A história do Coliseu
A história oral, técnica e moderna de resgate do passado possibilita um exercício de
memória e de reflexão para aquele que se dispõe a dar o seu valioso depoimento. Quando deslocamos o foco do nosso olhar para o passado
experimentamos certa estranheza, frente a fatos e situações que, muitas vezes, nos passaram despercebidos, pelas transformações dos costumes, do
modo de pensar, enfim, de tudo aquilo que fazia parte do nosso cotidiano. Assim, os depoimentos sobre o teatro em Santos, pelos envolvidos direta ou
indiretamente na construção do espetáculo ou mesmo pelos espectadores, constituem acervo de consulta indispensável para estudar e escrever a
história desta cidade.
Direcionamos o foco de luz para o Coliseu.
A Cia. Coliseu Santista inaugurou, em 1887, um velódromo de
madeira que veio a desaparecer em 1903. No mesmo local, em 1909, surgiu a Companhia Coliseu Santista. Construção de
madeira, servia para apresentações culturais e manifestações políticas.
O Coliseu que conhecemos foi inaugurado em 21.06.24, com o nome
de Teatro Coliseu Santista. Moderno, luxuoso e confortável, veio preencher uma lacuna na cidade, uma vez que o Teatro Guarany
não atendia a exigências da época.
Construído em estilo neoclássico eclético, possui também
elementos art-decô (escadarias e sanitários) e art-nouveau (luminárias, poltronas e portas).
A acústica era excepcional, graças ao recurso técnico do
espelho d'água sob o palco, permitindo que a voz do ator, mesmo em tom baixo, fosse ouvida por todos.
Para a construção do teatro, o empreiteiro Ciríaco Gonzalez
mandou vir mão-de-obra especializada de Portugal e Espanha, especialmente na fase de acabamento. O ferro da estrutura veio da Inglaterra, o cimento
e o mármore de Carrara, da Itália, e as telhas de Marselha na França.
Na inauguração, foi representado A Bela Adormecida,
libreto do dr. João Kopke e partitura do dr. Carlos de Campos, presidente do Estado de São Paulo. A festa de inauguração terminou, como conta a
revista Novidades de junho/julho de 1924, "com um seleto baile a que compareceu o set santista".
O teatro possuía salão com 11 largas janelas, seis portas com
vitrais, 39 lustres distribuídos por entre colunas dóricas, cortinados e luxuosas tapeçarias confeccionadas pela Casa Alemã. Dispunha, também, de 35
camarins, salão de cenografia, salão de ensaios, de contra-regra, cabine elétrica, depósito para material, instalações sanitárias, seção de
vestiário e bufê.
A sua capacidade era assim distribuída: 600 poltronas, 225
poltronas de foyer, 27 frisas, 27 camarotes de primeira classe, 25 camarotes de segunda classe, 220 balcões, 110 galerias numeradas, 600
gerais.
Ao todo eram 2.300 lugares, contando com o salão de festas e
foyer. O vão entre o palco e a platéia foi executado conforme o sistema wagneriano, comportando uma orquestra com cem músicos.
As paisagens e as cenas lúdicas foram pintadas por Adolfo
Fonzani. Esse artista italiano estudou no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo e sua primeira exposição só veio a ocorrer em 1830
(N.E.: SIC: foi em 1930), em São Paulo.
Perfil da Época
– Na década de 30 passou a funcionar também como cinema. Na década de 40 atingiu seu apogeu, recebendo grandes companhias de revistas e óperas.
Cinemas contemporâneos do Coliseu na década de 40: Roxy, Cassino, Paramount, Astor, Miramar, Carlos Gomes, Paratodos. Estes
cinemas também abriram espaço para a apresentação de peças amadoras com finalidade beneficente.
Entre os filmes exibidos naquele ano pelo Coliseu estavam:
Era uma vez 2 Valentes, com Stan Laurel (o Margo) e Oliver Hardy (o Gordo); A Sereia das Ilhas, com Bing Crosby e Dorothy Lamour; No
Tempo das Diligências, com John Wayne; O Homem Imortal, com Boris Karloff; O Mágico de Oz, com Judy Garland; Nos Bastidores de
Londres, com Charles Laughton e Vivien Leigh; O Astro do Tango, filme argentino com Hugo de Carril.
Em janeiro de 41, o Coliseu apresentava Baby Revista,
direção de Dindinha Sinhá, coro e orquestra sob a direção do maestro Gomes Cruz. A atriz foi Aracy L. Castilho.
Em março de 41, a companhia Dulcina/Odilon fez temporada em
Santos. No repertório as peças Cara ou Coroa, Os Homens Preferem as Viúvas, Sinhá Moça Chorou e outras.
Na década de 50, o teatro vai perdendo sua importância. Em 1967
começou a ser descaracterizado com a demolição dos fundos do teatro (camarins e oficinas) para a construção de um posto de gasolina.
Na década de 70 a exibição de filmes pornográficos revelava a
decadência cultural do teatro e da Cidade.
Preservação
– Na década de 80 intensificou-se o movimento pela preservação desse importante patrimônio. Para impedir a demolição do Coliseu foi enviado, em 31
de julho de 1982, abaixo-assinado ao arquiteto Ruy Ohtake, então presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e
Turístico do Estado (Condephaat). Estava aberto o processo de tombamento, que foi concluído em 1989.
Em 1992 foi considerado de utilidade pública. Em fevereiro de
1993 o imóvel passou a pertencer à Prefeitura da cidade através de desapropriação negociada com a família Freixo.
Pelo Coliseu passaram grandes destaques do cenário artístico
nacional e internacional.
Entre eles Rubinstein, Guiomar Novais,
Bidu Sayão, Conchita de Moraes, Dulcina de Morais, Vicente Celestino, Cacilda Becker, Bibi Ferreira, Itália
Fausta, Villa Lobos, Carmen Miranda, Oscarito, Procópio Ferreira, Paulo Autran, Maria Della Costa.
Pesquisa de Heraldo Vicente.
Meu contato com o teatro aconteceu em
1926 ou 27, quando eu era menina e assisti no teatro Coliseu A Ceia dos Cardeais, de Júlio Dantas, com o grande ator Chaby Pinheiro e o magnífico Leopoldo Fróes.
Em 1936, recém casada, assisti
Bebezinho de Paris, com Dulcina e Odilon, que era advogado e contra-parente de nossa família. Era uma peça livre, 'boulevard', mas me
marcou muito porque foi a primeira que assisti depois de casada.
Sobre a 'Dama
das Camélias', apresentada por Sarah Bernhardt no Guarani, correu uma versão de que em determinado monólogo ela olhava-se num espelho cravejado
de brilhantes, que refletia na platéia. Os 'coronéis' presentes disseram que ela lhes fazia sinais. Ah! a pretensão dos homens.
Sobre José do Patrocínio, conta-se
que quando ele esteve no Teatro Guarani falando sobre a campanha abolicionista, um escravo ficou tão comovido que veio beijar-lhe os pés. Quanta
coisa esse teatro guarda de lembranças artísticas e históricas.
Sempre me interessei por teatro, principalmente pela
história do teatro, e fiz alguns cursos como o organizado pelo professor Carranca no jornal
A Tribuna, ministrado por Paulo Mendonça, Décio de Almeida Prado, Miroel
Silveira, Sábato Magaldi e outros.
Em 1963, no Tênis Clube de Santos,
em meu curso de desenvolvimento da personalidade, trouxe Milene Pacheco para dar aula de dicção. Parece-me que veio também Natália Timberg, mas não
tenho certeza.
Sou vice-presidente do Centro de Expansão Cultural, que
completa 46 anos e foi fundado por Guiomar Fagundes, Miroel Silveira, Zezé Lara, meu marido Homero Leonel Vieira e eu. Durante esse tempo todo o
Centro de Expansão trouxe muitas peças para Santos.
Quando Júlio Dantas esteve aqui em Santos, Zezé Lara, que
foi a primeira mulher a tirar carta de motorista na cidade, serviu-lhe de cicerone.
Vi Cacilda Becker estrear como bailarina na
Dança do Fogo, no Coliseu. Quem a encaminhou para o teatro foi Miroel Silveira. E uma mágoa que tenho é a ingratidão de Santos com
Miroel Silveira e sua família. Era teatrólogo, escreveu peças, romances, era diretor de teatro e nunca foi homenageado. Doutor em teatro, era
professor da USP, com livros premiados, um currículo maravilhoso e amava Santos.
Lembro-me de
A Comédia do Coração, do santista Paulo Gonçalves, dirigida por Miroel, com
Dulcina e Suana Negri, que representava a paixão. Toda a 'mis-en scène' era em vermelho, porque a ação se passava dentro do coração.
Com a companhia de Dulcina de Moraes, da qual fazia parte
sua mãe, a atriz Conchita de Moraes, assisti aqui em Santos: As Árvores Morrem de Pé, Bodas de Sangue, de Garcia Lorca; Chuva, de Somerset Maugham. Com Cacilda Becker assisti
Pinga Fogo, Desejo, de Eugene O'Neil, Maria Stuart, de Schiller.
Vi também Rodolfo Mayer em
As Mãos de Eurídice, de Procópio Ferreira, e Esta Noite Choveu Prata e Deus Lhe Pague, de Joracy Camargo. Nesta ultima, o menino
da peça era Horácio Gonçalves, poeta santista.
Outras peças foram
Do Mundo Nada Se Leva, com Ruy Afonso, A Casa de Bernarda Alba, com Maria
Della Costa, Entre Quatro Paredes, de Sartre, com Tônia Carrero, Paulo Autran e a santista Margarida Reis.
A poetisa Margarida Lopes de Almeida comemorou o milésimo
recital em minha casa. Mandei fazer um bolo com dizeres de agradecimento.
Na peça
Desejo houve uma fusão do Teatro Popular de Arte, fundado por Miroel Silveira, e
o grupo Os Comediantes. Assisti Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues e a direção de Ziembinski, Come Back Little Sheba, Volta à
Mocidade com Olga Navarro e direção de Miroel.
Uma vez fui entrevistar Procópio Ferreira no lugar de minha
irmã Tereza Bueno Wolff e lhe perguntei: A fama lhe veio em bandeja de prata? A resposta rápida: "Não, veio do coração de meus fãs". Ele era todo
maneiroso, cavalheiro, de beijar mão.
Ainda no Coliseu assisti
Arsênico e Alfazema, com Cacilda Becker, Célia Biar e Ruy Afonso, Arlequim Senhor de Dois Amos, de Goldoni, Fando e Liz de
Arrabal, figurinos de Lúcio Menezes e direção de Pagu, a extraordinária Patrícia Galvão e Paulo Lara.
No teatro Atlântico vi
A Raposa e as Uvas de Guilherme de Figueiredo, com Sérgio Cardoso e não tenho
certeza, acho que foi Nídia Lícia, e do mesmo autor, Um Deus Dormiu Lá em Casa, com a companhia Tônia, Celli, Autran.
Houve um festival de teatro com a Escola de Arte Dramática
de São Paulo. Lembro de uma peça que foi encenada ao ar livre, em frente à Igreja de Nossa Senhora de Pompéia.
Procópio representou
O Tartufo, de Molière, no Cine Teatro Independência e
nada ficou a dever à apresentação que eu vi em Paris, com a Comédie Française, em relação ao ator principal, não quanto ao resto da companhia.
Também no Independência tivemos Paulo Autran em Seis Personagens à Procura de um Autor, de Pirandello e Fernanda Montenegro e
Gianfrancesco Guarnieri em Eles Não Usam Black Tie.
Paulo Autran apresentou em 1960
Liberdade, Liberdade, no Teatro Rádio Clube. Em
Édipo Rei, de Sófocles, no Colégio São José, ele contracenou com Cleide Iaconis.
No Colégio Canadá tivemos o
Auto da Barca do Céu, Inferno e Purgatório, de Gil Vicente.
No Independência, Dercy Gonçalves apresentou
A Dama das Camélias. Dou muito valor a Dercy porque ela é uma comediante extraordinária.
A primeira ópera que assisti aqui em Santos foi
Gioconda, de Fontielli, que tem a célebre Dança das Horas. Como foi a primeira vez, para mim foi um verdadeiro encantamento. Eu fiquei
em êxtase. Porque a ópera tem tudo. É um espetáculo completo. Tem a coreografia, as toaletes, a música, a interpretação. Depois assisti
La Bohème, La Traviata, Madame Butterfly, esta última com uma intérprete brasileira, Violeta Coelho Neto.
Há poucos anos assisti à
Traviata no Teatro Municipal e foi a apresentação que mais me emocionou. Os artistas não tinham a roupa adequada. Então foi preciso alugar. E
algumas tinham buracos enormes e para tapá-los colocaram flores.
Fora da ópera, Barilovski, Margarida de Almeida, Berta
Singerman. Acho que o Coliseu viveu o tempo áureo, o tempo 'belle époque' do nosso teatro.
Durante o debate após o depoimento de dª. Valentina,
foi abordado o comportamento da família e da sociedade em relação à carreira teatral e ela lembrou que Bibi Ferreira, por ser filha de um ator, não
foi aceita em colégios de freiras de São Paulo e do Rio de Janeiro. Somente em Belo Horizonte é que ela foi acolhida, tão grande era o preconceito.
Ela relembra:
Um pesadelo incrível era sonhar que se estava na
cidade sem meias, era quase como se estivéssemos semi-nuas, tão rigorosos eram os costumes da época. Mas apesar disso, foi uma época linda. Ir ao
teatro era ver um desfile de jóias, peles, roupas e chapéus, os homens corretíssimos em seus ternos escuros. Lembro-me quando era moda usar flores
nos cabelos. Eu usava camélias.
Mas é muito bom vivermos agora, num
tempo sem preconceitos. Me sinto tão mais leve e feliz!
Valentina Leonel Vieira.
Tive o prazer de assistir no Coliseu
A Ceia dos Cardeais, com Chaby Pinheiro, um grande ator português, com Leopoldo Fróes e Jaime Costa. Eu era bem pequena, oito ou nove anos. Mas
meu pai fazia assinatura para toda a temporada, tanto das companhias portuguesas como das nacionais. Íamos os três: meu pai, minha mãe e eu, na
terceira fila, lado direito, atrás dos pais de Miúda Marcelino.
Fui também ao Guarani e ao Paramount, ao lado da Igreja do
Rosário. Lembro bem das companhias de Palmerim e Ceci Medina e de Dulcina e Odilon de Moraes. Com Dulcina trabalhava também sua mãe, Conchita
Moraes, e uma irmã cujo nome me escapa. Dinorá Marzulo e Manoel Pera, pais de Marília Pera, também trabalharam para Dulcina e para Procópio
Ferreira.
Gostei muito de
Manhã de Sol, uma peça linda de Oduvaldo Viana ou Joracy Camargo e de Sinhá
Moça Chorou, ambas pela companhia de Dulcina.
As companhias vinham para Santos e ficavam um ou dois meses.
Havia sessões noturnas durante toda a semana e matinês aos domingos.
Aos domingos havia teatro amador no
Real Centro Português, do qual éramos sócios e freqüentadores assíduos. Meu pai sabia de cor
A Ceia dos Cardeais e freqüentemente, à mesa, dizia as falas e nós dávamos as réplicas.
Marília Amado Barletta.
Uma coisa que me encantou quando
assisti Dulcina na Marquesa de Santos foram os trajes, a beleza, o luxo da peça. Foi uma coisa impressionante. Meu pai tinha assinatura das temporadas
teatrais. Eram três cadeiras na segunda fila do Coliseu. Mas quando vinham as companhias de revista ele não nos levava porque eram muito fortes para
as mocinhas da época. Havia teatro amador no Real Centro Português, que nós freqüentávamos também.
Julieta La Scala.
Gostaria de registrar que não foram lembradas as companhias
de teatro de revista, como a de Walter Pinto, com guarda-roupa fabuloso e grande elenco, acompanhado de orquestra.
Um fato que não esqueço aconteceu no teatro Coliseu. Eu
estava numa frisa e Valentina na platéia. Quando ela abriu a bolsa de festa, havia luz no interior. Fiquei fascinada.
O melodrama circense teve uma parte
importante na minha vida. Eu assistia às peças e chorava tanto, tanto... Eu chegava em casa inchada de tanto chorar. Era a filha que o pai tocou de
casa, eram sempre histórias tão dramáticas! Os dramalhões de circo, eu amava. O outro circo, o do trapézio, me inquietava um pouco com o cai não
cai.
Mirka Providello.
O teatro Coliseu foi um dos primeiros teatros que
freqüentei. Era um esplendor, uma coisa fantástica, de sonho. Lá assisti Mãe Coragem, Édipo Rei com Paulo Autran, Entre Quadro Paredes, Anjo de
Pedra, Seis Personagens à Procura de um Autor, Pinga Fogo com Cacilda Becker.
Foi um período muito rico e muito
bom porque tínhamos muitas peças que eram gratuitas e o Coliseu ficava muito cheio. Quando o Plínio Marcos levou pela primeira vez
Dois Perdidos Numa Noite Suja, ao saber que a polícia estava ali, falou um
palavrão, o que me chocou muito.
Terezinha Tadeu.
Uma das peças que eu vi no Coliseu e que mais me marcou foi
Roda Viva, dirigida pelo José Celso do Oficina, num momento muito conturbado. A maioria da platéia era de estudantes. Era
um período muito forte, de grande vibração cultural. E aquela peça trouxe uma agitação para a cidade. Foi realmente um baque, uma mexida.
Alguns anos antes, outra peça que
me marcou muito e não esqueci foi Nossa Cidade, de Thorton Wilder,
pelo TEFFI, com a direção do Sofredini, em 1976.
Edvaldo Alves da
Silva
A única vez que entrei no Coliseu foi para assistir uma peça
em 1981. Era a Ópera do Malandro, acho que era um elenco de viagem.
Naquela época estavam tentando trazer espetáculos para manter o teatro vivo. Tinha vindo Paulo Autran em Pato com Laranja.
O que mais me impressionou foi a
platéia. O Coliseu estava cheio e o pessoal do meu grupo de teatro só conseguiu lugares na galeria. Fiquei impressionado com a magia do espaço, das
pessoas e a decadência do teatro, muito sujo.
Luís Carlos Gomes. |