Recriação em line-art digital de detalhe de foto do retorno dos trabalhadores demitidos do
porto, no dia 28 de fevereiro de 1991, depois de uma greve geral na Cidade
Imagem: reprodução parcial da página 95
Capítulo V - Os novos tempos
Os desafios adquirem uma nova face, e, mais que nunca, a ameaça ao sistema de trabalho nos
portos se coloca como dramática realidade
"Quem quer manter a ordem? Quem quer criar desordem? Os sindicatos fazem greve
porque ninguém é consultado. Tem de virar óleo pra máquina do estado. Quem quer manter a ordem?".
Os versos do rock anos 80 dos Titãs apontavam as contradições de um período híbrido, de
titubeios e vacilações.
No limiar dos novos tempos, em 1984, após duas décadas de ditadura militar, os brasileiros finalmente
desembarcam da espera constante pela democratização do País.
O sonho de eleger um presidente é frustrado pelos acertos inerentes à transição do momento. Mas temos
um presidente civil e isso nos traz a sensação de estarmos novamente em uma rota para o futuro.
O Congresso Nacional elege Tancredo Neves contra os resquícios do
regime militar. Mas o destino nos elege para cúmplices e, abatido por uma diverticulite aguda, conforme o boletim oficial, Tancredo morre antes
mesmo da posse, deixando-nos seu vice, José Sarney, homem ligado ao período ditatorial. Acentua-se nossa
ansiedade pelo momento final da chamada transição democrática. Pressionados por aquela que será a maior crise econômica que o país enfrentaria,
alternamos instantes da alegria de um gol com o desespero de um pênalti aos 44 minutos do segundo tempo, a favor do adversário.
Para os trabalhadores dos portos, as incertezas da transição tornam-se apenas mais um item na batalha,
pois as tentativas de desorganizar os avulsos prosseguem.
Tanto que a Federação Nacional dos Portuários e 22 sindicatos haviam entregue, em dezembro de 84, um
documento ao então candidato Tancredo Neves, com reivindicações básicas.
Entre os itens, o temor diante da ameaça da criação precipitada das empresas estivadoras.
Reeleito para mais um mandato à frente do Sindicato dos Conferentes, de 85 a 88, José Bartolomeu
realiza estudo apontando a queda da participação dos armadores brasileiros na navegação de longo curso: 13,9%, de janeiro a agosto de 85. Isso
apesar das facilidades criadas nos últimos 18 anos, permitindo à navegação nacional se equipar com dispêndio mínimo, afirma Bartolomeu, revelando
que os programas de subsídios e complementações governamentais aos armadores resultaram em escândalos financeiros, envolvendo os próprios
empresários, estaleiros e a Superintendência Nacional da Marinha Mercante, a Sunamam.
Os trabalhadores continuavam tendo que demonstrar que não eram os culpados pelas deficiências dos
portos. Foram transformados em bodes expiatórios, como tantas vezes na longa história do trabalho nos portos, e a proposta dos terminais privativos
é adotada como solução à necessidade de ampliação do sistema portuário brasileiro. A justificativa era de que o governo não tem recursos para
investir no setor.
"Sem novas áreas para expansão, as áreas nobres têm sido arrendadas à iniciativa
privada a preços subsidiados, ao mesmo tempo em que as administrações portuárias se propõem a gastar vultosas quantias, para ampliação do cais e
retaguarda", aponta o trabalho realizado pelos Conferentes.
Os terminais acabam concorrendo com o próprio porto, num jogo injusto. Transferem para si
movimentações de carga, levando ao abandono o porto público, que apesar de ganhar cada vez menos, nem por isso deixa de arcar com as despesas de
serviços gerais e de manutenção da infra-estrutura.
Em abril de 86, a manchete do jornal da nossa categoria, O Conferente, informa que o Supremo
Tribunal Federal havia confirmado a exclusividade dos trabalhadores avulsos. Por unanimidade, o STF decidira pela constitucionalidade da lei
estadual nº 3.767, de 83, que estabelecia a prioridade dos avulsos nas contratações dos serviços do porto. Era uma vitória importante a ser
comemorada. Em setembro/86, outra boa notícia do jornal: a conquista do repouso semanal remunerado. Ganhávamos algumas batalhas, mas a guerra estava
longe de ser encerrada.
A partir de 87, a Assembléia Nacional Constituinte torna-se o novo cenário da nossa luta. Para nós,
uma oportunidade de assegurar e reforçar direitos reivindicados. Para aqueles que viam em nós um obstáculo ao ideal de modernização, era a
chance de instituírem o projeto de desenvolvimento que tinham em mente.
A história parece repetir-se. Velhas fórmulas entram em cena. Custo alto, falta de operacionalidade,
baixa produtividade... Os chavões estão novamente no centro dos debates e os patronos do projeto vendido à nação como desenvolvimentista já
haviam definido os culpados por todo o atraso: os trabalhadores avulsos, é claro.
Não havia estudos ou base técnica que comprovasse a teoria. Nem mesmo levava-se em conta que Santos, o
maior porto do País e da América Latina, era um cemitério de equipamentos obsoletos e deteriorados, originado pelos próprios defensores da
modernização, que nele não investiram um centavo ao longo de muitos anos.
Os problemas são muitos. No porto operam guindastes instalados no início do século; quase uma centena
de vagões ferroviários apodrecem nos pátios; obras faraônicas e de prioridade duvidosa têm início e são interrompidas, num exercício típico de falta
de planejamento e desperdício.
E mais: há vários terminais inativos por falta de condições operacionais; armazéns sem condições de
uso; berços de atracação são desativados por problemas estruturais. O porto de Santos não utiliza 50% de sua capacidade física.
Em 1º de outubro de 1988, os conferentes têm um novo dirigente no sindicato. Mas a eleição de Ricardo
Wagner Vilarinho, em substituição a José Bartolomeu, não altera a rotina das nossas batalhas.
Já no dia 3 daquele mês, sofremos mais um ataque. O presidente José Sarney e seu ministro dos
Transportes, Reinaldo Tavares, assinam decreto-lei com o número 96.910, pretendendo transformar as administrações dos portos em entidades
estivadoras, com poderes extraordinários.
A medida vem se juntar a outra, de mesmo calibre, o decreto 96.909, que criava Conselhos Especiais de
Usuários, com amplos poderes de decisão; limitava em apenas dois o número de representantes dos trabalhadores nos órgãos, um dos empregados do porto
e outro dos avulsos.
Os trabalhadores eram, mais uma vez, pegos de surpresa, pois haviam lançado, em setembro daquele ano,
o movimento "O Porto é Nosso", com participação de representantes de várias categorias, além de lideranças sindicais, empresários e políticos.
Pretendiam discutir formas viáveis de transferir a administração dos portos para os próprios trabalhadores.
Sarney e seu ministro enfrentam uma reação em cadeia dos sindicatos da orla marítima de todo o país e
das agências prejudicadas. Uma greve nacional de advertência estoura no dia 17 de outubro. O governo recua.
Continuamos remando firme contra a maré fatalista e a falta de diálogo de governantes e empresários.
Por isso, em novembro, os conferentes lançam a proposta de estadualização do porto. A campanha adentra 1989, ano novo que traz de volta a
esperança de consolidação da democracia. Após 25 anos, o país finalmente preparava-se para escolher o novo presidente da República.
Naquele mesmo ano, com a eleição da prefeita Telma de Souza, os portuários
haviam recebido um sinal de que a administração municipal estava disposta a estreitar os laços com o porto e a entrar na briga pela inclusão do
poder público, juntamente com trabalhadores e empresários, nas decisões sobre o futuro do setor.
Em 1990, a Prefeitura realiza um encontro com empresários e sindicalistas portuários e põe em
discussão a gestão tripartite para o porto. A questão se tornaria rapidamente uma bandeira para outros portos do país. Na Baixada Santista, a
proposta recebeu apoio dos prefeitos da região.
No entanto, encontramos mais uma pedra no caminho. Já tínhamos um novo presidente da República, agora
eleito pelo povo. Fernando Collor de Mello vencera as eleições sustentando-se no velho discurso
desenvolvimentista travestido agora de liberalismo, da abertura de mercado e das privatizações a qualquer preço, seguindo o cardápio da nova ordem
mundial que se instalava.
Amparado na teoria neo-liberal, Collor promete levar o país ao primeiro mundo e os portos,
responsáveis por 98% das importações e exportações do Brasil, tinham que se adaptar à nova ordem econômica que se traçava.
Para o presidente do Sindicato dos Conferentes, Ricardo Vilarinho, o que pretendiam implantar aqui era
um pool de empresas internacionais, ou joint-ventures, "com poder de fogo para eliminar do mercado pequenos e
médios empresários sem condições de enfrentar a concorrência".
Mas como os tempos eram de democracia plena, esperava-se que, no mínimo, os trabalhadores fossem
ouvidos, pois já havia demonstrado que não eram contra a evolução dos portos. Desde março de 90 fazíamos contatos com o governo federal, através do
Ministério da Infra-estrutura, para discutir a questão do sistema portuário nacional; uma comissão havia sido proposta e aceita pelo próprio
governo.
Qual o quê! Em maio, somos surpreendidos pela divulgação de um anteprojeto de lei e de uma medida
provisória tratando da privatização dos portos, com a liquidação dos trabalhadores avulsos. Paralisam-se as atividades novamente. A campanha de
mídia patrocinada pelos empresários é avassaladora e busca convencer o País de que éramos os vilões dos portos.
Nesta época, eram finalizados estudos, levantamentos e documentos para demonstrar o peso real da
mão-de-obra nas operações portuárias, desfazendo mitos e mentiras. Para isso, os sindicatos dos avulsos de Santos tinham contratados técnicos da
Universidade de São Paulo, para estudar os custos dos portos.
A constatação de que no primeiro semestre daquele ano o porto de Santos havia arrecadado 1,5 bilhão de
cruzeiros de Adicional de Tarifa Portuária, sem que um só centavo voltasse para a cidade, reconfirmava o que o Sindicato vinha denunciando há muito.
O Adicional fazia fundo de caixa do governo federal e não era investido no porto, apesar do sistema estar carente de obras e máquinas.
Em 18 de fevereiro de 91, o governo federal envia ao Congresso o Projeto de lei nº 8, o PL-8, que
prevê a desregulamentação das atividades dos portos.
Em nome da modernização, nove dias depois, 5.370 empregados da Codesp são demitidos, com uma penada de
Collor, provocando a reação imediata dos trabalhadores do setor e da Prefeitura, que apóia a greve geral na cidade, deflagrada em 28 de fevereiro.
Santos parou em solidariedade aos trabalhadores de seu porto, resgatando a tradição de vanguarda
sindical. Desde o governo de João Goulart, na década de 60, não ocorria um movimento de tal envergadura: os
noticiários davam conta de que mais de 10 mil pessoas compareceram à manifestação no centro da cidade. Uma vitória histórica. O governo recua.
Mas o PL-8 prossegue sua trajetória na Câmara dos Deputados. É analisado pelas comissões de Trabalho,
Justiça e Transportes. Recebe emendas.
Os trabalhadores acompanham passo a passo este caminho. Com o surgimento do PL-8, a gestão de Ricardo
Vilarinho no nosso sindicato vai alcançar seu ponto alto. É ele quem inicia a luta contra a tal de modernização nos moldes pretendidos pelo
projeto do governo.
Aproveitando a mobilização da categoria, Vilarinho articula uma chapa para concorrer à eleição, em
agosto de 91. Contrário à reeleição, ele então indica Ademir Soares Silva, que se desatacava nas negociações sobre o PL-8. Ricardo Vilarinho seria o
secretário na chapa. Em troca do seu apoio, queria escolher o tesoureiro para o novo mandato. Era uma maneira de manter o controle da entidade.
Ademir Soares não aceitou a tutela e retirou-se de cena. A chapa desfez-se. Como Vilarinho recusou-se
a formar outra, o sindicato corria o risco de ficar sem direção, justamente quando não só os conferentes, mas todos os trabalhadores avulsos,
estavam ameaçados de extinção, em função do PL-8.
Para evitar este vácuo na direção sindical, foi aberto um novo prazo para inscrições de novas chapas,
pois outros concorrentes também haviam desfeito suas composições anteriores, para se juntar a Vilarinho e Ademir Soares.
Apenas uma chapa se inscreve para concorrer à direção do sindicato e seu coordenador recebe grande
apoio da categoria. Por isso, a partir de outubro de 91, é José Tarciso Florentino da Silva que irá guiar os conferentes neste percurso. É ele que
vai acompanhar, no Congresso, a tramitação do projeto.
Mais uma vez nos deparamos com José Reinaldo Tavares, ex-ministro do governo de José Sarney, que em
maio de 92, na função de relator de uma comissão especial da Câmara dos Deputados, apresenta um substitutivo ao PL-8 que não contém as propostas dos
trabalhadores.
Foi quase um passe de mágica. Em poucos segundos, por manobra do então presidente da Câmara, Ibsen
Pinheiro, é aprovado um substitutivo que não era o que os dirigentes sindicais negociavam desde a noite anterior e que deveriam prosseguir na manhã
daquele dia surpreendente. O documento é encaminhado ao Senado, debaixo de protestos e paralisação dos portuários.
Os senadores passam a ser o novo alvo das nossas reivindicações e, através da Comissão de Justiça da
Casa, modifica-se 33 artigos do projeto, mantendo a exclusividade da distribuição de mão-de-obra avulsa com os sindicatos, que também teriam
paridade no Órgão Gestor de Mão-de-Obra previsto no projeto. Os sindicatos também apresentam emendas para serem discutidas pelos senadores: 30
destas propostas passam a ter prioridade. Propõe-se, inclusive, que o PL-8 fosse substituído pelo Contrato Coletivo de Trabalho.
Conseguimos mais uma vitória parcial em janeiro de 93, quando lideranças partidárias no Senado aprovam
o PL-8 com a paridade entre trabalhadores e empresários no Órgão Gestor e criam o Contrato Coletivo de Trabalho. Na verdade, estabelece mesmo uma
dependência da implantação do Órgão Gestor ao estabelecimento do Contrato Coletivo, onde estariam os parâmetros mínimos para a organização do
trabalho.
Mas a alegria é passageira. No mesmo mês de janeiro, a Câmara aprova o projeto de lei, só que sem as
emendas propostas pelo Senado. Em fevereiro, o PL-8 transforma-se na lei 8.630, que segue para ser sancionada pelo presidente
Itamar Franco.
A cidade mobiliza-se contra a nova lei. O Fórum Sindical de Debates, a União Municipal dos Estudantes
Secundaristas, o Centro dos Estudantes de Santos, a Liga Universitária Santista de Esporte, Prefeitura e sindicatos pressionam para que os pontos
polêmicos da lei sejam vetados pelo presidente. "Acorda Santos" é o slogan da campanha.
A data limite para que Itamar decida sobre o futuro dos portos é 25 de fevereiro, quando os
trabalhadores decidem parar as atividades à espera do resultado que sairia do Planalto.
E chegam as notícias, em parte, boas novas. Itamar Franco sancionaria a lei, mas com vetos. Detectara
"ausência de equilíbrio" no projeto: "Beneficia demais os empresários, na mesma proporção que a
anterior favorecia os portuários".
Do outro lado, as entidades empresariais também pressionavam, argumentando que só a sanção sem vetos
garantiria a modernização.
Ao poder econômico das empresas diretamente interessadas juntaram-se, no processo, esforços de outros
setores ligados à exportação e importação e os próprios deputados admitem jamais ter visto tão abrangente e poderoso lobby em ação no
Congresso.
Estávamos em meio ao tiroteio, novamente. Mas o presidente da República parece demonstrar boa vontade.
Itamar convida o prefeito santista, David Capistrano Filho, para debater a questão com os ministros Walter Barelli (do
Trabalho) e Alberto Goldman (dos Transportes). Capistrano pede que seja vetado o artigo 18, que cria o Órgão Gestor de Mão-de-Obra, alegando que
este poderia trazer desemprego.
Goldman diz que a redução do número de empregos "será momentânea", podendo ser aproveitada em outros
segmentos da economia. Estávamos novamente diante da promessa eterna de crescimento econômico, estabilização etc.
Na noite de 25 de fevereiro de 1993, Itamar Franco veta quatro artigos da lei: 46 (dragagem pela
União, sem ônus para as empresas), o 7 (dispensava de taxas e tarifas adicionais as instalações portuárias que ficassem fora da área dos portos), o
67 (tratava dos empréstimos para formar o FUndo de Indenização) e o 72 (igualava os trabalhadores de capatazia com vínculo empregatício e avulsos).
Não atendera a reivindicação de Santos.
Numa tentativa de acalmar os ânimos, surgem os paliativos. O presidente concorda em criar uma Câmara
Setorial dos Portos, para debater a questão; o ministro do Trabalho fala em convênio com a Prefeitura santista, para instalação de uma escola de
reciclagem dos trabalhadores portuários. De repente, parecia que os homens estavam dispostos a despejar uma tonelada de boas ações sobre nossas
cabeças.
Em seminário organizado pela Prefeitura, o presidente da Associação Brasileira dos Terminais
Privativos, Vilen Mantelli, afirmara que com a sanção da lei de modernização dos portos, a receita das exportações brasileiras deveria aumentar de
30 para 50 bilhões de dólares, em cinco anos. Em função disso, o empresariado estaria disposto a destinar 90 milhões para o Fundo de Indenização
para o Trabalhador Portuário Avulso. A quantia era suficiente para indenizar 6 mil trabalhadores em todo o Brasil, com o cancelamento das matrículas
sindicais feitas até 31 de dezembro de 89.
Pela proposta, permaneceriam atuando cerca de 14 mil avulsos, além dos 20 mil portuários empregados na
administração. "Os trabalhadores portuários serão prejudicados, se não for fechado em três meses o contrato coletivo, apressou-se em dizer o
ministro do Trabalho, Walter Barelli.
No entanto, o Órgão Gestor de Mão-de-Obra entraria em vigor naquele mesmo mês de fevereiro. Não
interessava aos empresários gastar energia com o Contrato Coletivo. Para quê? No Órgão Gestor eles teriam a maioria e dariam as cartas, tudo isso
graças à "boa ação" de alguns deputados. Diante dos fatos, o jogo estava trucado, outra vez. A lei da modernização dos portos não se
estabelecia na prática.
Inicia-se um processo de negociações visando a um pacto entre as partes envolvidas. A Associação do
Comércio Exterior do Brasil cria um Comitê de Portos, com empresários encarregados de negociar com trabalhadores e governo. Em Brasília,
sindicalistas representantes dos avulsos discutem a questão. Na capital paulista, o jornal Gazeta Mercantil prepara um fórum nacional de
debate, enquanto encontros regionais vão se sucedendo.
A crítica aguda do cartunista Lauro Freire, em O Conferente de abril de 92
Imagem publicada com o texto
Chegamos a abril de 93 e, após 22 reuniões entre trabalhadores e empregadores, o impasse permanecia.
Há um prazo para implantação do Contrato Coletivo: 27 de maio. "Os empresários estão protelando", denuncia o presidente da Federação Nacional dos
Estivadores, Luiz Braga. Surge, então, mais um órgão para tentar acelerar a implantação da lei, a Câmara Setorial. Há, ainda, uma Sociedade Privada
para o Desenvolvimento do Completo Portuário Paulista.
O jogo não se altera. Em suas organizações, os empresários insistem em culpar os trabalhadores por
todos os males que abatem os portos. Megalomaníacos, sugerem grandes investimentos no porto de São Sebastião e a construção de um complexo portuário
em Cubatão. O seminário da Gazeta Mercantil serviria de palco para todas estas "boas intenções". Não passa, claro, de jogo de cena. Se
o porto de Santos pudesse ser substituído como principal porto paulista isso já teria acontecido há muito.
Que espécie de interesse pela Nação é este? Com o País em crise, sem dinheiro para investir, e eles
falando em grandes obras? Por que não aproveitar a infra-estrutura já existente? O presidente do Sindicato dos Conferentes, José Tarciso, levantava
estas e outras perguntas, colocando em dúvida a dimensão real do interesse empresarial pelo Brasil, por Santos e seu porto.
O que era mais barato: investir em Cubatão e São Sebastião ou em
guindastes para o porto de Santos? Por que não priorizar o porto santista, usando totalmente este espaço que tem 54 berços, aumentando a
rotatividade de navios?
Com problemas de acesso rodoviário e ferroviário e sem espaço para as atividades de retroporto, São
Sebastião só tinha como vantagem o fato de ser um porto de canal, sem problemas de dragagem. Mas será que a dragagem tem um custo tão alto que não
possa ser realizada em Santos, como investimento para acabar com a ociosidade do porto?
Com relação a Cubatão é a mesma coisa. Seria necessário aterrar o mangue, com prejuízos para o
meio-ambiente. Por que não investir na construção, sem maracutaias, do cais do Valongo/Paquetá? Seria um novo porto, mas numa área onde há três
rodovias, duas ferrovias e estrutura retroportuária. Era só construir o píer.
Bem, as propostas vindas dos trabalhadores eram muitas, demonstrando que não eram o bicho-papão, como
queriam fazer parecer os empresários.
Se o exemplo a ser seguido era o do primeiro mundo, os trabalhadores lá estavam para conhecer a
realidade. Em São Francisco (Estados Unidos), Mário Teixeira e Luiz Braga, respectivamente presidentes das federações dos avulsos e dos estivadores,
participam, em abril, da Conferência dos Trabalhadores Portuários da Costa do Pacífico, além de visitarem o porto local. Constatam a predominância
do sistema de trabalho avulso e do contrato coletivo. Lá, a modernidade tecnológica convive com justiça social. Há paridade na direção dos portos.
Aqui no Brasil os trabalhadores buscam este caminho, mas o impasse continua. Após terem perdido a
paridade no Órgão Gestor, a instalação do Conselho de Administração Portuária, previsto na Lei 8.630, torna-se a chance da participação de todos os
interessados na direção dos portos.
Em Santos, este Conselho é empossado em 21 de julho, quando representantes dos trabalhadores,
empresários e poder público (União, Estado e Município) firmam um acordo para traçar o futuro do porto. No entanto, os empresários continuam
emperrando o Contrato Coletivo.
Nosso presidente, José Tarciso, integra o Conselho como representante dos trabalhadores avulsos e
também a comissão que negocia o acordo coletivo nacional, que servirá de base para a elaboração dos acordos regionais posteriores.
Os debates agora centram-se em questões diferentes, como produtividade, novas tecnologias, e nossa
maior moeda de troca é o preparo para enfrentarmos esse novo período.
O ano de 1994 terminou com o porto e Santos marcando um recorde histórico de movimentação, com mais de
34 milhões de toneladas. A produtividade dos trabalhadores alcança níveis inesperados pelos adversários.
Ganham força nossos argumentos de que o gargalo produtivo está nos equipamentos, métodos
administrativos, sistemas de movimentação de cargas.
Duas eleições importantes para os conferentes aconteceriam naquele ano. A primeira, do presidente da
República; a segunda, da direção do nosso Sindicato.
Desde julho, a economia do País estava relativamente equilibrada e a inflação desabara para níveis
suportáveis com o Plano Real, elaborado sob o comando do ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso.
Isso facilita sua vitória, já no primeiro turno, reafirmando o caminho que vinha sendo adotado - entre
outros está o compromisso de colocar em prática a lei dos portos. O futuro é incerto.
No Sindicato, são necessários dois turnos, com quatro chapas competindo. Vence o próprio José Tarciso,
reeleito para um período que, de antemão, já se afigurava tenso e complicado. Desde a aprovação da lei 8.630, a rigor, os trabalhadores avulsos já
não estavam amparados por qualquer legislação - o texto da própria lei dos portos revogava as leis especiais de proteção, caso da Lei dos
Conferentes, nossa velha "carta de alforria". Evidente o risco de voltarmos ao passado de um "exército de mão-de-obra fora da lei".
1995 principia sob o signo da dúvida e de um endurecimento sensível em relação ao movimento sindical.
Em relação aos portos, as ações são inesperadas em vários casos. Por exemplo, quando o governo federal
muda seus representantes nos principais Conselhos de Autoridade Portuária - CAPs -, entre eles, o de Santos. Nomeia, em cada um deles, o capitão dos
portos local que, conforme define a lei, passa a presidir o Conselho.
Cria ainda um Grupo Executivo de Modernização dos Portos - Gempo, com a finalidade de acelerar a
implantação da lei. Coloca a secretaria executiva do Grupo nas mãos do contra-almirante José Ribamar Miranda Dias.
Argumenta, frente ao espanto causado pelo que parece ser a entrega da questão aos militares, que foi
essa a forma encontrada para evitar que qualquer dos lados em conflito, trabalhadores ou empresários, tivesse prevalência nas decisões.
Uma portaria, a de nº 95, do Ministério dos Transportes, altera os limites do porto organizado de
Santos, o que significou, na prática, a liberação dos terminais privativos da Cosipa e da
Ultrafértil, há pouco privatizados, para operação com cargas diversas, sem atender os requisitos estabelecidos
das relações de trabalho. E mais uma ameaça que permanece pairando sobre a cabeça dos avulsos.
O Órgão Gestor de Mão-de-Obra - OGMO - de Santos é instalado, sob protesto dos estivadores e avulsos e
dos setores sociais que se preocupam com a possibilidade do desemprego e da crise social.
Durante todo o período, também para os patrões as coisas mudaram. O Sindicato Nacional que os
representa é virtualmente desmontado, para surgirem sindicatos estaduais, reunidos agora na Federação Nacional dos Operadores Portuários - Fenop.
É com base na legislação sindical, que exige autorização dos sindicatos regionais para que a Federação
possa negociar em seu nome, que os operadores portuários escusam-se de negociar nacionalmente o acordo de garantias mínimas previstas na própria
lei. "Não temos autorização dos sindicatos para negociar", sustenta a Fenop.
Uma greve nacional de dois dias, em março, consegue paralisar totalmente todos os portos brasileiros,
exigindo a abertura de negociações nacionais, mas não resolve o impasse. Mostra força do movimento dos trabalhadores dos portos, mas é só isso.
O caso vai parar no Tribunal Superior do Trabalho - TST -, que vinha tendendo a sentenças políticas
cada vez mais freqüentes. Sua sentença, declarando-se incompetente para decidir a questão, sinaliza por entendimentos regionais.
Dentro da própria categoria há divergências. Um grupo de 144 conferentes havia ingressado com uma ação
no Supremo Tribunal Federal - STF -, pedindo a declaração de inconstitucionalidade da lei 8.630; há discordâncias quanto ao termo a ser empregado em
relação às negociações de garantias mínimas - segundo essa visão, a figura do "Contrato Coletivo de Trabalho" não teria amparo legal, o que
facilitaria a supressão de direitos adquiridos.
O STF arquiva a ação, mas em sua sentença reconhece a existência de direitos adquiridos.
Na prática, entretanto, uma Medida Provisória, a de número 1.053, estabelece a desindexação dos
salários e revoga artigos da lei 8.542, que desde 1992 previa que os itens da convenção ou acordo coletivo vigente seriam os patamares para a
celebração do acordo ou convenção seguinte.
Isso significava, apesar dos protestos gerais, que, a cada acordo, tudo teria de ser novamente
discutido e confirmado. Ou seja, estavam equiparados acordos, convenções ou contratos coletivos. A regra tornara-se única.
Em julho, os conferentes tomam uma decisão audaciosa: aprovam em assembléia a abertura de negociações
regionais com o Sindicato dos Operadores Portuários do Estado de São Paulo - Sopesp. Aprovam na condição de que sejam discutidos itens que não
interfiram na negociação de garantias mínimas nacionais para as categorias avulsas.
O presidente José Tarciso já trabalhava nesta perspectiva há alguns meses, entendendo que seria esse o
caminho a ser adotado.
Durante um seminário promovido pela Prefeitura de Santos, num painel sobre a questão trabalhista,
defende o caminho regional e, em sua conferência, lança as bases do que seria necessário estabelecer através de negociações.
As dúvidas ainda eram muitas naquele final de julho, quando iniciamos as conversações. O Porto de
Santos estava sob intenso questionamento de sua qualidade e custos - sobre as costas dos trabalhadores, mais uma vez, lançava-se o peso da
ineficiência. |