Pelo Sistema Anchieta-Imigrantes passam milhões de brasileiros
movidos pelo lazer e pela economia
Foto: Delfim Martins/Pulsar - publicada com o texto
Concreto e asfalto - O engenho e a arte que o homem desenvolveu para retirar do
petróleo boa parte da energia que move o mundo, também foi posto em prática para criar os veículos a motor. E serviu de mote para cortar novos
caminhos na Serra do Mar. Em 1913, Rudge Ramos reconstruiu a Estrada da Maioridade, como Estrada Velha,
motivado pela presença cada vez maior do automóvel na rica e afluente sociedade paulista. Dez anos depois, Washington Luiz, presidente do estado,
mandou melhorar seu traçado geométrico e pavimentar em concreto o trecho da serra. Nos outros foi usado o asfalto.
A Estrada Velha do Mar está desativada desde a década de 1970 e foi tombada pelo
Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat). É outro marco do
desenvolvimento econômico de São Paulo.
Apesar dos melhoramentos na antiga estrada, exigia-se cada vez mais a construção de
uma rodovia para ligar São Paulo a Santos. Um exemplo: o I Congresso Paulista de Estradas de Rodagem, realizado em junho de 1917, recomendou que as
autoridades se preocupassem com a construção de uma "estrada modelar" entre o planalto e o litoral.
Mesmo com o intenso crescimento populacional e econômico de São Paulo, a estrada não
saiu do papel e não foi além das discussões técnicas. Afinal, a Inglesa funcionava com pontualidade britânica e o
número de veículos a motor em São Paulo era simplesmente desprezível.
Em 1940, circulavam no Brasil apenas 129.377 automóveis e assemelhados, a maioria nas
grandes cidades. Cerca de 30.000 estavam em São Paulo, causando já alguns problemas de estacionamento no Centro Velho. Cinco anos antes, o
interventor Armando de Sales Oliveira editou um decreto que autorizou o Poder Executivo a "construir e pavimentar (...) uma nova rodovia entre São
Paulo e Santos". E em maio de 1939, Ademar Pereira de Barros, também interventor federal em São Paulo, abriu crédito especial de 5.000 contos de
réis destinado ao início da construção da Via Anchieta.
Fernando Costa substituiu Ademar de Barros, em 1941, e até 1945 construiu a maior
parte da rodovia cuja pista ascendente foi inaugurada em 13 de março de 1947. Em 9 de julho de 1953, apenas dois anos antes
do presidente Juscelino Kubitschek trazer a indústria automobilística para o Brasil, o governador Lucas Nogueira Garcez inaugurou a
segunda pista da Anchieta e o trecho da Baixada, entre Cubatão e Santos.
A Imigrantes, uma estrada que progride através de túneis e viadutos sucessivos
Foto: Juca Martins/Pulsar - publicada com o texto
Vigorosos laços de riqueza e de cultura - Há um laço histórico que parece unir
o vigor da Mata Atlântica e da Serra do Mar com os caminhos que os brasileiros - mesmo os mais primitivos - têm construído através da floresta para
fazer fluir riquezas entre o mar e o planalto. Há também um tenaz fio condutor dessa ligação que tem concentrado nesse lado do País, desde os
entroncamentos das trilhas dos gentios, antes de Cabral, forças econômicas e culturais pouco vistas em outros cantos do planeta. Os caminhos de hoje
têm laços feitos desse fio.
Com 210 quilômetros de estradas e um movimento de quase doze milhões de veículos por
ano, o Sistema Anchieta-Imigrantes não só é a mais importante ligação dos paulistas entre o litoral e o planalto, como o único caminho do Brasil
para o porto de Santos. Seu esboço começou a ser traçado já na década de 1950.
Em 1960, São Paulo tinha 3,8 milhões de habitantes e formava com as demais cidades ao
seu redor uma das principais regiões metropolitanas do planeta. Aí concentravam-se parte importante das atividades industrial, financeira, comercial
e cultural do estado e do País.
Era urgente uma alternativa para a Rodovia Anchieta. E isso podia ser ilustrado, entre
o final da década de 1950 e o início da década de 1960, com o estabelecimento em Cubatão do que se constituiria num dos mais importantes pólos
petroquímicos e siderúrgicos do País.
Em 1949, 768 veículos transitavam todos os dias pela Via Anchieta. Em 1956, já eram
quase quatro mil. A constatação alarmava os técnicos do DER: a perspectiva apontava para o iminente colapso da estrada, principalmente por causa da
produção nacional de veículos que se iniciou em 1955.
A Dersa - Desenvolvimento Rodoviário S.A. foi criada em 1969 com o objetivo de tocar
as obras da nova estrada e administrar o futuro Sistema Anchieta-Imigrantes. A construção da Rodovia dos Imigrantes começou pelo trecho do planalto,
abrangendo a ligação com a Via Anchieta, no alto da serra, inaugurado em 23 de janeiro de 1974. Na Serra do Mar, a estrada atravessa onze túneis e
vinte viadutos - um deles, o V-19, sustentado por pilares de até 104 metros de altura.
A Imigrantes é uma "estrada artificial"
Foto: Tchô Moioli/Integração Natureza - publicada com o texto
A Imigrantes é uma "estrada artificial" que progride através
de túneis e viadutos sucessivos. Tem curvas e inclinações muito suaves, quase imperceptíveis. Na planície, apenas a pista ascendente foi construída.
Termina na ponte do Mar Pequeno, área urbana de São Vicente, depois do ramal dos Barreiros até Santos, a interligação
da Baixada. Na serra, a única pista é descendente e foi inaugurada em 28 de junho de 1976. (N.E.: a
inauguração da segunda pista, em 17/12/2002, é posterior a esta matéria).
Embora não sejam os únicos caminhos que cortam a Mata Atlântica nesse lado do País, o
Sistema Anchieta-Imigrantes é com certeza uma das mais importantes trilhas por onde passam milhões de brasileiros movidos pelo lazer e pela
economia. Se por uns poucos minutos cada um dos viajantes puder deitar reparo sobre o caminho, como fizeram tantos outros, desde os índios, por
certo encontrará uma parte sensível do seu patrimônio incorporado à floresta. E poderá reparti-lo e multiplicá-lo, depois
de cada viagem.
À medida que a população cresce e a economia se expande e se diversifica, maiores têm
sido as pressões para alargar os caminhos da Serra do Mar. Mas agora, quando já se conhece a importância e se avalia com outros
olhos as riquezas da Mata Atlântica, é preciso ter melhores critérios e maiores cuidados para intervir na floresta, nos seus antigos e novos
caminhos.
A força de um pólo marcando os caminhos
Foto: Roberto Bandeira/Integração Natureza - publicada com o texto
A força de um pólo marcando os caminhos - Da mesma forma como o açúcar e o
café abrem caminhos, até hoje, através da mata, centenas de produtos atravessam a serra por força do pólo de Cubatão.
Ali, na Baixada, dentro de uma "bacia natural", debaixo das mais altas escarpas da
Floresta Atlântica, está sediado um complexo com cerca de 300 indústrias de grande porte, responsáveis pela produção brasileira de cem por cento
da gasolina de aviação, do gesso, do coque calcinado, do nitrato de amônia, dos cloretos de amônia e de etila; 15% da gasolina; 88% do ácido
nítrico; 36% do querosene de iluminação; 40% do ácido muriático e do hipoclorito de sódio (usado para tratar águas de abastecimento, das
piscinas e para fazer água sanitária).
Ali também concentram-se 51,5% da produção petroquímica e 19,5% da siderúrgica
nacionais; cerca de 36 mil empregos; 303 milhões de dólares de impostos recolhidos por ano e 525 milhões de dólares investidos, até dezembro de
1993, para tentar corrigir os estragos causados pela poluição industrial. |
Um dos 31 túneis da Sorocabana
Foto: Tchô Moioli/Integração Natureza - publicada com o texto
|