CÂMARA
E AGENDA 21 REGIONAL
Sílvia
de Castro Bacellar do Carmo
Introdução
O Meio-Ambiente
e o conceito de Sustentabilidade têm norteado diversas ações
políticas e sociais nas últimas décadas, constatando-se
um aumento progressivo quanto à preocupação em relação
aos ecossistemas e às ações antrópicas sobre
eles. A Agenda 21 preconiza que o desenvolvimento sustentável
só pode ser alcançado através de parcerias entre os
diversos segmentos da sociedade, integrando as várias dimensões
que a compõem.
Neste contexto,
a Agenda 21 Local surge como um plano de ações compartilhadas,
elaborado por atores distintos, na busca de soluções para
problemas comuns. Além disso, são necessários outros
instrumentos jurídico-normativos e estratégicos para viabilizar
as metas traçadas, os quais remetem à questão da gestão
democrática, integração das políticas públicas
e dos sistemas de planejamentos municipais.
Apesar do Brasil
apresentar problemas ambientais em relação à biodiversidade
e desmatamentos, o que afeta a maior parte da população brasileira
são as áreas construídas e densamente povoadas (TASCHNER,
1996). O processo de urbanização altera as características
naturais da área onde está se desenvolvendo, sempre resultando
em alterações ambientais.
Porém,
um planejamento urbano que considere os aspectos ambientais do meio a receber
intervenção, conseguirá minimizá-los. A gestão
ambiental-urbana, a partir de uma visão holística do processo
de urbanização de uma cidade, deve englobar os diversos sistemas
necessários para a obtenção e manutenção
da qualidade de vida da população. Neste processo de urbanização
inclui-se não só o assentamento das moradias, mas também
o saneamento básico, os sistemas de saúde, educação,
cultura, lazer, serviços e o setor produtivo.
É fundamental
o prévio planejamento de todos os sistemas, assim como um acompanhamento
permanente de suas contribuições para o meio urbano, com
análises e revisões de conceitos e ações, enfim,
uma constante atualização dos diagnósticos e ações
decorrentes destes, visando sempre uma evolução positiva
para o conjunto da sociedade.
A falta de
infra-estrutura básica de saneamento e saúde, assim como
a enorme carência econômica e cultural da sociedade brasileira,
apontam para um caminho árduo que necessariamente precisa do empenho
conjunto das diversas correntes que compõem o conjunto da sociedade,
juntando as forças políticas, jurídicas, institucionais
e civis na busca de uma nação justa e com bons níveis
de qualidade de vida.
A leitura da
história da urbanização brasileira mostra que esta
possui um caráter espontâneo e anárquico, com as cidades
desenvolvendo-se de forma caótica, sem um planejamento efetivo,
e exigindo ações posteriores de ordenamento, de caráter
corretivo e saneador. A sociedade rural que prevaleceu até a década
de 1930, era constituída por concentrações populacionais
mais ou menos isoladas e desconectadas entre si. Com o advento e desenvolvimento
das indústrias, e conseqüentes alterações na
base produtiva do país, ocorreu um aumento da oferta de empregos
nas cidades, alimentando a migração do campo para a cidade.
Porém,
estas migrações se dirigiram preferencialmente para as regiões
de maior dinamismo econômico, ocasionando uma concentração
das atividades produtivas e um maior adensamento da população
urbana na região Sudeste, onde se iniciou o surgimento das regiões
metropolitanas e o aumento dos problemas sociais e ambientais. Na década
de 1980, ao mesmo tempo em que se observou uma redução significativa
no ritmo de crescimento urbano das metrópoles, aumentou o número
de cidades com população acima de 20 mil habitantes. Junto
com o processo de concentração urbana, houve uma desequilibrada
ocupação do espaço urbano, onde a especulação
prevaleceu sobre a função social do solo urbano.
Predomina atualmente
nas cidades brasileiras, um padrão de ocupação onde
convive de um lado, um grande número de lotes vagos, e de outro,
enormes glebas ainda não urbanizadas, áreas densamente edificadas
e verticalizadas, grande extensão de áreas ocupadas por favelas
e um crescimento horizontal excessivo da mancha urbana.
Chegou-se ao
séc. XXI com uma taxa de urbanização de aproximadamente
82%, acompanhada de inúmeros problemas sociais e ambientais. Dentro
deste contexto também ocorreu um aumento das Regiões Metropolitanas,
que englobam vários municípios em processo de conurbação,
e com vocações similares. Porém, não existem
ainda mecanismos jurídicos e institucionais padronizados para as
diversas regiões metropolitanas criadas pelos governos federal e
estadual, podendo ser considerada como uma área carente de estudos
e pesquisas específicas.
A integração
das considerações anteriores leva ao tema desta pesquisa.
Porém, antes de desenvolver sobre o tema, seus objetivos e metodologia,
cabe primeiro discorrer sobre o enquadramento considerado para este trabalho.
Envolve o meio-ambiente natural, ou a biosfera, mas essencialmente foca
o relacionamento do ser humano quando questiona as ações
do meio antrópico sobre o meio natural.
Pode ser considerada
tanto como uma pesquisa fundamental quanto uma pesquisa aplicada,
visto que a inserção de diversos exemplos em um mesmo documento,
a título de embasamento analítico, concorre para a soma dos
conhecimentos disponíveis – pesquisa fundamental, mas também
contribui com subsídios para a solução de um problema
atual – pesquisa aplicada, traduzido na busca da sustentabilidade
das cidades, a partir do momento em que utiliza os paradigmas da Agenda
21 Global como parâmetros para a leitura do campo espacial determinado.
O caminho traçado
para determinar a pesquisa envolveu várias etapas: a definição
do problema, uma hipótese como resposta ao primeiro, a formulação
de um objetivo, e, a adoção de uma metodologia para o levantamento
dos dados pertinentes, e para a sistematização e análise
dos mesmos, visando verificar a hipótese aventada.
A primeira
questão levantada foi a de como alcançar a sustentabilidade
de uma cidade inserida em uma Região Metropolitana, e, portanto
passível de interferências diretas e indiretas das demais
cidades, podendo em alguns casos apresentar processos de conurbação.
Este questionamento evoluiu para o conjunto de cidades, passando a focar
as relações intermunicipais dentro de um processo de busca
da sustentabilidade em termos metropolitanos e não mais sob a ótica
de um município específico.
A reflexão
sobre esta linha de investigação, junto com o conhecimento
da existência de construção do processo da Agenda
21 Regional na Região Metropolitana da Baixada Santista levou
à construção da hipótese central adotada:
conjetura-se que para alcançar a desejada sustentabilidade em termos
metropolitanos, seja essencial a instalação de uma Câmara
e Agenda 21 Metropolitana, as quais viabilizem o entrosamento intermunicipal,
tanto na questão institucional quanto social, construindo gradativamente
o futuro almejado para as diversas dimensões do desenvolvimento
sustentável, dentro de um planejamento estratégico e participativo.
Na construção
desta hipótese foram considerados os seguintes pressupostos:
1) que a Agenda
21 Regional deva contar com a participação de todos os
segmentos da comunidade regional nas diversas fases de sua construção;
2) que os produtos
oriundos dos trabalhos da Agenda 21 reflitam as soluções
para os problemas metropolitanos compatibilizados com os anseios da sociedade;
3) que a Câmara
Regional deva agregar a representação de todos os agentes
que atuam no planejamento e na gestão das cidades em questão,
Estado, Prefeituras, Legislativos, e sociedade civil, sendo esta última
realizada através dos produtos resultantes da Agenda 21,
ou seja, suas as diretrizes, metas e ações;
4) que a interação
entre a Câmara e a Agenda 21 Regional seja um processo
dinâmico e contínuo, abrangendo avaliações permanentes
para tomadas de novas decisões ou acertos de rumos;
5) que no contexto
do planejamento sustentável metropolitano, sejam respeitadas as
particularidades e especificidades de cada município integrante.
Devido aos
vários aspectos que caracterizam as cidades, e objetivando delimitar
a pesquisa de modo a torná-la exeqüível, optou-se por
um recorte sob o ângulo ambiental, ficando definido como objetivo
central sistematizar a política sobre as ações
ambientais e sobre o planejamento urbano-ambiental na Região Metropolitana
da Baixada Santista dentro de um enfoque sócio-institucional. Para
atingir este objetivo geral, partiu-se dos seguintes objetivos específicos:
1) analisar
o processo de construção e os resultados da Agenda 21
Regional em andamento, e das Agendas 21 Locais existentes;
2) analisar
a integração intermunicipal e interinstitucional na RMBS
através das ações das organizações e
agentes regionais metropolitanas e municipais, sob a ótica das ações
ambientais.
Os procedimentos
metodológicos adotados podem ser classificados em dois eixos, o
primeiro referente ao embasamento teórico, constituído pela
revisão bibliográfica e pela pesquisa documental, e o segundo
relativo à pesquisa empírica, que envolveu uma grande gama
de ações, conforme discriminadas a seguir:
Seleção
de experiências de Agenda 21, a nível nacional, estadual,
regional, bacia hidrográfica, e municipal, como suporte de análise;
Acompanhamento
das reuniões e eventos da Agenda 21 Regional em andamento, documentando
o processo em suas discussões, dificuldades, avanços e retrocessos;
Entrevistas
não dirigidas sobre as Agendas 21 Locais de Santos e Itanhaém,
junto aos departamentos municipais responsáveis, complementadas
por pesquisa documental de ambos os processos;
Aplicação
de questionário norteador junto aos nove municípios da RMBS,
a respeito dos planejamentos e ações ambientais municipais;
Entrevistas
e aplicação de questionário junto às organizações
regionais metropolitanas instituídas, Agência Metropolitana
da Baixada Santista (AGEM), Conselho Metropolitano da Baixada Santista
(CONDESB), e Comitê da Bacia Hidrográfica da Baixada Santista,
visando complementar e esclarecer informações disponibilizadas
nos documentos oficiais publicados;
Sistematização
de Diagnósticos Ambientais Regionais, a partir de relatórios
oficiais das agências públicas, de modo a agregar as informações
sobre a região, atualmente dispersas, e colaborar para a visualização
do conjunto;
Análise
dos dados ambientais apurados sobre os nove municípios, a partir
da verificação e sistematização dos instrumentos
utilizados por cada um, no planejamento urbano-ambiental, assim como os
programas e ações ativados;
Análise
crítica dos processos das Agendas 21 Locais, Municipais e
Regional, embasada nos conceitos estudados na revisão bibliográfica,
e nas experiências selecionadas;
Sistematização
crítica sobre o planejamento e gestão metropolitana da RMBS,
através da utilização dos dados levantados sobre a
integração entre os órgãos metropolitanos instituídos,
a integração real entre os nove municípios, a participação
da sociedade civil nos processos, e sobre as ações metropolitanas
efetivadas, relacionando-os aos parâmetros de sustentabilidade, planejamento
estratégico, e às diretrizes da Agenda 21 Global.
Os parâmetros
avaliatórios utilizados foram de ordem qualitativa e não
quantitativa, visto a inexistência de Indicadores de Sustentabilidade
padronizados para a realidade brasileira e direcionados à mensuração
das ações antrópicas no meio-ambiente, impossibilitar
a introdução de métodos científicos e estatísticos
de medição.
Visando resumir
e sistematizar o exposto anteriormente, encontra-se inserido ao final deste
texto de Introdução um Quadro Referencial, quadro
0.1, o qual retrata de modo sucinto a abordagem desta pesquisa.
A estratégia
adotada para a redação das fontes bibliográficas essenciais
para o embasamento do trabalho a ser desenvolvido foi a de partir sempre
do geral para o específico, de maneira a permitir uma visualização
geral da problemática antes de concentrar-se diretamente nas questões
prioritárias. A mesma estratégia foi adotada para a apresentação
dos resultados da pesquisa de campo, focando primeiro a região como
um todo, e por último os municípios em particular.
A estrutura
deste trabalho está organizada em duas partes. A primeira é
composta pelos Capítulos 1 e 2,
os quais apresentam a pesquisa teórica, histórica e documental,
e a segunda parte corresponde aos capítulos 3,
4,
e 5 onde se encontra registrado o resultado e
análise da pesquisa realizada, concluindo na sistematização
da hipótese questionada.
O Capítulo
1 – Fundamentos para o Estudo da Sustentabilidade Urbana inicia-se
com a apresentação de uma retrospectiva dos diversos eventos
internacionais e documentos produzidos no processo de conscientização
da problemática e importância da questão ambiental,
seguida da discussão sobre os conceitos de sustentabilidade e cidades
sustentáveis, suas dimensões e indicadores, considerando-se
a relevância dos mesmos para o embasamento das futuras análises.
São
também apresentadas as visões da sociedade civil em relação
à problemática ambiental, os avanços em termos de
acordos e tratados ambientais acordados pelo governo brasileiro, e uma
investigação sobre a evolução da legislação
ambiental na esfera federal e estadual.
O último
item do Capítulo trata do Planejamento Urbano Ambiental, apresentando
os parâmetros do planejamento estratégico, os novos instrumentos
urbanísticos, e considerações sobre a dimensão
metropolitana e ambiental no planejamento.
No Capítulo
2 – Agenda 21: Instrumento de Referência para o Desenvolvimento Sustentável
são primeiramente introduzidos os conceitos e diretrizes da Agenda
21 Global e de Agenda 21 Local, seguidos dos panoramas gerais
e dos relatos de experiências estrangeiras e nacionais selecionadas.
No caso das
experiências estrangeiras, a seleção seguiu o critério
de diferenciação de nível de esfera administrativa,
além da relevância do processo quando comparada a outras;
e nas experiências brasileiras, além desses dois critérios,
foi introduzida a experiência em bacia hidrográfica, e a variável
tamanho da população nas municipais, ampliando o leque de
exemplos.
Os resultados
da pesquisa empírica são apresentados no Capítulo
3 – RMBS: Levantamento Situacional sob a ótica da Dimensão
Ambiental. Inicia-se com a caracterização da RMBS,
seguida da caracterização e dos quadros ambientais dos nove
municípios separadamente, e da apresentação de Diagnósticos
Ambientais Regionais elaborados a partir de relatórios de agências
estaduais ambientais.
Na seqüência
são apresentadas as entidades que compõem o ordenamento institucional
metropolitano da RMBS, seguido dos diversos planos metropolitanos elaborados
desde a criação do CONDESB até o final do ano de 2003,
da apresentação do Comitê da Bacia Hidrográfica
da Baixada Santista e do Grupo Setorial da Baixada Santista no Gerenciamento
Costeiro, terminando com o relato isolado das experiências de construção
das Agendas 21 Municipais de Santos e Itanhaém, e da Regional.
O item sobre
o Gerenciamento Costeiro foi introduzido ao final da pesquisa, visto o
Grupo Setorial da Baixada Santista ter sido criado no segundo semestre
de 2003, e dada sua relevância como instrumento normativo e orientador
no contexto do planejamento da região. Este Capítulo limita-se
a apresentar os resultados de campo, sem adentrar o terreno das discussões,
objetivo dos capítulos posteriores.
O Capítulo
4 – Análise dos Aspectos e Ações Ambientais na RMBS
dedica-se à sistematização e análise dos diversos
dados relatados no capítulo precedente, separados em três
tópicos: os quadros ambientais municipais, a integração
dos órgãos metropolitanos, e as Agendas 21 Locais,
sob a luz dos conceitos e experiências estudadas na primeira parte
do trabalho. O objetivo das análises compartimentadas foi o de direcionar
o foco da discussão, visto ter-se optado pela descrição
simples no Capítulo 3.
No Capítulo
5 – Limites e Potencialidades para a Implantação de uma Câmara
e Agenda 21 Regional: À Guisa de Conclusão é
dada seqüência à sistematização dos dados
coletados, porém de forma conjunta, promovendo a verificação
da hipótese aventada no início. São também
introduzidas algumas considerações decorrentes das diversas
análises realizadas, concluindo-se o trabalho de investigação
proposto. |