HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS -
OS IMIGRANTES
A colônia portuguesa (2)
Beth Capelache de Carvalho (texto) e equipe de A Tribuna (fotos)
Bordadeiras da Ilha da Madeira, uma tradição dos morros
Nos morros, como em Portugal
No Morro de São Bento, há grupos de portugueses "dos antigos" conversando em cadeiras
trazidas à calçada, em frente das casas, nos bares, em frente à Capela de Nossa Senhora da Assunção. Quase não se entende o que falam, pois sua
pronúncia, típica, é difícil de ser acompanhada pelos que vêm "de baixo". Mas todos eles, por mais antigos que sejam, como o Zé do Mato, que vive
pelos bananais, sempre chegaram pelas mãos de outros, que descobriram o morro antes. No São Bento há muitos chiqueiros de
porcos, como na Nova Cintra, e há também bordadeiras, como dona Maria, que, como todas as outras, trabalha apenas para "umas
mulheres e uns homens", de São Paulo. Ela ganha Cr$ 1.500,00 por um jogo de lençol com bordados da Ilha da Madeira, em crivo, que levam cinco dias para
serem feitos.
O primeiro português a chegar ao Morro da Nova Cintra veio com
Martim Afonso de Sousa, e era conhecido como João dos Padres. Mais tarde, ali foi se formando um pequeno núcleo
agrícola: outros portugueses foram chegando e implantaram suas chácaras, até que o local tomou forma de típica aldeia portuguesa. E foram os portugueses
que transformaram o nome indígena - Tachy (escorregadio) - em Tachinho, porque a lagoa assemelhava-se a um imenso tacho de água.
Outro português, José Luís de Matos, teria batizado o morro de Nova Cintra, e o lago,
de Lagoa da Saudade. O primeiro caminho de ligação com os outros morros também foi aberto pelos moradores portugueses e chamado de Caminho dos Ilhéus -
porque quase todos vieram da Ilha da Madeira, e ali se fixaram com suas plantações de
cana-de-açúcar, milho e banana, com seus alambiques e com seus chiqueiros de porcos.
É interessante, inclusive, a semelhança do tipo de formação habitacional ali existente com as terraças da
Ilha da Madeira que, segundo dizem, tem até o mesmo tipo de vegetação que se encontra na
Nova Cintra. Isso explica a preferência dos ilhéus pelo morro. Alguns chegaram, subiram e nunca mais desceram, pois lá
encontraram tudo o que precisavam.
Dos quase 38 alambiques que chegaram a funcionar no Morro da
Nova Cintra, hoje existem apenas dois. Mas ele mantém a tradição da pinga tipo morrão, aperfeiçoada pelos ilhéus e
descendente da marca Morrão da Nova cintra, famosa entre os apreciadores mais exigentes. Até hoje, muita gente sobe o morro especialmente para ir buscar
a pinga produzida nesses alambiques, pelos filhos dos portugueses que os levantaram.
Já os chiqueiros, esses são incontáveis. A produção é vendida para o Itapema, a Vila
Progresso e vários particulares. Os produtores orgulham-se da qualidade de seus animais, que também fornecem adubo natural para as plantações de
cana-de-açúcar e banana.
Bordados, só para fábricas - São famosos os bordados da Ilha da
Madeira produzidos no Morro da Nova Cintra. Mas, hoje em dia, as dezenas de bordadeiras portuguesas e as poucas
brasileiras preferem trabalhar para as fábricas e as grandes lojas paulistas. É que um bordado, atualmente, custa uma fortuna, mas ninguém quer pagar
bem para as bordadeiras.
D. Carolina, a única que ainda aceita encomendas particulares, é uma das mais antigas rendeiras da
Nova Cintra, onde chegou há 19 anos, embora esteja no Brasil há 25. Já fez várias exposições, promovidas pela Secretaria de
turismo, mas hoje prefere andar com mais calma: "Pano e linha estão muito caros, só o trabalho da bordadeira passou a valer bem pouco".
D. Carolina adora o morro: para ela, é como Portugal. Aliás, lá ela ainda tem sua mãe, muito velhinha, mas que
se lembra com carinho do Brasil, onde morou por muitos anos. E em Freguesia de Santana (Funchal),
onde mora, a mãe de d. Carolina costuma cantar uns versinhos levados de Santos e de sua mocidade:
Nunca deve ser abandonada
A Santa Casa de Santos
Sempre pronta a aceitar
Seus filhos pretos e brancos
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Nos alambiques da Nova Cintra nasceu a pinga morrão
Formando médicos e administradores
A necessidade de se criar uma fundação que promovesse o ensino foi discutida pela primeira vez a 22 de abril de
1964, quando a comunidade portuguesa da Baixada entregou o Pavilhão Lusíada à Cidade da Criança. O idealizador do movimento foi o médico santista
Eduardo Dias Coelho, filho de portugueses e fundador também do Elos Clube.
Dois anos depois, a 13 de abril de 1966, a idéia se transformou em realidade, com a assinatura da ata de criação
da Fundação Lusíada, durante solenidade realizada na Associação dos Médicos. As pessoas que assinaram esse documento são consideradas fundadoras, e
contribuíram com Cr$ 1 mil cada uma.
A primeira unidade da Fundação Lusíada foi a Faculdade de Ciências Médicas, que iniciou suas atividades a 2 de
setembro de 1967 e foi reconhecida em julho de 1973. Primeiramente, a faculdade funcionou no prédio da fundação, na Rua Armando de Salles Oliveira, e
hoje ocupa instalações construídas especialmente para abrigá-la, ao lado do Hospital Guilherme Álvaro. Possui um hospital-escola e é uma das raras
faculdades de Medicina que oferecem internato no 5º ano, com clínicas médica, pediátrica, ginecológica, cirúrgica e obstétrica. Tem 720 alunos e já
formou 13 turmas de médicos.
Segunda unidade da Fundação, a Faculdade de Administração de Empresas iniciou suas atividades a 2 de setembro de
1969, e foi reconhecida em junho de 1974. Já formou 10 turmas e tem vagas para 220 alunos. Possui um centro de computação e um escritório-modelo.
A Fundação Lusíada, que este ano abriu também o Colégio Lusíada, para segundo grau, já teve três diretores:
Eduardo Dias Coelho, instituidor, fundador e grande benemérito (de 1967 a 1970); Rubens da Silva (de 1971 a 1973); e Eraldo Aurélio Franzese, que hoje
está em seu quinto mandato (de 1973 até agora).
A Lusitana, entre as tradicionais empresas transportadoras:
"O mundo gira, a Lusitana roda"...
Presença familiar
Desde a fundação, com a penetração dos primeiros colonizadores, até o presente, a influência portuguesa em
Santos tem sido constante. Sucessivas gerações dos pioneiros, e mais os que foram chegando ao longo dos anos, contribuíram para o progresso da Cidade,
que nunca deixou de receber influências da cultura lusitana.
Em 1871 foi feito um recenseamento que acusou a presença de 1.577 estrangeiros moradores na Cidade, que na época
possuía 7.585 habitantes. Desses, 931 eram portugueses, 255 africanos, 137 alemães, 75 franceses, 35 norte-americanos, 31 ingleses e 18 italianos. Outro
recenseamento, de 1913, encontrou, entre 88.967 moradores de Santos, 23 mil portugueses, 8.291 espanhóis, 3.164 italianos, 911 turcos, 651 japoneses,
478 alemães, 309 ingleses, 226 austríacos e 218 franceses.
Atualmente o IBGE não possui dados desse tipo, mas sabe-se que a maioria de estrangeiros ou descendentes que
moram em Santos é de origem portuguesa. E os costumes, a língua, as tradições religiosas que trouxeram de sua terra acabaram por integrar-se aos
costumes da região.
Foram os portugueses os primeiros plantadores de cana-de-açúcar e os primeiros a
explorar o cultivo da banana; estiveram entre as primeiras turmas de trabalhadores da Companhia
Docas de Santos; foram cobradores e motorneiros dos primeiros bondes da Companhia City e os
primeiros funcionários da São Paulo Railway Co.
Mais tarde, dedicaram-se ao comércio e formaram o maior número de proprietários de padarias, bares, quitandas,
vendas e, recentemente, supermercados (as redes Peralta, Eldorado e Pão de Açúcar, que são as principais de Santos, pertencem a grupos portugueses).
Aliás, diz a tradição que no comércio os portugueses são muito bem sucedidos, havendo um número irrisório de falências ou fracassos nos seus
estabelecimentos.
Pelo menos dois barros de Santos têm nomes de portugueses: a Vila Mathias, que
homenageia Mathias Costa, proprietário da área onde formou-se o bairro, e que em 1890 doou terrenos à Prefeitura para a abertura de ruas (uma delas a
Av. Ana Costa, nome da esposa de Mathias Costa); e o Macuco, nome proveniente de Francisco Manoel do
Sacramento, proprietário de terras daquela região, apelidado de Macuco por ter o hábito de caçar o pássaro desse nome, abundante em suas
propriedades.
Há ainda dois morros cujos nomes se devem à presença de imigrantes portugueses: Nova
Cintra e São Bento. E também o Bairro de Alemoa, situado em terras de alemães, teve seu nome
originado na pronúncia com que os portugueses falavam a palavra alemã, ao se referirem à viúva proprietária dos terrenos.
A Cidade está cheia de estabelecimentos comerciais, ruas, praças e avenidas, cujos nomes lembram a presença dos
lusitanos. Nos esportes, a Portuguesa Santista e o Clube de Regatas Vasco da Gama foram criados por cidadãos portugueses. E há até uma agência de
turismo - a Vasco da Gama -, que funciona em razão da enorme colônia sediada em Santos.
Uma agência de turismo que surgiu em função da colônia
Veja as partes [1] e [3] desta matéria
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