sucata, sem qualquer tipo de classificação. Dali, as peças iam para leilão ou licitação devidamente preparados para que certas empresas, constituídas com a finalidade específica de compra desses materiais, vendessem (N.E.: o termo correto seria: vencessem).

Os reais beneficiários dos lucros exorbitantes proporcionados por essa manobra continuam com seus nomes acobertados pela impunidade até hoje, embora sejam do conhecimento de determinados setores dos órgãos de segurança.

Além da soma indicada pelo relatório, um adendo explicava a localização posterior de quatro medidores automáticos para derivados leves, ainda sem uso, de fabricação norte-americana, importados, na época, por seis mil dólares cada um. O resto do material era composto de motores elétricos, transformadores, chaves magnéticas, cabeçotes de fornos, válvulas, tubulações flanges, e custosas curvas de tubulação de ligas de aço especiais para resistirem a grande caloria e pressão que, segundo informam os trabalhadores, até hoje continuam em uso na empresa.


Chamada da matéria, na capa do Preto no Branco publicado em setembro de 1979

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