HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
OS IMIGRANTES
A colônia japonesa (1)
Beth Capelache de Carvalho (texto). Walter Albuquerque de Melo e arquivo (fotos)
Os primeiros imigrantes japoneses chegaram no Kasato
Maru, que aportou em Santos
Foto: revista Estrela Azul, publicada por funcionários do porto por volta de 1930
Os 74 anos da colônia japonesa
Os imigrantes japoneses começaram a chegar ao
Brasil logo após a guerra russo-japonesa. Em 1895 foi assinado, em Paris, o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação entre os dois países, e, em
1897, uma das empresas de emigração japonesas chegou a obter um contrato para envio de dois mil trabalhadores. Mas uma crise no setor cafeeiro
impediu a concretização dessa viagem.
A primeira grande leva de imigrantes chegou ao Porto de Santos no dia
18 de junho de 1908, a bordo do vapor Kasato Maru (consignado à Agência Marítima Wilson Sons), que atracou exatamente às 9,30 horas. Era
o resultado de um tratado entre a Companhia Imperial de Emigração, fundada por Ryu Mizuno, e o Governo do Estado de São Paulo.
No Kasato Maru vieram 165 famílias, num total de 781 pessoas, cumprindo-se a
exigência de um mínimo de três pessoas maiores de 12 anos e em condições de trabalhar, em cada uma das famílias. Todos tinham a obrigação de cumprir
um ano de contrato de trabalho nas lavouras, em fazendas de café do Interior, e tencionavam juntar algum dinheiro, durante esse período, para voltar
à sua terra.
Entretanto, no primeiro ano a colheita foi ruim para os japoneses e o trabalho de três
pessoas não alcançou a diária de um trabalhador de fazenda. Mesmo assim, a 28 de junho de 1910 chegaram a Santos mais 247 famílias japonesas, no
navio Ryokun Maru, num total de 906 pessoas, encaminhadas para a lavoura de café da região da Alta Mogiana. Entre 1912 e 1914, foi registrada
a entrada de mais oito navios trazendo imigrantes japoneses, num total de 13.289 pessoas.
Esses pioneiros são homenageados todos os anos, na data da atracação do Kasato Maru
(considerada o Dia do Imigrante), pela colônia japonesa no Brasil, que atualmente atinge mais de 800 mil pessoas, entre japoneses e descendentes.
Este ano [N.E.: 1982], as festas realizadas em São Paulo tiveram como convidados de honra
os que chegaram na segunda, terceira e quarta levas, já que se tornou difícil encontrar sobreviventes da primeira, de 1908.
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De isseis a "yonseis"
Eles vinham para "enricar". Chegavam assustados, com
suas sandálias do tipo havaiano ou já em roupas ocidentais, para facilitar a adaptação, mas eram todos muito simples. A maioria, procedente da Ilha de
Okinawa, ao Sul do Japão, que pode ser comparada ao Nordeste brasileiro, em relação ao contraste econômico. Mas
não pensavam em ficar. A meta de cada imigrante japonês era juntar dinheiro rapidamente e voltar para seu país, assim que conseguisse realizar esse
sonho.
Não se interessavam, portanto, em adquirir terras. Geralmente eram empregados como "formadores de cafezais",
isto é: mediante contrato com o dono da terra, a família japonesa se dispunha a constituir a lavoura, e dela cuidar até que entrasse em produção
satisfatória. Enquanto isso, eram suas as culturas intercaladas de feijão, batata, milho e algodão. A remuneração era de 2 mil réis por dia para cada
mil pés de café tratados, acrescida de um pagamento proporcional à quantia de café colhida.
Para cumprir o contrato de imigração, as famílias - muitas formadas artificialmente - deveriam ter de três a dez
pessoas, maiores de 12 anos e em condições de trabalhar. Solteiros, só os que tivessem profissão definida, como pedreiro, carpinteiro ou ferreiro.
Mas nem sempre era possível juntar algum dinheiro dessa maneira, por isso muitos japoneses apressavam-se em
ver-se livres do contrato obrigatório de um ano, para trabalhar na construção de estradas de ferro ou em outros serviços braçais. Quando possível,
arrendavam terras a baixo custo, para plantar seus próprios cafezais. Alguns optaram pelo arroz, cultura que já conheciam no
Japão e que possibilitava bons lucros, devido à escassez durante a Primeira Guerra Mundial.
E foi principalmente o cultivo do arroz - mas também o da banana
- que fixou os primeiros japoneses no litoral paulista, nos anos 10 [N.E.: 1910/20]. Para dedicar-se a essas atividades,
muitos deixaram os empregos na Estrada de Ferro Santos-Jundiaí e na Companhia Docas de Santos
(em 1918, havia na Docas turmas constituídas exclusivamente por japoneses).
"Nandeska"? - "Como é mesmo?" Foi esta a pergunta mais repetida pelos primeiros japoneses, pois as
dificuldades de comunicação representavam, sem dúvida, o maior obstáculo enfrentado pelos imigrantes. Era difícil trabalhar chamando a enxada de kuwa,
a foice de kama e a pá de shaberu. Mas ainda mais difícil era comprar mantimentos, pedir qualquer espécie de socorro e não ser enganado
nos negócios.
Apesar de todas essas dificuldades, apesar do calor e da malária que assolava a região, os japoneses foram
ficando, as famílias foram crescendo. Compraram as terras arrendadas, estenderam as suas plantações, levaram escolas para seus filhos e acabaram
fincando raízes, como o arroz, a batata, o algodão. E nunca mais se desfez a corrente de interesses solidários entre os dois
países, composta, fundamentalmente, pelas coisas da agricultura.
Hoje, os japoneses remanescentes das várias levas de imigrantes (isseis), e seus descendentes (nisseis,
da segunda geração; sanseis, da terceira; e yonseis, da quarta), fazem muito mais do que transformar matas virgens em terras produtivas,
ou ir para a roça com um machado nas costas e o coração cheio de sonhos. Eles são responsáveis por gerações de agricultores com lugar definitivamente
marcado na economia do País, mas também por uma novíssima geração de engenheiros, médicos, matemáticos, técnicos, intelectuais e até políticos.
Coisa de japonês - Mas a tradição agrícola persiste. Por todo o litoral de São Paulo, quem prova uma
enorme goiaba, uma tangerina poncã das mais doces, ou compra uma rosa meio diferente, logo conclui que "isso é coisa de japonês". Pode até acrescentar
que as flores e as frutas perderam o seu cheiro original, ou que a goiaba não tem mais o mesmo sabor, mas não pode deixar de admirar esses estrangeiros
que vieram do outro lado do mundo para monopolizar o setor de abastecimento com seus legumes, verduras, frutas e cereais.
Em Santos, os japoneses espalharam suas chácaras pela Ponta da Praia,
Marapé, Saboó, Campo Grande e até mesmo o Morro
da Nova Cintra. Até a Segunda Guerra, a Cidade era abastecida exclusivamente por produtos cultivados nessas plantações. Na década de 60 ainda havia
algumas delas na área do Conjunto Habitacional Castelo Branco, na Av. dos Bancários e na Rua Epitácio Pessoa (onde agora
funciona o INAMPS).
"Inimigos do País" - Transcorridos 30 anos de imigração, quando muitos japoneses já alcançaram
estabilidade, tanto no setor agrícola como no comercial e no industrial, o Japão entrou na Guerra do Pacífico.
O Brasil rompeu relações diplomáticas com os países do Eixo, e os aliados declararam guerra ao Japão, de modo
que os imigrantes ficaram na posição de adversários. E em nome da segurança nacional, os súditos do Eixo tiveram que se retirar de uma faixa de 50
quilômetros do Litoral. Japoneses e alemães foram removidos em 24 horas para São Paulo e depois distribuídos por várias cidades
do Interior.
A edição de A Tribuna, do dia 10 de julho de 1943, registra a aflição dessa retirada: "Colhidos de
surpresa, numerosos japoneses trataram de se desfazer de seus bens. No Marapé, na Ponta da Praia e
em Santa Maria, houve verdadeira corrida para a venda de suínos, galináceos, muares etc.
"Quase todos proprietários de chácaras, eles puseram à venda quase tudo quanto possuíam. Vendiam a qualquer
preço, pois não havia tempo para regatear. Um deles, para desfazer-se de sua chácara, em Santa Maria, vendeu três porcos, uma
carroça e um muar pela quantia de mil cruzeiros. As galinhas eram vendidas a dois ou três cruzeiros".
Muitos foram acompanhados das famílias, mas outros tantos deixavam filhos, sobrinhos e netos brasileiros
reunidos sob a responsabilidade dos mais velhos, a fim de completarem o ano escolar e também para tomar conta das propriedades que ficavam abandonadas.
A polícia publicava, na mesma página do jornal, um apelo ao povo de Santos, para que tomasse para si a responsabilidade de guardar essas propriedades,
tornando-se cada vizinho um vigilante atento, que deveria dar notícia urgente de qualquer irregularidade. Nem sempre isso aconteceu.
Em 10 de julho de 1943, A Tribuna registrou a ida dos japoneses para o Interior
Veja as partes [2] e [3] desta matéria
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