Quem olha aqueles prédios enfileirados em pleno Bairro de Aparecida não imagina que lá vivem
quase 17 mil pessoas. E nem que o Conjunto Habitacional Humberto de Alencar Castelo Branco guarda uma história de muitos problemas e de luta. Pois
esse que foi o primeiro conjunto popular construído pelo BNH no Brasil, embrião do sistema mutuário no País e na América do Sul, padece de males
que vão desde a falta de áreas verdes e de lazer até o constante perigo de contaminação das caixas de água.
Vejam só: os reservatórios baixos são feitos de bloco, revestidos apenas na parte interna, e ficam
no porão, junto a tubulações de esgotos que se rompem com muita facilidade. O resultado dessa mistura não é difícil de se prever.
Como se não bastasse, os reservatórios altos correm o risco de desabar e uma reforma geral
custaria uns Cr$ 100 milhões. O BNH, de sua parte, parece que só lembra dos mutuários na hora de aumentar as prestações. Indiferente aos perigos e
às reivindicações, se limita a fazer promessas.
E apenas promessas é o que os moradores ouvem da Prefeitura: no tempo do ex-prefeito Antônio
Manoel de Carvalho parecia certa a aquisição de terreno para a construção de um centro comunitário. Já estamos no segundo prefeito depois dele e
até agora nada. E sabem quanto o Castelo Branco recolherá de impostos este ano? Mais de Cr$ 21 milhões.
Conjunto de Aparecida é o embrião do sistema habitacional brasileiro
Imaginem um lugar onde as caixas-d'água ameaçam desabar ou
correm o risco de contaminação por esgoto. É assim no Castelo Branco, um conjunto que vem enfrentando dezenas de problemas desde a sua
inauguração. O pessoal procurava um teto seguro e não encontrou bem isso. O BNH? Só faz promessas, nada mais.
A situação é muito mais séria do que muitos podem pensar. A Saúde Pública simplesmente condenou o sistema de
esgoto, só para citar um caso. As tubulações passam sob os porões e se ligam a uma tubulação geral. As caixas de gordura também estão diretamente
ligadas a ela e vivem sobrecarregadas porque servem de 16 a 32 apartamentos.
Quando o sistema geral entope (o que não é nada difícil), vejam o que acontece: a água servida misturada com
dejetos humanos vai subindo pelas tubulações secundárias até que extravasa, sabem onde? Nas pias das cozinhas dos apartamentos térreos. Mais: os
poços de visita transbordam e transformam o pátio interno dos prédios num festival de detritos.
Isso não é tudo. Os tubos sob os porões se rompem com a maior facilidade, por causa do solo, que não é lá muito
firme. A tubulação, sem base de apoio, vai cedendo até que se solta nas emendas.
E nisso entra a questão da contaminação das caixas-d'água baixas. Estas também ficam nos porões, são feitas de
bloco e revestidas apenas na parte interna, por uma camada bem fina de massa. Como não estão isoladas, cada vez que acontece algum acidente com a
rede de esgoto os moradores enfrentam o perigo de contaminação da água.
Para que ninguém duvide que o risco existe, basta saber que nos prédios da chamada fase 1 (ao longo da Vergueiro
Steidel) até água salgada já penetrou nos reservatórios. Isso mesmo, água salgada, do mar, porque quando a maré sobe os porões ficam cheios.
Mas talvez o perigo maior resida justamente nas caixas-d'água altas. Elas têm seis metros de comprimento por 21
de largura, e suportes apenas na parte central. Ou seja, não há base de sustentação suficiente para suportar todo o peso. Primeiro surgiram
rachaduras, infiltração de água, umidade e goteiras nos apartamentos dos últimos andares. Para prevenir o pior, os reservatórios não ficam cheios,
apenas com 3/4 de água.
Isso sem contar que o madeirame do telhado começou a ceder e as faixas de concreto horizontais, que marcam a
divisória dos andares, ficam expostas ao tempo, sem proteção de pastilhas ou coisas do tipo. Resultado: os ferros enferrujam, provocam rachaduras
e o reboco cai.
Enquanto os moradores se defrontavam com esses problemas, capazes de deixar qualquer um de cabelos brancos,
surgiu uma novidade adicional: cupins. As construtoras Ecel e Guarantan deixaram madeira estocada nos porões e, em 1975, os condomínios Chile e
Uruguai constatavam a presença dos invasores. Foi preciso a intervenção do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) para eliminar os focos.
Mas, passados alguns anos, novos focos foram descobertos nos blocos da Rua Jurubatuba: as paredes estavam até
fofas devido à ação dos bichinhos. Dizem que esses hóspedes vivem até hoje no conjunto e volta e meia são descobertos.
O perigo é grande, mas do BNH só partem promessas - Cansados de pedirem providências e continuarem
esquecidos, em 1978 os síndicos iniciaram uma campanha para reivindicar junto ao BNH pelo menos a reforma do principal.
Nesse mesmo ano conseguiram que o agente financeiro, a APE, fizesse uma vistoria no conjunto. E realmente os
engenheiros depararam com graves deficiências, só que atribuíram a culpa ao BNH e às construtoras. Sobre isso, o ex-dirigente sindical Amauri da
Cruz Tiriba, morador do Castelo Branco, tem uma pergunta a fazer: "Será que o Inocoop, que manteve um escritório lá, não constatou as falhas
durante a construção?"
E, para surpresa dos tão descontentes mutuários, o BNH prometeu Cr$ 12 milhões para cada condomínio reformar
suas caixas de água. Houve até comemoração no Bar Vila Jockey. Antes não tivessem comemorado, porque ficou o dito pelo não dito: o BNH veio com
uma história de que qualquer melhoria deveria ter sido providenciada num prazo determinado, já esgotado.
Mas o pessoal voltou a erguer a cabeça e prosseguiu na luta, mantendo seguidos contatos com o delegado regional
do BNH em São Paulo, Bartolomeu Bueno de Miranda. O último contato oficial, na Capital, aconteceu a 25 de junho de 1981. O prefeito Paulo Gomes
Barbosa foi junto e nesse encontro ficou sacramentado em papel que o BNH mandaria engenheiros par vistoriar o conjunto, juntamente com engenheiros
da Prefeitura. Até agora, nem sombra deles.
Depois disso, o presidente do Centro Comunitário Castelo Branco já se encontrou com Bartolomeu Bueno de Miranda
em três solenidades. Tocou no assunto e o representante do BNH fez nova promessa: reconheceu que a visita dos engenheiros estava atrasada, mas
iria tomar providências. Todos continuam aguardando.
Para que ninguém, apesar das investidas, acuse os moradores de omissão, é bom lembrar que o síndico do
Condomínio Argentina, Ayrton Inácio de Faria, já andou pedindo providências na sede do BNH, no Rio de Janeiro. E sabem no que deu? O BNH falou até
em ratear as despesas entre os condôminos...
Os síndicos, na medida do possível, fazem uma ou outra pequena reforma para sanar problemas mais urgentes.
Calcula-se que a reforma que o Castelo Branco precisa custaria uns Cr$ 100 milhões.
Os prédios estão escuros, encardidos, mas não por desleixo dos moradores. E o vice-presidente do Centro
Comunitário, Antônio Manoel do Nascimento, indaga, num misto de revolta e angústia? "Será que ninguém se importa? Qualquer hora cai tudo isso.
Futuramente isso aqui vai virar museu do BNH. Foi o embrião do sistema mutuário na América do Sul, o primeiro do Brasil. Será que ninguém vê
isso?"
As reformas nunca saem, mas dos aumentos o BNH nunca esquece - Parece que o BNH só lembra dos mutuários
na hora dos aumentos. Desde o dia 1º está incidindo sobre as prestações, que variavam entre Cr$ 2.218,40 e Cr$ 5.046,03, um reajuste de nada menos
que 89,03 por cento.
"Esse aumento virá lesar ainda mais o pessoal", reclama Reginaldo Agondi, enquanto Antônio Manoel do Nascimento
pondera: "Tá certo que as prestações aqui são das mais baratas, mas o pessoal também ganha pouco. Eu não entendo uma política dessas".
No conjunto moram muitos aposentados e eles são sua maior preocupação. "Estamos aposentados hoje porque
trabalhamos muito. Depois de 30, 35 anos, ninguém é mais o que era. O trabalhador sai pulando mas é de dor na perna."
O pior é que pesa sobre os mutuários a possibilidade de o BNH implantar reajustes semestrais. E o
vice-presidente Antônio Manoel vai logo dizendo: "Com esse aumento de ano em ano o BNH mata aos poucos o trabalhador. Se for de seis em seis
meses, mata de vez".
Esse conjunto popular, com mais de três mil apartamentos, foi o primeiro do Brasil
e padece de sérios problemas
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