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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Homenagem ao balonista Augusto Severo

Nas páginas do jornal santista A Tribuna, o pesquisador, historiador e cronista Costa e Silva Sobrinho incluiu inúmeros textos, alguns dos quais foram mais tarde republicados como parte de sua obra Romagem pela Terra dos Andradas. Como este, na série Santos noutros Tempos, publicado na edição de 7 de junho de 1953, na página 21 - segundo caderno - (ortografia atualizada nesta transcrição): 


Imagem: reprodução parcial da matéria original

Uma homenagem a Augusto Severo

Costa e Silva Sobrinho

Outrora, nas douradas manhãs da minha infância, dizia-nos distinta senhora, já passante dos oitenta, "a paisagem de Santos oferecia-me o mais sedutor encantamento". "Os templos", continuava ela, "em que eu entrava para orar, o som dos sinos que tocavam às Ave-Marias, a vida social, o esplendor das festas, as rosas que desabrochavam nos jardins, tudo, em suma, era bastante diverso do que se vê agora! O panorama da cidade, que desfruto da janela interior das minhas reminiscências, afigura-se-me tão diferente, tão outro, como dissímil de mim mesma devo estar também!".

Em seguida, depois de se espraiar na descrição de inúmeras coisas e cenas da sua puerícia e adolescência, prosseguiu a nossa interlocutora:

"Veja-se, por exemplo, a igreja do Carmo. O espaço que lhe ficava aos lados e para os fundos era muito mais amplo do que esse que atualmente existe. Contornava-o a atual Praça Barão do Rio Branco, a Rua 15 de Novembro, a Rua D. Pedro II, a Praça Mauá, a Rua General Câmara e a Rua Martim Afonso. Um velho muro musgoso, cheio de fendas, dava para uma parte da Rua 25 de Março, depois 15 de Novembro. E nos fundos da igreja da Ordem Terceira havia a travessa do Carmo, quase em forma de funil, a qual faz parte dm nossos dias da Rua Itororó".

Esse recanto da cidade, por onde o tempo teria passado ligeiro e leve, acudia miúdas vezes às memórias da infância daquela doce e virtuosa matrona. Atraíam-lhe, pela magia da saudade, as mil e uma coisas que nos arrastam para os longes do passado. Foi por isso avivar as brasas de um fogo mortiço, quando lhe apresentamos estes subsídios das nossas investigações:

O edifício da atual Câmara Municipal, o do Correio, o da Casa Ferreira de Sousa & Cia. Ltda. etc., estão dentro daquela antiga área do Carmo. Uma boa parte da Rua Augusto Severo está sobre o antigo leito do ribeiro do Carmo ou Itororó, riacho que vinha rolando a sua turva corrente desde a fonte do Itororó, e atravessava sob trêmulas pontes a Rua do Rosário, a 15 de Novembro, indo perder-se no mar.

Em 1883, quando se começou a cogitar na abertura de uma rua nos terrenos do Convento do Carmo e do Arsenal de Marinha para ligar as ruas General Câmara e 25 de Março ao litoral, bateu-se o Diário de Santos pela idéia, e a respeito daquele riacho chegou a dizer:

"Se tivesse patente aos olhos do público o estado do ribeiro que atravessa aqueles terrenos, se não existisse o muro que não permite que as pessoas que passam pela Rua 25 de Março lancem olhares perscrutadores para aquele foco de miasmas, já há muito tempo que o clamor dos munícipes teria exigido da municipalidade a execução daquela obra indispensável à salubridade pública.

"É por ele que se escoam os despejos das casas da vizinhança, e  basta que não chova por alguns dias para que fiquem ali em completa estagnação aquelas matérias pútridas expostas aos ardentes raios do sol.

"Quem desconhecerá os males que de tal foco de infecção poderá provir para a higiene municipal? Quem contestará a importância e a urgência de uma obra que, pondo um fim àquela ameaça constante e terrível à saúde dos munícipes, lhes facilitará ao mesmo tempo as comunicações ligando três das principais artérias da cidade?" (26/8/1883).

À Câmara Municipal atravessaram-se-lhe, entretanto, inúmeros obstáculos. Teve ela de, em 18 de março de 1889, requerer desapropriação dos terrenos do Carmo para abertura da rua que, poucos anos após, foi denominada Augusto Severo.

Mesmo aqueles que são de saber ainda frágil em matéria de história pátria, não ignoram que Augusto Severo, deputado federal, procurando resolver o problema da navegação aérea, embarcou para a Europa em 1901 e, em Paris, quando realizava uma experiência com o seu balão Pax, que subiu do parque Vaugirard, incendiou-se o aeróstato a uma altura de 400 metros, precipitando no espaço o arrojado aeronauta com o seu companheiro Sachet, mecânico francês que ficara incumbido de dirigir as manobras. Ocorreu o grande desastre numa segunda-feira, dia 12 de maio de 1902.

Na sua primeira sessão após a triste fatalidade, isto é, na sessão de 22 do mesmo mês e ano, a Câmara Municipal de Santos rendeu um dos preitos mais honrosos à memória daquele intrépido e glorioso patrício. Pelo dr. Francisco Malta Cardoso, então intendente municipal, foi feita a seguinte indicação:

"Indico que a Câmara Municipal, representando e traduzindo o sentimento unânime dos seus munícipes, insira na ata da presente sessão, a primeira que se realiza depois do falecimento de Augusto Severo, um voto de profundo pesar pelo lutuoso desastre que roubou à Pátria brasileira e à humanidade, incluindo-o no número dos mártires da ciência, esse nosso ilustre patrício, que, com sacrifício da vida, contribuiu eficientemente para adiantamento da resolução do problema aerostático, ligando à aproximação desse ideal e dos aplausos do futuro o nome de sua individualidade e a glória de sua Pátria.

"E, certo de que à terra de Bartolomeu Lourenço, mais do que a qualquer outra região nacional, incumbe evidenciar a sua veneração à memória daquele que aceitou e soube honrar o legado científico do Voador, indico ainda que a edilidade santista se inscreva com a quantia de um conto de réis (1:000$000) na subscrição que for iniciada para aliviar a pobreza da desolada família desse nosso ilustre patrício; que a uma das ruas da nossa cidade, a primeira que se abrir, seja dado o nome de Augusto Severo; que, finalmente, da presente indicação seja enviada uma cópia ao exmo. sr. Pedro Velho, digno irmão de Augusto Severo".

A indicação foi unanimemente aprovada. E assim nasceu a rua Augusto Severo. Rua geometricamente alinhada e de história curta como ela mesma.

Homem de privilegiada inteligência e jurista ilustre, o autor da indicação foi um intendente extremo na integridade e no patriotismo.

Pelo seu largo tirocínio do foro, pela maneira segura e brilhante de tratar as questões de Direito, pela sua habitual bondade, deve figurar ele entre os mais notáveis advogados de Santos nos últimos tempos.

Como presidente da Câmara, naquela época, estava o coronel Francisco Correia de Almeida Morais, outra figura de irrepreensível porte moral e político. Nascido em Tietê a 30 de agosto de 1837, na fazenda de açúcar chamada "Pederneiras", ao depois denominada "Três Colinas", pertencia o coronel Almeida Morais a uma família tradicional e amplamente relacionada no Estado de São Paulo. Transferiu-se para Santos em 1886, onde já era comissário de café desde 1878.

Era presidente da Câmara em 1891, quando aqui grassou a epidemia de febre amarela, tendo ele então prestado os mais relevantes serviços à população. Improvisou hospitais, tendo aproveitado até o velho casarão chamado "dos Macucos", no fim da Rua Braz Cubas, para ali instalar a enfermaria "Almeida Morais", desde logo repleta de febrentos.

Foi vereador no triênio de 1896 a 1899, vindo a ocupar no derradeiro ano a presidência da Câmara, cargo ao qual tornou em 1902. Deve-se-lhe a inauguração do monumento a Braz Cubas, na Praça da República, por ele contratado em 10 de março de 1906 com o escultor italiano Lorenzo Massa, e igualmente a inauguração de várias placas comemorativas de efemérides notáveis da cidade.

Tinha ele a voluptuosidade do nosso passado e, por isso mesmo, se comprazia em rememorar e perpetuar os fatos da terra dos Andradas.

Habituado a explorar os arquivos históricos e genealógicos, deixou no volume XVIII da Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, agremiação da qual era sócio correspondente, um trabalho intitulado "Braz Cubas, subsídios para a biografia do fundador e povoador de Santos".

Merece registro aqui a lei municipal número 210, de 28 de fevereiro de 1906, que abriu o crédito de 50.000 liras para execução do monumento a Braz Cubas. Ei-la, no seu inteiro teor:

"Artigo 1º - Fica o cidadão intendente municipal autorizado a tratar com o escultor Lourenço Massa, residente em Gênova (Itália), a execução do monumento a Braz Cubas.

"Artigo 2º - Com este trabalho será despendida a importância de 50.000 liras (ouro), pagas em quatro prestações, ao câmbio do dia, correndo esta despesa pela verba - Monumento a Braz Cubas, que será aberta no orçamento vigente.

"Artigo 3º - Revogam-se as disposições em contrário".

O nome do coronel Almeida Morais vinculou-se destarte na história de Santos. Na lembrança dos santistas ficará ele estampado com indelével tinta.

O eminente professor Francisco Morato, no discurso que pronunciou na sessão solene do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo de 1º de novembro de 1914, encareceu com estas palavras as suas qualidades: "Era homem de pureza irrepreensível, afetuoso, prestadio e de constante bom humor". Contava ele, ao adormecer no sono perpétuo, em 13 de dezembro de 1913, a avançada idade de 76 anos.

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