Todo aquele que é santista ou mora em Santos conhece a devoção desta terra a Nossa Senhora do Monte Serrat. Todos os anos, a imagem desce da sua capela, no alto
do monte, para a Catedral, e volta no dia 8 de setembro, após três dias de homenagens, numa festa popular em que a Cidade é novamente consagrada à sua padroeira.
Missa na Catedral de Santos, com a imagem de
Nossa Senhora do Monte Serrat presente (à direita na foto)
O culto à mãe de Deus existe desde os primeiros tempos do Cristianismo e o primeiro santuário de que se tem notícia histórica é o da Síria, em 390. O culto mariano foi definido, no
Concílio de Éfeso, no ano 431. No fim da Idade Média, a Europa romântica e gótica ergueu muitas igrejas, verdadeiros centros de arte e religião que exaltavam o culto à Virgem Maria.
O culto a Nossa Senhora do Monte Serrat surgiu na Espanha, durante a Reconquista, época de lutas entre os cristãos contra os mouros que tinham invadido a Península Ibérica (Portugal e Espanha). Para
escapar aos saques, igrejas e capelas foram desativadas, sendo muitas das suas imagens escondidas.
Segundo a tradição, teria sido um pastor que encontrou, na Catalunha, numa área deserta, uma imagem da Virgem Maria com o menino, dentro de uma caverna. A região tem um relevo muito especial,
estranho, de rochas agudas que lembram, no horizonte, os dentes de uma gigantesca serra de cortar. Daí o nome de Monte Serrate. O pico mais alto mede 1.235 metros e chama-se São Jerônimo. Curiosa coincidência com a história do Monte Serrate de
Santos, cujo primeiro nome era morro de São Jerônimo. Da Catalunha (Espanha) a devoção a Nossa Senhora do Monte Serrat espalhou-se pela França, Itália, Portugal, Países Baixos, Alemanha, Áustria, Tchecoslováquia e outros.
Exerceu marcante influência nas lendas da cavalaria medieval, como na História de Carlos Magno e os Doze Pares da França.
Celebração litúrgica na Praça José Bonifácio
Trazido
pelos espanhóis, veio o culto para a América Central, ainda na época de Colombo, e depois para o México, Peru, Equador, entre outros. De Portugal chegou à Bahia, no tempo de Tomé de Sousa e o "...Santuário de Nossa Senhora do Monteserrate,
protetora da Catalunha, fundaram Senhores da Torre que chamam Garcia Dias Ávila..." (antes de 1580), segundo frei Santa Maria no Santuário Mariano de 1723.
O grande impulso a essa devoção foi dado por D. Francisco de Sousa, governador geral, viajando pela Bahia, Paraíba, Rio de Janeiro, São Paulo, Santos e Sorocaba. D. Francisco chegou a Santos em
1599, em pleno período espanhol, e governou o Brasil até 1605. Voltou novamente ao Brasil em 1608, para governar a Repartição do Sul e morreu pobre, em 1611.
Um requerimento de frei Bernardo de Braga, provincial da Ordem de São Bento, informa que D. Francisco de Sousa "... foi o que fez a ermida e pôs a imagem de Nossa Senhora do Monte Serrat na Vila de
Santos e a dava aos provinciais de São Bento, se na dita vila assistissem...".
Três pessoas podem ter projetado e construído a Capela do Monte Serrat: Irmão Francisco Dias, jesuíta, português e arquiteto; o florentino Baccio de Filicaia, o alemão
Geraldo Betting, engenheiros, todos amigos de d. Francisco. As fontes não esclarecem o ano da construção, sendo aceito o período de 1599 e 1605 ou entre 1609 e 1611.
Multidão aguarda a chegada da procissão no alto do
Caminho Monsenhor Moreira, no Monte Serrat
A capela foi construída segundo um modelo funcional e simples que, devido a condições semelhantes de propósitos e meios, foi repetido em todo o Brasil. A construção sofreu muitas alterações e ampliações nos
seus quase quatro séculos de existência. Hoje, a igreja é de responsabilidade da Mitra Diocesana de Santos, assim como o Mosteiro de São Bento, que antigamente estavam, os dois, aos cuidados da Ordem de São Bento (tradicional guardiã dos Santuários
do Monte Serrat).
A subida do monte é feita pelo caminho Monsenhor Moreira, onde há 14 quadros em bronze da Via-Sacra, inaugurados entre 1939 e 1941.
Em Santos existem duas imagens bem diferentes. Na Igreja do Carmo, existe uma réplica da original da N. S. do Carmo, que é do século XI ou XII, em estilo romântico, em madeira, pintada de dourado.
Pelo fato de a madeira estar negra, é chamada de "La Moreneta".
Segundo a tradição, a imagem achada no Monte Serrate teria vindo de Jerusalém para a Espanha e por isso ela é também chamada de "Jerusalamita".
Uma reportagem do antigo O Diário encontrou e fotografou uma imagem que foi apontada como a primeira imagem do Monte Serrat. A fotografia mostra a madona numa cadeira barroca, tendo na base
dois anjos serrando um monte, segundo alguns, acrescentados. Do espaldar da cadeira, em forma de coração, surge um sol com raios enormes. Não se sabe onde se encontra essa imagem. Teria sido esta a primeira imagem doada por D. Francisco.
Devoção: fiéis beijam a fita ligada à imagem milagrosa,
no interior da capela do Monte Serrat
A segunda, é a atual, atribuída ao escultor beneditino frei Agostinho de Jesus, por D. Clemente M. da Silva Nigra. É de barro cozido, com 40 cm de altura, feita entre 1652 e 1655. Ela pertence ao importante
grupo de imagens de barro, realizadas pela escola beneditina de escultura do século XVII. Maria está sentada numa cadeira de braços com o menino em pé sobre os joelhos.
São muitos os significados religiosos da devoção. A começar pela construção da capela no alto de um morro de 150 metros, para onde foi difícil levar o material. Na mitologia, a montanha é símbolo
primordial, pois representa segurança e uma maior proximidade com Deus. Ir à montanha significa uma forma de ascensão religiosa. O monte é a lembrança da terra, a grande mãe que nutre o homem, da qual ele depende para a sua sobrevivência. Tornou-se
costume católico a consagração dos montes a Deus ou aos Santos.
Incontáveis são os milagres atribuídos a Nossa Senhora do Monte Serrat desde o século XVII, tempos de invasões corsárias, como a do holandês Spilbergen, em 1615, registrado pela tradição do
desmoronamento sobre os invasores. Frei Santa Maria escreveu: "Com esta santíssima imagem têm muito grande devoção os moradores daquela vila, e assim eles, como os religiosos monges, a servem e festejam com muita grandeza e devoção (...) é muito
grande o concurso da gente de toda aquela vila que vai louvar e visitar aquela milagrosa senhora, porque, além de ter casa de muita romagem em todo o ano, neste seu dia é muito maior o concurso. Nele lhe vão a oferecer as suas ofertas e a pagar os
seus votos".
Essa descrição, anterior a 1723, serve muito bem para a festa do dia 8 de setembro. No século XIX, a festa do Monte Serrat reunia multidão que rezava e se divertia barulhentamente. Havia reclamações
sobre aspectos da festa, considerados demasiado lúdicos. Nessa época, só a festa no Monte Serrat durava três dias.
A festa é encerrada com a procissão do Senhor do Bonfim, cuja imagem é uma das mais notáveis obras de arte de Santos. A devoção do Bonfim originou-se em Setúbal, Portugal, e veio para o Brasil em
1745, para a Bahia, estando ligada ao culto mariano.
Nossa Senhora do Monte Serrat
A devoção tornou-se tão forte que, em 1955,
Nossa Senhora do Monte Serrat foi proclamada, oficialmente, padroeira de Santos, assim como inspirou versos aos poetas, como Thales de Melo e Martins Fontes, e na prosa, páginas como a de Lydia Federici.
Na música, destaca-se o hino composto por Rodoreda, em 1923, e o da coroação, de Jesus de Azevedo Marques, com letra do padre Edmundo Cortez.
Mas é a subida da colina, que começa junto à famosa Fonte do Itororó, a presença maciça do povo levando a imagem, as rodas de samba na festa do morro que provam que a devoção a Nossa Senhora do
Monte Serrat, além de herança histórica, é uma das mais importantes tradições do povo santista.
Nossa Senhora do Monte Serrat é padroeira de Santos, por lei sancionada pelo prefeito Antônio Feliciano em 1954 e coroada cerimoniosamente em 8 de setembro de 1955. |