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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Memória dos sinos e dos campanários (1)


Ilustração de Belmonte, publicada em 1932 no livro Rótulas e Mantilhas, de Edmundo Amaral

Da mesma forma que na maioria das povoações colonizadas pelos cristãos europeus, a construção dominante da paisagem era uma igreja, e seus sinos serviam para regular a vida dos habitantes desse lugar. Com seus toques característicos, eram os sinos que anunciavam as datas tristes e festivas, marcavam as procissões, casamentos, batizados, serviam como alerta de sinistros e ataques, ou para reunir a população para um comunicado, chamar os fiéis para as missas. Indicavam ainda as chamadas horas canônicas e, mais modernamente, a passagem das horas do dia.

Vale lembrar que a Igreja Católica define tradicionalmente as horas canônicas, com duração diferente da hora convencional, mudando conforme a estação e a região. Essas definições orientavam a vida nos mosteiros e, em tempos medievais, das populações cristãs. O dia canônico começa à zero hora (Matinas). Às 3h00, são as Laudes; às 6h00 as Primas (início das missas públicas); às 9h00, as Terças (oportunidade da missa solene); ao meio-dia, as Sextas, seguindo-se às 15h00 as Nonas, às 18h00 as Vésperas e às 21h00 as Completas.


O autor, campaneiro por tradição familiar, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, na passagem
da procissão da Padroeira de Santos a caminho do Monte Serrate, em 8 de setembro de 1996
Foto: acervo do professor Francisco Carballa

Sinos e Campanários

Francisco Carballa (*)

Sino vem do Latim, da palavra signum ou sinal. Sua menção mais antiga é do século VI, e mais tarde os sinos serviriam a todas as igrejas cristãs do mundo, inclusive como única forma de anunciar as horas para a população. Já em terras brasileiras, do século XVI ao XVIII, serviram também para avisar sobre os ataques de índios e posteriormente dos piratas. Quanto não devem ter tocado, durante a invasão que culminou com o milagre do Monte Serrat...

Existe uma diferença quanto ao lugar onde estão os sinos de uma igreja.

Sineira é a parede sem guarnição de um telhado, onde os sinos ficam expostos às intempéries, sendo também o nome do nicho onde estão os mesmos, quase sempre repicados.

Campanário é uma palavra de origem castelhana (da palavra campana, o mesmo que sino). É um local alto, guarnecido de telhado e que não expõe os sinos às intempéries. Eles são quase sempre bimbalhados e em alguns casos repicados, como na igreja do Rosário, que para afastar os pombos e suas pestilências colocou grades nas sineiras.

Encimando todas essas estruturas existe sempre uma cruz ricamente adornada, que fica mais alta que as cabeças humanas que a contemplam, por ser digna e importante para o cristão, recordando-lhe uma profecia do antigo testamento que afirma que o messias "Levantará o seu estandarte sobre as nações" (conforme o livro de Isaías, capítulo 11, versículo 12). Assim, a cruz - que é o símbolo do cristão - se ergue em todas as nações do mundo.


Igreja do Rosário em 1928, antes da reforma, tendo ao fundo o Monte Serrate
Foto: acervo do pesquisador Francisco Carballa

Mas, em alguns casos, a estrutura exibe também a figura de um galo, cujo significado, muito catequético, é o seguinte:

Obediência - Lembrando que assim como o galo serve ao homem que irá matá-lo, igualmente o homem serve a Deus, que um dia lhe tirará a vida terrena.

Fraqueza - O galo é um animal fraco, qualquer golpe o mata, e assim é o ser humano, igualmente fraco.

Sinceridade - Obediente e sincero, o galo é pontual para anunciar as horas, lembrando as obrigações aos demais galináceos; igualmente o homem deve ser sincero com o seu próximo por toda sua vida.

Outro significado importante é a recordação de que assim como o galo cantou três vezes anunciando o cumprimento da profecia de Jesus ser negado por São Pedro quando lhe faltava a fé e o entendimento (conforme o Evangelho de São Mateus, capítulo 26, versículos 69/75), nós devemos estar prontos para confessar nosso salvador e nunca negá-lo diante dos homens e mulheres deste mundo.

Mas o nome científico e complicado que deram para esse adorno é Anemoscópio, visto que a chapa metálica, com que é feito o galo, funciona como um leme que gira ao sabor dos ventos, apontando a direção destes.

Existem soluções como na Basílica de São Pedro em Roma, em que a torre não foi construída, mas aproveitada uma das extremidades do prédio para a instalação dos sinos, como podem ser vistos hoje na Praça de São Pedro (Vaticano), e em algumas igrejas coloniais em Minas Gerais.


Padre Júlio Lopes Llarena, na época da instalação de novos sinos na igreja de São João Batista
(Morro da Nova Cintra), em 1980
Foto publicada no jornal santista A Tribuna em 20/12/1980

Os sinos têm importância tão grande para os cristãos que fazem parte da cultura de muitos povos, inclusive com concertos tocados por sinos ao invés de outros instrumentos musicais. Quando um sino era levado para uma torre, passava por uma cerimônia semelhante (nunca igual), a um batismo, recebendo um nome e a benção de um bispo que lhe fazia a unção com o óleo do Santo Crisma, com a presença de seus doadores como se fossem padrinhos.

Os sinos possuem as sete notas musicais, sendo o toque mais comum quando são tangidos, conhecido como "Toque de Jerusalém", em alusão à onomatopéia "Je-ru-sa-lém, Je-ru-sa-lém, Je-ru-sa-lém, (ou dó ré mi fá)". Também é conhecido o toque típico de defuntos: um som grave e dois agudos, de forma espaçada como ocorre no Vaticano quando são sepultados os papas.

Melodias não faltam para os mesmos e às vezes são guardadas em segredo por gerações de sineiros, que tem Santa Bárbara como sua padroeira (festejada em 4 de dezembro), motivo pelo qual possui a irmandade do Rosário uma imagem dessa Mártir. Segundo os mais antigos, quando se faz um sino soar, Deus nos observa e escuta com mais atenção nossas preces sinceras.

Existiu no Monte Serrat, até os anos 60, um senhor conhecido pelo apelido de "Piru", que tinha o rosto típico de caiçara (tez avermelhada e um grande gogó saliente no pescoço), conhecido também pelo nome de "Seu Amary". Ele era do litoral e sua forma única de tocar sinos atraía a atenção de todos, especialmente das crianças, pois o mesmo se deitava ao chão da torre do Santuário e, com cordas atadas aos pés e mãos, tangia os quatro sinos de uma só vez, nas festas da Padroeira. Vivia "seu Piru" cortando cana doce no morro e moendo garapa, principalmente nas festas, e recebia uma pequena ajuda da igrejinha, conforme informação cedida por Clóvis Benedicto Almeida (santista há 70 anos).

Na igreja de Nossa Senhora do Rosário, o campanário foi a última parte da construção, erguido em 1822, finalizando assim suas obras e sendo a igreja considerada acabada. Sabemos que os sinos eram colocados muitas vezes em armações de madeira na frente das igrejas, como ainda hoje existem exemplos em Minas Gerais. Essa solução era usada enquanto não era construída a torre para poder fazer uso dos mesmos.

Não temos registros sobre isso para com a Igreja do Rosário de Santos, que por vários motivos, depois de erguida, durou apenas 59 anos, ocorrendo seu desmoronamento em 30 de março de 1881, sendo reiniciada a sua reconstrução que terminaria em 1889; também não se sabe o motivo pelo qual um sino foi roubado em 1893, justamente quatro anos depois da construção. Talvez o sino estivesse aguardando a hora de ser levado para a sineira e assim, permanecesse em local acessível a vândalos. É provável que tal sino fosse do século XVIII.

Esse mesmo campanário foi demolido em 1935, por ocasião do alinhamento da rua fronteira a ele, restando apenas fotos da antiga estrutura. A atual tem quatro sinos, os quais possuem nome e nota musical. São eles:

1) Jesus Eucarístico, com seus 65 cm de altura: possui em alto relevo o brasão do Império em um lado e a custódia do Santíssimo Sacramento no outro, com a inscrição: "Câmara Municipal da Cidade de Santos 1862".

2) Nossa Senhora da Conceição, com 59 cm de altura: possui em alto relevo a Virgem Imaculada de um lado e uma cruz adornada do outro, com a seguinte inscrição "Fundição de A. Sydow, 1886".

3) Santíssimo Sacramento, com 65 cm de altura, possui em alto relevo Nossa Senhora do Rosário de um lado e a custódia do Santíssimo do outro, com a inscrição "Fundição de A. Sydow, 1886".

4) Nossa Senhora do Rosário, com seus 86 cm de altura, possui em alto relevo Nossa Senhora do Rosário de um lado e um crucifixo do outro, com a inscrição "F. Amaro S. Paulo - 1903".

Estes sinos são tocados durante a passagem, defronte ao templo, da procissão que conduz Nossa Senhora do Monte Serrat para seu santuário. Também são repicados durante as missas festivas de Santo Expedito, Nossa Senhora do Rosário e Santa Luzia, em datas especiais como a eleição de um Papa (como em 19 de abril de 2005, pelo Papa Bento XVI), ou acontecimentos ligados à igreja diocesana de Santos.

Temos como exemplo o Sábado de Aleluia, que tem por regra serem os sinos da Matriz sempre os primeiros a anunciarem a ressurreição de Jesus Cristo, e depois seguidos pelos sinos das outras igrejas, em uma ordem de hierarquia, pois é na Matriz que está a autoridade sobre as demais igrejas, sendo o centro de toda a vida religiosa do lugar. Já a igreja do Rosário é considerada como uma igreja particular, pertencente a uma irmandade que está na área da Catedral de Santos.

Através de seu numero de toques, desde tempos antigos em Santos até o início do século XX, serviram também os sinos para avisar a ocorrência de incêndios e segundo o numero de badaladas era identificado pela população o local do sinistro, para onde convergiam os populares para prestar ajuda e debelar a chamas, cumprindo assim seu papel social. Existe uma preciosa referência desse número de toques, registrada em 1887 pelo Indicador Santista:

O sinal de alarme compreendia 20 badaladas seguidas.
Após pequena pausa, era feita a indicação do distrito ou área onde estava ocorrendo o sinistro, através de badaladas compassadas:

01 badalada  - Vila Nova e imediações.
02 badaladas - Paquetá, Beneficência e imediações.
03 badaladas - Xavier da Silveira e imediações.
04 badaladas - Largo da Matriz (Praça da República) e imediações.
05 badaladas - Largo do Carmo e imediações.
06 badaladas - Largo Mauá e imediações.
07 badaladas - Duas Pedras (rua Tiro Naval) e imediações.
08 badaladas - Itororó e imediações.
09 badaladas - Largo da Coroação e imediações.
10 badaladas - Praça dos Andradas e imediações.
11 badaladas - Mercado e imediações.
12 badaladas - Rua da Independência (Av. Cons. Nébias) e imediações.
13 badaladas - Largo Marquês de Monte Alegre e imediações.

O sinal de alarme e a indicação do local continuavam sendo repetidos até a extinção desse incêndio.

(*) Francisco Carballa é professor e pesquisador em Santos


Tabela publicada no Indicador Santista - 1887

Ouça:
Sinos na igreja da Pompéia: >>arquivo MP3 com 327 kb - 27 segundos<< gravado por Novo Milênio em 20/7/2003 (veja o vídeo).

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