A maioria dos sindicatos foi invadida por tropas
militares nos dias que se seguiram ao movimento armado. No dia 3 de abril foi a vez do Sindipetro, com bombas e gás e algumas prisões. Os documentos
foram apreendidos para exame e nunca mais voltaram
Foto publicada com a matéria
Denunciou negociata: preso
Texto de Carlos Mauri Alexandrino
Esta é uma história de corrupção e de injustiça e, para
começá-la, é importante reconstituir um episódio: a invasão do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Refinação e Destilação de Petróleo de
Santos, o Sindipetro. Vejamos o que disse A Tribuna no dia 4 de abril de 1964, sobre a operação militar realizada na tarde anterior:
"Ao retorno da praia, investigadores da delegacia especializada, juntamente com um
choque da Polícia Marítima e Aérea, seguiram para o prédio da rua Itororó, 79, onde no sétimo andar está instalado o Sindipetro. As dependências
estavam abertas, sendo detidos e encaminhados para a Delegacia de Ordem Política e Social quatro funcionários que ali se encontravam na ocasião e
que posteriormente foram dispensados".
"Foi procedida a uma busca no interior da sede do sindicato, sendo apreendido todo o
material de propaganda ali encontrado, bem como as pastas do arquivo de correspondência para exames minuciosos posteriormente".
A verdade é que não foram apreendidas apenas as pastas de correspondência, mas todos
os documentos, inclusive livros de atas de assembléias gerais. Um deles, entretanto, não estava entre as apreensões, pois havia sido retirado a
tempo dos arquivos: um relatório elaborado por uma comissão especial que apurava desvio de materiais novos da Refinaria Presidente Bernardes,
vendidos como sucata imprestável, em 1962. Dessa comissão fazia parte Nelson Azeredo Coutinho, tesoureiro do sindicato.
- E onde estava esse Nélson nos primeiros dias de abril de 64?
- Eu estava em uma reunião intersindical no Rio de Janeiro e cheguei a Santos depois
da eclosão do golpe militar. No dia 7 de abril fui me apresentar na Refinaria e encontrei mandando em tudo, por lá, o então major Antônio Erasmo
Dias. Entrei pela portaria e fui interpelado pelos soldados que me reconheceram por fotografia e fui levado até o Erasmo. Chegou com aquele jeitão
dele, gritando, e ameaçando, e eu respondia que estava ali representando os trabalhadores e que queria falar com o superintendente e não com um
major do Exército. Fui preso em seguida.
O major Erasmo sacou os revólveres e perguntou se alguém tinha alguma coisa a
dizer.
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Façamos um pequeno parêntesis na história para lembrar o que aconteceu no dia 3 de
abril: Erasmo subiu num tablado, reuniu os trabalhadores, agarrou as coronhas dos revólveres que trazia na cinta e anunciou que o interventor do
sindicato era Rivaldo Gonçalves Otero. "Vocês usam chaves inglesas e de boca e essas daqui são as minhas ferramentas - disse o major, sacando as
armas. Alguém tem alguma coisa contra o interventor?"
Nélson Azeredo foi a julgamento somente em 1969, após a edição do AI-5, depois de uma
penosa espera sem emprego: foi demitido por justa causa e nem sequer baixa em sua carteira de trabalho quiseram dar. Virou feirante e dono de bar.
O julgamento durou cinco horas na Justiça Militar que avocara o caso da Justiça Civil,
que não via como condenar alguém por atividades sindicais plenamente reconhecidas em lei. Acabou condenado a três anos de prisão, como todos seus
companheiros da diretoria do Sindipetro, a serem cumpridos no presídio de Santos. Foi libertado condicionalmente depois de cumprir metade da pena,
"desde que exercesse atividade legal e me apresentasse de dois em dois meses na Justiça Militar, com a carteira de trabalho assinada". Essa última
era a parte difícil, pois em seu primeiro emprego, na Mafersa (esta mesma que está sendo privatizada agora), durou somente 87 dias, até chegar o
atestado ideológico do Dops.
Voltemos um pouco o tempo e vejamos alguns trechos das cartas escritas na prisão por
Nélson Azeredo, endereçadas ao então presidente Emílio Médici e seu ministro da Justiça, Alfredo Buzaid:
"...granjeamos, antes de 64, alguns inimigos gratuitos e outros comprometidos em
malversação de verbas da Refinaria Presidente Bernardes, como é o caso do engenheiro Cláudio Godinho e do senhor Afonso Blum, chefe do almoxarifado
e do depósito de sucata, local onde foram feitas várias negociatas com materiais novos, rotulados como imprestáveis".
O engenheiro exigia, pelos jornais, que fôssemos condenados por subversão à
ordem.
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Dias depois da entrega do relatório final apontando as irregularidades e instituindo
procedimentos que seriam adotados posteriormente para a manipulação e encaminhamento da sucata, o superintendente da Refinaria fazia memorando
interno de reconhecimento pelo trabalho do grupo e reconhecia que "aqueles problemas com a sucata há muito vinham preocupando seriamente a
administração da empresa".
Naquele momento havia motivos para comemoração, já que ficara provado que a
organização dos trabalhadores era um eficiente meio de conter a corrupção administrativa nas empresas estatais. Era uma grande vitória do sindicato.
A derrota viria depois.
O grupo teria duração inicial de 60 dias que acabaram prorrogados por mais 90, dadas
as irregularidades encontradas nos depósitos de sucata da refinaria, um grande pátio cercado, onde pouco os trabalhadores entravam e sobre o qual
não havia qualquer controle documental. No dia 4 de dezembro daquele ano, o grupo apresentava um relatório final contundente: haviam sido
localizados materiais novos ou em condições imediatas de recuperação no surpreendente valor de Cr$ 150.260.000,00, que seriam vendidos como sucata,
por preços irrisórios - naturalmente, a pessoas certas. Para se ter uma idéia do que significava essa soma, basta lembrar que o salário mínimo da
época era de Cr$ 16,00.
A trapaça já havia rendido nada menos que nove milhões de salários mínimos.
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O material comprado era armazenado nos almoxarifados apenas o tempo suficiente para
que fosse esquecido e, então, removido para os depósitos de sucata, sem qualquer tipo de classificação. Dali, as peças iam para leilão ou licitação
devidamente preparados para que certas empresas, constituídas com a finalidade específica de compra desses materiais, vendessem
(N.E.: o termo correto seria: vencessem).
Os reais beneficiários dos lucros exorbitantes proporcionados por essa manobra
continuam com seus nomes acobertados pela impunidade até hoje, embora sejam do conhecimento de determinados setores dos órgãos de segurança.
Além da soma indicada pelo relatório, um adendo explicava a localização posterior de
quatro medidores automáticos para derivados leves, ainda sem uso, de fabricação norte-americana, importados, na época, por seis mil dólares cada um.
O resto do material era composto de motores elétricos, transformadores, chaves magnéticas, cabeçotes de fornos, válvulas, tubulações flanges, e
custosas curvas de tubulação de ligas de aço especiais para resistirem a grande caloria e pressão que, segundo informam os trabalhadores, até hoje
continuam em uso na empresa.
Chamada da matéria, na capa do Preto no Branco publicado em setembro de 1979
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