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Santistas, nas barrancas do Paranapanema [02]

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Livro de Santos Amorim, lançado em novembro de 1932, relata a participação de um batalhão santista na Revolução Constitucionalista daquele ano:
SANTOS!

Terra do Trabalho e da Caridade. Que Nossa Senhora do Monte Serrat abençoa. Do alto em que se ergue, branca como a pureza, a sua capelinha modesta. Do alto que domina a cidade. E que faz palpitar de fé o coração dos homens. Santos piedosa. De alma sensível aos alheios infortúnios. No teu regaço afetuoso curam-se todas as dores. Estancam-se todas as lágrimas. Dás o pão a quem o carece. És farta. És nobre. És heróica. Santos invicta. Que sempre esteve de pé. Pela Lei. E pela Liberdade. Que nunca tombou. Que jamais tombará.

Ouve: - teus soldados permanecem em linha. Fiéis ao juramento de honra que fizeram. Conservando o mesmo ardor cívico. Que revelaram nas trincheiras. E o mesmo espírito de sacrifício. Que os glorificou na luta tormentosa. Para morrerem por S. Paulo. Em teu nome. Defendendo tuas tradições de bravura. Que são o orgulho de Piratininga. E do Brasil.

Santos! Terra bendita de Nossa Senhora do Monte Serrat! Eu fui. Eu sou. Eu serei um teu soldado!



Como se formou o 1º Batalhão de Voluntários Santistas

A idéia de se formar um Batalhão de Voluntários Santistas que partisse, sem mais demora, para o teatro das operações de guerra, em defesa da sagrada causa constitucionalista, teve em Alberto Lage um dos seus mais ardorosos paladinos.

Foi esse moço, sargento reservista do Exército Brasileiro, quem, aos primeiros surtos do movimento revolucionário, tomou a peito, de modo decisivo, a patriótica tarefa. Não tardando que lhe prestassem valiosa colaboração outras figuras do nosso meio. Que batalharam infatigavelmente pela nobilíssima cruzada cívica. Que deram o melhor das suas energias, sem olhar a sacrifícios de qualquer natureza, para a vitória da idéia em marcha.

E essa vitória, poucos dias depois de 9 de Julho, se tornava magnífica realidade. Para honra e glória de nossa terra.

A mocidade santista, impelida por um entusiasmo intraduzível, correu a alistar-se, decidida, corajosamente, a seguir para as trincheiras. Pronta para oferecer sua vida em holocausto à Pátria. A um Brasil livre. Unido. E forte.

Tudo por S. Paulo! - era o lema palpitante. E a juventude conterrânea tudo queria dar por e para S. Paulo. E tudo lhe deu, realmente. Até o seu sangue generoso. Com uma bravura admirável. Com um desprendimento nunca visto. Dignificando-se a si mesma. E revivendo o heroísmo da intrépida raça bandeirante.

Foi assim que, a 13 de julho, já trezentos e tantos rapazes estavam alistados no Batalhão que se organizava. E que deveria constituir, mais tarde, a primeira unidade a deixar Santos.

Todos eles, sem exceção de um só, vibrantes de orgulho cívico. Ansiosos por partirem para a frente. Ao encontro do inimigo. Que se aprestava para invadir e flagelar o território paulista. O desejo unânime e insopitável era o de lutar, de armas na mão, por S. Paulo. Valentemente. Sem temores. E quanto antes. A menor demora parecia-lhes, a esses intemeratos moços, uma manifestação de fraqueza. De covardia. Difícil era contê-los até o momento oportuno da partida. Houve, mesmo, alguns que não o esperaram. Foram, antes, para São Paulo. E ali se incorporaram aos contingentes que seguiam para o setor Norte.

Queriam ser os primeiros a repelir o adversário. Empunhando um fuzil. Manejando u'a metralhadora. Ou trocando golpes de baioneta. Sem se preocuparem com as conseqüências da luta.

A morte não apavora os bravos. E foi justamente por isso que esses bravos santistas marcharam. De peito aberto à fuzilaria ditatorial. Contentes se perecessem, imolados à fúria sanguissedenta do adversário. Mas pelejando até o extremo instante. Até o derradeiro alento. Pela causa bendita de S. Paulo. Com um sorriso de satisfação nos lábios. Com o coração estuante de alegria.

Como morrem os heróis autênticos. Tombada a matéria. De pé o espírito. Sacrificada a existência. Indestrutível o ideal. Como soube morrer Alfredo Schammas. Como alguns outros que também a morte arrebatou.

E nesse ambiente eletrizante de puro civismo, que empolgava a cidade toda, tínhamos, horas passadas, formado um contingente de quase 500 moços.

Era o Batalhão que deveria marchar, antes de qualquer outro, para o campo da luta. Onde paulistas já se batiam gloriosamente. E marchou. Desassombrado. Valoroso. Confiante. Cumprindo o seu dever. Rumo certo às trincheiras.


Coronel Grimualdo Favilla

Propositadamente, deixamos para destacar nestas linhas a ação brilhante desenvolvida pelo coronel Grimualdo Teixeira Favilla, nesse período de organização do Batalhão de Voluntários de Santos.

O velho e honrado militar - que conhecíamos desde 1917 - foi de uma dedicação extraordinária, no sentido de satisfazer o ideal da mocidade praieira. Venceu galhardamente todas as naturais dificuldades do momento. Desdobrando-se em uma atividade espantosa. Seus esforços foram infatigáveis.

Ninguém com mais ardor patriótico do que esse soldado ilustre, para que a terra santista fosse a primeira de S. Paulo a dar o luminoso exemplo de enviar voluntários para as linhas de frente. E conseguiu isso. Dentro da modéstia em que sempre viveu. Sem atoarda. Sem espalhafato. Sem a reclame irritante dos cabotinos fardados ou civis...

E, organizando o Batalhão, assumiu o seu comando supremo. Era forçoso o fizesse. Os jovens santistas não aceitariam outro. Antes de entrarem em combate, ainda sem receberem farda e armamento, já faziam sentir a sua pretensão generalizada: - o coronel Favilla seria o comandante do Batalhão. Somente a esse oficial obedeceriam. Com outro não teriam o menor entendimento.

Por quê essa atitude?

Compreender-se-á facilmente. Os moços santistas, todos eles compenetrados da gravidade excepcional do momento, e também da responsabilidade que haviam assumido, para consigo próprios e para com a terra-berço, concluíam, intuitivamente, que era aquela a melhor e mais eloqüente maneira de expressarem a sua confiança. E o seu reconhecimento ao valoroso soldado. Que os conduziria para o cenário vermelho das batalhas.

E essa prova soberba de gratidão, o coronel Favilla a recebeu com lágrimas nos olhos. Comovido pelo gesto magnífico da rapaziada santista. Encantado, ao mesmo tempo, com tanta nobreza moral. Talvez na sua longa e agitada carreira de militar combatente, não tivesse tido, em circunstâncias idênticas, semelhante demonstração de solidariedade. E ele soube corresponder plenamente à expectativa das tropas que chefiou.

Foi um militar à altura dos seus deveres. Deu aos seus soldados e a S. Paulo o máximo de sua abnegação. E da bravura pessoal que o caracteriza. Norteou a sua conduta com sabedoria e prudência. Não se precipitou, como outros, que, à custa do extermínio de vidas preciosas, queriam conquistar galões...

Mas não recuou, também. Observou sempre o que a sua consciência esclarecida de homem desambicioso lhe ditava. E sofreu muito porque se conservou nessa atitude elevada. Não faltou quem tentasse deprimir o seu valor. Inúmeros foram os golpes de perfídia desferidos contra a sua dignidade militar. Mas tudo em vão. O soldado deixou a guerra, quando esta terminou. Tão leal e tão honrado como quando para a guerra entrara. A inveja de uns, o ódio de outros e a canalhice de muitos não o atingiram.

Ele aí está! Hoje, mais do que ontem, respeitado e querido dos voluntários que comandou durante setenta e três dias de campanha.

E está pronto, novamente, para defender São Paulo.

Vale esta afirmativa pelo melhor elogio que se possa fazer ao intrépido soldado da Lei e da Liberdade.


Preparativos para a partida

"- Amanhã, às 9 horas em ponto, em frente à Galeria Odeon, a fim de seguirmos para S. Paulo".

Era isso o que dizia a todos os voluntários, na noite de 17 de julho, domingo, com a sua voz de ronqueira, o adiposo e afável sargento Lage. E no dia e hora marcados, com precisão britânica, estavam a postos, naquele movimentado trecho da Rua do Comércio, todos os voluntários inscritos.

O último a chegar, porque acordara tarde, fora Olivério Pilar Antunes. Mas não faltou. E não faltaria. Paulista de Sorocaba quando promete, cumpre. Deus nos livre que não fosse assim...

A rapaziada, quase meio milheiro de jovens robustos e valentes, entrou em forma, à paisana, colocando-se em coluna de esquadra. Isto é, por quatro de frente. Mas sem disciplina militar. Todos falavam a um só tempo. Trocavam abraços. Riam. Faziam trejeitos cômicos. Diziam palavras alegres. Despediam-se repetidas vezes de mão semi-curva na aba do chapéu, à guisa de continência. Já eram soldados. Exerciam um direito...

Todos contentes. Um ambiente festivo, de bom humor contagiante. E havia ali, sem dúvida, muitos corações amargurados pela dor imensa da separação. Da saudade. Noivos que deixavam a eleita da sua alma. Com eles, filhos que iam partir levando gravada no espírito a imagem suavíssima de suas mães. Que choravam no lar contristado. Pais e esposos que também se iam, conservando ainda nos lábios o ressaibo dulçuroso dos beijos inocentes dos pequenitos que eram o seu maior encanto. E da companheira dedicada que era a razão de ser da sua vida. Irmãos e amigos que ficavam. Que não podiam ir. E que desejavam, sinceramente, acompanhá-los.

Tudo isso, entretanto, não era suficiente para diminuir, sequer, o sadio entusiasmo dos voluntários santistas.

O lado sentimental da existência não se manifestava. Ninguém viu uma lágrima, nem ouviu um lamento da valorosa mocidade que, dentro de uma hora, partiria para a glória ou para o abismo. Mas irredutível na defesa do seu formoso ideal: - combater por S. Paulo enquanto restasse, de pé, um paulista!


A manhã de 18 de julho

Manhã esplêndida de sol a de 18 de julho de 1932. Uma vibração intensa nas ruas da cidade. Toda a população nas ruas. Das praias e bairros afastados a onda humana, cada vez mais volumosa, rumo ao centro urbano, avassalava-o por completo. Ver os voluntários que deixavam Santos era o desejo coletivo. Ficar em casa, sem levar um adeus aos soldados, equivaleria a um pecado sem remissão. E o povo santista é essencialmente católico. E patriota.

Por isso mesmo, veio toda a gente para o burburinho do asfalto. Da Ponta da Praia. Da Nova Cintra. Do José Menino. Do Campo Grande. Do Macuco. Do Saboó. De S. Vicente. Da Praia Grande. Do Guarujá. De todos os setores. De todos os quadrantes. Somente os enfermos e inválidos não participaram da imponente procissão cívica. E com profundo pesar, naturalmente.

A cidade, desse modo, compartilhava, risonha e esperançosa, do entusiasmo irreprimível dos nossos bravos voluntários. E vinha trazer-lhes, carinhosamente, a homenagem confortadora da sua presença. No instante quase sempre doloroso da partida.

Jamais Santos terá visto espetáculo tão soberbo de fé. Tão imponente de civismo. Tão significativo de beleza moral, do que esse da inesquecível manhã de 18 de julho.

O povo, em massa, soube glorificar os primeiros bandeirantes modernos. Que daqui saíram sem se preocuparem se voltariam ou não. Dispostos a tudo para que São Paulo triunfasse. Mesmo que para esse triunfo ficassem insepultos nas trincheiras. E se a vitória integral não foi alcançada por quantos pelejaram a boa peleja, culpa não lhes cabe. Todos se bateram heroicamente. Nenhum foi indigno da farda que vestiu. Nem do fuzil que manejou.

A cidade sabe disso. Os seus bravos de ontem continuam sendo os mesmos seus bravos de hoje.

É o quanto basta.


Flagrantes e figuras

Estávamos formados em frente à Galeria Odeon. Essa era a ordem. Tínhamos que a cumprir. Mas, passada meia hora, sempre de pé, naquele local, agora um voluntário, depois outro, deu de sair da forma. Sob diversos pretextos. Este ia comprar cigarros. Aquele tomar café. E assim sucessivamente, o Batalhão não tardaria a se espalhar pelas vizinhanças. Se o sargento Lage não existisse...

Renato Pimenta - o mais endiabrado pândego que o céu brasileiro cobre - Valentim Leite - famoso fundador da "Liga da Temperança" - Eugênio de Almeida, o popular Tosca, gordalhudo e vermelhão - Alberto Morgado - o simpático morenaço que mais tarde, em campanha, se revelou excelente cozinheiro - Marcello José Rios, o perfeitíssimo imitador do luso aldeão - são figuras que o meu lápis de repórter assinala. Porque esses rapazes riem e fazem rir toda a gente. Até a mim, que vivo eternamente carrancudo. Não por desgostos. Que não os tenho. Mas por temperamento. Do que não sou culpado...

Eles estão ao meu lado. Vejo-os saírem e entrarem no Café Paulista. Irão beber água? É impossível. O Renato sempre me diz que não se dedica à cultura do agrião. Por isso, não faz do estômago lagoa d'água... Marcello vai além: - afirma que a água é um elemento tão nocivo que chega até a destruir o casco dos navios.

E Morgado, por essa razão, detesta-a. Tosca e Valentim têm opinião idêntica. Água só para banho. E assim mesmo, quente...

Que turma pesada!

Mas, aproxima-se a hora de irmos para a estação da Inglesa. Tomar o trem especial que está à nossa espera.

Alberto Lage manda que todos nós nos alinhemos. Para receber uma surpresa. E esta vem, realmente. Quem a traz, no interior de um auto, é Orlando Esteves. Oferta sua. De muita utilidade. Distribuem-nos, então, a cada voluntário, um bornal de pano cáqui. Feitos por senhorinhas de Santos, na noite de domingo. Recebemos com agrado essa peça de equipamento. Que nos dava um traço de militarismo. E permitia-nos, também, esvaziar os bolsos do paletó. Todos eles repletos de uma infinidade de pequenos e indispensáveis objetos.

Orlando Esteves é um grande animador da rapaziada. E cerca-a, por isso, de gentilezas sem conta. Oferece-nos tudo quando desejamos. E por fim aperta-nos, emocionado, num longo e leal abraço.

Esse moço fica em Santos, é certo. Mas aqui, durante a guerra, interessa-se pela sorte dos que marcharam para a frente. Trabalha incansavelmente por todos. Visita-nos, por vezes, e leva-nos presentes, cartas e jornais.

Qualquer um de nós, no fundo do sertão paulista, a centenas e centenas de quilômetros distante de Santos, sabe que Orlando Esteves permanece, firme, no seu posto de sacrifício. Trabalhando pelo nosso bem estar.

O seu nome é repetido nas trincheiras, freqüentemente. Por todos. O soldado que atravessou uma noite de frio intenso, e que por isso não dormiu, lembra-se logo de Orlando Esteves. E anuncia:

- Vou escrever ao Orlando. Pedindo-lhe me remeta agasalhos.

E se escrever será atendido. É um dos protetores do Batalhão. Ninguém mais generoso. Ninguém mais paulista.


Rumo à estação

São 10 horas. A tropa move-se. Em passo cadenciado. Vai para a estação da Inglesa. O trem a espera. O Largo do Rosário e a Rua do Comércio estão quase intransitáveis. A multidão é enorme. E acompanha, entre frases de incitamento e vivas a Santos, a mocidade resoluta que parte para São Paulo.

Durante o trajeto, o venerando Borges Galvão - advogado do povo - e o dr. João Carlos de Azevedo - médico ilustre e patriota destemido - me acompanham. Aquele dá-me uma lembrança. Com a voz soluçante. E faz uma prece a Deus para que eu retorne ao lar. Fico enternecido. Sem saber como demonstrar a minha gratidão. João Carlos afirma-me que voltarei breve. E livre da mania que se me arraigara no espírito, de estar muito doente... Ouço e guardo as palavras encorajadoras do clínico e fico penhorado ao amigo.

E vamos, assim, vencendo o percurso: com ânsia de seguir. Em poucos minutos chegamos ao Largo Monte Alegre. Milhares de pessoas ali se detinham. O elemento feminino predominando em quantidade. Exclamações de entusiasmo repercutem, em todas as direções. Senhoras respeitáveis e distintíssimas senhorinhas acercam-se, sofregamente, dos voluntários. Abraçam-nos. Comovidas. Muitas sem poder articular uma palavra de despedida. Olhos de mulheres, de crianças e de homens. Lágrimas de júbilo cívico, sem dúvida. Porque todos, embora saudosos dos que se vão, não se lamentam. Antes, os estimulam.

Penetramos o interior da estação a custo imenso. Depois de romper quase intransponíveis muralhas humanas... E, ao fim dessa primeira etapa, estávamos exaustos. Não pela marcha, que fora curta. Mas pelos esforços despendidos para atingir o ponto de partida. E pelos abraços que retribuíramos. Até a desconhecidos.


Na estação

Tomamos o comboio de assalto. Havia receio de ficar sem lugar. Ninguém se conformaria em não seguir. Rapidamente, enchemos a composição da S. P. R. Muitos carros. A massa popular aí se comprimia. Turbilhonante. Dir-se-ia alucinada pelo entusiasmo. Mãos piedosas e crentes de mulheres distribuem, aos voluntários, orações e imagens de santos. Com legendas expressivas. E todas elas fazem-nos votos de felicidades. E breve retorno. Com a vitória de São Paulo.

Enquanto isso, falam aos voluntários santistas vários oradores. Discursos vibrantes, de uma eloqüência admirável. Palavras de fé e amor. De estímulo e de confiança integral no triunfo decisivo da causa constitucionalista.

Ouço Luiz Antonio Pimenta - esse respeitável cidadão que me habituei a admirar e a querer bem desde a minha meninice. Como se fora meu próprio pai. Ouço o que ele diz a Renato e David, dois filhos seus que vão conosco - e sinto-me colhido pelo pranto. Debalde, procuro reagir. A emoção que me toma, aniquila-me. Choro copiosamente.

Cyro Lacerda, meu colega de imprensa e amigo boníssimo, é testemunha desse episódio. Também ele se impressiona. Mas resiste. E consola-me, afetuosamente. Escuto ainda o verbo fluente do dr. Flôr Horácio Cyrillo. É outra página que não sei traduzir. Suas palavras, fulgurantes, arrebatadoras, cantam-me aos ouvidos numa harmonia estranha. Aumentam, mais ainda, a profunda emoção que me domina.

E eu, então, mais do que nunca, orgulho-me de ser paulista!

Pedem-me que eu discurse também. Ramiro Miranda Calheiros - meu irmão pela amizade - é quem mais insiste comigo. Eu devo falar - impõe-me. Tenho vontade de obedecer-lhe. Mas é impossível. O meu estado nervoso não mo permite. Chega nessa altura Santos Júnior. Acompanha-o Mariano Scarpini. Abraçam-me demoradamente. Mas estão como eu. Não podem articular palavra. Limitam-se a olhar-me.

A locomotiva dá o sinal de partida. A enorme multidão, bracejante, impetuosa, corre para a frente. Quer acompanhar o trem, pelo leito da via férrea. Até onde lhe for possível. E o acompanha, indiferente aos perigos que a cercam. Milhares de pessoas, aos vivas estridentes, chegam a andar um quilômetro. Só se detêm em frente ao Saboó. Quando o comboio toma maior velocidade.

E ficam ali. Como que petrificadas ao solo. A acenar lenços de todas as cores. Num adeus que parece eterno. E que traduz, sinceramente, a grandeza de coração daqueles que ficaram. Abençoando a revolução paulista. Rezando a Deus pelos soldados de Santos.

Eu não me contenho: dou um viva a S. Paulo!


Em viagem para S. Paulo

Vão ao meu lado, no mesmo banco, Cyro Lacerda e Giusfredo Santini. Palestramos longamente. Falamos da imponência cívica de que se revestira a nossa partida de Santos. E relembramos alguns episódios, sentimentais e alegres.

Cyro Lacerda mostra-me o retrato de sua querida filhinha. Que fora beijá-lo momentos antes. Leva-o consigo para as trincheiras. Irá revê-lo incessantemente. Com a afeição que só um pai pode ter. Santini, alegre, mostra-nos o formidável Parabellum. Que conduz à cintura. E que será o seu companheiro inseparável. Enquanto durar a campanha.

Próximo, e mais além do nosso grupo, outros rapazes contam cenas que presenciaram. E de que foram parte na estação de Santos.

Um deles - Oscar Alcover - afirmava que, no meio daquele formigueiro humano, uma senhora idosa, naturalmente míope, tomara-o como filho e o beijara repetidas vezes. Agüentara firme, confessava Alcover, a chuva de ósculos. Para não cair em desagrado. Mas a velhota, quando se apercebera do engano, ficara rubra de indignação e lhe dissera desaforos a granel. Ele queria protestar. Mas teve que calar-se. Não lhe ficaria bem tal atitude.

O caso, porém, é que o nosso estimado companheiro - segundo a opinião do Othon Carneiro de Castro, que assistira ao episódio - acabou ficando babado pela sexagenária...

E por isso, durante o percurso, o arreliaram impiedosamente.

E foi debaixo de um nunca acabar de galhofas, entremeadas de constantes hurrahs a S. Paulo, que entramos na ampla e artística gare da Luz.

Estava terminada a viagem. E, apesar da distância que nos separava da cidade nossa, ainda parecia-nos ouvir as aclamações. Com que o generoso povo santista nos distinguira. À nossa partida. Numa demonstração magnífica. Palpitante dos seus sentimentos patrióticos.

Bendita seja esta terra maravilhosa!

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