CÂMARA
E AGENDA 21 REGIONAL - PARTE II - Capítulo 4
Sílvia
de Castro Bacellar do Carmo
CAPÍTULO
4
Análise
dos aspectos e ações ambientais na Região Metropolitana
da Baixada Santista
A
partir dos dados apresentados no capítulo precedente e tendo como
parâmetros os fundamentos conceituais e bibliográficos, assim
como as experiências descritas nos capítulos 1
e 2 deste trabalho procede-se agora a uma análise
e sistematização crítica da integração
das políticas e ações intermunicipais, e do modelo
de planejamento metropolitano vigente na RMBS, respeitando o recorte sócio-ambiental
e institucional adotado como ênfase da presente pesquisa.
Pretende-se
também estipular as bases para a verificação da hipótese
de pesquisa formulada, ou seja, a Agenda 21 Regional como instrumento
essencial de suporte às decisões de gestão ambiental
metropolitana, desenvolvida por uma Câmara Regional.
4.1 - Sistematização
dos Quadros Ambientais dos Municípios
Ao comparar
os quadros e políticas ambientais adotadas pelos nove municípios
destaca-se primeiramente um alto grau de diferença entre eles: enquanto
Santos notadamente apresenta uma maior estrutura física e funcional
direcionada ao planejamento e ações ambientais com diversos
programas e projetos, os Municípios de Itanhaém e Mongaguá
restringem suas ações à fiscalização
de danos ambientais a partir de denúncias que tenham sido formuladas
pela comunidade ou por outros órgãos públicos, visto
não terem quadro funcional específico para a execução
de uma fiscalização rotineira.
Há de
se considerar nesta análise a estrutura de cada município
como um todo, pois dela deriva as condições que também
regem a âmbito ambiental. Santos é o pólo desta Região
Metropolitana, apresentando um maior desenvolvimento também em outras
esferas, como a econômica, cultural, e social, decorrentes de sua
própria evolução histórica.
Desde o início
da pesquisa, baseado no conhecimento superficial do campo espacial em pauta,
estava claro que seriam encontrados níveis diversos nas dinâmicas
ambientais específicas de cada município. Buscou-se aprofundar
este conhecimento e embasá-lo, verificando-se o nível de
existência de uma inter-relação entre as ações
e gestões, visto os noves municípios enfrentarem uma série
de problemas comuns.
O quadro
4.1 sistematiza as informações referentes à estrutura
administrativa onde os setores municipais de meio-ambiente estão
enquadrados, e os documentos que cada município desenvolveu em termos
ambientais até fevereiro de 2004.
Municípios
|
Estrutura Municipal |
COMDEMA |
Código Ambiental |
Plano Diretor
de Meio-Ambiente |
Bertioga |
secretaria |
ativo |
sim |
não |
Cubatão |
secretaria |
inativo |
em elaboração |
não |
Guarujá |
diretoria |
inativo |
em elaboração |
não |
Itanhaém |
diretoria¹ |
ativo |
não |
não |
Mongaguá |
secretaria |
não
possui |
não |
não |
Peruíbe |
departamento¹ |
inativo |
não |
sim |
Praia Grande |
diretoria |
inativo |
não |
não |
Santos |
secretaria |
ativo |
em elaboração |
não |
São
Vicente |
diretoria |
inativo |
não |
não |
¹
diretoria ou departamento com funções equivalentes a uma
Secretaria Municipal. |
Quadro
4.1 - Quadro Sistemático da Esfera Institucional e Legal no ÂmbitoAmbiental
dos Nove Municípios Elaboração:
a autora, a partir dos dados coletados na pesquisa.
Realizando
a leitura do quadro 4.1, verifica-se que somente
o município de Mongaguá não possui legislação
referente à criação do COMDEMA. Porém, este
não é o principal ângulo da questão. Em cinco
dos demais Municípios este Conselho restringe sua existência
a um documento legal, nunca tendo sido regulamentado e ativado, e, entre
os três Conselhos atuantes existe a diferença fundamental
de no caso de Itanhaém estar definido como um órgão
consultivo, enquanto em Bertioga e Santos agregarem também a função
deliberativa.
Este aspecto
reveste-se de relevância quando se pondera sobre o poder de atuação
do Conselho no desenvolvimento das questões ambientais locais. Deve-se
considerar que o artigo 20 da Resolução CONAMA nº 237/97
[1]
vincula a viabilidade de licenciamentos ambientais por parte dos municípios
à existência de um Conselho Municipal de Meio-Ambiente que
possua caráter deliberativo.
Na questão
global de uma política pública ambiental para o município,
mas também relacionada ao COMDEMA, somente o município de
Bertioga já teve desenvolvido e aprovado por lei municipal um Código
Ambiental, instrumento legal que a define nas esferas de planejamento,
controle e gestão.
Bertioga demonstra,
neste aspecto, um avanço em relação aos demais, no
momento em que viabiliza através do Código instituído,
a elaboração de licenciamento ambiental pelo próprio
município, nas atividades que lhe são pertinentes, ou seja,
nos casos relativos a empreendimentos e atividades de impacto ambiental
local.
Peruíbe
é o único município da RMBS a possuir um documento
intitulado Plano Diretor de Meio-Ambiente (PMDA). Neste caso fazem-se necessárias
algumas considerações:
a) conforme
já referido no item 3.2.6, dedicado ao município de Peruíbe,
este documento não foi submetido à aprovação
da Câmara Municipal, e, portanto, não é um documento
legal. Um Plano Diretor, quer seja urbano ou ambiental, deve ser aprovado
por lei municipal para ser considerado como um instrumento de uma política
pública do Município;
b) contraria
as diretrizes do Estatuto da Cidade quando não promove a participação
efetiva da comunidade no processo de elaboração e aprovação
do Plano, seja através de reuniões setoriais ou de audiências
públicas, caracterizando uma gestão democrática;
c) apresenta
um inventário básico de dados ambientais, que abrange todo
o território municipal, restrito às dimensões climáticas,
de vegetação e de solo, mas, limita as sugestões de
ações a um setor específico;
d) não
há a preocupação de definir normas e estratégias
direcionadas à proteção e gestão ambiental
para o município como um todo, mas somente para uma parte do território,
não podendo ser caracterizado como uma política pública
municipal. Trata-se mais de uma política setorial, formatada sobre
prioridades pré-definidas;
e) não
segue os parâmetros de um planejamento estratégico, ao não
estabelecer as visões de futuro desejadas, e, as responsabilidades
e prazos para as metas traçadas.
Não
se discute a importância do trabalho realizado para a elaboração
deste documento, e considera-se que seja relevante para o município
ao fornecer subsídios para algumas ações ambientais
específicas, porém, não pode ser considerado como
um Plano Diretor de Meio-Ambiente do Município. Seria interessante
a continuidade dos trabalhos realizados para a formatação
deste documento, de modo a completá-lo em termos espaciais, agregando
a disseminação das informações para a comunidade
e a participação desta no processo decisório.
Em relação
aos principais problemas ambientais citados nas respostas ao questionário
proposto, verificou-se que predomina a preocupação com a
ocupação irregular de Áreas de Preservação
Ambiental – os mangues e a Mata Atlântica. O esgotamento sanitário
também é uma questão primordial, principalmente no
que se refere à falta de redes de coleta de esgoto e ligações
clandestinas, confirmando os dados apresentados anteriormente nos subitens
de caracterização dos diversos municípios.
O quadro
4.2, inserido a seguir, apresenta a relação dos principais
problemas ambientais apontados pelos nove municípios, portanto,
sistematiza e discrimina uma relação de tópicos detectados
a partir da visão dos setores administrativos municipais responsáveis
pelas políticas ambientais municipais.
Porém,
deve-se atentar para fato de que as problemáticas elencadas nem
sempre condiz com a realidade global do quadro ambiental municipal, como
é o caso de Cubatão, que apesar de todos os relevantes programas
já executados ou em execução direcionados ao combate
da poluição do ar provocada pelo pólo industrial,
ainda sofre com as conseqüências da qualidade inadequada do
ar, e, mesmo assim, não considera a questão como um de seus
principais problemas ambientais.
Ainda no caso
específico de Cubatão, verifica-se que também não
foi considerada a contaminação do solo advinda de algumas
atividades comerciais e industriais, conforme relatadas por relatórios
da CETESB.
MUNICÍPIO |
PRINCIPAIS
PROBLEMAS AMBIENTAIS |
Bertioga |
falta
de esgotamento sanitário; alto
número de ligações clandestinas de esgoto; deficiências
no sistema de tratamento; dispersão
de esgoto em valas de drenagem; demora
do licenciamento ambiental por parte do Estado, do Aterro Sanitário
projetado. |
Cubatão |
invasões
de áreas de preservação ambiental |
Guarujá |
ocupações
irregulares em áreas de mangues e morros; falta
de legislação municipal ambiental; falta
de programas voltados a conscientização ambiental da população
local. |
Itanhaém |
saneamento
básico; invasões
de áreas de preservação; pesca
predatória. |
Mongaguá |
ocupação
irregular de áreas de preservação ambiental. |
Peruíbe |
poluição
dos Rios Preto e Branco; degradação
da vegetação natural nas margens destes rios; visita
desordenada à Estação Ecológica Juréia-Itatins. |
Praia Grande |
invasões
e aterro dos mangues. |
Santos |
ligações
clandestinas de esgoto, deposição
irregular de resíduos sólidos em vias públicas, poluição
sonora, poluição
dos mangues, fezes de animais nos logradouros públicos. |
São
Vicente |
esgotamento
sanitário; enchentes; ocupações
irregulares. |
Quadro
4.2 - Principais Problemas Ambientais Detectados pelos Municípios Elaboração:
a autora, a partir dos dados coletados na pesquisa.
Atendo-se à
questão da ocupação de Áreas de Preservação
Ambiental, observa-se que somente Bertioga, Peruíbe e Santos não
a relacionaram como problema relevante. No caso de Peruíbe é
dado realce à poluição e à degradação
da vegetação natural das margens dos rios Preto e Branco,
mas é ignorada a ocupação irregular já existente
nas margens dos mesmos.
Além
disso, a relocação dos invasores das áreas de preservação
permanente dos rios e a imediata recuperação e revegetalização
das áreas degradadas, constam no PMDA, já referenciado neste
Capítulo e descrito no item específico dedicado ao município
de Peruíbe, como projetos a serem implantados.
Enquanto os
municípios de Cubatão, Praia Grande e Santos contam com quadros
funcionais direcionados à contenção das invasões,
setores inseridos na Secretaria de Meio-Ambiente nos casos de Cubatão
e Santos, e departamento específico da Secretaria de Obras no caso
de Praia Grande, os demais municípios não possuem em suas
estruturas administrativas pessoas com funções destinadas
ao monitoramento deste tipo de ação, prejudicando desta maneira
reações imediatas às invasões, como a contenção
e desenvolvimento do processo, ou até mesmo inibindo seu início.
A resolução
do problema de invasão de Áreas de Preservação
Permanente (APA) passa por dois processos: os casos onde não é
possível a remoção total dos ocupantes, devido o alto
grau de consolidação, e, do outro lado, os casos passíveis
de remoção. As APAs estão inseridas no Sistema Nacional
de Unidades de Conservação (SNUC) como uma das categorias
do grupo de Unidades de Uso Sustentável.
O objetivo
básico deste tipo de unidade de conservação é
o de compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável
de parcela de seus recursos naturais, e a finalidade do caso específico
da APA, conforme decretado na Lei 6.902, de 27 de abril de 1981, é
o de assegurar o bem-estar das populações humanas e conservar
ou melhorar as condições ecológicas locais. No caso
de permanência do assentamento humano, é necessária
a regularização fundiária, quando a APA for constituída
por terra pública, aliada à implantação do
saneamento básico e da recuperação ambiental da área
dentro da nova estrutura.
Atendendo ao
exposto, os municípios de São Vicente e Guarujá já
foram inseridos no "Programa Habitar Brasil - BID", o mesmo não
ocorrendo com os demais municípios. Cabe aqui levantar a questão
da conurbação do Dique do Sambaiatuba no lado de São
Vicente, área privilegiada pelo referido Programa, separada somente
pelo poluído Rio do Bugre do Dique da Vila Gilda em Santos, um enorme
conglomerado de favelas.
Enquanto em
uma das margens do rio são realizados os procedimentos jurídicos
e técnicos pertinentes à reurbanização do local,
melhorando a qualidade de vida da população, do outro lado
depara-se com a estagnação e possível agravamento
do processo. Ressalte-se que esta área de divisa geográfica
territorial e político-administrativa é um dos locais onde
está mais clara a conurbação e a permeabilidade dos
territórios.
É um
exemplo da real falta de integração institucional, visto
as áreas estarem locadas em territórios municipais diversos,
apesar da proximidade geográfica. Não há uma interação
de ambos os governos municipais, como também não se verifica
uma visão metropolitana por parte da esfera federal em relação
à questão. Maricato (2001, p.79) coloca como um dos pressupostos
para uma reorientação democrática e sustentável
das cidades brasileiras, que sejam formulados programas especiais para
as regiões metropolitanas, enfatizando que:
As metrópoles
brasileiras deveriam merecer um programa habitacional e urbano específico
da instância federal em consonância com os governos estaduais,
que previsse a criação de estrutura institucional, formação
de quadros técnicos e investimentos específicos, de modo
a atenuar as características das grandes concentrações
de pobreza e violência que ai se verificam, em especial nas áreas
segregadas, ilegais e degradadas.
Considera-se
que a educação ambiental é citada indiretamente pelo
município de Guarujá como problema ambiental, quando este
coloca ser necessário fornecer mais conhecimento à comunidade
sobre os cuidados com a natureza. A educação ambiental, de
um modo geral, é delegada à responsabilidade das Secretarias
de Educação em todos os municípios da região.
Neste aspecto,
são observados os artigos 9 e 10 da Lei nº 9.797/99, que dispõe
sobre a educação ambiental, visto tratarem da inserção
da mesma no ensino formal. Verificando-se a listagem dos programas ambientais
relacionados nos questionários, conclui-se que as atividades desenvolvidas
pelas Secretarias e Departamentos de Meio-Ambiente, direcionadas à
sensibilização e conscientização da comunidade,
são pontuais e dispersas, contrapondo-se às recomendações
da Lei supracitada referentes ao aspecto informal da educação
ambiental.
Efetivamente,
não foi detectado nesta pesquisa nenhum nível de integração
intermunicipal nas questões ambientais. O planejamento e gestão
ambiental dos municípios são desenvolvidos sem que se leve
em conta o fato de pertencerem à mesma bacia hidrográfica
e à mesma esfera institucional metropolitana.
Outro dado
altamente relevante detectado foi a total ausência da comunidade
no processo decisório das questões ambientais municipais,
e a pouca participação na implementação dos
projetos. Mesmo no Município de Santos, que apresenta uma maior
linha de ações, verifica-se que as parcerias com o terceiro
setor são limitadas. O desenvolvimento sustentável, que tem
na Agenda 21 seu principal instrumento, pressupõe através
desta o planejamento estratégico e participativo como a legitimação
das ações.
NOTA:
[1]
Esta Resolução foi citada no subitem
1.4.1 - Legislação no Brasil. A integra do referido artigo
é: "Os entes federados,
para exercerem suas competências licenciatórias, deverão
ter implementados os Conselhos de Meio Ambiente, com caráter deliberativo
e participação social, e, ainda, possuir em seus quadros
ou a sua disposição profissionais legalmente habilitados." |