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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - BIBLIOTECA - TEATROS
Memórias do Teatro de Santos (15)


Clique na imagem para voltar ao índice da obraComo em muitas outras cidades brasileiras, a memória do teatro santista raramente é registrada de modo ordenado que permita acompanhar sua história e evolução, bem como avaliar a importância dos artistas no contexto nacional, rememorando as grandes atuações, as principais montagens etc.

Uma tentativa neste sentido foi feita na década de 1990 pela crítica teatral santista Carmelinda Guimarães, que compilou depoimentos escritos e orais, documentos e outros registros, nas Memórias do Teatro de Santos - livro publicado pela Prefeitura de Santos em 1996, com produção de Marcelo Di Renzo, capa de Mônica Mathias, foto digitalizada por Roberto Konda. A impressão foi da Prodesan Gráfica.

Esta primeira edição digital em Novo Milênio foi autorizada pela autora, Carmelinda Guimarães, em 6 de janeiro de 2011. O exemplar aqui utilizado foi cedido pelo ator santista Osvaldo de Araujo:

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Memórias do Teatro de Santos

Carmelinda Guimarães

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O Clube de Arte

O Clube de Arte foi o resultado da ampliação de atividades artísticas já existentes no Clube de Gravura, que começou pequeno, na Conselheiro Nébias, com Mário Gruber e mais dois ou três. Pouco a pouco foram chegando mais pessoas, o lugar ficou pequeno e alguém lembrou que havia uma casa maior para alugar na Ana Costa.

E o Clube de Gravura passou a ser um clube de artes plásticas em geral. Tivemos aula de pintura para adultos e crianças, dicção e impostação de voz e várias outras coisas, pegando todos os aspectos de teatro. Aí veio Emílio Fontana para dar aulas de arte dramática. Veio também a professora Maria José, de impostação de voz. Era exigente, rigorosa, buscava a perfeição e tínhamos que fazer o melhor, a coisa perfeita.

Outros vieram ajudar em outras artes e outras manifestações artísticas foram sendo criadas, e o Clube de Arte foi crescendo. Tivemos um grande número de peças montadas, inclusive por gente vinda de São Paulo, como Evaristo Ribeiro, excelente diretor. Ele era arquiteto e trabalhavam nas duas cidades e as peças que montava em São Paulo, montava também aqui, para nós.

Fomos progredindo, quase que empurrados e ampliando cada vez mais nosso campo de atividades artísticas: dança, coreografia, pintura, desenho para crianças e adultos. Mas as atividades teatrais ganhavam dimensões maiores e se avolumaram tanto que nos aventuramos a construir um palco. Era uma casa antiga e através de um financiamento fizemos um puxado que era um verdadeiro palco. Tinha cortina, iluminação, pé direito. Nossos estudos e ensaios práticos de teatro ficaram mais fáceis e motivados. Uma coisa é fazer teatro numa sala, outra num palco com cenário e iluminação.

Carmelinda: Você exerceu uma influência muito grande nos grupos amadores santistas, porque todos quiseram montar os seus textos. Sempre houve uma reverência dos amadores à sua dramaturgia e você sempre correspondeu com muita generosidade, mesmo quando ela alcançou projeção nacional e internacional. Você manteve com a cidade e seus grupos amadores uma relação de muita afetividade.

Oscar: Realmente eu me sinto muito ligado a eles e ao Clube de Arte, do qual tenho muita saudade. Lá tive muito estímulo. Saí da faculdade, casei, vim para Santos e não tinha oportunidade de escrever teatro.

Carmelinda: Hoje vejo que estamos vivendo uma desintegração, talvez maior que nos anos de ditadura, de perda de referência. O autor passou a ser uma figura muito isolada do contexto do grupo teatral, o que provoca uma dificuldade de crescimento muito grande. Os grupos vão buscar uma dramaturgia pronta, fora. Não era o que acontecia com você, com o Plínio Marcos, com Evêncio, que, ao voltar a reescrever o texto enquanto trabalhavam com o grupo iam aprimorando a dramaturgia. Foi uma experiência que mais tarde o Teatro de Arena fez com tanto êxito. E hoje dificilmente você vê um dramaturgo dentro de um grupo amador ou a procura de encenar autores novos da cidade.

Oscar: Eu gosto muito de fazer um texto provisório, começar a encenar e depois mexer. Nesse ponto eu tive o auxílio de um amigo já falecido, o Paulo Lara. Ele estva encenando em São Paulo D. Chicote, no Teatro Anchieta. Um dia ele me telefonou e disse: "O elenco está completo mas apareceu aqui uma menininha de 13 anos e ela tem tanta garra que eu não posso ignorá-la. Ela vai ser um prodígio. Minha idéia é lançá-la como uma fadinha nomeio da platéia para brincar com as crianças, aliviando a tensão dos momentos difíceis". Quem fazia a feiticeira era a Débora Duarte, que por problemas pessoais teve que abandonar a peça. A menininha sabia todos os textos e substituiu a Débora. Essa menininha era a Lucélia Santos.

Carmelinda: O Clube de Arte foi feito nos moldes do Clube de Arte de São Paulo?

Oscar: Não tinha nenhuma ligação. Foi fundado em 1955. Começou pequeno, com o Clube de Gravuras do Gruber e depois foram chegando os pintores Mercedes Massera, Augusto Baboso, e passamos para a casa maior da Ana Costa.

Faziam parte do grupo, além do Mário Gruber, Patrícia Galvão, Nélia Silva, Gastão Frazão, Gildo Rocha Brito, Ricardo Vaz Guimarães, Braga Neto, Maria Helena Martins, Zélia Doneux, Gilberta von Pfuhl e eu.

Teve vida ativa de 55 a 65. A partir daí os elementos começaram a participar de outras atividades. O Clube de Arte fez coisas sérias, de quem está procurando as raízes.

Oscar Von Pfuhl

Nélia Silva: O Oscar atuou como ator, como diretor e também dirigiu Manhã de Sol, um espetáculo lindo, de um ato.

Já se falou bastante do Clube de Arte, mas eu participei de toda essa evolução do teatro aqui em Santos porque participei de todos esses espetáculos como figurinista ou como contra-regra. Sempre fiz alguma coisa. Foi uma época de muita criatividade. Uma vez usamos a Rádio Clube e não podia colocar nem um prego na parede. O chão era de granitine e não podia prender nada, não tinha onde pendurar os cenários, cortinas, nada! Então o Faraco teve que subir no urdimento do teto, lá em cima, para prender as coisas. A peça foi O Vento do Mundo, de Ermiro Borba, e ficou muito bonita. E fez muito sucesso. Extravasou Santos e o pessoal vinha saber como é que era.

Carmelinda: A participação do teatro profissional te influenciou? Influenciou a família? Influenciou teu irmão Paulo Autran para ir para o TBC?

Gilberta: Nós, desde crianças, fazíamos teatro em casa. Naquela época não havia televisão, o rádio era pouco, a gente quase não saia. Então, nas festas de aniversário, festas de família, nós as crianças inventávamos pecinhas,diálogos, músicas, e fazíamos verdadeiros teatrinhos. A primeira coisa que o Paulo (Autran) fez em teatro na vida foi um diabinho, porque ele tinha ganho um maiô de malha vermelha e minha tia fez dois chifrinhos para ele, que fazia um diabinho que vinha tentar o rapaz para que deixasse de gostar da moça e gostar de uma bailarina. Foi o primeiro papel dele no teatro, dentro de casa.

Carmelinda: Depois que se torna profissional ele influencia a tua irmã Eni, que também participou?

Gilberta: Acho que nós todos tínhamos uma tendência para o teatro. Eu, por exemplo, jamais gostei de representar. Eu gostava de trabalhar com teatro, mas sempre na parte de dentro, por trás. Mas a Eni sempre foi atriz. Ela trabalhou em televisão, fez textos para TV e trabalhou em teatro algumas vezes. Inclusive em Romão e Julinha.

Carmelinda: Como eram feitas as produções do Clube de Arte?

Gilberta: O dinheiro público da Prefeitura nunca existiu. Fazíamos uma vaquinha entre os atores, amigos, para conseguir fazer o espetáculo. O Clube de Arte tinha a fama de ser comunista. Todo mundo virava a cara para nós. E o Clube de Arte se impôs pela qualidade do que fazia, porque havia um "parti-pris" contra ele. E nós nunca fomos filiados ao PC.

Oscar: Uma vez o pessoal do Teatro de Arena veio a Santos com uma peça minha, A Árvore que Andava, no Real Centro Português, e as alunas do Colégio Stella Maris foram proibidas de ver a peça. Mas o tempo corre e as coisas mudam. Algum tempo depois, as próprias freiras do Stella Maris me convidaram a assistir minha peça As Beterrabas do Sr. Duque, no Colégio, que foi mudada para As Beterrabas da Sra. Duquesa, porque não havia meninos na escola. Fiz questão de ir e fui muito bem recebido.

Carmelinda: Essa idéia de ligação com o PC era por causa da participação da Patrícia Galvão ou a postura avançada dos membros do Clube?

Gilberta: O Clube de Arte originou-se do Clube de Gravura do Mário Gruber e havia uma série de outros clubes de gravura pelo país inteiro que tinham sido bolados pelo PC como células do partido. Por isso ficou uma brecha.

Gilberta von Pfuhl.

Oscar: Por causa dessa fama fui preso duas vezes pelo Exército aqui em Santos. Uma vez fiquei uma semana no quartel. Éramos quatorze numa cela, inclusive três padres operários franceses. Oura vez fiquei preso 24 horas junto com o Esmeraldo Tarquínio, vários vereadores e até um candidato, o que é proibido. Entre os quatorze estava também o Juarez Bahia e não havia um sequer que fosse do partido.

Nélia Silva: Foi uma coisa curiosa na minha vida a ligação de poesia e teatro. Eu comecei no Clube de Gravura, na casa do Mário Gruber. Um dia faltou luz e tivemos aula na praia. Era uma coisa muito louca, maravilhosa. Depois tive aula com Mercedes Massera, pintora. Naquela época eu gostava mesmo é de desenhar e pensei que esse fosse o meu caminho. Mais tarde queria também o teatro. O Clube de Arte queria prestar uma homenagem a Mário de Andrade e eu li Meditação sobre o Tietê. E foi muito comentada a minha leitura.

Aí comecei a me interessar pela leitura de poesia e fizemos dois trabalhos sérios. O primeiro foi A Contemplação do Mundo, de Cecília Meireles, junto com a Cida, a Odilce e uma artista chamada Teresa Briamonte. Fizemos uma ligação de harpa com os poemas de Cecília. Depois com a Cida e uma jovem pianista, fizemos um trabalho ligando Cecília Meireles e Emily Dickinson. Era Além do Espelho. As duas se encontravam além do espaço e do tempo e desenvolviam o mesmo tema.

E aí não sei qual é a minha paixão maior, se o teatro ou o poema. O Clube de Arte produziu Fora da Barra, seu primeiro espetáculo. Nessa peça o Oscar von Pfuhl foi ator. Eu fiz uma velhinha e depois disso sempre me davam esse tipo de papel. A direção do espetáculo foi de Evaristo Ribeiro, Márcio Moreira foi assistente de direção, Clóvis Garcia foi o cenógrafo e o elenco era formado por Nair Magalhães, Renato Bufo, Arthur Alonso Jr., Ede Prado, Hélio Queija, Isac Moraes, Paulo Lara, Oscar e eu.

As peças eram apresentadas no Real Centro Português e na Rádio Clube de Santos. No Coliseu nós fizemos Queixa Contra o Desconhecido. A Escola de Arte Dramática trazia seus espetáculos um trabalho no TBC, Poesia até Agora, nome de um livro de Drumond. A Eni Autran, irmã de Paulo, dirigiu o espetáculo. Ela também participava comigo e mais dois rapazes: Antonio Roberto e Marcelo Campedelli.

Nas férias de junho, como não podia mais ficar em São Paulo, resolvemos fazer O Poeta e a Bossa. Era o fim da Bossa Nova mas sua importância continuava. Fizemos uma colagem: um grupo de poemas interligados com seleções musicais organizadas por Robertinho Sion que dirigiu a parte musical e a Sônia Costapenco dizia os poemas comigo, o Sion tocava piano e flauta, o Oiram tocava violão, o Mario na bateria e o Fogueira no contrabaixo. Foi uma experiência maravilhosa.

Outra experiência interessante foi um espetáculo que eu fui assistir e a atriz que fazia a bruxa adoeceu. Fiz o papel atrás das cortinas, lendo, como se ela fosse invisível. As crianças adoraram. Tudo isso e muito mais aconteceu no TIC, aquele espaço aconchegante, gostoso. Que saudade do Lara!

Nélia Silva

Crônica da Época – Queixa Contra o Desconhecido...

Depois da consagração perante o júri do Segundo Festival de Teatro Amador, o Grupo de Teatro do Clube de Arte bem mereceu o apoio do Centro de Expansão Cultural, para um espetáculo de honra no Coliseu representando para uma numerosa assistência de associados, que hipotecou a sua confiança nas iniciativas da agremiação presidida por Clóvis Pereira de Carvalho.

Pela primeira vez Santos enviou seus representantes a um concurso de arte dramática, conseguindo triunfar em todos os setores e classificando-se em segundo lugar com "menção honrosa", alcançando três prêmios individuais em cenografia, trajes e interpretação, impondo-se perante os conjuntos tradicionais da Capital e do interior.

Vitória magnífica, genuína, própria de quem enfrenta um problema com plena consciência de seu preparo e de suas reais possibilidades artísticas. Pena que a peça escolhida não tenha permitido uma distribuição mais equilibrada dos papéis, obrigando todos os intérpretes a um maior desempenho. Talvez o diretor Evaristo Ribeiro pudesse justificar a adoção do texto por motivos que fogem ao nosso alcance e censura.

No espetáculo de dezembro último, apresentou o mesmo conjunto a obra de Sutton Vane, Fora da Barra, e, agora, Queixa contra o desconhecido, de George Neveux, ambas por ele traduzidas do original. Se traçarmos um paralelo entre as duas peças ensaiadas pelo Grupo de Teatro do Clube de Arte, podemos notar, à primeira vista, uma certa correspondência de valores negativos.

De fato, o enredo se apresenta sempre confuso, inicialmente, pela máscara sob a qual se ocultam as almas atormentadas dos protagonistas, revelando-se vagarosamente, no desenrolar dos acontecimentos, a verdadeira personalidade de cada um.

Na primeira, um grupo de homens e mulheres viaja a bordo de um navio para o porto desconhecido, perseguidos pelas lembranças de erros do passado. Na segunda, outro grupo de pessoas desesperadas, tendo perdido o sentido da vida, antes de desertar do mundo, quer lançar um protesto contra o seu trágico destino.

O conteúdo dos diálogos encerra uma análise comum, e, depois de muitas incertezas e reconsiderações, tudo acaba bem para os "pobres de espírito".

Tais ingênuas considerações nada apresentam de novo para o público, nem apontam medidas de retrospectiva, arrastando-se com longos discursos por vezes monótonos e indigestos.

A persistência de erro de indivíduos que reduziram a própria vida ao caos torna-se mais difícil de vencer que a desventura de quem já foi vítima de um drama social. Nos corações humildes é mais fácil vivificar uma chama de esperança, demonstrando que a morte ou a fuga não são a melhor solução. Por isto a filosofia de George Neveux, introduzida na peça representada, se dissolve em ingenuidade.

Entretanto, Queixa contra o desconhecido consegue prender a atenção do público, levando o espectador a meditar sobre um problema sempre atual que é o dever do homem para consigo mesmo e para a comunidade.

Pelas dificuldades apresentadas, pelo texto literário, solicitou-se o trabalho de uma direção incisiva de Evaristo Ribeiro, cujo nome está ligado às maiores realizações do teatro amador paulista.

Com a peça encenada terça-feira última, o Grupo de Teatro do Clube de Arte revelou mais um ator de grandes possibilidades que é Antonio Nascimento. Nas vestes do Procurador da Rússia Imperial, Antonio Nascimento, mesmo com defeitos naturais de todo estreante, demonstrou aptidões para figurar em qualquer conjunto profissional, pois dispõe de todos os atributos de intérprete dramático.

Outros dois elementos que se destacavam com uma atuação excelente foram: Antonio Faraco, em Kopak, e Nélia de Sá, sendo esta última a detentora do "Arlequim", como a melhor coadjuvante, no papel de "Velha". Isaac Morais, em Pluchkine, convenceu com o seu jogo cômico, porém, prejudicado por  uma dicção rouca e pouco controlada. Completamente reabilitada, depois de sua atuação em Fora da Barra, apareceu Edda Prado, no papel "Pachá", superando com elegância as dificuldades do seu marcante papel.

Equilibrando o trabalho desenvolvido pelos demais intérpretes, Hélio Queija, Maria Aparecida Celestino, Isaura Santos Leite apresentaram bem os ensinamentos do curso de teatro que freqüentaram no Clube da Arte.

Os cenários e figurinos foram de Antonio Faria, também premiado com dois "Arlequins", no terceiro Festival de Teatro Amador. Alguns efeitos de luz ficaram a cargo do maquinista Virgílio Paula Neto.

Todos os componentes do Grupo de Teatro do Clube de Arte foram igualmente aplaudidos pela numerosa assistência, pois souberam corresponder à louvável iniciativa da diretoria do Centro de Expansão Cultural que, ao incentivar um conjunto local, cumpriu com a sua finalidade de divulgação da Arte, estimulando, assim, os artistas para a conquista de novas vitórias.

Enzo Pogiani

A Tribuna 26/08/1956

Minha participação no teatro amador foi muito pequena. Eu acompanhei mais como espectadora, na maioria das vezes. Participei, sim, de um movimento muito importante no palco, não como teatro, mas como dança. Santos teve um dos melhores grupos de dança nas décadas de 50 e 60 que foi o de Décio Stuart.

Acompanhei o teatro principalmente acompanhando a famosa Pagu, figura notável, grande elemento humano pela sua força aglutinadora. Embora reconhecida mundialmente, com grandes amigos na Europa como Arrabal, Jean Genet, Sartre, Simone de Bauvoir e outros, era de uma simplicidade encantadora, tratando a todos com igualdade.

Santos nas décadas de 50, 60 e um pouquinho da de 70 teve uma efervescência cultural intensa. Tínhamos o Clube de Arte, que era um núcleo incentivador a nível internacional. Outro núcleo foi o Clube de Cinema. Tudo isso se conjugava. Oscar von Pfuhl, com sua esposa Gilberta, era um desses incentivadores, ensaiando os jovens com paciência, sem arrogância.

Eu participava de tudo isso com uma curiosidade enorme, encantada. Apenas não pensava que terminasse tão cedo e tão tragicamente. Várias coisas aconteceram paralelamente. Aqui havia grandes escritores, artistas plásticos e professores de artes plásticas de um modo geral, com Mário Gruber e Sciliar.

Encontrávamos as mesmas pessoas no Clube de Arte fazendo pintura ou cerâmica, no Clube de Cinema assistindo, debatendo e incentivando o cinema. Junto ao teatro, junto à dança. Era comum Pagu ir assistir nossos ensaios de dança com Décio Stuart, tomar conta da postura dos atores no palco e a Gilberta von Pfuhl orientando a roupa, ela que é a especialista em roupa no teatro e também em cenário.

E tudo feito com muito amor, camaradagem e profissionalismo. Muito amadorismo no sentido de amor, Amador no mais sério grau que se podia imaginar.

Uma peça fundamental em minha memória foi Fando e Liz, representada no teatro do Clube de Arte em que Patrícia Galvão deu todo o respaldo à direção de Paulo Lara, embora sem assiná-la. Também foram importantes A Filha de Rapatini, as peças de Gil Vicente, estudadas, maravilhosamente destrinchadas e interpretadas por Paulo Jordão, um grande ator, diretor, improvisador.

No teatro Vicente de Carvalho do Colégio Canadá, que na época era algo de excepcional, não havia dinheiro. Então Paulo Jordão fez todos os figurinos e cenários de papel. E ficou belíssimo. Ele ganhou o primeiro prêmio no Festival Paschoal Carlos Magno, no Rio de Janeiro, foi uma das melhores coisas que vi a nível de teatro, não a nível de teatro de Santos, a nível de teatro internacional.

E Fando e Liz também, a música de Willy Correa de Oliveira, A Filha de Rapatini, Prometeu Acorrentado com o Soffredini, Barrela, de Plínio Marcos, foram excepcionais.

O que eu fiz em teatro foi com a Nélia Silva, que freqüentava a nossa casa e nós costumávamos fazer a leitura de peças de teatro, poemas, contos e algumas vezes Nélia falou que estava tão bom que deveríamos por no palco. Uma das vezes foi o Auto do Adão, do teatro medieval francês, muito bonito, que conta a tentação de Eva pelo Diabo. Apresentamos na Aliança Francesa em francês e depois, para o público geral, em português, e levamos inclusive no Santa Cecília.

De outra feita, fizemos também a interpretação de poemas franceses com poemas em português, em paralelo. Era a década de 70 e as pessoas nos achavam loucas por apresentar poesia e ainda por cima na Aliança Francesa. Mas lotou, foi um sucesso. Depois fizemos a leitura de três contos de escritores de Santos: José Augusto Leonel Vieira, Beatriz Rota Rossi e Cid Marcus Vasques.

Outra coisa que foi excepcional na Aliança Francesa era o movimento teatral. Havia troca de peças entre as várias Alianças do Estado de São Paulo. O grupo de Santos era muito bom. Dele faziam parte Terezinha de Almeida, Nélia Silva, o Paulo Lara dirigiu algumas vezes. Tinha público e era feito com seriedade.

E para mostrar a união que havia entre as artes, há pouco eu disse que quem fez as músicas de Fando e Liz foi Willy Correa de Oliveira, um dos monstros da música moderna brasileira junto com Gilberto Mendes, Júlio Medaglia e tantos outros. E não quero esquecer que muitos dos figurinos foram de Lúcio Menezes, que também fez Fando e Liz.

Depoimento de Thereza Cavalcanti Vasques

Miss Elegante Bangu (1957)

Terezinha Tadeu, Adolfo Andrade, Cristina Talasca em Lugar de Padre, encenação do TEVC, Teatro Estudantil Vicente de Carvalho

Foto publicada com o texto