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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ESTRADAS
História da briga rodovias x ferrovias no Brasil

 

A "vitória" dos interesses rodoviaristas no Brasil, levando ao declínio das ferrovias no país, foi o tema de uma série de reportagens publicadas pelo jornal paulistano O Estado de São Paulo, a primeira delas em 25 de novembro de 1980, página 42 (Acervo Digital Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição):

Baroneza, imagem de um passado que se quer reviver
Foto: arquivo, publicada com a matéria (cor acrescentada por Novo Milênio)

A VOLTA DO TREM - 1
Os trens de volta aos trilhos esquecidos

Levantamento das sucursais e correspondentes.

Texto final de Luiz Fernando Emediato

Apavorado com a crise do petróleo, que se arrasta desde 1974 e se agrava a cada dia, o governo brasileiro decidiu agora ressuscitar um monstro: suas arcaicas ferrovias. Trata-se de fazer movimentar à força um lerdo elefante de ferro velho, amarrado ao chão por uma malha viária de 30.300 quilômetros, que um dia já foi até maior, embora desde há muito estendida desordenadamente por regiões onde às vezes nada mais há para transportar que valha a pena.

Os prejuízos e os constantes déficits dessas ferrovias acumulam-se, anualmente, há mais de meio século. Apesar disso – ou por causa disso – o governo federal pretende investir cerca de US$ 7 bilhões, durante cinco ou sete anos, para que o sistema ressurja e assuma sua parcela no transporte interno de carga, absorvendo, em 1985, 50 milhões de toneladas transportadas pelas rodovias e alcançando, assim, uma participação de 27% (o índice hoje é apenas 16,3%) no trabalho com toda a carga operada no País.

Não será fácil atingir essa meta, pois as ferrovias brasileiras já nasceram erradas – sem planejamento, obedecendo na maioria das vezes a interesses regionais, praticamente subsidiadas pelo Tesouro e sem grandes preocupações com a qualidade da estrutura montada a partir de 1852 – e que, em grande parte, ainda sobrevive.

Os cafeicultores e usineiros do Império queriam apenas transportar café e açúcar para os portos; para os capitalistas ingleses era extremamente lucrativo assentar trilhos e trazer vagões e locomotivas para o Brasil. Esse era, então, um dos grandes negócios da Inglaterra, em pleno apogeu de sua Revolução Industrial.
Essa falta de planejamento e visão do futuro viria marcar a atribulada história de nossas incipientes ferrovias, que até hoje mantêm praticamente a mesma malha construída até o fim do Império (1/3 dela) ou até pouco antes da crise de 1929, após o que quase nada se fez para aumentá-la ou redefini-la significativamente.

Quando as ferrovias deixaram de ser um bom negócio para os ingleses, eles praticamente obrigaram o Estado a encampá-las, em condições desfavoráveis, para o Tesouro Público. É esse deficitário, enferrujado e caótico espólio que o governo pensa reabilitar desde a crise energética de [19]74.

Apesar dos problemas, que são muitos, técnicos do governo e ferroviaristas defendem a viabilidade dessa modalidade de transporte, desde que o sistema seja racionalizado, bem administrado e dedicado prioritariamente às cargas nobres: grandes volumes pesados, circulando por longos percursos. Uma saída que salvou a Estrada de Ferro Vitória a Minas, da Companhia Vale do Rio Doce, considerada uma das mais eficientes do mundo. Com seus 782 quilômetros, transporta mais da metade de toda a carga que passa pelos restantes 29.518 quilômetros do sistema ferroviário.

Não está nos planos do Ministério dos Transportes aumentar muito a extensão da malha – menos de mil quilômetros serão construídos até o final da década – nem são especialmente vultosos os recursos a serem investidos. De qualquer forma, pensa-se no reaparelhamento e na modernização da atual malha e na extinção dos trechos antieconômicos, responsáveis – ao lado do transporte de passageiros, de objetivos puramente sociais – pelos prejuízos do setor.

A série de reportagens que O Estado de S. Paulo inicia hoje pretende discutir a viabilidade dos planos governamentais, a partir da história de nossas ferrovias, seu passado, caso sejam harmonicamente integradas ao sistema de transportes. De início, uma descoberta: as dificuldades maiores são relativas à carência de recursos para investimento – ironicamente, o mesmo problema com o qual se defrontou o imperador Pedro II, quando decidiu construí-las: sem querer gastar com planos e material de boa qualidade, mandou abri-las de qualquer maneira, decretando, quase um século e meio atrás, a falência futura do sistema.

A chegada do 1º trem a Campinas, uma festa inesquecível em 1872
Imagem: arquivo, publicada com a matéria (cor acrescentada por Novo Milênio)

Em 1854, primeira linha para os barões da Corte

A primeira ferrovia brasileira surgiu em 1854, ligando a praia da Estrela, no Rio, à serra de Petrópolis, para uso dos barões da corte imperial e por insistência do visconde de Mauá, o protótipo do capitalista brasileiro do século XIX. Mas muito antes disso e bem antes que as lavouras de café paulistas exigissem ferrovias em direção aos portos do Atlântico, um empreiteiro português meio visionário comandou 600 homens que vararam a selva amazônica, desde Manaus até as cachoeiras do Bem-Querer no Rio Branco. O ano era 1820, o regente dom Pedro não havia declarado a Independência e este português queria construir uma estrada de ferro de Manaus a Roraima.

O projeto fracassou, derrotado pelas chuvas, o pântano, as endemias e as flechas dos índios. Foi uma ferrovia duplamente fracassada, aliás, pois mais de 150 anos depois a mesma rota foi ocupada por uma rodovia, a BR-174 (Manaus-Boa Vista), cujos construtores, agora com armas mais modernas, venceram não só as chuvas, mas também as doenças, a selva e os índios Waimiri-Atroari. E até hoje o Estado do Amazonas não tem uma só ferrovia, nem pretende construí-la neste século. A única inaugurada em 1912, foi a Madeira-Mamoré, de 365 quilômetros, desativada por antieconômica e substituída por uma estrada de terceira classe que aproveitou seu leito e só é transitável no verão.

As ferrovias brasileiras acompanharam o traçado dos caminhos primitivos ou das estradas carroçáveis do Império, de preferência os vales, as encostas serranas, as gargantas e os planaltos – os caminhos de penetração para o processo de civilização. Mas não obedeceram a um plano rigoroso, nem se orientaram por critérios e princípios diretores. A palavra de ordem na época, era "pressão a todo o vapor". O importante era construir ferrovias baratas no menor espaço de tempo. Por isso, o traçado da maioria delas é hoje antieconômico e precário.

A extensão das vias férreas brasileiras é mais ou menos a mesma desde o início do século, pois a construção de novos trechos equilibrou-se com a supressão de ramais deficitários. Por isso, tivemos 33.732 quilômetros em 19225, que subiram para 35.137 quilômetros em 1944, quando havia no País 48 ferrovias, passando por 2.945 estações e 720 paradas e consumido 154 milhões de KW/h de eletricidade, 22 milhões de m³ de lenha e 1 milhão de toneladas de carvão.

Eram ferrovias federais, estaduais e privadas, algumas controladas por empresários brasileiros, outras por estrangeiros, principalmente ingleses, e que, diante dos constantes prejuízos, foram abandonando a manutenção dos equipamentos de tal forma que só restava ao Estado encampar as empresas, o que nem sempre era um bom negócio, e erradicar algumas linhas, até chegar aos atuais 33.300 quilômetros.

Atualmente (N. E.: 1980) a maioria das linhas é administrada pela Rede Ferroviária Federal (RFFSA), totalizando 24.168 quilômetros; os restantes pertencem à Ferrovia Paulista S. A. (Fepasa) – 5.114 quilômetros; Cia. Vale do Rio Doce (Estrada de Ferro Vitória a Minas, 782 quilômetros); Estrada de Ferro do Amapá (194 quilômetros) e Estrada de Ferro Campos do Jordão (47 quilômetros).

A história das ferrovias brasileiras, na verdade, começou oficialmente em 1835, com um decreto do regente Feijó, após agitadas discussões políticas sobre o assunto. Em quase todo o País, havia muito preconceito contra as ferrovias: acreditava-se que elas transportariam em um mês toda a produção a ser escoada, ficando paralisadas o resto do ano por falta de carga; e também que seus custos seriam tão elevados que não valeria a pena investir nelas.

É possível que o decreto de Feijó sobre a construção de ferrovias ficasse muito tempo sem ser cumprido se não surgisse na cena brasileira a figura de Irineu Evangelista de Souza, o barão e visconde de Mauá, que nasceu pobre, trabalhou como caixeiro num armazém e aos 16 anos transferiu-se para a casa Carruthers & Cia., inglesa, da qual acabou por tornar-se sócio sete anos depois.

Mauá, cada vez mais próspero, visitou a Inglaterra aos 27 anos. Por volta de 1850, com menos de 40 anos de idade, já era um dos principais industriais brasileiros, associado com outros, nacionais e estrangeiros (foi o primeiro brasileiro a associar-se com empresários ingleses). Era um liberal nem mesmo muito bem visto pela Corte, que não simpatizava com seus ideais abolicionistas.

Apesar disso, ele cresceu tanto que, em 1857, quando já era banqueiro, o Banco Mauá, Mac Gregor & Cia. guardava quase a metade de todo o dinheiro do País, em depósitos exigíveis! Sua fama era internacional. Esse poderio haveria de acabar, mais tarde, paradoxalmente corroído pelos próprios capitais estrangeiros com os quais se associara. A maioria de suas empresas faliu e foi vendida aos ingleses, às vezes por preços irrisórios. Suas fábricas foram sabotadas, na medida em que passavam a concorrer com os exportadores europeus. E sua atitude contrária à Guerra do Paraguai acabou por destruí-lo politicamente.

Antes disso, porém, ele pôde inaugurar, a 30 de abril de 1854, a primeira ferrovia brasileira, com 18 quilômetros de extensão, ligando o Rio à serra de Petrópolis. Mauá participava do empreendimento com 40% dos capitais. Associado aos ingleses, construiu também a segunda ferrovia brasileira, a Recife and São Francisco Railway Company, o mesmo ocorrendo com a terceira, a Dom Pedro II, depois Central do Brasil, e com a São Paulo Railway, a fantástica Santos-Jundiaí, atravessando a serra para o litoral paulista, no que era considerado na época uma aventura de engenharia.

A malha ferroviária concentra-se junto à costa
Imagem publicada com a matéria (cor acrescentada por Novo Milênio)

O atraso das ferrovias, sempre em déficit

Teve início então uma verdadeira febre ferroviária. Em 1867 o Brasil já possuía 601 quilômetros de linhas. Em 1884, 6.116, e, em 1889, 9.200 construídos e mais 9 mil em construção. Em 1919, a malha ferroviária chegou a 29 mil quilômetros, que em 1928 estacionaram em 31.832 quilômetros e daí não avançaram mais durante muito tempo, devido à crise econômica de 1929. É esta a malha ferroviária que temos ainda hoje.

Na mesma época (1928), havia no País 113 mil quilômetros de rodovias, nenhuma asfaltada, quase a metade no centro do País. Também mais da metade (56%) das ferrovias estavam na região Centro, correspondendo a mais ou menos 30% do território nacional. Milhares de quilômetros de trilhos foram estendidos até o Oeste paulista, até onde os vagões subiam vazios, para voltar trazendo café, numa "aberração econômica", para os técnicos oposicionistas da época. O Tesouro garantia o déficit das empresas.

Mas, de qualquer forma, as ferrovias chegaram atrasadas ao Brasil. Quando começaram a ser construídas aqui, a Inglaterra já possuía 10.200 quilômetros de trilhos, enquanto os Estados Unidos tinham 41.900. A partir da década de 30, entretanto – e apesar da revolução que desencadearia a industrialização do País – as ferrovias brasileiras começaram a ser esquecidas, ou a perder terreno para as rodovias, pois então os caminhões transitavam com tarifa livre.

O déficit ferroviário aumentou bastante a partir de então. Rodovias são construídas com traçado paralelo ao das ferrovias, para agravar o problema. A situação catastrófica da Leopoldina Railway e da Great Western, em 1937, ilustra bem a crise de todo o sistema: naquele ano, o presidente Vargas pediu ao Poder Legislativo a concessão de empréstimos para as duas companhias que avisaram ao Estado estarem ameaçadas de falência e impossibilitadas de manter suas linhas. Eram empresas estrangeiras, com capitais ingleses e sedes em Londres, habitual credor brasileiro.

O governo já encampara várias ferrovias, e haveria de encampar, progressivamente, as restantes, sempre assumindo-as, em sua maioria, com prejuízos para o Estado e lucro para as então concessionárias e, além do mais, recebendo-as em condições vergonhosamente precárias. Vinha à tona, então, a inutilidade de alguns trechos ou de ferrovias inteiras. Como denunciava, em 1937, a revista O Observador Econômico e Financeiro, discorrendo sobre a prioridade dos interesses políticos aos sociais e econômicos, na construção da ferrovia São Luís a Teresina, no Nordeste:

"Caso eloqüente de imposição da política à téchnica é o da São Luís a Theresina, cujo traçado seria diferente se os engenheiros tivessemos tido a necessária liberdade para resolver o problema de accordo com as indicações naturaes do terreno e dos objectivos da linha projecttada. Nascendo completamente fora das condições próprias, era fatal que essa estrada ficasse sendo o que ainda hoje é: um instrumento de tortura para os passageiros e um canal intransitável para a producção".

O próprio Getúlio Vargas viajou por essa ferrovia, durante um dia e duas noites, "num trem especial único no mundo, com sua comitiva de ministros, altas patentes do Exército e uma turma de jornalistas, alojados como sardinhas em lata", havendo compreendido então "que o que havia alli era um erro político e não um engano téchnico".

E foi então que, quase meio século atrás, o governo decidiu dar atenção ao problema ferroviário – tal como acontece hoje, quando o ministro Eliseu Resende viaja de trem com sua comitiva e anuncia mais atenção para as ferrovias, diante da crise energética. Naquela época, entretanto, o que se fez foi encampar, em situações desfavoráveis e por elevados preços, ferrovias velhas e deficitárias. Em 1946, por exemplo, o governo federal encampou a São Paulo Railway, não pelo que estabelecia o contrato de concessão – "Pelo termo médio do rendimento líquido dos últimos cinco anos" -, mas aceitando como preço o capital nominal da empresa e abrindo mão de terrenos e imóveis situados em zonas grandemente valorizadas.

Foi um mau negócio para os cofres públicos, lembra o ferroviarista Emili d'Almeida Bessa, pois a antiga Inglesa estava praticamente liquidada, sofrendo concorrência da Via Anchieta, com a perspectiva de perder mais 25% de sua tonelagem com a instalação do oleoduto e necessitando caríssimas reformas no traçado e no material rodante. Um quarto de século antes, em 1920, ela já propusera a substituição deste traçado.

As ferrovias federais deram um prejuízo enorme em 1956 (Cr$ 12 bilhões, a preços da época) e a ameaça de colapso levou à sua unificação em uma sociedade anônima de economia mista, a Rede Ferroviária Federal S/A (RFFSA). Mesmo assim, o déficit continuou, apesar da supressão, em menos de 10 anos, de 6 mil quilômetros de ramais antieconômicos. Em 1967, a RFFSA tinha 125 mil empregados, número excessivo e oneroso: transportava minério de ferro com frete reduzido em 50%, para manter a competitividade da matéria-prima no mercado externo: transportava carga de graça para os Correios; nada recebia da Siderúrgica Nacional; e, dos Cr$ 400 bilhões de déficit (preços da época), a metade era gasta na manutenção de ramais deficitários ou no oferecimento de transporte de passageiros a preços subsidiados, por razões sociais ou de segurança nacional.

A crise era geral: as ferrovias paulistas, independentes da RFFSA (e ainda não unificadas na Fepasa), tiveram em 1963 um déficit de Cr$ 30 bilhões, que subiu para Cr$ 120 bilhões em 1966. Muitos dos ramais existiam apenas para que milhares de pessoas não ficassem desempregadas. E assim, em 1967, com as ferrovias em permanente caos, a tendência era sempre diminuir sua participação no transporte. Enquanto nos Estados Unidos e na União Soviética o sistema ferroviário correspondia, respectivamente, a 50% e 83,4% da rede total de transportes, no Brasil elas reduziram sua presença de 29,2%, em 1950, e para 19,2%, em 1963, até chegarem aos 16,3% atuais.

O trem noturno Porto Alegre-Santa Maria, em 1932. A partir desta época, muitos ramais foram erradicados em todo o País
Foto: arquivo, publicada com a matéria (cor acrescentada por Novo Milênio)

US$ 7 bilhões, a tentativa de reabilitação

A atenção que o governo federal prometeu dar ao sistema ferroviário não inclui a construção de novas ferrovias além das já iniciadas – a Ferrovia do Aço, a dos Carajás e da Soja, esta ainda dependendo de recursos externos -, mas tão somente a reabilitação da centenária malha de 30.300 quilômetros que o País já possui. Para isso, investirá nos próximos cinco ou sete anos US$ 7 bilhões.

Tal investimento, segundo o ministro dos Transportes, Eliseu Resende – um velho rodoviarista, construtor da Transamazônica, quando era diretor do DNER -, será suficiente para aumentar de 17% para 27% a participação da ferrovia no transporte de carga em território brasileiro, meta que seria atingida somente em 1985.

Com essa participação, argumenta o ministro, "estaremos muito próximos do quadro de transporte multimodal de países mais adiantados", como a Alemanha (que transporta 37% de sua carga por ferrovias), o Canadá (33%), a França (40%) e os Estados Unidos (38%).

O ministro esquece-se, porém, que se os Estados Unidos, por exemplo, transportam 38% de sua carga por ferrovias, não transportam o resto por rodovias, mas sim harmonicamente por estas (24,7% da carga), por hidrovias (16%) e por dutos (23,4%). E que, na União Soviética, quase a totalidade da carga é transportada por ferrovias. Na verdade, a URSS transporta, num sistema ferroviário que representa 10% da rede mundial, mais do que todos os demais países reunidos em suas ferrovias.

Eliseu Resende garante que foram adotadas várias providências para devolver à ferrovia uma parcela maior no transporte de carga. Mas avisa: os resultados não surgem a curto prazo. Como exemplos, cita a retomada das obras da Ferrovia do Aço, os preparativos para a construção da Ferrovia da Soja (de Guarapuava a Casca Grossa, no Paraná), dos segmentos para o transporte de carvão e a Ferrovia de Carajás, da selva paraense até o porto de Itaqui, no Maranhão.

A Ferrovia do Aço, anuncia o ministro, estará pronta em 82, enquanto que o tronco Sul da RFFSA deverá estar reaparelhado até 83. Além disso – e da compra de 35 locomotivas elétricas para operar na Ferrovia do Aço, mais 11 a vapor, para o transporte de carvão em Santa Catarina – serão tomadas medidas administrativas e gerenciais para o aumento da produtividade das ferrovias.

O que será construído, até 1987? Só isso: 420 quilômetros da Ferrovia do Aço; 377 quilômetros da Ferrovia da Soja (considerando-se que estejam concluídos até o final deste ano os 134 quilômetros de Cascavel a Guaíra, para a ligação com o Paraguai) e 200 quilômetros integrados no Programa do Carvão). São, ao todo, 997 quilômetros.

No Ministério dos Transportes, reconhece-se que o petróleo barato, antes da crise energética, e o desenvolvimento da indústria automobilística nacional estimularam a construção de rodovia, prejudicando a expansão ferroviária – mas alega-se que a principal causa desse fenômeno é o fato de o custo ferroviário ser muito maior que o rodoviário.

Embora os ferroviaristas sempre argumentem que o enfoque não deve ser este – pois os rodoviaristas, para defender a tese de que seus custos são mais baixos, sempre se esquecem da subvenção indireta que as rodovias recebem do Estado -, os técnicos do Ministério dos Transportes apresentam seus números:

- A construção de um quilômetro ferroviário – dizem eles – custa US$ 1 milhão, enquanto o quilômetro rodoviário sai por US$ 250 mil. Esse valor, contudo, depende de uma série de situações, acrescenta o ministro Eliseu Resende, uma vez que os custos de implantação de projetos ferroviários e rodoviários variam em função de fatores técnicos como topografia, material a ser escavaco, condições do solo, e outros.

A discussão entre rodoviaristas e ferroviaristas encheria páginas e mais páginas de papel, pois as acusações são recíprocas. E os defensores das ferrovias sempre lembram que, durante a "orgia rodoviarista", recursos enormes foram jogados fora em obras inúteis, como a Transamazônica e a Perimetral Norte (que nem chegou a ser concluída), ou elitistas e sem significativo valor econômico, como a ponte Rio-Niterói, cujos custos, de tão altos, foram transformados numa espécie de segredo de Estado.

Mas, para o ministro Eliseu Resende, o importante, hoje, não é contar o tempo perdido, mas verificar que tonelagem devia ser transportada hoje por ferrovia e, no entanto, não é. "O que devíamos ter feito", diz ele, "era promover o setor ferroviário por meio de investimentos ou outras medidas para que este setor absorvesse as cargas que lhe são próprias".

Ele concorda que, proporcionalmente, o setor rodoviário continua tendo mais investimentos que o ferroviário – mas procura justificar: "O setor rodoviário tem mais recursos porque os Estados também investem nas rodovias". Por outro lado, como a malha rodoviária é extremamente maior (quase 1,5 milhão de quilômetros), é evidente, para ele, que sua conservação requer mais dinheiro que os 30.300 quilômetros de ferrovias.

E ele se defende das acusações de ter superdimensionado o rodoviarismo, quando foi diretor do DNER, durante o governo Medici: "Quando entrei no DNER, em 1967, o atraso do setor rodoviário era gritante. O Brasil tinha 20 mil quilômetros de estradas pavimentadas (hoje tem 75 mil) e o País carecia de uma infraestrutura de integração das duas diferentes regiões".

Exportações e gastos com importações de petróleo 1970 a 1980
Imagem: tabela, publicada com a matéria (cor acrescentada por Novo Milênio)

A segunda parte saiu no dia seguinte, 26 de novembro de 1980, página 34 (Acervo Digital Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição):

Enquanto grande parte das ferrovias construídas no século XIX permanece ociosa, ...
Foto
: arquivo, publicada com a matéria (cor acrescentada por Novo Milênio)

A VOLTA DO TREM - 2
Longe da produção, ferrovias fracassam

Os novos ciclos econômicos, a industrialização e o deslocamento, para o Interior, das zonas agrícolas produtoras, determinaram em parte o fracasso das ferrovias brasileiras, hoje instaladas em lugares onde muitas vezes já não há carga para transportar.

Ainda assim – para sorte de determinados percursos – há uma demanda de novas cargas na região Centro-Sul, principalmente no eixo Rio-Belo Horizonte-São Paulo, de um lado, e no Extremo Sul do País, de outro.

De uma forma geral, entretanto – principalmente no Nordeste e em grande parte de Minas Gerais -, a história das ferrovias tem sido escrita, nos últimos anos, pelos operários que se dedicam ao trabalho de arrancar do chão os trilhos assentados, penosamente, por seus bisavôs, com grandes custos, desde o século passado. Eles não servem para mais nada, além de sucata.

Há regiões, porém, em que os empresários reivindicam novas ferrovias. Em outras, há ferrovias que não devem ser extintas, mas reaparelhadas – e é aí que o governo pretende aplicar o seu plano de reabilitação do sistema. Quase a metade (43%) da carga transportada pela RFFSA em todo o País, por exemplo, está localizada na área administrada pela Superintendência Regional do Rio, com menos de 3 mil quilômetros de linhas. Ainda assim, esse trecho opera com ociosidade.

É, como se vê, uma situação caótica e confusa. Onde há ferrovias, não há cargas para transportar. Onde há cargas, não há ferrovias. Ou, mesmo havendo cargas e ferrovias, estas últimas não têm "condições técnicas" de desempenhar o serviço. Uma consequência dos antigos erros do Império, quando as ferrovias foram instaladas, e da filosofia rodoviarista surgida depois da II Guerra Mundial e aplicada com vigor a partir da década de 60, quando a indústria automobilística surgiu no País.

A extensão da malha ferroviária brasileira – 30.300 quilômetros – é pequena, em relação à área do País, e às vezes até ridícula, se comparada à de outras nações, como os Estados Unidos (507 mil quilômetros), a União Soviética (139 mil), o Canadá (97 mil), ou mesmo a França (35 mil quilômetros, numa área territorial inferior à do Estado de Minas Gerais).

O descaso do Brasil com relação às suas ferrovias pode ser avaliado com a análise da evolução dos meios de transportes no País, a partir, por exemplo, de 1950. Naquele ano, havia 36.843 quilômetros de ferrovias, contra 302 mil de rodovias. Hoje, são pouco mais de 30mil quilômetros de ferrovias, contra 1,6 milhão de rodovias, dos quais 75 mil quilômetros asfaltados. O sistema rodoviário, portanto, cresceu 415,4% - enquanto o ferroviário decresceu em 18,5%.

Em 1960, havia 4.454 locomotivas – hoje elas são 2.345, das quais 74 a vapor, 2.057 a diesel, e apenas 214 elétricas. Os vagões de passageiros, que chegaram a 5.419, caíram para 2.323. E os vagões de carga, 59.382 em 1960, subiram para apenas 73.829, sem acompanhar a demanda de carga oferecida. Enquanto isso, os automóveis, ônibus e caminhões, cuja frota nacional era de 987 mil em 1960, subiram para 8,3 milhões em 1978.

Apesar de toda a precariedade, o sistema ferroviário transportava 29,2% da carga movimentada no País em 1950 (restando 38% para as rodovias, 32,4% para as hidrovias e 0,4% para os aviões). Hoje, os caminhões transportam 70,5% da carga, que foi tomada não só das ferrovias (que só transportam 16,3% dela), mas também das hidrovias, cuja participação caiu para 10,1%, e dos aviões (0,2%).

Nos últimos 10 anos surgiu uma nova modalidade de transporte, as dutovias (principalmente oleodutos e minerodutos), responsáveis por 2,9% do transporte do País.

A participação das ferrovias brasileiras no transporte de carga é tão pequena que, todo o seu trabalho nesta área, durante um ano inteiro, é feito durante apenas 88 horas pelas ferrovias soviéticas, por exemplo. A redução no transporte de passageiros (que, aliás, é deficitário, por ferrovia, em quase todo o mundo), foi ainda mais drástica, em nosso País: caiu de 30,5%, em 1950, para 1,3%, hoje, enquanto que a participação do transporte rodoviário subiu de 63,7%, naquele ano, para 96,4% hoje.

...muitas regiões produtoras ainda não dispõem desse transporte
Foto: arquivo, publicada com a matéria (cor acrescentada por Novo Milênio)

Do café ao minério

A malha ferroviária chegou, no Rio, onde se encontra a sede da Superintendência Regional nº 3 da RFFSA, a quase 7 mil quilômetros, na década de 40, quando começou a ser reduzida até os 2.834 quilômetros de hoje, distribuídos também por parte dos Estados de Minas, Espírito Santo e São Paulo.Um final não muito feliz para a região que viu nascer a primeira ferrovia brasileira, em 1852.

A arcaica locomotiva Baroneza, hoje aposentada num museu, transportava nobres e cortesãos do Rio para Petrópolis. E a partir daí, dessa curiosa via férrea que tinha apenas 18 quilômetros, o "caminho de ferro" acompanhou todos os ciclos da economia fluminense – e, consequentemente, sofrendo com a extinção, um a um, de todos estes ciclos, até ser derrotado pela industrialização, que exigiu transporte mais eficiente e ágil.

Chegavam os novos tempos, jamais imaginados pelos tecnocratas, se podemos chamá-los assim, da velha Corte Imperial de dom Pedro II. Pois o café deixou de ser produzido no Rio. A cana passou a ser processada junto ao centro produtor, e não mais na metrópole, assim como o gado, que hoje já não sai de sua região vivo, mas aos pedaços, em caminhões frigoríficos.

Restou então, para as ferrovias fluminense,s o minério de ferro, que seus trilhos vão buscar em Minas, trazendo-o para os portos exportadores. Para isso não era mais necessária a grande malha ferroviária de antigamente, responsável também pelo transporte de passageiros de pelo menos 100 localidades, hoje reduzidas a 20.

E assim, apesar do gigantesco aumento do volume de carga em todo o País (de 18,9 bilhões de toneladas úteis por quilômetro, em 1950, para 378,3 tku, no ano passado), ferrovias fluminenses transportam hoje apenas 30 milhões de toneladas líquidas/ano, ou 14,2 toneladas úteis por quilômetro. E ainda se orgulham disso, pois na verdade este número representa 43% de toda a carga transportada pela RFFSA no território nacional. E, além do mais, argumenta o diretor de Comercialização da RFFSA, Mauro Knudsen, este ano o faturamento estimado é de uns Cr$ 10 bilhões, com um superávit de aproximadamente Cr$ 2 bilhões.

Superávit, como se sabe, é coisa rara no sistema ferroviário nacional como um todo. Mas se estes números são animadores, mesmo em sua pobreza, a discriminação das cargas transportadas pela seção fluminense da RFFSA revela que o desempenho poderia ser muito superior. O minério, o cimento, o carvão e mesmo o açúcar têm na ferrovia um meio quase natural de transporte – mas, das cargas nobres que atravessam as rodovias brasileiras de Norte a Sul, só os produtos siderúrgicos começam a optar pelas ferrovias.

Há três anos, somente 10% da produção da Companhia Siderúrgica Nacional, da Usiminas e da Cosipa utilizavam os trens. Hoje, esta participação subiu para 50%. A RFFSA espera atingir 70% dentro de três anos, com a melhoria da Linha do Centro e a entrada em operação da Ferrovia do Aço.

A RFFSA determinou à sua subsidiária AGEF (Armazéns Gerais Ferroviários) administrar uma associação entre as ferrovias e as empresas de transporte rodoviário, que se encarregariam da recepção dos produtos, eliminando sua deficiência de terminais de carga e descarga. Pensa-se também na adoção de contêineres para cargas como até rádios de pilha ou outras, de pequeno porte.

Tal preocupação tem razão de ser: a capacidade da Rede, na área de influência da Superintendência do Rio, é utilizada em apenas 75%, na Linha do Centro, e de 50% a 60% no ramal de São Paulo. Essa ociosidade, já onerosa, aumentará consideravelmente com a entrada em operação da Ferrovia do Aço, em 1983.
As ferrovias do Espírito Santo também são administradas pela Superintendência Regional da RFFSA do Rio – com exceção, é claro, da Estrada de Ferro Vitória-Minas. Naquele Estado há um ramal da antiga Estrada de Ferro Leopoldina, que liga Vitória ao Rio, e construído, a partir do século passado, para escoar a produção cafeeira do Sul do Estado.

Até 1930 essa ferrovia (uma linha reta cortando o Estado de Norte a Sul) era o único caminho para o transporte do café, da cana e da madeira. Mas acabou atingida pelo declínio da cafeicultura e pelas rodovias, abertas exatamente ao longo de seus trilhos. E então ela se tornou uma das mais deficitárias de todas as que integram o sistema ferroviário nacional.

Sua decadência chegou a tal ponto que algumas estações foram simplesmente fechadas – e o raro trem de passageiros só parava quando alguém atravessava a linha e fazia sinal indicando que desejava embarcar. Como se tomasse um táxi.

A situação da Estrada de Ferro Vitória-Minas, ao contrário, é a melhor do País. Sua construção, iniciada a partir de 1903, ao longo dos vales dos rios Doce e Piracicaba, foi atribulada, em condições sempre difíceis, devido às doenças endêmicas e a uma série de outros fatores adversos, como a Primeira Guerra Mundial, a depressão de 29 e as controvérsias sobre a exploração do minério de ferro de Itabira, em Minas.

Ela só foi concluída em 1940, para tornar-se a mais rentável do País, e responsável, só ela, pela movimentação de mais da metade de toda a carga transportada no País pelo sistema ferroviário – e ainda assim sobrando capacidade para outros tipos de carga além do minério de ferro que sai de Itabira.

Se, no Rio, as ferrovias estão ociosas, na área da Superintendência Regional de Belo Horizonte a situação é outra. A ociosidade também existe, mas existe também uma demanda de carga que a Rede não consegue atender, por não ter condições técnicas de fazê-lo. Os 5.932 quilômetros de linhas transportarão este ano 12 milhões de toneladas, quando a demanda de seus clientes tradicionais chega a 15 milhões de toneladas.

Para o próximo ano, a demanda atingirá 29 milhões de toneladas, mas, mesmo realizando melhorias na malha "tentaremos transportar de 15 a 17 milhões de toneladas", explica o superintendente regional, coronel Júlio Ribeiro Gontijo.

Trata-se de um triste epílogo para essa história que começou com euforia, em 1881, quando a primeira ferrovia foi instalada em Minas, no mês de agosto, mediante concessão do governo federal a empresas estrangeiras e fazendeiros nacionais. A partir daí os trilhos foram assentados por quase todo o Estado, desordenadamente.

As ferrovias ligaram, em Minas, regiões de economia quase doméstica, às custas do tesouro público. As cargas da época: gado, sal, alimentos, lenha, produtos manufaturados importados e, sobretudo, café. E também, claro, passageiros, pois até então só havia cavalos e carruagens.

"A ferrovia em Minas era uma verdadeira colcha de retalhos, que até a última guerra mundial representava o monopólio dos transportes", afirma o superintendente Júlio Gontijo. "Muitas cidades nasceram em volta das estações".
A maior influência das estradas de ferro, nesse Estado, está ligada à criação das indústrias siderúrgicas, de exportação de minério e cimenteiras, acrescenta Roberto Carneiro, ex-diretor da Rede Mineira de Viação (RMV), que em 1957 foi anexada à RFFSA.

Na realidade, Minas chegou a ser o Estado da Federação mais bem servido por ferrovias, tanto que, em 1960, quando vários ramais já tinham sido extintos, ainda possuía 9.223 quilômetros de linhas, atendendo 1.029 localidades. Hoje, só 668 localidades são atingidas pela estrada de ferro.

Há 20 anos era comum ver em Minas enormes composições ferroviárias transportando manadas inteiras de bois. O trem de passageiros era uma instituição tão consolidada na tradição popular que acabou virando personagem de livros e canções.

Por isso, a erradicação dos ramais antieconômicos e a supressão do transporte de passageiros provocou verdadeiros traumas, em regiões inteiras. E, recentemente, o compositor Milton Nascimento, nostálgico viajante do trem noturno Belo Horizonte-Rio, musicou um balé dedicado à crise dessas cidades subitamente privadas do "trem de ferro".

E assim, a ferrovia, que transportava em Minas 70% de toda a carga, no tempo da II Guerra, transporta hoje apenas 18% - principalmente derivados de petróleo, produtos siderúrgicos, cimento, calcário e ferro-gusa.

Foto: arquivo, publicada com a matéria (cor acrescentada por Novo Milênio)

A carga no Norte, os trilhos no Sul

A ferrovia representou, no Rio Grande do Sul, importante papel na formação econômica do Estado – tanto que, até 1960, quando não havia ali quase nenhuma rodovia asfaltada, ainda dominava o transporte de carga em geral e o de animais e carvão. Ao longo de suas linhas, que começaram com pouco mais de 30 quilômetros entre Porto Alegre e São Leopoldo, em 1874, cresceram e desenvolveram-se cidades, vilas e indústrias.

As primeiras vias férreas gaúchas foram instaladas por três companhias inglesas e uma belga, cada uma numa região do Estado e, portanto, independentes entre si. Foram todas encampadas em 1920, quando começou também a interligação entre elas, ao lado da extinção dos ramais deficitários.

Em 1943 havia 3.454 quilômetros instalados (hoje são 3.800) que transportavam 70% da carga movimentada no Estado e unindo 170 localidades. Tudo parecia seguir normalmente, com as indústrias se instalando ao longo dos trilhos, quando, nos anos 50 e 60, a ênfase ao rodoviarismo somou-se ao deslocamento da colonização para o Norte do Estado – onde não existiam linhas férreas. Por isso, a grande produção agrícola – a carga ferroviária típica – está hoje ao Norte, enquanto as ferrovias estão ao Sul.

Erros se cometeram até recentemente. O ramal Roca Sales-Passo Fundo, com 158 quilômetros de extensão, foi inaugurado no ano passado, após um século de planejamento e construção. Permite o transporte de soja e trigo para o entroncamento rodo-hidro-ferroviário de Estrela e daí para os portos de Porto Alegre e Rio Grande. Mas a zona de maior produção de grão – Palmeira das Missões, Tenente Portela, Três de Maio e Horizontina – ainda está muito distante da via férrea.

- É necessário um reestudo da malha ferroviária e sua extensão até a zona de produção – argumenta o superintendente da RFFSA no Rio Grande do Sul, Paulo Nunes Leal.

Os 3.800 quilômetros operados pela Superintendência de Porto Alegre abrangem também o Estado de Santa Catarina, onde um trecho de 180 quilômetros da antiga Estrada de Ferro Dona Teresa Cristina é um dos raros, em todo o País, a não apresentar déficit, transportando carvão das minas de Criciúma até o porto de Imbituba.

Todo o sistema operado por esta regional transporta, segundo estimativas baseadas no movimento de cargas no porto do Rio Grande, pelo menos 27% da carga de sua área, o que revelaria uma recuperação desde o ano passado, quando este índice era de 21%. O superintendente Paulo Leal não revela números, mas garante que o resultado na sua área foi "altamente positivo" no ano passado. Ele diz que a preferência pelas cargas concentradas – produtos agrícolas e carvão – e aos terminais em melhores condições de uso elevaram a rentabilidade financeira em 7,8%. Estes resultados poderiam ser muito melhores se a ferrovia tivesse chegado ao Norte do Estado, onde se concentra grande parte da carga movimentada, inadequadamente, e com maior custo, pelas rodovias.

Essa situação de a ferrovia estar localizada nem sempre no lugar certo repete-se no Paraná, onde até hoje não se realizaram os sonhos de levar a ferrovia ao Oeste do Estado. A Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá, por exemplo, era o início de um grande projeto. Inaugurada em 1895, com 110 quilômetros atravessando a Serra do Mar, deveria ter sido estendida rumo Oeste até Villa Rica, no Paraguai, cobrindo uma área produtora de erva-mate. Este e outros grandes projetos não foram concluídos.

O Paraná conta com 2.264 quilômetros de ferrovias, aproximando-se do limite máximo de carga, principalmente no trecho entre Curitiba e Paranaguá, cuja capacidade de transporte foi aumentada, desde sua construção, em exatamente mil vezes. O porto de Paranaguá é o principal exportador de cereais do País – e no entanto nem sequer é ligado diretamente ao Interior do Estado por ferrovias. Ainda assim, o trem transportou 58,9% das 2,7 milhões de toneladas de farelo de soja que chegaram a Paranaguá no ano passado: mas só 9,2% da soja em grão.

As limitações no trecho da Serra do Mar impedem que o número de viagens – no máximo seis, diariamente – seja aumentado. A tonelagem média diária é de apenas nove a 10 mil toneladas, pois quando chega a serra a ferrovia torna-se um funil que, na última safra, provocou enormes congestionamentos de comboios.
Há outros problemas, além desse. A estação de Guarapuava, por exemplo, a 416 quilômetros de Curitiba, não tem condições para embarcar grãos, embora esteja no coração de uma grande área agrícola, cujas zonas produtoras estão em média a apenas 35 quilômetros do terminal.

Nos Estados, as mesmas distorções

A grande ociosidade do equipamento ferroviário no Rio e a demanda sempre crescente de carga em Minas, onde o fenômeno se inverte, são duas realidades que terão de ser cuidadosamente analisadas dentro dos planos para a reabilitação ferroviária na área de atuação desses dois centros.

Em São Paulo – que completa o grande eixo econômico – a Fepasa também poderia participar mais agressivamente no transporte de carga, mas só com investimentos de no mínimo US$ 200 milhões, recursos que, no entanto, não tem conseguido obter (veja amanhã, na terceira reportagem da série).

A carga ferroviária em Minas poderia inclusive aumentar bastante se, por exemplo, prosseguir a eletrificação das vias. Assim, os trens desenvolveriam maior velocidade, com a diminuição do custo do combustível e a consequente queda nos preços do transporte.

A Superintendência Regional da RFFSA em Belo Horizonte tem procurado melhorar sua malha desde o início da crise do petróleo, mas os recursos são sempre limitados, confessa o superintendente Jorge Gontijo. De forma que nem sempre é possível atender à orientação de dinamizar o setor.

A orientação do governo federal para essa dinamização, em Minas, centralizou-se desde 1974 prioritariamente na construção da Ferrovia do Aço e nos chamados "corredores de exportação", ligando Belo Horizonte a Salvador, ou a Brasília e Vitória. Mas a construção da Ferrovia do Aço, iniciada ainda no governo Geisel, para terminar em mil dias, foi paralisada – por falta de recursos – e só foi retomada no governo atual.

Trata-se de uma ferrovia problemática, no que se refere a informações sobre seu verdadeiro custo e sua operação plena, a partir de 1983. Há quem estime grande ociosidade na linha. Quanto aos custos, estimados em US$ 1 bilhão em 1975, quando o projeto foi aprovado, continuam sendo, oficialmente, os mesmos, sobre os quais incide apenas a correção cambial. Não se levando em conta, portanto, os reajustes da construção civil.

Muitos dos empresários mineiros, que gostariam de usar o transporte ferroviário desses "corredores", têm insistido na ligação da Estrada de Ferro Vitória a Minas com a capital do Estado, o que, no entender deles, possibilitaria a diversificação da carga, hoje restrita basicamente ao minério de ferro. Também seria diminuída a ociosidade da linha, que apesar disso é lucrativa.

A antiga Estrada de Ferro Leopoldina, no Espírito Santo, transporta pallets laminados de aço, cimento e calcário, principalmente de Vitória para Volta Redonda e a capital fluminense, mas, devido a seu traçado obsoleto, não tem conseguido competir com as empresas de transporte rodoviário, mesmo oferecendo fretes muito mais baixos (Cr$ 974,00 por tonelada, contra Cr$ 2.140,00 cobrados pelas transportadoras).

Vários empresários – como o presidente do Sindicato da Indústria Extrativa de Mármore e Calcário, Augusto Lincoln de Rezende, lamentam não poder utilizar a Leopoldina, que seria, para ele, a "opção mais lógica", mas a ferrovia não tem condições de carregar nem de descarregar, nos pontos terminais, blocos de mármore que em geral pesam 15 toneladas cada um.

No Sul, os empresários de Florianópolis, Santa Catarina, também prefeririam usar o transporte ferroviário oferecido pela antiga Estrada de Ferro Dona Tereza Cristina – a única não deficitária, na região – mas para isso seus trilhos teriam de ser estendidos até Itajaí, Blumenau e Guaramirim, integrando-a ao sistema ferroviário do Centro-Sul do País. Hoje, ela transporta basicamente carvão das minas de Criciúma até o porto de Imbituba.

No Rio Grande do Sul, o superintendente regional da RFFSA em Porto Alegre, Paulo Nunes Leal, garante que as atuais linhas e equipamentos suportarão perfeitamente um aumento de 20% ou 30% da demanda de transporte, mas entende que é preciso definir antes "o que é carga ferroviária". Para ele, a ferrovia deve preocupar-se só com a "grande carga", pois a "carga geral" só poderia passar pela ferrovia através de um pool com as companhias rodoviárias. O trem transportaria essa carga – e os caminhões se encarregariam não só de reuni-la no ponto de origem, como também de distribuí-la no seu destino.

Só o Tronco-Sul da RFFSA, que liga o Rio Grande ao resto do País, poderia aumentar sua capacidade de carga de 1 milhão de toneladas transportadas este ano para cinco vezes mais (6 milhões de toneladas), informa Paulo Nunes Leal – desde que, no entanto, se invistam recursos para aumentar a velocidade e a capacidade dos trens.

Em Curitiba, os técnicos ferroviários admitem que o sistema está se aproximando do limite máximo de carga, no trecho entre a capital e o porto de Paranaguá – mas que, apesar disso, não está nos projetos federais a construção de uma nova ligação do Interior com este porto, o principal exportador de cereais do Brasil.

O próprio ministro dos Transportes, Eliseu Resende, reconheceu as limitações desse trecho ferroviário, ao visitar o Paraná no fim do mês passado, mas logo de início desconsiderou a possibilidade de se duplicar a ferrovia. Pelo contrário, tranquilizou os agricultores, informando que a duplicação da rodovia no mesmo percurso garantirá o escoamento da safra, que será transportada por caminhões.

Apesar disso, a superintendência regional da RFFSA acredita que poderá aumentar em pouco mais de 20% a carga ferroviária no Paraná. Sua grande esperança é a Ferrovia da Soja, um velho projeto paranaense. Ela faz parte do "corredor de exportações" e deverá cortar o Estado no sentido Leste-Oeste, atingindo Cascavel e Guaíra, com extensões para o Paraguai e para Mato Grosso.

Mas até agora só o trecho ligando Guarapuava a Cascavel pôde ser concretizado. O governo federal está negociando com o Banco Mundial e com empresários japoneses os recursos desse projeto, orçado em US$ 450 milhões. O ministro Eliseu Resende garante que os contatos serão fechados em março e a ferrovia estará concluída em 1983.

Frota nacional

Ferroviária

Tipo 1960 1970 1978
Locomotiva 4.454 2.351 2.345
Vapor 3.394 597 74
Diesel 829 1.508 2.057
Elétrica 231 346 214
Carro 4.611 5.419 2.323
Vagão 59.382 68.500 73.497
Total 64.447 76.270 78.497

Rodoviária

Tipo 1960 1970 1978
Automóvel 570.195 2.324.309 4.480.444
Ônibus 27.645 50.767 105.071
Caminhão 389.773 454.249 3.400.677
Outra –– 193.356 226.053
Total 987.613 3.022.681 8.212.245
A frota de veículos que trafegam pelas rodovias é incomparavelmente superior ao material rodante (máquinas e vagões) do sistema ferroviário.

A terceira parte, em 27 de novembro de 1980, página 68 (Acervo Digital Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição):


Foto: arquivo, publicada com a matéria (cor acrescentada por Novo Milênio)

A VOLTA DO TREM - 3
Fepasa cresce, mas não supera dívidas

Apesar das crescentes dificuldades, como a carência de recursos para aplicação no reaparelhamento de suas linhas, a Ferrovia Paulista S/A – Fepasa vem aumentando ano a ano sua participação no transporte de carga, na região em que atua. No entanto, seu prejuízo operacional foi de Cr$ 14,491 bilhões no ano passado, provocado, em sua maior parte, pelas despesas financeiras da empresa.

Extremamente endividada, obrigada a oferecer à população um serviço de subúrbios de sentido social – portanto deficitário – e sem poder investir suficientemente na área de transportes de carga, por sua vez prejudicada pelas tarifas irreais, segundo o presidente da empresa, Chafic Jacob, a Fepasa acaba de ter negado pela Assembleia Legislativa um pedido dramático para a captação de empréstimos externos, no valor de US$ 200 milhões.

O exemplo de que certas ferrovias podem ser viáveis, se bem administradas e dedicadas ao transporte de cargas específicas pode ser dado pela Estrada de Ferro Vitória a Minas, que é operada pela Companhia Vale do Rio Doce. Ela transporta basicamente minério; é responsável, com apenas 782 quilômetros, pela movimentação de quase a metade de toda a carga ferroviária nacional; e é considerada uma das mais eficientes do mundo.

A história da Fepasa e da Vitória a Minas é contada aqui, na terceira reportagem da série sobre as ferrovias brasileiras.

Do ciclo do café à fusão e decadência

O primeiro ciclo das ferrovias paulistas surgiu com o surto cafeeiro no Vale do Paraíba. Logo o café se estendeu pelo Interior, em direção ao Oeste – e a ferrovia foi junto. No terceiro ciclo, a estrada de ferro avançou para o sertão – e as estações transformaram-se em cidades, como Sorocaba. O quarto ciclo – sombrio e deficitário – começou em 1935, marcando a decadência.

De São Paulo – mais precisamente da cidade de Bauru – a ferrovia continuou sua marcha para o Oeste, chegando ao Mato Grosso (hoje Mato Grosso do Sul) e estendendo-se até Corumbá, na fronteira com a Bolívia, incluindo um ramal que desceu para o Sul, até Ponta-Porã, na fronteira com o Paraguai. Esses dois trechos são administrados, a partir de Bauru, pela Rede Ferroviária Federal, através de sua Superintendência Regional nº 4, responsável também pela antiga Santos a Jundiaí. São ao todo 1.864 quilômetros.

Os restantes 5.114 quilômetros dentro do território paulista, com extensão ao Sul de Minas e ao Triângulo Mineiro, referem-se às sete ferrovias centenárias que a Fepasa reuniu numa só empresa em 1971, após um longo processo de fusão iniciado em 1961, quando a ideia surgiu, já no bojo de uma discussão sobre a insuportável crise do sistema, então administrado penosamente pelo governo estadual.

O atual presidente da Fepasa, engenheiro Chafic Jacob, é um intransigente defensor do transporte ferroviário, desde que racionalmente empregado, o que significa sua concentração no trabalho com cargas nobres, pesadas e em grandes volumes, circulando por longos percursos, com o progressivo abandono da carga geral.

Apesar dos constantes déficits da Fepasa, desde sua criação há nove anos, Jacob chama a atenção para o fato de que esse caso tem gerado controvérsias inadequadas, pois no seu entender há que se distinguir entre o déficit "patológico", resultante da má administração, e o déficit "normal", a seu ver "justificável", na medida em que a ferrovia é um "benefício" e nem sempre deve ser obrigada a contabilizar lucros para justificar sua existência.

Ao defender esse ponto de vista, ele esgrime sempre o mesmo argumento: os usuários do transporte rodoviário recebem uma subvenção indireta, que a ferrovia não tem, já que é obrigada a manter suas linhas, equipamento, pessoal e tudo o mais que implica administração do complexo ferroviário – enquanto o imposto arrecadado dos caminhões cobre apenas 34,7% dos gastos com as estradas, e o cobrado dos ônibus só 14,7%. Além disso, o Estado investe muito mais recursos nas rodovias, sem penalizar os que a utilizam. Por isso, ele e outros técnicos não aceitam a comparação entre uma modalidade e outra de transporte, no que se refere aos custos.

A conclusão lógica de tal raciocínio é a de que o transporte rodoviário também seria deficitário se o Estado cobrasse dos usuários das rodovias tantos impostos quantos fossem necessários para a manutenção das mesmas – ou que as companhias ferroviárias bem administradas dariam lucro, se o Estado cobrisse à parte os custos de sua manutenção.

De qualquer forma, a Fepasa veio sempre aumentando sua participação no transporte de carga na sua área de atuação. Ela transportou 3,94 bilhões de toneladas úteis por quilômetro (tkmu) em 1971, ano de sua criação, e 6,49 bilhões tkmu no ano passado. No serviço de subúrbios, subiu de 27 milhões de passageiros em 1971 para 45 milhões no ano passado, com previsão de atingir 70 milhões neste ano. No mesmo período houve um desestímulo, com consequente queda, para o deficitário e inadequado transporte de passageiros por longos percursos: o número caiu de 17 milhões, em 1971, para menos de 6 milhões, no ano passado.

A meta da Fepasa é concentrar-se na melhoria do transporte de passageiros pelos subúrbios (um serviço social, deficitário, mas imprescindível), e no transporte de carga nobre, basicamente 15 produtos, elevando assim sua receita. O principal produto transportado hoje pela Fepasa são os derivados de petróleo (gasolina, óleo diesel e óleo combustível) produzidos em Paulínia, pela Replan, seguidos de alguns produtos agrícolas, adubo e cimento.

O mais irônico, quando se observa a pauta dos principais produtos transportados, é que o café – que motivou a construção das ferrovias no final do século passado e início deste – não figurou nem mesmo entre as 20 principais cargas das ferrovias paulistas. Na verdade, diz um boletim da empresa, no primeiro semestre do ano passado ele já havia ocupado um dos últimos lugares da lista, com o carregamento de apenas 35 mil toneladas.

Chafic Jacob
Foto
: arquivo, publicada com a matéria (cor acrescentada por Novo Milênio)

Falta política comercial

Os técnicos da Ferrovia Paulista S/A – Fepasa consideram que a ausência de uma política comercial tem gerado um desgaste injustificado para os responsáveis pelos destinos da empresa, cujos déficits aumentam ano a ano, se analisados – como insiste o presidente Chafic Jacob – à luz da contabilidade convencional.

De qualquer modo, a Fepasa já delineou sua "filosofia comercial", que consiste basicamente no transporte de mercadorias de grande fluxo, em vagões lotados, preferencialmente granelizados, entre os poucos polos existentes. Este serviço está sendo concentrado em aproximadamente 15 mercadorias e pouco mais de 50 usuários.

Desde que foi posta em prática, essa política aumentou em quase 50% o transporte de carga da Fepasa, nos dois últimos anos – durante os quais foi desestimulado o transporte de bagagens, encomendas e mercadorias dispersas. Em contraposição, às vezes, aos fretes mais altos que os rodoviários, a Fepasa oferece maior vazão de escoamento e utilização de menor capital de giro – o que, pelo menos para o caso de duas empresas, Cargill (óleos e adubos) e Votorantim (cimento) tem sido mais vantajoso, do ponto de vista econômico, que os fretes rodoviários mais baixos.

A Fepasa tem aumentado sua capacidade de carga sem aumentar o número de vagões, apenas através da melhor administração do material existente. Mas ainda assim tem trabalhado com capacidade ociosa. Se, neste ano, atingirá a meta de 18 milhões de toneladas transportadas, esse número – embora grande – é igual ao potencial de carga já existente apenas no eixo Uberaba-Santos.

A eletrificação completa do trecho – cujas linhas estão remodeladas até Campinas – com a consequente ampliação da frota da tração elétrica com 60 novas locomotivas poderá dar à empresa condições de atuar mais agressivamente neste setor do "corredor de exportação", elevando suas metas.

De acordo com o engenheiro Fábio José de Araújo, diretor-adjunto da Fepasa, "é fato reconhecido que a ferrovia apresenta menores custos relativos de transporte e menor consumo energético por unidade de trabalho, tendo como vocação a movimentação de grandes volumes a grandes distâncias".

E exemplifica: se comparados os custos operacionais rodoviários e ferroviários, excluindo-se renovação e despesas de manutenção da via, o resultado é que a ferrovia apresenta custos de transporte cerca de 42% inferiores aos da rodovia no transporte de carga geral, 45% no de granéis sólidos leves, 60% no de granéis líquidos e 57% no de granéis sólidos pesados.

Mas os problemas a enfrentar são muitos, explica o superintendente geral de Transportes da Fepasa, engenheiro Haroldo Vieira de Resende. O próprio governo, por meio de suas empresas estatais ou outras instituições, às vezes não obedece suas próprias determinações.

É o caso, por exemplo, do decreto nº 79.205, de 3/3/1977, que obriga a ser feito por meio ferroviário ou hidroviário "o transporte de carga dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, Direta ou Indireta, e das fundações instituídas pela União". Entre estes, estariam o IBC, o IAA, o IBDF, a Petrobrás, a Cia. Siderúrgica Nacional, a Cosipa, a Cobal, o Instituto Rio-grandense do Arroz, Irga e a Comissão de Financiamento da Produção – CFP.

O transporte ferroviário, conforme o decreto, só poderia ser abandonado no caso de as ferrovias não oferecerem, comprovadamente, condições técnicas. Apesar disso, recentemente – só para dar um exemplo -, o arroz importado da Argentina pelo Irga foi transportado para São Paulo de caminhão, ao frete de Cr$ 1.700,00 por toneladas, enquanto que o frete ferroviário era de Cr$ 900,00 por tonelada.

A explicação para essa distorção, segundo alguns ferroviaristas: a fuga da fiscalização, já que, por ferrovia, é impossível burlar o fisco. A CFP também vem fugindo da determinação deste decreto, conforme denúncias encaminhadas ao governo federal por funcionários da RFFSA e da Fepasa. Também de Goiás o arroz sai por rodovia, burlando o decreto e a fiscalização.

Apesar disso tudo, a Fepasa pretende investir até 1983 recursos da ordem de Cr$ 47,6 bilhões, em 12 grupos de projetos prioritários, dentre os quais sobressai a remodelação do serviço de subúrbios, para o transporte de passageiros – um serviço social, responsável pela metade do déficit da empresa. Na área de carga, justifica o presidente Chafic Jacob, o investimento é necessário, uma vez que "a demanda de carga apresenta-se superior à oferta de transporte".

Ultimamente, porém, parece que os problemas da Fepasa se agravaram.

E para que possa fazer face ao serviço de sua dívida – que chega a SU$ 1,368 bilhões no quinquênio 79/83 -, o governo do Estado subscreverá um aumento de capital da empresa, no ano em curso, no montante de US$ 200 milhões, providência esta também prevista para os anos subsequentes", afirmou Chafic Jacob em setembro deste ano.

Logo depois, entretanto, suas pretensões esbarraram na rejeição, pela Assembleia Legislativa, do projeto do governador Paulo Maluf, que solicitava autorização para contratar estes recursos no Exterior. O presidente da Fepasa já deixou claro que, sem o dinheiro, a ferrovia não poderá operar, estando condenada ao fracasso. O projeto voltou a ser apresentado e será votado, mais uma vez, nos próximos 30 dias.

Investimentos em transportes

Tipo

De 1960 a 1968

De 1974 a 1978

 

Cr$ milhões

%

Cr$ milhões

%

Rodoviário 35.021,0 80,6 493.157,9 68,5
Ferroviário 3.532,2 8,1 100.681,4 14,0
Hidroviário 3.252,3 7,5 72.974,7 10,2
Aéreo 1.515,7 3,5 30.731,1 4,3
Dutoviário 140,3 0,3 21.809,4 3,0
Total 43.461,5 100,0 719.354,4 100,0
Os investimentos em transportes no País revelam que a ferrovia continuou marginalizada mesmo depois de 1974, com a crise do petróleo.

Rodovias x ferrovias

A partir de 1960, quando se consolidou a política rodoviarista, ao mesmo tempo em que se instalava no País a indústria automobilística, os investimentos no setor ferroviário perderam sua importância, embora a partir de 1974 tenham aumentado 5,9% - um índice insignificante, segundo os especialistas, tendo em vista que exatamente naquele ano tornava-se evidente, em todo o mundo, a crise energética provocada pela alta nos preços do petróleo.

Mas a ferrovia já vinha perdendo terreno para a rodovia desde o fim da II Guerra. De 1951 a 1978, por exemplo, as estradas de rodagem brasileiras aumentaram sua extensão em 415%, enquanto que as ferrovias – ao contrário – até diminuíram, em 18,5%, a extensão de suas linhas. Este índice refere-se à erradicação de ramais antieconômicos, em virtude de seu traçado obsoleto, da extinção das causas de sua própria construção, um século atrás, e até mesmo de se terem construído rodovias paralelamente aos trilhos.

A evolução da frota nacional de veículos revela bem como a ferrovia tem sido marginalizada. A frota de caminhões, por exemplo, aumentou quase 10 vezes (1.000%) nos últimos 30 anos, enquanto que o equipamento rodante (máquinas e vagões) das ferrovias cresceu, no mesmo período, em apenas 20%. Daí, termos chegado à reduzida participação do transporte ferroviário, que era de 29,2% em 1950 e hoje é de apenas 16,3%.

É interessante notar que a rodovia tomou a carga também das hidrovias, tradicionalmente muito mais econômicas. A participação das ferrovias no transporte de carga cai ainda mais – para só 7% do total – quando se considera que uma só ferrovia, a Estrada de Ferro Vitória a Minas, é responsável por mais da metade de toda a carga transportada por ferrovias em todo o País.

Os investimentos previstos pelo governo, para os próximos cinco ou sete anos, US$ 7 bilhões (quase Cr$ 430 bilhões, a preços de hoje). Com isso, o ministro dos transportes, Eliseu Resende, pretende transferir para as ferrovias mais ou menos 50 milhões de toneladas de carga transportada pelas rodovias, o que daria ao sistema ferroviário uma participação de 27% no transporte total de mercadorias.

Transportes de mercadorias

Sistema

1950

1960

1970

1980

Rodoviário 38,0 60,5 69,6 70,5
Ferroviário 29,2 18,7 16,9 16,3
Hidroviário 32,4 20,6 12,1 10,1
Dutoviário -- -- 1,3 2,9
Aéreo 0,4 0,2 0,1 0,2
Total 100,0 100,0 100,0 100,0
A participação do sistema ferroviário no transporte de carga, no Brasil é de apenas 16,3%, que o governo pretende aumentar para no máximo 27%, nos próximos cinco ou sete anos, se conseguir recursos para executar os planos já elaborados. Serão necessários US$ 7 bilhões.

Fonte: Geipot

Onde o transporte é viável

A Estrada de Ferro Vitória a Minas é um dos maiores exemplos de que o transporte ferroviário é viável no Brasil, desde que bem administrado e valorizado pelo governo, segundo o presidente da Ferrovia Paulista S/A, Fepasa, Chafic Jacob. Para ele, "a missão da ferrovia não é competir, ruinosamente, com os demais sistemas", mas integrar-se a eles harmonicamente.

- Se examinarmos o panorama dos transportes ferroviários de mercadorias, no Brasil, de 1950 até 1979 – diz Chafic Jacob -, verificaremos que do total realizado a grande expressão concentrou-se naquela ferrovia. Adequadamente aparelhada para atingir o objetivo da venda do minério de ferro a mercados internacionais, todo o sistema dessa estrada foi montado dentro dos melhores padrões técnicos, comerciais, operacionais e administrativos disponíveis.

A via permanente foi reequipada de tal forma que, no seu conjunto, permitiu à ferrovia aumentar o seu transporte de meio bilhão de toneladas úteis por quilômetro (tkmu), em 1950, para 39,9 bilhões de tkmu no ano passado – um crescimento de quase 8.000%, em comparação aos 345% das demais ferrovias, ou de 2.700% em relação ao transporte rodoviário.

- Para destacar o seu desempenho ímpar – analisa Chafic Jacob – basta dizer que a sua eficiência, por quilômetro de linha, é da ordem de 45 vezes aquela das demais estradas de ferro brasileiras. Tivessem estas recebido adequado reaparelhamento, através de investimentos governamentais necessários e suficientes, como ocorreu nas rodovias, e por certo que elas teriam conquistado um substancial índice de trabalho.

Foto: Joecir Secreto, publicada com a matéria (cor acrescentada por Novo Milênio)

Vitória a Minas, um exemplo de eficiência

Joaquim Nery
Correspondente em Vitória

A Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM) é considerada uma das mais eficientes do mundo. Implantada a partir de 1903, ao longo dos vales dos rios Doce e Piracicaba – é verdade que no curso de uma história atribulada – tem hoje uma dupla linha tronco de 549 quilômetros, que liga a região produtora de minério de ferro em Itabira, Minas Gerais, ao porto de Tubarão, em Vitória, Espírito Santo.

Por essa linha tronco trafegam anualmente 64 milhões de toneladas de minério e outras cargas em composições de até 150 vagões. Suas 184 locomotivas têm consumo anual de 1,5 milhão de litros de óleo diesel. E as viagens dos trens são acompanhadas por um computador do controle centralizado de tráfego em Vitória, capaz de prevenir acidentes e em condições de frear automaticamente toda a composição, independentemente do maquinista.

Não foi fácil chegar até essa situação privilegiada. Os primeiros anos de sua construção foram muito difíceis, devido às doenças endêmicas, como a malária e o impaludismo, ao longo de seu traçado. No terceiro ano após o início das obras, já estava em operação um trecho de 206 quilômetros entre Vitória e Natividade, na divisa com o território mineiro, com várias estações inauguradas e transformadas, em pouco tempo, em cidades, caso de Colatina, conhecida antigamente como Arraial de Santa Maria (um ponto de parada de trem) e hoje o principal centro urbano do Norte do Espírito Santo.

Apesar disso, segundo relatos da época, as zonas produtoras continuavam sem interligação com as estações, o que provocava evidentemente um baixo aproveitamento da capacidade de transporte. Havia também uma certa resistência da população em utilizar-se do trem de passageiros – preferia-se, em grande parte, usar as primitivas canoas e tropas de mulas. Além disso, já em 1907 começaram a surgir problemas de tráfego: a ferrovia era nova, mas precária, o que desgastava o material rodante.

A situação deficitária também não mudava, pois a região atravessada pela ferrovia estava ainda no início de um processo colonizador, com os cafés crescendo e sem quase nada produzir. Por isso, em 1907 a receita foi de 434:457$495 réis, para uma despesa que chegou a 502:831$919 réis. Diante desse quadro anormal, a solução foi a própria ferrovia abrir estradas de rodagem vicinais, de modo a que os agricultores pudessem levar seus produtos até as estações.

As minas – Ainda assim, a situação pouco melhorou, até que, em 1910, a descoberta das jazidas de ferro em Itabira alterou o destino da Vitória a Minas. Naquele ano, durante um congresso internacional de Geologia em Estocolmo, na Suécia, o recém-criado Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil revelou que as reservas do minério chegavam a 5,71 bilhões de toneladas.

Logo depois de comprar a rica área, os syndicates ingleses tornaram-se acionistas majoritários da ferrovia, elaborando um plano para transportar e exportar até 3 milhões de toneladas anuais de minério, o que implicava alteração do traçado inicial. O governo autorizou a mudança, com a condição de que se construísse na região um "estabelecimento metalúrgico" capaz de produzir anualmente mil toneladas de ferro bruto. Para levar adiante esse empreendimento, foi criada a Itabira Iron Company.

Mas nem assim os recursos para a construção dos novos trechos aumentaram. Os banqueiros internacionais viam com desconfiança a garantia oferecida pelos empréstimos: a receita obtida com o transporte do minério. A I Guerra Mundial, em 1914, somou-se a este problema e as obras não seguiram adiante.

Enquanto os trilhos não chegavam a Itabira, a ferrovia começava a obter grande parte de sua receita no transporte de café e madeira. De 1915 a 1929 ela movimentou 313.894 toneladas de café e 205 mil toneladas de madeira, totalizando os fretes 58% de sua receita bruta.

Em 1927, após 10 anos de entendimentos com o governo de Minas, a Itabira Iron já havia assinado contrato que a autorizava a construir e explorar altos-fornos, fornos de coque, fábrica de aço e laminação e um cais em Santa Cruz, 70 quilômetros ao Norte de Vitória, para embarque, desembarque e depósitos de minérios e produtos das usinas. Estava em busca de recursos no Exterior quando veio a depressão econômica de 1929, que frustrou seus planos.

A guerra – Ao atingir a economia brasileira – que era em larga escala sustentada pela exportação de café – a depressão causou uma recessão que se refletiu sobre os meios de transporte que retiravam desse produto suas maiores rendas, como era o caso da EFVM. Com seus habituais déficits agravados pela queda dos preços do café e pela redução de suas exportações, ela teve, mais uma vez, que parar suas obras em direção às minas de minério.

Dez anos depois, Getúlio Vargas declarou caduco o contrato com a Itabira Iron, tentando criar uma empresa nacional para explorar o minério e assumir o controle da ferrovia. Na nova empresa, porém, a principal acionista era a própria Itabira Iron que, em 1939 mesmo, iniciou a construção do trecho até as minas.

As primeiras 200 toneladas de minério foram embarcadas para a Inglaterra em 1940, quando a Europa já estava envolvida na II Guerra Mundial. A ferrovia, na verdade, ainda não chegara às minas, mas como havia pressa em exportar a matéria-prima – fundamental para a indústria de armamentos – o minério era levado em caminhões até a estação de Desembargador Drummond, a 40 quilômetros de Itabira, e depois carregado em cestas, por trabalhadores braçais, até os vagões.

Em 1942, para garantir o fornecimento da matéria-prima, a Inglaterra e os Estados Unidos assinaram um acordo com o governo brasileiro, assumindo este o compromisso de aparelhar as minas, encampar a ferrovia e melhorar suas linhas, além de equipar o porto, de modo a que fossem exportadas no mínimo 1,5 milhão de toneladas/ano.

Com a criação da Companhia Vale do Rio Doce, dobrou-se a exportação: já eram 127 mil toneladas em 1944, apesar do desinteresse dos compradores desde os primeiros reveses sofridos pela Alemanha, em 1943. Previa-se para logo o final do conflito – e em 1945, último ano da guerra, foram embarcados 102 mil toneladas, que caíram para apenas 41 mil toneladas no ano seguinte. As exportações voltaram a crescer diante das expectativas de uma guerra na Coréia, mas foi só em 1952 que se atingiu a meta inicial, com o embarque de 1,5 milhão de toneladas.

O transporte de minério representa hoje 78% da movimentação de cargas na Vitória a Minas, mas, como não é remunerado em termos de tarifa comercial (é considerado transporte interno, pois a mineradora é dona da ferrovia e presta um serviço a si própria, portanto), observa-se anualmente um déficit no relatório de atividades da ferrovia. Essa diferença, contudo, é coberta por créditos escriturais transferidos pela Companhia Vale do Rio Doce.

A duplicação de sua linha possibilitou o crescimento de sua capacidade operacional, tanto que, nos últimos cinco anos, ela transportou 322 milhões de toneladas de carga e 9 milhões e 775 mil passageiros.

O superintendente João Crisóstomo Beleza garante que ela tem uma capacidade de tráfego ociosa capaz de absorver futuros crescimentos do transporte de carga: com o atual número de vagões, ela pode transportar 80 milhões de toneladas/ano; ou 100 milhões, se forem adquiridos novos vagões, consumindo apenas 2,2 litros de óleo diesel/ton/km – um dos menores índices do mundo.

Transporte de mercadorias

Bilhões de tkmu

Modo 1950 1960 1970 1980
Estrada de Ferro Vitória a Minas 0,5 2,6 14,8 39,9
Demais ferrovias 7,6 10,6 15,4 33,8
Rodovia 10,8 42,6 124,5 304,6
Total 18,9 55,8 154,7 378,3

E a quarta parte, em 28 de novembro de 1980, página 33 (Acervo Digital Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição):

O trem chegou à região central muito tarde, quando o sistema ferroviário estava em decadência
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: arquivo, publicada com a matéria (cor acrescentada por Novo Milênio)

A VOLTA DO TREM - FINAL
Salvação das ferrovias, uma incerteza

Embora o governo tenha declarado a intenção de investir 7 bilhões de dólares (Cr$ 427 bilhões) na reabilitação do sistema ferroviário, nos próximos cinco ou sete anos, os dirigentes da indústria de material ferroviário encaram estes planos com ceticismo. O presidente Geisel também prometeu aplicar Cr$ 250 bilhões só na RFFSA, de 1975 a 1980, mas já em 1976 descobriu-se que o dinheiro não existia.

Mas se as promessas forem cumpridas desta vez – e o ministro dos Transportes tem insistido que o sistema será realmente reativado – pode-se esperar uma recuperação das linhas. Uma recuperação, no entanto, cautelosa e gradual – e só excepcionalmente atingindo as precaríssimas estradas de ferro do Nordeste, que continuarão marginalizadas, por causa de seu distanciamento dos centros econômicos.

A situação da Região Nordeste, o isolamento da Região Norte, as esperanças com o anúncio dos novos investimentos e o ceticismo dos empresários estão nesta última reportagem da série sobre as ferrovias brasileiras.

A lenta integração da região central

Por estar praticamente isolada do País nos tempos do Império ou nos primeiros anos da República, a região central do País não foi alcançada pelas ferrovias, a não ser muito tardiamente, quando o sistema inteiro já entrava em decadência. Ainda assim, os planos da extensão ferroviária até Goiás faziam parte dos projetos do imperador Pedro II – mas só em 1912 os trilhos chegaram ao Estado, vindos de Araguari, em Minas.

Mas só chegaram até Roncador, nas margens do Rio Corumbá, só ultrapassado em 1922. Em 1935 ela chegou até Anápolis que, por causa disso, firmou-se como o principal centro econômico goiano. Em 1951, a ferrovia prolongou-se até a capital, Goiânia. E em 1968, finalmente, quando foi concluído o ramal Roncador-Brasília, que ligou a capital federal à rede ferroviária nacional, estavam prontos os quase 700 quilômetros de vias férreas de Goiás.

Esta pequena rede integra-se à rede mais ampla administrada pela Superintendência Regional de Belo Horizonte. De Goiás, sai, por ferrovia, concentrado de apatita, com destino às fábricas de adubo em Minas e São Paulo, mais milho e carvão vegetal, areia e cimento. No sentido inverso – de outras regiões para Goiás – as principais cargas são derivados de petróleo, procedentes de Paulínia (SP).

A própria limitação das linhas goianas, entretanto, faz com que importantes regiões agrícolas, como o Sudoeste do Estado, escoem sua produção por via rodoviária, a custos maiores e grandes sacrifícios, pois também as estradas não são boas. Os municípios não atingidos pela Belém-Brasília, que corta o Estado de Norte a Sul, só possuem estradas de terra, intransitáveis na época das chuvas.

Para piorar a crise dos transportes em Goiás, não há, no momento, condições de se expandir o transporte ferroviário, na área em que ele existe, pois a capacidade de tração esgotou-se, principalmente devido à falta de conscientização do usuário para a liberação rápida da carga nos terminais. Técnicos da RFFSA em Goiás afirmam que este fato é responsável por 70% do estrangulamento nos serviços.

Mato Grosso, após sua divisão em dois Estados, ficou sem nenhuma ferrovia – e por isso o senador Vicente Vuolo, do PDS, acha que "nunca houve momento mais propício para a implantação de uma linha férrea ligando o centro geodésico da América do Sul, simbolizado por Cuiabá, ao Sul do País". Mato Grosso tem 820 mil quilômetros quadrados, nem um só metro de ferrovia e raras estradas transitáveis o ano todo.

Ele próprio elaborou um projeto para uma ligação ferroviária entre Cuiabá, Cáceres e Rubinéia, no Interior de São Paulo, "para o escoamento da produção agrícola e pecuária de toda essa região, que não possui estradas asfaltadas". O senador contou com o imediato apoio do governador Paulo Maluf, sempre apto a fazer promessas.

Mas o governo federal não pretende aprovar nenhuma ferrovia além das raras já previstas para construção até o final da década. Apesar disso, Maluf se dispôs até mesmo a repassar recursos extraorçamentários à sua Secretaria de Transportes, para que esta execute a parte paulista do hipotético traçado, de Rubinéia até a divisa com Mato Grosso.

Assim como a região central do País, também a Norte ficou sem ferrovias – embora existam ali três, de pequena extensão, exploradas pela empresa privada para o transporte exclusivo de minérios. Além da ferrovia integrada no Projeto Carajás, que está sendo construída no Pará, nenhuma outra será sequer projetada.

Não há uma só ferrovia, hoje, no Estado do Pará – mas, antigamente, havia ali 411 quilômetros de trilhos, assentados no século passado para a colonização de duas áreas do Estado. A maior delas – a Estrada de Ferro de Bragança – começou a ser construída em 1883 e foi concluída 25 anos depois, para escoar a produção agrícola bragantina até Belém. Dez mil colonos foram transportados para a nova fronteira.

A colonização deu-se sem qualquer critério e logo a terra se exauriu, devido ao desmatamento. A produção agrícola caiu, a colonização fracassou e a ferrovia só deu lucro entre 1916 e 1925. O principal produto transportado por ela era a lenha consumida pelas locomotivas, além de cachaça, rapadura e farinha de mandioca. Ainda assim, ela resistiu até 1967, quando foi extinta pela União, que a administrava desde 1957.

A segunda ferrovia paraense foi construída no Vale do Tocantins; também no final do século passado, em plena selva, a 300 quilômetros de Belém, para o transporte de madeira e apoio aos antigos garimpeiros de diamantes. Tinha só 110 quilômetros e terminava em Tucuruí, onde está sendo erguida a quarta maior hidrelétrica do mundo. Pouco usada, obsoleta e deficitária, foi erradicada em 1973 e substituída por uma rodovia de terceira classe.

Os técnicos do governo do Amazonas, por sua vez, não preveem qualquer projeto ferroviário para a região, por entenderem que sua vocação é hidrográfica. Assim, pelo menos neste século, jamais se pensou em construir uma ferrovia no Amazonas, embora um português visionário o tenha tentado em 1820, quando o Brasil ainda era colônia. E a Madeira-Mamoré, construída quando Rondônia fazia parte do território amazonense, é um exemplo ainda claro de que a ferrovia fracassou nesta região.

A Madeira-Mamoré, inaugurada no início deste século, tinha 366 quilômetros e dela se diz que provocou a morte de pelo menos 40 mil dos homens que a construíram. Recebeu o nome de "Ferrovia do Diabo" e seu objetivo era impedir a descontinuidade no tráfego do Mato Grosso (e também da Bolívia) até o Atlântico, por via fluvial, então impedido pelas 19 cachoeiras existentes entre os pontos inicial e terminal da ferrovia.

A "Ferrovia do Diabo" serviria para transportar borracha, castanha e outros produtos de extração vegetal, mas a maior parte destes produtos continuou escoada pelos rios Abunan, Mamoré, Roosevelt e Madeira até os portos de Manaus e Belém, onde era comercializada e exportada para o Exterior. Assim, a ferrovia, deficitária, foi nacionalizada em 1931 e desativada a partir de 1972. No lugar dos trilhos surgiu uma estrada que só dá passagem no verão.

São Luiz-Teresina, em abandono
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: arquivo, publicada com a matéria (cor acrescentada por Novo Milênio)

Nos trens do NE, fugindo da seca

Desde o Império até recentemente, as ferrovias do Nordeste exerceram nesta região um duplo papel: primeiro, eram o meio natural para o escoamento da produção açucareira das grandes usinas; depois, o caminho através do qual os retirantes fugiam da seca e da miséria, em direção ao Sul, como passageiros dos lendários transbaianos, hoje extintos. A fuga começava em São Luís, ponto final do sistema ferroviário brasileiro, e terminava em São Paulo ou no Paraná.

Mas na maioria dos Estados nordestinos a linha férrea nunca se pode estender pelo Interior mais distante, miserável e sem atrativos econômicos. Por onde passava, entretanto, foi, até o surgimento das rodovias, o mais importante – senão o único – meio de transporte de cargas e passageiros. Ainda hoje sai um trem de Alagoinhas, na Bahia, em direção a Salvador: é o velho Pirulito, nome que lhe deu o povo, que entretanto quase não o usa mais, pois está sempre atrasado.

As ferrovias nordestinas são de péssima categoria e abrangem, além dos nove Estados da região, também o Norte de Minas, que se encontra na área do Polígono das Secas. Toda a rede é administrada pelas Superintendências de Salvador (Bahia e Norte de Minas) e Recife. Foi aí, em Recife, que surgiu, em 1858, a segunda estrada de ferro do Segundo Império. Na festa de inauguração, homens espantados surgiram no meio dos canaviais para ver o trem passar, cheio de autoridades e convidados frenéticos, dando vivas ao imperador e à rainha Vitória, da Inglaterra – pois os donos da ferrovia eram ingleses: os irmãos Mornay, Edward e Alfred.

Na primeira fase dessa ferrovia começou uma epidemia de cólera-morbo, em 1856, quando foi lançada sua pedra fundamental. Morreram 38 mil pessoas em Pernambuco, entre elas a maioria dos engenheiros da estrada. De forma que as obras atrasaram e a linha-tronco da Great Western of Brazil Railway Company Limited só ficou pronta em 1862, fora do prazo, e os irmãos Mornay "perderam" a concessão do governo, que foi obrigado a resgatar a ferrovia por um ato preço.

Em 1887, quando se inaugurou mais um trecho – hoje desativado – a ferrovia não tinha alcançado nem a metade do caminho entre o porto de Recife e a região são franciscana, para onde se encaminhava. E ali ficou – no meio do caminho. Mais tarde, os fazendeiros de gado – que precisavam levar seus rebanhos para o litoral – conseguiram que o barão de Soledade construísse uma estrada de ferro pelo sertão, até Limoeiro. Assim ele fez, mas as tarifas para o transporte ficaram tão altas que os vagões trafegavam vazios. E os bois eram levados a pé – paralelamente aos trilhos.

Já por volta de 1901, quatro Estados nordestinos possuíam 1.177 quilômetros de ferrovias, apesar de todos esses descalabros. Todas as linhas estavam arrendadas à Great Western pelo governo, por um prazo de 60 anos, e transportando, segundo o historiador Estevão Pinto, "a metade de toda a produção de açúcar do País".

Mas no Nordeste a decadência do sistema começou bem cedo – já em 1918. A importância da Great Western foi caindo até 1930, quando finalmente, deficitária, ela admitiu não suportar mais os prejuízos, começou a descuidar de sua própria manutenção e foi encampada pelo governo antes de encerrar-se o prazo da concessão.

A história dos "resgates" de ferrovias no Nordeste começara bem cedo. Por ocasião da catastrófica seca de 1877, que durou três anos, o imperador dom Pedro ficou tão impressionado com o relato da miséria, principalmente no Ceará, que em menos de três dias decidiu "resgatar" a Estrada de Ferro de Baturité, prolongando-a e construindo ainda a Estrada de Ferro de Sobral, por cujos trilhos mandou transportar milhares de flagelados.

A antiga Rede de Viação cearense, fundada em 1870, chegou a ter 1.485 quilômetros, hoje absorvidos pela RFFSA, cujos técnicos, extremamente pessimistas, tomam-se do maior desconsolo quando olham para suas oficinas, vagões, locomotivas e parques de manobras. O engenheiro José Rego Filho não hesita em informar que "o equipamento atualmente utilizado para os serviços de carga e passageiros é, na sua grande maioria, obsoleto e inseguro".

Embora, na área de influência do Recife, haja quase 3 mil quilômetros de trilhos ligando o Interior de quatro Estados aos portos de Macau, Mossoró, Natal, Cabedelo, Recife e Maceió, transportando anualmente 1,2 milhão de toneladas de carga (o equivalente ao que se transporta, por rodovia, só em Pernambuco), o superintendente-adjunto, Pedro Augusto Melo, garante que o maior problema não é a má qualidade do material rodante (locomotivas e vagões).

Para ele, o que estrangula o aumento das cargas no setor é o excessivo tempo em que os vagões ficam parados nas operações de embarque e desembarque, o que provoca uma ociosidade de mais ou menos 80%. O único setor industrial apto a agir com rapidez nessas operações, acrescenta, é o açucareiro. Nos portos de Recife e Jaraguá (Maceió), um sistema automatizado permite desembarcar um vagão em pouco mais de cinco minutos.

O problema é que, assim como em várias outras regiões do País, também em algumas partes do Nordeste – como em Alagoas – houve uma inversão histórica na economia. Neste Estado, as lavouras canavieiras já não estão, como no passado, ao longo das ferrovias, mas ao Norte e ao Sul, onde só há rodovias. Assim, apenas quatro das 27 usinas alagoanas usam o trem para transportar sua produção.

Razão política, o erro maior

No Piauí, quando não havia rodovias, a estrada de ferro transportava 30% das mercadorias importadas pelo Estado, enquanto o restante circulava por via fluvial. E 90% dos passageiros iam de trem até São Luiz, de onde embarcavam para o Sul em navios do Lóide Brasileiro ou da Companhia Nacional de Navegação Costeira, proprietária dos célebres Itas.

A Estrada de Ferro São Luiz-Teresina não chegava a São Luiz propriamente: os trens paravam em Timon, no lado maranhense do Rio Parnaíba, e cargas e passageiros eram transportados de uma cidade a outra em canoas. Só em 1938 foi construída uma ponte metálica sobre o rio, para servir os trens. Mais tarde, foi adaptada para automóveis e caminhões.

A estação de São Luiz, às margens do Rio Anil, era e é o ponto final do sistema ferroviário brasileiro. Até 1960 a ferrovia atendia a quase todo o transporte do vale do Rio Itapecuru e do trecho do Piauí. Em 1960, o governo construiu uma rodovia paralela à linha férrea (a BR-135), matando a estrada de ferro. Mas a São Luiz-Teresina sempre foi uma ferrovia problemática: seu material rodante era enviado do Sul após ter sido usado pelo menos durante 10 anos. Era o refugo das ferrovias sulistas.

O diretor da Divisão Operacional da RFFSA em São Luiz, Ribamar Franco, argumenta que a via permanente das ferrovias da sua área está afastada dos principais centros de produção agrícola do Estado, daí a inexistência de cargas em grandes volumes – embora se preveja um substancial aumento quando estiver remodelado o ramal que ligará a estrada de ferro com o porto de Itaqui. De qualquer forma, ela sempre se ressentirá de um erro básico na sua construção: foi feita por razões políticas, sem necessidade econômica.

E o Nordeste deve continuar esquecido

O superintendente regional da Rede no Recife, Pedro Augusto Melo, acha difícil o aumento no transporte ferroviário na região nordestina, pois acredita que até mesmo o incentivo federal ao setor deverá beneficiar mais a região Centro-Sul e no máximo até o Sul da Bahia, já que estas regiões têm maior importância econômica.

É possível, portanto, que as ferrovias nordestinas continuem – salvo raras exceções – esquecidas, como já estão desde o tempo em que só recebiam locomotivas e vagões depois que estes eram usados no Sul durante pelo menos 10 anos. Por outro lado, em certas regiões do Nordeste os trechos ferroviários são muito mais longos que os equivalentes trechos rodoviários – daí ser impossível competir nos preços dos fretes.

Apesar de tudo, o superintendente regional da 4ª Divisão Operacional Leste da Rede, com sede em Salvador, Valter Chagas Valverde, afirma que a demanda pela ferrovia é, pelo menos em sua área, "muito maior que as possibilidades atuais". Na sua área de operações – que inclui, além da Bahia, Sergipe e parte de Minas e de Pernambuco – são transportados principalmente minérios, gesso, cimento e derivados do petróleo.

Existem planos, no Recife, para encurtar as distâncias ferroviárias e dar maior velocidade e melhor infraestrutura às ferrovias – mas eles não devem ser prioritários para a administração central da Rede.

Em João Pessoa, na Paraíba, os planos do governo estadual poderão beneficiar a ferrovia, que, ali, teve o objetivo, no passado, de receber as mercadorias importadas através do porto de Cabedelo, pelo qual saíam matérias-primas, no sentido inverso.

Ainda este ano será instalada no porto uma rampa de acesso de navios ao cais pelo sistema roll-on-roll-off, que objetiva buscar uma integração intermodal do transporte de carga, com a progressiva diminuição do sistema rodoviário.

O governo da Paraíba pretende submeter ao ministro Eliseu Resende um projeto propondo um desenvolvimento integrado do porto e do sistema ferroviário básico de carga, "complexo que pode oferecer condições de competição com o transporte rodoviário por meio da redução do tempo e do custo das viagens". O principal argumento: para transportar mil toneladas por quilômetro, o trem consome 20 litros de óleo diesel a menos que o caminhão.

O transporte ferroviário pode ser aumentado no Rio Grande do Norte, principalmente se for aumentado o número de vagões, segundo afirmam técnicos da Rede em Natal. O principal produto na região é o sal produzido em Macau e Mossoró, onde estão as maiores salinas do País, responsáveis por 2,5 milhões de toneladas/ano. Este ano só 200 mil toneladas foram transportadas até o porto de Natal.

Desde 1967, com a inauguração do ferry-boat sobre o rio São Francisco, parte da produção salineira passou a ser enviada para o Sul não mais por navios, mas pela estrada de ferro, que foi mais uma vez requisitada com a inauguração de uma ponte sobre o mesmo rio, em 1972, o que tornou mais eficiente a ligação ferroviária do Nordeste com o Centro-Sul.

Mas, sem vagões suficientes, a ferrovia não consegue atender a mais do que 10% da produção de sal. O assessor da Rede em Natal, Marco Aurélio Cavalcanti, acha, contudo, que a ferrovia, bem equipada, poderia transportar 40% de toda a produção. Outro problema, que se acrescenta à falta de vagões, é o fato de os motoristas de caminhão aceitarem carga a preços inferiores aos das tarifas normais, para não voltarem vazios para o Sul.

Para futuro menos próximo, o Rio Grande do Norte tem três planos para a dinamização de seu setor ferroviário. Um deles prevê o carregamento de calcário da Chapada do Apodi (três milhões de toneladas/ano) para a Siderúrgica de Itaqui, no Maranhão. Para isso, há duas opções: a construção de um terminal específico para o calcário, em Natal, e o transporte direto das jazidas para Itaqui.

Outro projeto refere-se ao transporte do cimento de Mossoró para os mercados consumidores, e o terceiro – único que está sendo executado – prevê o carregamento de barrilha da fábrica que está sendo construída em Macau para o porto de Natal. Na primeira etapa o transporte será de 150 mil toneladas/ano, a partir do segundo semestre de 1982, com 75 mil toneladas/ano de combustível no sentido inverso, para o funcionamento da fábrica.

Na regional da Rede em São Luiz, no Maranhão, pouco se fez nos últimos anos para remodelar o serviço ferroviário, um dos mais deficientes do País. Mas deverá voltar a funcionar logo o ramal do porto de Itaqui – mesmo porque ali será exportado o minério de ferro de Carajás, no futuro. Mesmo antes disso, o ramal poderá aumentar em 200% a movimentação de carga no Maranhão.

Acredita-se que o setor ferroviário maranhense será enormemente dinamizado com a Estrada de Ferro Ponta da Madeira (Porto do Itaqui-Carajás), em fase de construção. Por ela passará todo o minério da Serra de Carajás, e 10% de sua capacidade serão destinados ao transporte de carga da região. A exemplo da estrada de Ferro Vitória a Minas, também deverá transportar passageiros – mas com prioridade total para a carga.

A Amazônia Mineração, subsidiária da Companhia Vale do Rio Doce (que opera a Vitória a Minas), recebeu a concessão do governo federal para operar também a Ferrovia dos Carajás, que será moderna, provavelmente eletrificada, e que custará não menos do que US$ 1,5 bilhão, para transportar 10 milhões de toneladas de carga geral, mais 35 milhões de toneladas (ou 50 milhões, na etapa final) de minério de ferro.

Acredita-se, contudo, em Belém, que sua importância depende da definição do Projeto Carajás como um todo. Se os empreendimentos paralelos ao do ferro – manganês, cobre, níquel e alumínio – forem desenvolvidos, dificilmente poderá absorver a demanda futura de carga geral e passageiros, a não ser no retorno dos vagões de São Luiz para o Sul do Pará, onde se encontram as minas. Ela corre o risco, portanto, de se tornar cada vez mais especializada.

Essa ferrovia encontrou resistência entre os paraenses mais "regionalistas", que não gostam de ver conduzidos "para fora" os recursos naturais do Estado (prefeririam que eles fossem beneficiados no Pará mesmo). Com a ferrovia, o Sul do Pará ficará mais ligado ao Maranhão do que à capital do Estado – o que os paraenses encaram com certo desgosto.

De qualquer forma, prevê-se que a ferrovia começará a operar em 1984, primeiramente a diesel, e depois com a eletricidade a ser gerada em Tucuruí. Seu leito, ao longo de cerca de 900 quilômetros, está sendo feito em terreno plano, embora com algumas áreas alagadiças. Não terá túneis e apenas 11 quilômetros de pontes – a maior dela sobre o Rio Tocantins, com 2.400 metros. Pelos trilhos poderão trafegar composições com três locomotivas e 160 vagões, cada um carregando até 86 toneladas, com a velocidade máxima de 65 quilômetros por hora.

Carga, transporte insuficiente
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: arquivo, publicada com a matéria (cor acrescentada por Novo Milênio)

Investimentos não mudam filosofia

Os 7 bilhões de dólares, que o governo pretende investir na recuperação do sistema ferroviário brasileiro, equivalentes a cerca de Cr$ 427 bilhões, a preços de hoje, significam um apreciável salto na destinação de recursos ao setor, já que, no quinquênio 74/78, foram aplicados apenas Cr$ 100,7 bilhões, ou seja, 14% de todos os investimentos em transportes no País. O sistema rodoviário ficou com a maior parcela, Cr$ 493 bilhões, ou 68,5%.

De 1960 a 1968, 80,6% dos recursos tinham sido destinados ao transporte rodoviário, e apenas 8,1% ao ferroviário. O pequeno aumento dos investimentos no setor ferroviário, a partir de 1974, "não deve ser interpretado como mudança da filosofia rodoviarista vigente, a despeito da propalada crise energética do petróleo", segundo o presidente da Fepasa, Chafic Jacob.

Outro argumento de Jacob é que "a ferrovia é, inquestionavelmente, a modalidade de transporte de menor custo para a comunidade, ainda que produza déficit, à luz da contabilidade convencional". Isso porque, se elas, mesmo quando bem administradas, apresentam déficits, quando analisadas sob a ótica da contabilidade convencional, na verdade a situação se inverteria, talvez, se fossem consideradas, na comparação com o custo dos transportes rodoviários, todas as subvenções "indiretas" oferecidas aos usuários das rodovias. Na verdade, explicam os técnicos defensores deste argumento, não são contabilizados os gastos municipais com obras viárias urbanas.

A contabilidade convencional a que estão sujeitas as ferrovias brasileiras estaria distorcendo a realidade dos seus resultados não operacionais, ou da sua rentabilidade, já que não considera, às vezes, o fato de em muitas ocasiões o serviço ferroviário ser, também, um serviço público, e neste sentido um "benefício" à comunidade.

Chafic Jacob cita exemplos da economia feita em outros países, com o uso racional das ferrovias: nos Estados Unidos, a economia fio de US$ 30 bilhões, em 1975. No Japão, o déficit ferroviário anual é de US$ 4 bilhões – mesmo com a rede do trem-bala, que dá lucro de US$ 1 bilhão por ano -, mas nem por isso aquele país pensa em reduzir essa modalidade de transporte. Pois, apesar do déficit, ela é econômica.

O presidente da Fepasa acha também que as tarifas ferroviárias são irreais, no Brasil – aumentaram 123%, de dezembro de 1978 a julho passado, enquanto no mesmo período as tarifas rodoviárias aumentaram 240%. No mesmo período, o Índice Geral de Preços alcançou 210%. Só essa irrealidade tarifária punirá a Fepasa, neste ano, em Cr$ 2,8 bilhões, o que certamente se refletirá na deterioração da qualidade de seus serviços. A situação se repete na Rede Ferroviária Federal.

O ceticismo entre os empresários

Os empresários da indústria de material ferroviário observam com interesse e apreensão as iniciativas do governo federal de reabilitar suas ferrovias. A preocupação tem razão de ser: um desses empresários lembra que, por ocasião do lançamento do Plano Quinquenal Ferroviário da RFFSA, em 1975, na primeira fase do governo Geisel, as empresas investiram no setor e, em agosto de 1976, as obras foram suspensas.

"A grande verdade era dramática e insólita", revelou este empresário, "pois os recursos para o Plano Quinquenal simplesmente não existiam: os cofres estavam literalmente vazios". O Plano Quinquenal pretendia investir Cr$ 250 bilhões (preços de hoje) em obras de ampliação e melhoria da rede permanente – mais ou menos a metade do que o ministro Eliseu Resende anuncia para aplicar no mesmo programa, nos próximos cinco ou sete anos.

Por isso, os empresários do setor – como explica o vice-presidente da Associação Brasileira de Empresas de Engenharia Ferroviária (Abeefi), engenheiro Mário Carneiro – revelam certo ceticismo quanto à efetiva concretização dos atuais programas e dos futuros. Afinal, as obras do Plano Quinquenal, segundo argumenta, estão paralisadas desde agosto de 1976, pois sua execução se baseava na obtenção de empréstimos externos que não se realizaram.

O diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria Ferroviária – Abifer, Fábio Kowarick, informa que as empresas do setor estão operando com capacidade ociosa. No ano passado, segundo a Abifer, foram produzidos no País 2.513 vagões, menos que a produção do período anterior, 3.053 vagões. Para este ano, previa-se a produção de 2.400 vagões, mas só 1.303 foram entregues até setembro.

Fábio Kowarick aponta três exemplos já clássicos de paralisação de obras no setor: a Ferrovia do Aço, cujas obras só foram retomadas recentemente; a Ferrovia da Soja, no Paraná, cujo plano ficou vários anos na gaveta; e o plano da linha entre Santa Catarina e o Rio Grande do Sul – a Ferrovia do Carvão. Estão abandonados vários planos, como o Anel Ferroviário Sul, que ligaria Jurubatuba a Ribeirão Pires, em São Paulo.

Para Kowarick, a continuidade dos programas é essencial para a indústria ferroviária, pois os pedidos devem ser feitos com seis a oito meses de antecedência. Acrescenta que os pátios das fábricas, por outro lado, estão lotados, com material fabricado com base nas previsões de compra e não procurado pelas ferrovias.

Colaboraram nesta série: Jandira Lobo (Brasília), Joana Miranda (Belo Horizonte), Bruno Cartier (Rio), Joaquim Nery (Vitória), Elaine Borges (Florianópolis), Danilo Ucha (Porto Alegre), Teresa Tenorio (Curitiba), Emiliano José (Salvador), Rodolfo Spínola (Fortaleza), Osnir Vasconcelos (Natal), Nilton Ornelas (São Luís), Lúcio Flávio Pinto (Belém), Lúcio César (Cuiabá), Manuel Lima (Manaus), Lucio Albuquerque (Porto Velho), José Andrade (Aracaju), Freitas Neto (Maceió), Nonato Guedes (João Pessoa), Alberoni Lemos (Teresina), António Carlos Moura (Goiânia), e Antonio Magalhães (Recife). Texto final de Luiz Fernando Emediato.