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Publicado em 25/7/1982 no jornal A Tribuna de Santos
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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - OS IMIGRANTES
A colônia inglesa (1)

Beth Capelache de Carvalho (texto). Arquivo de A Tribuna (fotos)

Inglesinha, estação da S. Paulo Railway Company, talvez a maior obra dos ingleses em Santos

O velho charme inglês na paisagem de Santos

Os ingleses começaram a chegar muito cedo aos países das Américas - Latina e do Sul - ainda na época das grandes navegações. Não vinham propriamente como imigrantes, mas sob a forma de negociantes e aventureiros, ou mesmo piratas. No Brasil, eles acabaram alcançando larga influência econômica, que foi muito acentuada entre 1835 e 1912, quando começou a declinar, muito lentamente.

A influência britânica sobre a vida, a paisagem e a cultura do Brasil foi largamente estudada por Gilberto Freire, que define as relações entre a Grã-Bretanha e o Brasil ainda semicolonial como "mais ou menos imperiais". E cita, entre os efeitos da sua influência, o terno branco, o chá, a cerveja e o uísque, o bife com batatas, o pijama de dormir, o tênis e o futebol, a capa de borracha, os piqueniques, o escotismo, o lanche e o sanduíche.

Isso sem contar as inúmeras palavras inglesas incorporadas à nossa língua, que se anglicizou em todos os seus setores, ganhando verbos como chutar, driblar, boicotar, boxear, esbofetear, liderar. São ingleses o craque, o turfe, o iate, o esnobe, o rum, o cheque, o alô, o pudim, o revólver, o urra.

A presença dos ingleses em todos os setores econômicos chegou a provocar, nos fins do século passado [N.E.: século XIX], uma certa antipatia entre os brasileiros, que de certa forma os enxergavam como "colonialistas". É dessa época uma antiga trovinha de autor anônimo, cantada pelos moleques enquanto corriam atrás dos "misters":

Não se pesca mai de rede
Não se pode mai pescá
Qui já se sabe a nutiça
que os ingrês comprou o má

De qualquer forma, a influência inglesa no progresso industrial brasileiro pode ser medida pelas suas iniciativas nesse campo. No Brasil, as primeiras fundições modernas, o primeiro cabo submarino, as primeiras estradas de ferro, os primeiros telégrafos, as primeiras moendas de engenho moderno de açúcar, a primeira iluminação a gás, os primeiros barcos a vapor, as primeiras redes de esgoto foram, quase todas, obras dos ingleses.

Em Santos não foi diferente. Também tivemos um pirata inglês (Edward Fenton, que desembarcou na Vila em 1583), comerciantes, aventureiros e viajantes escritores, que deixaram gravadas em livro suas impressões sobre a região. Mas a colônia inglesa começou a formar-se a partir da metade do século passado [N.E.: século XIX], com a instalação da São Paulo Railway, da Companhia City, da Western Telegraph, a Royal Mail e outras firmas de origem britânica.

A influência dos ingleses voltou-se principalmente para o campo dos serviços públicos - energia elétrica, transportes coletivos e ferrovias. Para se ter uma noção da importância dos ingleses na economia da Cidade, basta lembrar que, durante esse período, aqui foram instaladas agências de três bancos ingleses: o London and Brazilian Bank, o British Bank of South America e o London and River Plate Bank.

Hoje, a colônia é pequena. A partir dos anos 1960, muitas companhias foram fechadas, e outras incorporadas por empresas brasileiras. Mas ficou marcada na Cidade a presença dos ingleses, nas construções de seus clubes e associações, na tradição de pontualidade e eficiência de seu trabalho ("No tempo dos ingleses funcionava...").

O consulado, fundado em 1862, é hoje dirigido por Donald Kealman, e entre os ingleses residentes em Santos, há pelo menos cinco que receberam medalhas oferecidas pela rainha Elizabeth por serviços prestados no Brasil. Ativa, a colônia santista colabora com várias obras de caridade, inclusive com a Real Legião Britânica, organização mundial que assiste os combatentes que sofreram as conseqüências das duas grandes guerras.

A pontualidade inglesa foi experimentada pelos santistas, que costumavam acertar seus relógios pela torre da Western Telegraph Company, que funcionou em Santos de 1873 a 1973. Era tradicional o relógio instalado no alto do prédio do Largo Senador Vergueiro, onde estava instalado o "telégrafo inglês".

A estação da "Inglesinha" (estação do Valongo) ainda conserva em sua fachada os três leões que vieram importados da Inglaterra, para a inauguração da ferrovia. No José Menino, a igreja anglicana, cercada de arvoredo, é uma construção em puro estilo inglês, assim como o chamado Clube dos Ingleses (Santos Atlético Clube).

Junto ao mercado, uma área ainda é conhecida como "antigo cemitério dos ingleses", ou "cemitério protestante", e os viajantes ainda se lembram com saudade da chegada dos navios da Royal Mail. A Vila Inglesa, construída em Cubatão para os funcionários da Usina Henry Borden, da Light, conserva o aspecto de uma cidade inglesa, assim como a estação de Paranapiacaba, no alto da Serra do Mar, onde inclusive foi gravada uma novela em estilo de suspense inglês.

A Maçonaria, no final do século passado [N.E.: século XIX], tinha inspiração inglesa, e em Santos foi criada a Lodge of Wanderers, que reunia os ingleses maçons. E a Missão dos Marinheiros, cuja casa de Santos é a única do Brasil, tornou-se conhecida por marinheiros do mundo todo que aportam no cais.


Os antigos bondes vieram da Inglaterra de navio

City: a tecnologia inglesa a serviço dos santistas

Quando se fala em bondes, água, gás e luz, os ingleses são logo lembrados. Ou melhor, é lembrada a antiga Companhia City. Em maio de 1881, quando foi fundada The City of Santos Improvements Company, Santos não passava de um pequeno povoado, encravado entre o mangue, o mar e a floresta.

Os serviços de gás e água tiveram início em 1870, quando a Companhia de Melhoramentos de Santos recebeu concessão municipal. Na mesma época, começaram a funcionar quatro empresas de transporte, que trabalhavam precariamente, com bondes de burros, nos municípios de Santos e e São Vicente. A City foi o resultado da fusão dessas empresas em uma só.

Em 1894, não existia o serviço de eletricidade. A iluminação pública era feita por meio de lanternas, que no início tinham simples bicos de gás abertos. Mais tarde, esses bicos foram substituídos por véus, modificação que marcou o início da iluminação conhecida como incandescente.

Por essa época existiam cerca de 300 lampiões a gás, que tinham de ser acesos um a um, ao pôr-do-sol, para serem apagados ao amanhecer. A concessão dada pela Prefeitura à City dizia que "os lampiões deviam ser acesos todas as noites, mesmo as de luar".

Em 1888, já sob a direção da City, funcionavam ainda em Santos os bondes de burro. O primeiro bonde elétrico circulou no dia 28 de abril de 1909. Em 1928, surgiram os famosos amarelinhos, os primeiros ônibus a circularem pela Cidade, também por obra da City.


Os bondes fechados, mais recentes, eram chamados camarões

Os serviços de luz e força elétrica foram instalados já no começo deste século [N.E.: século XX]. Primeiro, funcionavam pequenos geradores de eletricidade, para uso interno da empresa; depois, começaram a ser utilizados para a iluminação dos logradouros públicos. Em 1905, já existiam 180 lanternas de iluminação elétrica nas ruas, e 192 famílias possuíam instalações elétricas em suas casas.

Santos era provida de água potável por meio de chafarizes públicos e carros-pipas, até 1894. Nesse ano, 3.009 casas começaram a ser abastecidas pelos canos gerais da Companhia City. Em 1897, o Rio Pilões começava a funcionar como principal fonte abastecedora. A água fornecida, naquele tempo, era de puríssima qualidade e satisfazia às mais rigorosas exigências das convenções mundiais.

A Cia. City foi sucedida pela Cidade de Santos - Serviços de Eletricidade e Gás S.A., que por sua vez foi incorporada pelo grupo Light and Power Company, também inglês, em agosto de 1967. O serviço de bondes, agora extinto, foi transferido para o Município em 1951; o de águas, para o Estado, em 1953; e o de eletricidade, incorporado pelo Estado, é administrado agora pela Eletropaulo. Mas esses setores ficaram definitivamente ligados, na lembrança popular, à iniciativa dos ingleses.

A escalada da Serra, com a S.P. Railway

O primeiro projeto para a construção de uma estrada de ferro ligando São Paulo ao Porto de Santos foi feito por um inglês - o engenheiro Robert Stephenson, filho de George Stephenson, que foi o inventor da primeira locomotiva e construtor da ferrovia que liga Manchester a Liverpool, precursora das estradas de ferro no mundo. Esse primeiro projeto, contudo, foi considerado prematuro e abandonado, devido às dificuldades que apresentava a travessia da Serra do Mar.

Vinte anos mais tarde, por iniciativa de produtores paulistas, o governo imperial concedeu à companhia encabeçada por José Evangelista de Souza, então Barão de Mauá; José da Costa Carvalho, Marquês de Monte Alegre; e conselheiro José Antônio Pimenta Bueno, Marquês de São Vicente; o privilégio de 90 anos para a construção, uso e gozo de uma estrada de ferro que ligasse Santos a São Paulo.

A linha projetada deveria seguir daqui para Noroeste, com destino a Jundiaí, importante centro produtor. Mas para projetar o trecho da serra, que aos brasileiros parecia intransponível, foi chamado o maior técnico conhecido nessa ocasião: o engenheiro ferroviário inglês James Brunlees, que, por sua vez, chamou outro engenheiro, Daniel Makinson Fox, responsável pela construção de ferrovias nas montanhas ao Norte do País de Gales e nas encostas dos Pireneus.

Depois de anos de estudo, foi iniciada em maio de 1860 a construção da São Paulo Railway, que, sob a denominação de São Paulo Railway Company, explorou o tráfego entre Santos e Jundiaí até 13 de outubro de 1946, quando a estrada foi incorporada ao patrimônio da União, com o nome de Estrada de Ferro Santos a Jundiaí.

As dificuldades da transposição da Serra foram contornadas pelos engenheiros ingleses com um sistema que já havia sido empregado com sucesso na Inglaterra: os trens subiriam a serra por meio de cabos. E, apesar de todas as dificuldades de exploração do terreno, inclinação de 800 metros até o alto da serra, e a necessidade de cortes e aterros, desvio de águas e escavação de rochas, a São Paulo Railway, com seus cabos inclinados sobre a serra, foi entregue ao tráfego em 1867.

Entretanto, devido ao desenvolvimento da zona servida pela estrada, a São Paulo Railway começou a estudar a construção de uma nova ferrovia, com melhores técnicas. E iniciou-se, em 1895, a construção de um segundo conjunto de planos inclinados, constituído pelos chamados "cabos sem fim". Os primeiros trens começaram a circular por esse funicular a partir de 1900. Da estação de Paranapiacaba, os trilhos seguem até Jundiaí, depois de atravessar a zona industrial.


No alto da Serra do Mar, a estação de Paranapiacaba, em estilo inglês, e trilhos do sistema funicular

Veja a parte [2] desta matéria