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ROTA DE OURO E PRATA
Navios: o Aragon (I)

1905-1917 - depois E-826, "Alfenas"

O vapor Aragon, da Royal Mail Steam Packet (RMSP), em imagens de um cartão postal alemão, e da época de seu lançamento ao mar (num cartão postal impresso na Saxônia), entrou em 1905 na Rota de Ouro e Prata.

Convertido (em 1915) em navio-transporte de tropas, participou na campanha dos Dardanelos, terminando sua existência em dezembro de 1917, ao largo de Alexandria (Egito), torpedeado por um submarino alemão.


O Aragon, em um cartão postal impresso na Alemanha


O lançamento do Aragon, em um cartão postal impresso na Saxônia


O primeiro da nova classe A de vapores transatlânticos de luxo da Royal Mail Steam Packet (RMSP) construídos especialmente para o serviço de linha entre portos da Inglaterra e portos do Brasil e da Argentina foi o Aragon.

Ordenado aos estaleiros de Belfast, da Harland & Wolff, em 1904, foi lançado ao mar (com o estouro da garrafa de champanha na sua quilha pela condessa Fitzwilliam) em fevereiro de 1905.

Em diversas oportunidades anteriores, foram narradas as histórias de alguns dos nove navios de passageiros desta série A da RMSP que foram, pela ordem de lançamento e data da viagem inaugural na Rota de Ouro e Prata:

1) Aragon, 9.588 toneladas de arqueação bruta (tab), 23/2/1905 e 14/7/1905
2) Amazon, 10.037 tab, 24/2/1906 e 15/6/1906
3) Araguaya, 11.537 tab, 5/6/1906 e 12/10/1906
4) Avon, 11.073 tab, 2/3/1907 e 28/6/1907
5) Asturias, 12.105 tab, 26/9/1907 e 24/1/1908
6) Arlanza, 15.044 tab, 23/11/1911 e 5/9/1912
7) Andes, 15.620 tab, 8/5/1913 e 26/9/1913
8) Alcantara, 16.034 tab, 30/10/1913 e 19/6/1914
9) Almanzora, 16.034 tab 19/11/1914 e 9/1/1920.

A estes nove transatlânticos concebidos antes da eclosão da Primeira Guerra Mundial, de 1914/1918, devem ser acrescentados mais dois, construídos no período posterior a este conflito e que receberam os nomes de:

Asturias (II), 22.071 tab, 7/7/1925 e 26/2/1926.

Alcantara (II), 22.181 tab, 23/9/1926  4/3/1927.

Com exceção do Avon, todos os outros oito receberam nomes de rios ou acidentes naturais da Espanha e da América Latina.

 

Quando lançado na rota, o Aragon era o maior vapor

 

O Aragon, quando lançado na Rota de Ouro e Prata, era o maior vapor em absoluto, em termos de tonelagem, marcando, sem dúvida, sua entrada em serviço uma nova era no transporte de passageiros entre a Europa e a América Latina e na própria história da Royal Mail.

Uma das características revolucionárias desta série A era a grande capacidade de passageiros na primeira classe, cerca de 300 a 400, dependendo do navio.

O Aragon, que podia transportar 306 destes privilegiados, possuía espaços internos dignos da classe. O salão de jantar, no estilo renascentista, com decoração em madeira de lei, estátuas de cupidos e um domo envidraçado em estilo floreal, podia acomodar 210 pessoas a cada serviço.

As cabinas de luxo eram de estilo inglês do século XVIII, com paredes forradas de seda colorida em listras de diversas cores, uma cor predominando em cada cabina e que figurava também nos tapetes e cortinas da mesma. Possuíam lavatório e banheiro independentes, verdadeira inovação na arquitetura naval da época.

Outras novidades eram um ginásio de esporte e musculação e uma sala utilizada como jardim de infância, com suas três baby-sitters de serviço.

Na terceira classe, podiam viajar entre 600 e 700 pessoas em circunstâncias bem mais modestas, mas não espartanas. O espaço dos dormitórios desta classe era geralmente utilizado na viagem de retorno à Europa para o embarque de carga refrigerada, principalmente carne de origem argentina.

O desenho externo do Aragon marcava também uma nota de originalidade: a superestrutura central composta de três decks (conveses) estava separada da ponte de comando e dos alojamentos dos oficiais de bordo por um espaço de cerca de 15 metros.

Esta novidade arquitetônica quebrara a harmoniosa simetria da massa estrutural do navio e se tornaria uma espécie de marca registrada dos navios futuros a serem construídos por ordem da Royal Mail.


O navio de passageiros Aragon no início da carreira,
na linha da Rota de Ouro e Prata (Brasil e Argentina)
Foto: reprodução, publicada com a matéria

Em julho de 1905, já totalmente aprestado (concluído) e decorado, o Aragon foi aberto à visita para um seleto número de personalidades do mundo social e econômico da Inglaterra de então.

Compareceram também para vê-lo, atracado no cais de passageiros de Southampton, inúmeros representantes da Imprensa britânica, chamados a testemunhar as magnificências do novo transatlântico.

No fim da tarde do mesmo dia, o Aragon largou os cabos de amarra, iniciando a viagem inaugural para o Prata, via Cherburgo, Vigo, Lisboa, Madeira, Rio de Janeiro e Santos.

Na manhã do dia 2 de agosto, o novo transatlântico da Royal Mail entrava no canal-estuário do Porto de Santos, em sua primeira escala na cidade santista.

Os agentes da RMSP, Nahan & Co., ofereciam então a um pequeno número de convidados e jornalistas um coquetel de boas-vindas, tradicional modo de comemorar uma passagem inaugural.

Duas semanas mais tarde, nova parada em Santos, provindo desta vez de Buenos Aires.

 

A viagem inaugural do transatlântico Aragon ocorreu em 1905

 

Durante os nove anos que se seguiram, este ritual se repetiria a cada intervalo de cerca de 30 dias para as chegadas do Norte e a cada 15 dias para as chegadas do Sul, o que equivale dizer que uma viagem redonda Southampton-Buenos Aires-Southampton era realizada em um mês e meio, aproximadamente.

Esta tranquila rotatividade seria interrompida bruscamente em agosto de 1914, com a declaração de guerra entre a Alemanha e Áustria de um lado e a Grã-Bretanha, França e Rússia do outro.

O Aragon encontrava-se então atracado no porto de Buenos Aires, de onde zarpou no dia seguinte à abertura das hostilidades.

Interessante notar que, por algumas horas, o transatlântico da RMSP esteve lado a lado na Dársena Norte da capital portenha com o liner (navio de linha regular) alemão Cap Trafalgar, da Hamburg-Sud, navios de bandeiras já então inimigas.

O Cap Trafalgar zarparia algumas horas antes do Aragon, para ser logo em seguida armado como cruzador auxiliar armado da Marinha alemã.

O Aragon, que na época era comandado pelo capitão W. G. Mason, recebia instruções oficiais para navegar em direção Norte, bem próximo ao limite territorial de três milhas (5,5 quilômetros), o que lhe evitaria possíveis encontros desagradáveis com os temíveis corsários germânicos, que já infestavam as águas do Atlântico Sul.

 

O navio foi aberto a um seleto número de celebridades sociais

 

Após um período de inatividade em Southampton, foi o Almirantado britânico decidir transformar o Aragon em navio-transporte de tropas, sendo então o mesmo transferido para Belfast para os trabalhos de conversão.

Em março de 1915, o ex-transatlântico zarpou de Avon-mouth, sempre sob o comando de Mason, tendo a bordo o 5º Regimento de Infantaria Hampshire e várias unidades do corpo médico, destinados todos estes a participar das operações militares e navais nos Dardanelos (Turquia), cujo objetivo final, a conquista de Constantinopla (hoje Istambul) das mãos das tropas turcas, os aliados se haviam empenhado como forma de ajuda à Rússia.

O Aragon e outros três transatlânticos da Royal Mail participaram da grande campanha de Gallipoli, que se prolongou até o início de 1916.

Durante este longo período no Mediterrâneo Oriental, o Aragon teve a distinção de ser escolhido como sede naval de várias unidades de comando da Royal Mail e a honra de ter hospedado as mais altas personalidades britânicas, como lorde Kitchener e os generais Ian Hamilton e Charles Monro, além do almirante de frota, Rosslyn Wemyss.


O Aragon, em rara imagem de cartão-postal (da coleção do autor), pintado de cinza-chumbo, atracado em Marselha (França) por volta de 1917 e apresentado como o navio brasileiro Alfenas.
 O nome original foi cancelado com tinta preta
Foto: reprodução, publicada com a matéria

Após o término da campanha turca, o Aragon foi transferido para a base naval de Alexandria e recondicionado após o intensivo uso ao qual havia sido submetido. Seu casco e superestrutura foram repintados do cinza de guerra e, com o número de identificação naval E-826, esteve baseado em Marselha, França, realizando inúmeras e secretas viagens no Mediterrâneo como transporte de tropas.

Para confundir a espionagem alemã, haviam as autoridades navais aliadas dado a ele uma falsa identificação, que o fazia passar por um navio brasileiro, o Alfenas. Tal forma de contra-espionagem era comum numa época em que o Mar Mediterrâneo, sobretudo a partir de 1917, estava repleto de submarinos germânicos de ataque.

Foi juntamente uma dessas unidades submergíveis da Marinha Imperial alemã a dar cabo do Aragon.

Após uma série de viagens entre Taranto (Itália), Salônica (Grécia) e Alexandria (Egito), o transporte de tropas E-826 foi enviado à sua base mediterrânea, Marselha, para o embarque de mais tropas aliadas destinadas a combater em território palestino sob as ordens do general Allenby, que comandava a campanha bélica naqueles territórios contra tropas turcas.

No dia 20 de dezembro de 1917, o Aragon zarpou de Marselha, levando a bordo 2.700 almas, entre soldados e oficiais, e 150 enfermeiras.

Seu destino era o porto e base naval de Alexandria, acompanhado pelo Nile (também ex-vapor da RMSP na Rota de Ouro e Prata) e três contratorpedeiros de escolta, dois dos quais eram nipônicos e um britânico, este último o Attack.

Na manhã do dia 30, já nas proximidades de Alexandria, o Nile e os dois contratorpedeiros japoneses se destacaram do pequeno comboio para prosseguirem em direção a Port Said, no Egito.

O Aragon e o Attack permaneceram juntos, dirigindo-se para a entrada do canal protegido de minas marítimas, que leva até o porto, canal este marcado por bóias especiais.

Por volta das 11 horas, o Aragon foi atingido por um torpedo disparado sem aviso prévio e não por um submarino invisível, torpedo este que foi explodir na altura do porão 4 do navio, provocando-lhe uma banda de inclinação de popa (ré) a boreste (lado direito da embarcação).

O comandante do transporte de tropas, capitão Bateman, logo se deu conta de que seu navio estava condenado e ordenou a evacuação geral, as enfermeiras tendo prioridade de acesso aos botes salva-vidas. Nove destes foram postos à água em perfeita ordem e sem nenhum sinal de pânico entre os soldados.

 

Veio a ordem de cada homem por si mesmo

 

Um pouco mais tarde, veio a ordem geral de "cada homem por si mesmo", o que significava abandono total do navio, o mesmo já estando com uma inclinação de 35 graus.

Muitos preferiram aguardar que o vapor entrasse totalmente na água, outros jogaram-se pelos bordos, os mais afortunados encontrando logo uma balsa ou um bote que os recolhia.

Enquanto isto ocorria, o Attack e um pequeno pesqueiro recolhiam os sobreviventes que podiam, dos botes, da água, agarrados às pranchas, boias ou cadeiras que flutuavam.

Desaparecido o Aragon, a cena do naufrágio era constrangedora: cadáveres boiando no meio de destroços de todo tipo, homens debatendo-se na água, alguns gritando, outros blasfemando contra a sorte.

O Attack, que já havia recolhido mais de 400 pessoas, virou de bordo e se dirigiu para a entrada do canal, mas, neste preciso instante, foi, por sua vez, atingido por um torpedo, obviamente lançado pelo mesmo submergível que, durante o intervalo de tempo, desde o primeiro disparo contra o Aragon, havia permanecido em emboscada, nas paragens.

O contratorpedeiro afundou rapidamente e muitas pessoas perderam as suas vidas, neste momento.

No total dos dois navios pereceram 610 pessoas, entre as quais o comandante Bateman, e o submarino atacante nunca tendo sido formalmente identificado, sendo porém presumido que pertencia à Marinha alemã.

Naqueles idos, batia seu pico a segunda campanha sem restrições de ataques submarinos.

Entre fevereiro de 1917 e novembro de 1918, nada menos do que 3.329 navios aliados ou neutros foram afundados por obra dos U-boats (submarinos alemães) e só em dezembro de 1917 quase uma centena deles foi despachada para o fundo do mar.


Cartão postal oficial de 1907 do britânico RMS Aragon, da classe A da Royal Mail Steam Packet

Imagem do cartofilista Laire José Giraud, publicada na rede social Facebook em 16/12/2014

 


O transatlântico britânico Aragon em manobra de atracação no porto santista, em 1906. Imagem de cartão postal da empresa, editado em Santos por M. Pontes & Companhia (Bazar de Paris) e publicada no livro Transatlânticos em Santos - 1901-2001, de Laire Giraud

Acervo do cartofilista Laire José Giraud, publicada na rede social Facebook em 29/6/2014

 


O Aragon passando nas proximidades da penísula de Lizard, no Reino Unido, na pintura do mestre Oilet. Estes navios ficaram conhecidos como os da série "A": Aragon (1905); Amazon (1906); Asturias (1907); Avon (1907), Arlanza (1912), Andes (1913), Alcantara (1914) e Almanzora 1915). Portos de escalas: Southampton, Cherburg, Vigo, Lisboa, Tenerife, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Santos, Montevidéu e Buenos Aires

Foto: acervo do cartofilista Laire José Giraud, publicada na rede social Facebook em 14/11/2014

Aragon:

Outros nomes: E-826, "Alfenas"
Bandeira: britânica
Armador: Royal Mail Steam Packet Company
País construtor: Grã-Bretanha
Estaleiro construtor: Harland & Wolff
Porto de construção: Belfast
Ano da viagem inaugural: 1905
Tonelagem de arqueação (t.a.b.): 9.588 t
Comprimento: 156 m
Boca (largura): 18 m
Velocidade média: 15 nós (28 km/h)
Passageiros: 104
Classes: 1ª- 306
                2ª -   66
                3ª - 632

Artigo publicado no jornal A Tribuna de Santos em 27/8/1995