A direção da Royal Mail Steam Packet (RMSP) (Mala Real Inglesa) ordenou a construção, entre 1905 e 1914, de nove navios de passageiros destinados ao
serviço da linha para a costa Leste da América do Sul. O Amazon havia sido encomendado aos estaleiros de Harland & Wolff, em Belfast, tal como o pioneiro da série, o
Aragon de 1905, enquanto o Araguaya fora encomendado ao estaleiro Workman Clark, também de Belfast. O Amazon, com arqueação bruta de 10.037 toneladas; o Aragon com
9.588 t.a.b. e o Araguaya com 11.537 t.a.b.
É interessante notar que, à medida que eram construídos, os nove navios da série A (como eram conhecidos nos meios de navegação) tiveram uma progressão remarcável de suas tonelagens, com o
Almanzora, último da série, registrando 16.034 t.a.b.
É necessário relembrar que, em 1903, os irmãos Owen, de nomes Philipps e John, o primeiro armador e o segundo financista e diretor da Buenos Aires & Pacific Railway Company, haviam se tornado acionistas
majoritários da então decadente Royal Mail Steam Packet, imprimindo imediatamente uma nova visão direcional à empresa e com Philipps Owen assumindo o cargo de chairman (presidente) da armadora.
William James Pìrrie, nascido em 1847, havia se tornado aprendiz dos estaleiros irlandeses da Harland & Wolff em 1868, sendo promovido a assistente um pouco mais tarde e, quando em 1874 uma nova sociedade com o
mesmo nome foi criada, Pirrie tornou-se um dos únicos sócios do estaleiro.
No fim do século XIX, este estaleiro já havia adquirido uma reputação que iria torná-lo o mais famoso de todos em todas as épocas, e Pirrie tornava-se o principal animador dos negócios da empresa e o incontestável
líder e diretor geral, a partir de 1904. Nesse mesmo ano, o destino uniu as atividades comerciais de Philipps Owen e de William Pirrie, dando início a uma amizade que se prolongaria por longo tempo.
O Araguaya saindo da barra de Santos, defronte à Ponta da Praia, em cartão postal da RMSP
Encomendas - Em 1902, antes mesmo que Owen assumisse sua direção, a Royal Mail havia encomendado ao estaleiro Harland & Wolff a construção de dois cargueiros mistos com 4.300 t.a.b.: o
Pardo - primeiro a ser lançado - e o Potaro. Ambos serviram na Rota de Ouro e Prata.
Os pedidos subseqüentes, para a construção do Aragon, do Amazon e do Avon, consolidaram a relação comercial e a
amizade desses dois homens marcantes. Entre 1906 e 1960 (com a construção do trio Aragon, Amazon e Arlanza), foram encomendados ao todo pela
Royal Mail 56 navios ao estaleiro Harland & Wolff, de Belfast.
Se o Araguaya não foi encomendado ao estaleiro Harland & Wolff, mas sim a um seu rival de Belfast, deve-se somente ao fato de que toda a capacidade produtiva do primeiro, naquela época, estava tomada.
Foi assim que, em 5 de junho de 1906, a condessa de Aberdeen quebrou a tradicional garrafa de champanhe na proa do navio, antes que ele deslizasse pela rampa de lançamento.
No início de outubro do mesmo ano, o Araguaya realizou sua viagem inaugural na Rota de Ouro e Prata, viajando de Southampton a Buenos Aires, via Cherburgo, Vigo, Lisboa, Pernambuco, Bahia, Rio de Janeiro,
Santos e Montevidéu.
Nessa linha permaneceria por 11 anos, interrompendo o serviço apenas uma vez, em 1912, quando foi afretado pelo Yatch Club do Tâmisa (Londres), para conduzir uma delegação de personalidades até o porto de Kiel, na
Alemanha, onde se realizava a Regata Real.
Nem mesmo o início da Segunda Guerra Mundial, em 1914, interrompeu o serviço do Araguaya para o Brasil e o Prata, e somente no começo de 1917 ele deixou de fazê-lo, para ser transformado em navio-hospital, a
serviço do governo do Canadá.
Nessa nova função, realizou 19 viagens até 1919, sendo então devolvido à sua companhia e relançado no serviço comercial entre Southampton e Buenos Aires em outubro de 1920.
Reaproveitamento - Com a entrada na Rota de Ouro e Prata dos dois novos gigantes dos mares, Asturias e Alcantara, em fevereiro de
1926 e no mesmo mês de 1927, respectivamente, a direção da Royal Mail retirou dessa rota dois transatlânticos antigos, o Araguaya em 1926 e o Andes em 1929, convertendo-os em
navios-cruzeiro, a fim de atender à crescente demanda neste tipo de prestação de serviço.
Assim, o Araguaya voltou ao estaleiro de origem, saindo meses mais tarde com o casco todo pintado de branco e com sua capacidade reduzida para a acomodação de 365 passageiros em primeira classe e em grande
luxo. Realizou diversos cruzeiros nas áreas do Mediterrâneo, Noruega e, sobretudo, para o Caribe, até que a crise de Wall Street, em outubro de 1929, pôs fim à demanda. Relativamente velho, com 26 anos de serviço e com excesso de tonelagem em uma
época de depressão para seus armadores, o Araguaya foi posto à venda no ano seguinte.
Em novembro de 1930, passou a ser propriedade do Lloyd Iugoslavo (Jugoslavenska Lloyd) e foi rebatizado com o nome de Kraljica Marija (Rainha Maria) em homenagem à mãe do então rei iugoslavo. Ao mesmo
tempo, passou por nova reforma, para reconversão em navio de passageiros de linha e, entre outras modificações, teve sua alta chaminé reduzida em seis metros.
Durante os dez anos seguintes, o ex-Araguaya navegou por conta dos armadores iugoslavos, servindo principalmente o tráfego de emigrantes em direção aos Estados Unidos da América do Norte.
No início de 1940, com a Europa já em guerra, o governo da França adquiriu o transatlântico e, em 4 de maio, entregou-o em gerenciamento à Compagnie Générale Transatalantique (CGT), em substituição ao
Bretagne, torpedeado e afundado pelo submarino alemão U-45 em 14 de outubro de 1939.
O ex-Araguaya, ex-Kraljica Marija, recebeu o novo nome de Savoie e, logo após o armistício franco-alemão em junho de 1940, iniciou serviço regular entre Marselha (França) e os portos das
colônias francesas na costa ocidental da África, permanecendo ativo até o seu fim, que chegou de forma inesperada e brutal.
O fim - Em 7 de novembro de 1942, o Savoie estava ancorado em Casablanca (Marrocos) quando chegaram as forças aliadas que compunham a Operação Torch (Tocha). Imediatamente, os passageiros que se
encontravam a bordo foram levados para a cidade, por precaução. Algumas horas depois, o couraçado americano Massachussets, que compunha a força naval aliada, abriu fogo sobre o porto, procurando atingir o couraçado francês Jean Bart,
que se encontrava atracado a um dos cais. Entre os navios de guerra, encontrava-se o Savoie.
Um dos projéteis de grosso calibre do Massachussets foi explodir na superestrutura do transatlântico, iniciando um incêndio que seria fatal ao navio. Logo após o desembarque aliado e a conquista da cidade, o
casco calcinado do Savoie foi desmantelado para dar lugar a mais um ponto de atracação.
"O Araguaya era um dos oito navios da classe A, chamados assim por terem seus nomes iniciados por essa letra, e pertencia a uma das mais famosas frotas mercantes do mundo, a
inglesa Royal Mail Steam Packet Company. Tinha quartos com camas individuais e ventiladores elétricos, um luxo para a época. Media 157,02 metros de comprimento e tinha capacidade para transportar 300 passageiros de primeira classe, 100 de segunda e
800 de terceira (imigrantes). Iniciou a linha entre Southampton e Buenos Aires no dia 15 de junho de 1906. No período de 1917 a 1919, durante a I Guerra Mundial, foi transformado em navio-hospital britânico. Com o fim da guerra, em novembro de 1919
passou por reparos em um estaleiro de Belfast e reiniciou a rota para portos sul-americanos. No Natal de 1921 mudou para a rota de Southampton a Nova York, onde fez seis viagens. Em 1927 transformou-se em navio de cruzeiros até ser comprado pelo
Lloyd Iugoslavo e mudou o nome para Kraljica Marija em 1930. Depois foi vendido para a armadora francesa Compagnie Générale Transatlantique (CGT) e se transformou no Savoie, em 1940. No dia 8 de novembro de 1942, já em plena II Guerra
Mundial, foi bombardeado e afundado perto de Casablanca (Marrocos) durante invasão americana. O postal foi enviado de alto-mar a 12 de janeiro de 1911 para o jovem Ricardo Gumbleton Daunt, mais tarde advogado, historiador e genealogista em São
Paulo e que foi retratado no blog Santos Ontem.O remetente, Alfredo, diz que 'a letra vae má por causa do abalo do vapor', como se pode ler no cartão".
Imagem: Acervo José Carlos Silvares/fotoblogue Navios do Silvares (acesso:
2/11/2006) |