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CULTURA/ESPORTE NA BAIXADA SANTISTA
Juarez Bahia

Matéria publicada na página A-6 da edição de 31 de dezembro de 2010 do jornal santista A Tribuna::

Vencedor de seis prêmios Esso, correspondente internacional e adepto das novidades teóricas, Bahia tornou-se referência na profissão

Foto: arquivo pessoal, publicada com a matéria

O legado de um pensador da comunicação social

Morto em 1998, o jornalista Juarez Bahia enfim tem seu Dicionário de Jornalismo lançado

Renato Santana

Da Redação

Juarez Bahia está entre os principais nomes do jornalismo e do ensino sobre comunicação social no País. Pouco antes de morrer, percorreu editoras na tentativa de publicar aquilo que considerava sua obra-prima: o Dicionário de Jornalismo - Século XX, espécie de enciclopédia com 3.400 verbetes sobre comunicação. Extenso e de produção cara, apesar de inédito e necessário para os estudos em comunicação, o livro foi rejeitado inúmeras vezes até a morte do escritor, em 1998, no Rio de Janeiro.

No mês passado Juarez completaria 80 anos e, para reavivar o legado intelectual do mestre, a editora carioca Mauad X acaba de lançar a obra. Doze anos depois dos últimos acréscimos feitos pelo autor, o dicionário ainda é peça única no gênero e revela o viés visionário de Juarez. Ali estão os significados dos termos usados nos processos de construção da informação e suas definições teóricas. O dicionário completa as produções acadêmicas de Juarez, que abarcam história do jornalismo, técnica e desenvolvimento da teoria jornalística.

De acordo com amigos, o jornalista escreveu o dicionário no decorrer de parte da carreira - possivelmente os últimos 20 anos. Os originais estão compilados em volumosas oito pastas com 3.500 laudas batidas à máquina de escrever.

"Ele estava doente, bem mal, mas mesmo assim vivia acrescentando verbetes nas centenas de laudas que já tinha escrito", revela a viúva de Juarez, Irene Bifonte Bahia. Ela é a responsável pela realização do sonho do marido. Ao lado de Bárbara Mauad, amiga de Juarez, trabalhou durante dois anos para a publicação do dicionário, no início deste mês.

Apesar do Natal ter passado, o livro é um presente para jornalistas, estudantes de comunicação e o público que diariamente lê jornais, ouve rádio, assiste noticiário e consome publicidade. "O dicionário é essencial para a compreensão de como acontece a produção simbólica da mídia. No geral, a sociedade não sabe como funciona esse processo", analisa a doutora em Ciências da Comunicação, Benalva da Silva Vitório.

Ela foi aluna de Juarez na Universidade Católica de Santos (UniSantos), instituição na qual Benalva hoje leciona. Pelas mãos do mestre, chegou ao Jornal do Brasil e lá viu de perto, no contato profissional, o tamanho de Juarez dentro da imprensa brasileira. "Ele era muito competente, humilde e humano. (...) Buscava entender o jornalismo de maneira teórica e por isso se destacou nas redações em que passou e se tornou um dos principais nomes da academia brasileira no século 20".

Baiano, santista e carioca - Ainda em Cachoeira, interior da Bahia, Juarez, aos 15 anos, já tinha angariado respeito no jornalismo ao escrever para o jornal Folha do Norte. Veio para São Paulo com o intuito de prosperar, mas não chegou a subir a Serra do Mar. Encontrou em Santos um lar e um trabalho no jornal Diário de Santos, superando o preconceito que sofria por ser negro e baiano - marca de uma vida inteira.

No entanto, foi em A Tribuna que o jornalista deu o grande salto em sua carreira. Seus textos, carregados de modernidade, informação e humanismo, passaram a fazer sucesso. Por conta disso, ganhou três vezes o Prêmio Esso de Jornalismo enquanto esteve no jornal. Juarez foi o responsável por uma ampla reforma editorial no jornal.

"Ele criou editorias, modernizou a diagramação e a parte gráfica, modificou o texto, aumentou a quantidade de fotos e colocou mulheres para trabalhar na reportagem, que até então não podia", lembra a professora Benalva. No curto tempo em que ocupou o cargo de editor-chefe de A Tribuna, entre 1966-1968, Juarez trouxe estudantes para a redação e implementou teorias modernas, à época, de jornalismo. E também sofreu perseguição, a exemplo de sua prisão pela polícia da ditadura militar.

Quem conta é Irene, viúva de Juarez: "Os policiais, muito bem armados, bateram na porta de casa e eu não abri. Disse que o meu marido não estava e, se queriam falar com ele, deveriam ir ao jornal. Liguei para ele imediatamente, que, por sua vez, entrou em contato com o comandante do Exército da região. O militar disse que não sabia de nada, mas que ia mandar uma viatura para garantir sua segurança até o presídio, veja só". Ao lado do atual editor-chefe de A Tribuna, Carlos Conde, ficou detido por quase três dias e só foi solto por conta da intervenção de Giusfredo Santini, na época o diretor-presidente do jornal.

Carreira - Não era a primeira prisão de Juarez, que antes havia sido detido no famoso navio da ditadura, o Raul Soares. Considerado comunista e sem clima para permanecer na Cidade, o jornalista se desligou de A Tribuna e foi trabalhar na Capital. Por pouco tempo: da sucursal do Jornal do Brasil em São Paulo foi para a sede do jornal no Rio de Janeiro e tornou-se editor de Brasil.

Nesse tempo ganhou mais três prêmios Esso e foi correspondente internacional em Portugal, África Austral (N.E.: parte Sul do continente africano, composta por África do Sul, Angola, Botswana, Lesoto, Madagáscar, Malawi, Maurícia, Moçambique, Namíbia, Suazilândia, Zâmbia e Zimbabwe) e Espanha.

A carreira acadêmica sempre correu em paralelo e com grande destaque: junto com seus alunos, fundou a primeira revista-laboratório do País, a K-Comunicação. Lecionou na Católica de Santos, Cásper Líbero e Universidade de São Paulo (USP) - que na cerimônia de 70 anos da instituição homenageou Juarez. "Tinha uma enorme capacidade didática e uma preocupação incrível com os jovens e a juventude", recorda Benalva.

Tornou-se autor de obras acadêmicas importantes e essenciais: Três fases da Imprensa Brasileira (Santos, Editora Presença, 1960), Jornal, História e Técnica (Rio de Janeiro, Ministério da Educação, 1964), Jornalismo, Informação e Comunicação (São Paulo, Martins Fontes, 1971). Obras revistas pelo próprio autor, muito consultadas no mundo acadêmico e acima da 5ª edição.

No campo da Literatura, Juarez também teve importante destaque. Um Homem de 30 anos (sobre o poeta santista Paulo Gonçalves), Setembro na Feira (história que se passa em sua terra natal) e Ensina-me a Ler (que trata da greve no Porto de Santos e da perseguição militar num thriller político) são obras bem aceitas pela crítica e público.

Legado - Com uma história rica em várias esferas do trabalho jornalístico e intelectual, Juarez deixou um dicionário que coroa toda sua vida e pensamento sobre a comunicação no Brasil. "Nos correspondíamos e numa das cartas ele me escreveu, no decorrer dos anos 1970, que pensava no dicionário como um legado para a academia", lembrou a professora Benalva. Para ela, o trabalho é fruto de um acervo muito maior que envolve anotações, cartas e pensamentos anotados de maneira avulsa, típicos de Juarez.

No dicionário, o autor aborda termos oriundos da informatização dos processos jornalísticos. Palavras como Internet, por exemplo, não foram incluídas por Juarez, mas recortes de jornal com matérias abordando o assunto foram encontradas entre os originais do dicionário.

Nesse sentido, a obra é datada, mas contempla o rápido e complexo Século 20 e deixa para as novas gerações o desafio de compilar o significado de cada palavra que comporá os processos de comunicação futuros. Juarez Bahia, sem dúvida, nos deixou uma obra ímpar.

UM NOVO OLHAR - Juarez Bahia passou por A Tribuna entre 1966 e 1968. No relativamente curto período, implantou uma ampla reforma estrutural e editorial. Atuando como editor-chefe, inovou com a criação de editorias até então inexistentes, modernizou a diagramação do jornal e permitiu a entrada de mulheres jornalistas - um tabu à época

Imagem: reprodução parcial da matéria original

Uma biografia do jornalista foi publicada no site Dicionário de Jornalismo Brasileiro, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) -  consulta em 6/1/2011:


Juarez Bahia

Benedito Juarez Bahia nasceu em Cachoeira, Estado da Bahia, no dia 18 de novembro de 1930. Não tinha completado ainda 6 anos quando migrou para Santos, litoral de São Paulo. Ainda menino, aos 12 anos, voltou para a Bahia, estabelecendo-se na cidade de Feira de Santana. Foi nesta cidade que Juarez Bahia deu os primeiros passos para o que viria a ser sua grande paixão: o jornalismo. Aos 13 anos, conhecido por sua boa conduta, foi secretário de um dos grandes advogados da cidade, Arnold Ferreira da Silva, tornando-se responsável por toda a movimentação do escritório.

A família do advogado era dona do jornal "Folha do Norte". Surgia a oportunidade para Juarez Bahia iniciar seu destino. Aos 15 anos, já era considerado um jornalista. Mas voltou a Santos, onde foi trabalhar na estiva, como carregador de saco no cais.

Mais tarde, como tipógrafo, ingressou no "Diário de Santos". Começou a escrever no jornal "A Tribuna", onde fez carreira brilhante: tornou-se repórter competente e respeitado, transformando-se em jornalista premiado.

Juarez Bahia sempre se caracterizou pela modéstia. Mas cultivou um projeto ambicioso: tornar-se um profissional de imprensa reconhecido pela sua corporação profissional. Não hesitou em matricular-se no "Curso de Jornalismo, criado no início dos anos 50, pela instituição acadêmica santista que se converteria depois na Universidade Católica de Santos. Jornalista tarimbado pela vivência na editoria de jornais e revistas, cedo granjeou admiração dos seus colegas de classe. Ao concluir o curso, foi escolhido como orador da primeira turma de bacharéis em jornalismo de Santos. Imediatamente, tornou-se professor da faculdade onde realizaria a sua formação acadêmica. Depois, lecionou na Faculdade de Jornalismo "Casper Líbero", de São Paulo.

Quando foi criada a Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, ele foi convidado a lecionar no Curso de Jornalismo. Ali editou, com seus alunos, a primeira revista-laboratório do país - K-Comunicação - um arrojado projeto gráfico-editorial, supervisionado em parceria com o professor de diagramação Hélcio Deslandes. Na época, não havia no Brasil muitos teóricos na área. Bahia preocupou-se em transformar suas aulas em textos didáticos. Produziu vários livros, escrevendo sobre história e técnica da profissão, discorrendo sobre assessoria de imprensa, relações públicas e publicidade.

Sua obra inicial como teórico do jornalismo é constituída por: "Três fases da imprensa brasileira" (Santos, Ed. Presença, 1960); "Jornal, História e Técnica" (Rio de Janeiro, Ministério da Educação, 1964) e "Jornalismo, Informação e Comunicação" (SP, Martins, 1971). Posteriormente, ele ampliou e consolidou todo o conhecimento sistematizado sobre jornalismo, produzindo um manual com o mesmo titulo do seu livro anterior: "Jornal, História e Técnica" (SP, Ed. Ática, 1990).

O primeiro volume é dedicado à "História da Imprensa Brasileira" e o segundo enfoca especificamente "As técnicas do Jornalismo". Trata-se de obra didática que, sendo reeditada até hoje, serve de apoio aos estudantes dos cursos de jornalismo de todo o país. Seu último livro intitulou-se "Introdução à Comunicação Empresarial" (Rio de Janeiro, Mauad, 1995).

No período da ditadura militar, além do trabalho no jornal "A Tribuna", de Santos, litoral do Estado de São Paulo, Juarez Bahia passou a ser chefe do gabinete do prefeito da cidade, José Gomes. Ali estreitou sua relação com o advogado Francisco Prado de Oliveira Ribeiro, reitor da Universidade Católica de Santos e Secretário da Habitação do Governo do Estado de São Paulo. Francisco foi nomeado, em 1963, Secretário de Justiça de Santos. Com ele, Juarez Bahia viveu os problemas "pré-revolucionários" e tornaram-se amigos.

Em março de 1964, Juarez Bahia acompanhou o amigo Francisco Prado a Brasília, onde ele receberia informações sobre o cargo que iria assumir como interventor em uma companhia estatal, nomeado por Darci Ribeiro, chefe da Casa Civil do presidente da República João Goulart. Tomando o avião em São Paulo, estranharam o pouso em Belo Horizonte, Estado de Minas Gerais. O aeroporto estava cercado por policiais.

Ninguém sabia que o golpe militar estava se desencadeando. O vôo prosseguiu até Brasília. O Palácio do Planalto estava vazio. Darci Ribeiro, que esperava os dois, aconselhou-os a voltar imediatamente, pois um grande problema ganhava força. Colocou um carro da Universidade de Brasília à disposição para o regresso a Santos.Pelo aeroporto, já não conseguiriam sair.

Depois de alguns quilômetros, aparentemente em direção à Goiânia, avistaram dezenas de carros oficiais e barreira na estrada. Sem saber o que fazer, Bahia propôs que retornassem para o Congresso. Lá encontraram Athiê Jorge Curi, deputado federal e que fora presidente do "Santos Futebol Clube". Ele abrigou Francisco Prado e Juarez Bahia em sua casa, pedindo que não saíssem em hipótese alguma, pois se o Prado fosse identificado como interventor do governo do PTB, os dois seriam presos.

Assim permaneceram por quinze dias. No regresso a Santos, tomaram conhecimento da perseguição ao governo de José Gomes. Bahia foi intimado a prestar depoimento e Prado o acompanhou como seu advogado. Após o depoimento na Capitania dos Portos, o comandante avisou Bahia de que estava detido. A prisão foi no navio Raul Soares. O advogado continuou acompanhando o amigo jornalista sem restrições, pois o capitão era um colega da Faculdade de Direito. Bahia, homem de muita esperança, sentia que o momento era passageiro. Foram nove dias de prisão no navio.

Em Santos, todos os jornalistas conheciam Juarez Bahia. Ele foi um grande mestre do jornalismo, em dois sentidos: pelo conhecimento que tinha sobre Comunicação e pela capacidade de transmitir o que sabia em sala de aula. Lecionava no curso de Jornalismo da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Sociedade Visconde de São Leopoldo, atual Universidade Católica de Santos. Entre aqueles que admiravam Bahia, como mestre na profissão de ensinar e fazer Jornalismo, estava Carlos Conde, vice-presidente da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.

Conde trabalhava no "Diário de Santos", quando teve a sorte de conhecer Bahia. Mas a amizade surgiu quando, por indicação do mestre, foi para o jornal "A Tribuna" de Santos, veículo com circulação bem maior do que aquele onde trabalhava e que lhe daria melhores oportunidades para crescimento na carreira profissional.

A ligação entre os dois se fortaleceu a partir de 1966, quando a empresa "Folha de S.Paulo" inaugurou o jornal "Cidade de Santos", o primeiro com o sistema off-set colorido do Brasil. Giufredo e Roberto Mário Santini, proprietários do jornal "A Tribuna", chamaram Bahia, o melhor jornalista da região, para fazer uma revolução no jornal. Ele, então, assumiu a responsabilidade, convidando dois jornalistas para assessorá-lo diretamente: Carlos Conde e Oswaldo Martins. Bahia, como secretário de redação, organizou a redação em editoriais. Assim, Martins ficou com a responsabilidade das editorias locais, e Conde, com as editorias Nacional e Internacional.

Na carreira de Juarez Bahia, constam passagens pelos "Jornal do Brasil" e "Fundação Padre Anchieta", mantenedora da TV Cultura, Canal 2, a televisão pública do Estado de São Paulo. Juarez Bahia conquistou o título de Bacharel em Jornalismo pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Santos. E também o de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Católica de Santos. Na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo ministrou cursos de "Jornalismo Especializado".

Juarez Bahia foi, ainda, correspondente internacional, e fixou residência em Portugal. Daquele país europeu, o mestre trabalhou na Espanha, China, Estados Unidos e outros países, escrevendo para órgãos de muita importância, tais como os jornais "Folha de S.Paulo" e "O Estado de S.Paulo", além da revista "Visão". Fez também algumas incursões pelo campo da literatura. Como ensaísta, publicou "Um Homem de Trinta Anos" (Santos, SP, Ensaio, 1964). Como ficcionista, escreveu o romance "Setembro na Feira" (Rio de Janeiro, RJ, 1986), ambientado em sua terra, Feira de Santana. Estado da Bahia.

Do mesmo gênero, o jornalista e escritor lançou em 1994 "Ensina-me a ler", que trata das greves do porto de Santos e da perseguição política após o golpe militar ocorrido no país em 1964. O cenário descrito neste livro é familiar ao autor, que viveu esse período de repressão no clima de medo e vigilância constante sobre seu trabalho. Sua morte ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, RJ, em janeiro de 1998, quando contava apenas 67 anos de idade. Juarez Bahia foi vítima de uma embolia pulmonar.

Crédito: Osmar Mendes Júnior