A velha serra da Estrada do Mar, em 1910. Note-se o volante à direita no carro,
seguindo o padrão inglês de direção do trânsito
Foto publicada com a matéria
Caminho do Mar: estrada de automóveis
Francisco Martins dos Santos
Em 1956, A. Ernest escrevia um pequeno artigo
sobre os "Monumentos do Caminho do Mar", que vale reprodução neste final de capítulo [1].
O Caminho do Mar, em cartão postal possivelmente da década de 1930
Imagem cedida pelo historiador Waldir Rueda
Recentemente, um grupo de orientadores do nosso turismo fez, em automóveis, a viagem São
Paulo-Santos, pela estrada velha.
Descendo o tradicional Caminho do Mar, os elementos desse grupo, todos competentes e
dedicados aos nossos problemas de viação, fizeram uma série de verificações práticas, dentre as quais duas se impõem como especialmente importantes.
Constatou-se, principalmente, que, ao contrário do que em geral se acredita, a antiga
rodovia da Paulicéia ao porto santista continua proporcionando trânsito aceitável a qualquer veículo automotor. Sem tecnicamente poder ser posta em
paralelo com a Via Anchieta, suas condições de superfície são satisfatórias e seu traçado, embora menos fácil, é do ponto de vista turístico muito
superior, pela multiplicidade e variedade das suas belezas paisagísticas. Pouco transitada agora, faculta caminho relativamente livre e a única
exigência que se impõe às viaturas é que estas estejam com seus freios eficientes, devido às fortes rampas da descida.
Viagem de automóvel pela Serra do Mar, entre
São Paulo e Santos, em 1922
Foto: acervo do Departamento de Imprensa/Prefeitura Municipal de Cubatão
A segunda verificação, ao contrário da primeira, foi realmente contristadora. É que os
quatro monumentos histórico-geográficos, que expressivamente a ilustram e adornam, estão sendo arruinados pelo tempo. E destruídos pelos homens.
Esse conjunto de edifícios rodoviários - os primeiros e até agora os únicos existentes no país, embora já datem de 1922 - está ficando cada vez mais
comprometido na sua integridade.
A obra imaginada e prometida por Washington Luiz, com a colaboração dos grandes
artistas arquitetos da família Dubrugras e do fino esteta decorador J. Washt Rodrigues, não tem tido, evidentemente, o mínimo de conservação que
poderia e deveria mantê-la na sua integridade original. E, pior, muito pior do que isso, ela não tem merecido - não está recebendo - a devida
proteção.
Membros da Comissão Geográfica de São Paulo que em 1910 estudaram a transformação da Estrada do
Vergueiro no Caminho do Mar. Alguns livros erroneamente informam que esta foto seria da primeira descida de automóvel pela Serra do Mar, entre São
Paulo e Santos
Foto: Alfredo Gastoni Tisi Neto (reprodução), in Presença da Engenharia e Arquitetura
- Baixada Santista, de Wilma Therezinha Fernandes de Andrade,
Livraria Nobel/Empresa das Artes, São Paulo/SP, 2001
Rancho de Paranapiacaba, no Alto da Serra, comemorando rodoviariamente a era
republicana. Casa da Maioridade, relembrando o período imperial. Marcos e padrão do Lorena, fixando um grande momento do Brasil-Colônia. Cruzeiro
Quinhentista, marcando etapa dos primeiros tempos do devassamento da hinterlândia paulista. Todos, mas todos esses quatro monumentos, estão
exigindo, com insistente urgência, que se trate tanto de restaurá-los dos seus primeiros mas já sensíveis estragos, como, ainda, que se cuide de
evitar novas negligências e novas destruições.
Há, no caso, um patrimônio rodoviário que nunca mais poderá ser substituído, pois
nunca mais se repetirão as condições em que foi estruturado. Existem, devem existir, responsáveis por ele, como, por exemplo, o Departamento de
Estradas de Rodagem do Estado de S. Paulo, a cuja guarda, pelo menos teoricamente, deve estar confiado. Para tais responsáveis, pois, fazemos, aqui
e agora, um veemente apelo de socorro, auxílio e proteção.
Desejamos, e esperamos, possa tal apelo ser ouvido. E, principalmente, atendido.
Há, no caso, evidentemente, um grande e alto e nobre compromisso com o nosso augusto
passado.
Membros da Comissão Geográfica de São Paulo que em 1910 estudaram a transformação da Estrada do
Vergueiro no Caminho do Mar. Alguns livros erroneamente informam que esta foto seria da primeira descida de automóvel pela Serra do Mar, entre São
Paulo e Santos. O local é um restaurante no trecho do Planalto do Caminho do Mar
Foto: Alfredo Gastoni Tisi Neto (reprodução), in Presença da Engenharia e Arquitetura
- Baixada Santista, de Wilma Therezinha Fernandes de Andrade, Livraria Nobel/Empresa das Artes, São Paulo/SP, 2001, também em História de
Santos/Poliantéia Santista, de Francisco Martins dos Santos e Fernando Martins Lichti, Ed. Caudex. Ltda., São Vicente/SP, vol. II, 1986
Aí está demonstrado, no artigo de A. Ernest - que não conhecemos, mas que julgamos
descendente de estrangeiro -, a demonstração viva do amor que nos desperta e merece (a todos os paulistas, de nascimento ou de adoção) o velho
Caminho do Mar, ultimamente julgado de interesse turístico e emergencial, e mandado reparar, repavimentar e pôr em condições de tráfego, não só para
uso turístico e de opção, como para uso normal auxiliar, nos dias de conserto da Via Anchieta e nos de excessiva freqüência daquela, quando mais de
30.000 veículos de todos os tipos a trafegam nos dois sentidos num só dia, produzindo muitos milhares de cruzeiros de pedágio (desse pedágio que,
tal como o antigo novo imposto para a reedificação de Lisboa, dos tempos coloniais, projetado para algum tempo, tornou-se definitivo, e vai
dando recursos para tudo, até para conservação e abertura de outras estradas...).
Como via eminentemente turística e merecedora do carinho tradicionalista da gente de
S. Paulo, não seria demais que lhe pusesse à entrada e à saída, na serra, e no planalto, um painel em que se lesse a nova legenda de Hércules:
"Foi por este caminho que se fez São Paulo e se tornou grande o Brasil".
"Por aqui se libertaram os escravos e entrou o braço livre".
"Foi neste caminho que se fez a Independência brasileira e teve início a
Nacionalidade".
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Placa indicativa do local por onde passa o Caminho do Mar original, na Serra do Mar
Foto: jornal santista A Tribuna, edição especial do Sesquicentenário da
Independência, 7/9/1972
NOTA DO AUTOR:
[1]
A. Ernest - in: revista Paulistania, janeiro a abril de 1956, nº 55, p. 47. |