Texto publicado no jornal paulistano O
Estado de São Paulo em 12 de agosto de 1958, página
18 (Acervo Digital Estadão - ortografia atualizada nesta transcrição):
(foto) Uma passagem do gaúcho Flavio Del Mese, vencedor
da categoria até 1.300 cc
Imagem: reprodução parcial da página original com a matéria
AUTOMOBILISMO
Êxito de Gargiulo na "Subida da Montanha"
Realizou-se anteontem, na antiga estrada para Santos, no
Caminho do Mar, a segunda prova automobilística "Subida da Montanha", promovida pelo jornal especializado "H P". A competição, que se
revestiu do mais completo êxito, contou com um grande número de participantes e outro tanto de espectadores, que se colocaram em vários pontos ao
longo de todo o percurso. O trajeto tem cerca de 7.200 metros, com aproximadamente 800 curvas fechadas, das quais uma apenas, a chamada "Curva da
Morte", apresenta algum perigo, sendo dividida ao meio por um paredão de concreto.
A prova foi disputada do seguinte modo: corre um competidor de cada vez, sendo, no final,
declarado vencedor o carro que, em cada categoria, fizer o percurso em menor espaço de tempo.
Apesar do mau tempo, com uma espessa neblina que prejudicava bastante a visão geral da estrada, a
prova brilhou por sua organização, com um ótimo serviço de cronometragem e um policiamento também bastante rigoroso, levado a efeito pelo D. E. R.
Na categoria até 250 cc., em que tomaram parte apenas Romi-Isettas, o vencedor foi A. Assumpção
Fagundes, com 13' e 31", à frente de M. R. Marques Filho, com o tempo de 13' e 47".
Na categoria até 1.300 cc., a que teve o maior número de concorrentes, o vencedor foi o gaúcho
Flavio Del Mese, com um DKW, no ótimo tempo de 8' e 4", vindo a seguir o Simca de J. A. Barbosa de Campos, com 8' e 10". Os outros foram A.
Castrucci, com MG, 8' e 32"; H. Pereira, com Simca, 8' e 52"; F. Scatamacchia, com Fiat, 8' e 56", e Eduardo Scuracchio, com Volkswagen, em 9' e
10".
A categoria até 2.000 cc. teve como vencedor o Porsche de Guy Whitney, no tempo de 8' e 10",
inferior, portanto, ao registrado pelo DKW de Del Mese, na categoria inferior. O segundo lugar foi conseguido por outro Porsche, o de Angelo
Gonçalves, com 8' e 23", vindo depois o Citroen de R. Marchini.
Na categoria de Força Livre, o único concorrente foi Waldemir Costa, com Nash Healey, que
registrou o tempo de 8' e 44".
Na prova até 2.500 cc., especial, o vencedor do ano passado, Plinio Cerqueira Leite, venceu
novamente com seu Volkswagen especial, no tempo de 7' e 51". O segundo lugar coube a João Rafael Jafet, com Fiat, que registrou o tempo de 8' e 35".
Finalmente, na categoria de Força Livre especial, o vencedor foi o Ford-Sonnervig de Rafael
Gargiulo, com 7' e 13", vindo depois, com quase dois minutos de diferença, o Ford-Sonnervig de Naim Homsi, que fez o percurso com o tempo de 9' e
4".
Os prêmios serão entregues aos vencedores, hoje, na sede do Automóvel Clube do Brasil, à Avenida
Brigadeiro Luís Antonio, às 18 horas e 30.
“Se você pretende saber quem eu sou, eu posso lhe dizer. Entre no meu carro, e na estrada de Santos, você vai me
conhecer”. Em 1958, certamente o rei Roberto Carlos ainda não havia composto a música “As Curvas das Estrada de Santos”, mas sua inspiração pode ter
vindo da II Subida de Montanha, prova de velocidade realizada na Estrada Velha de Santos, o antigo Caminho do Mar. Está certo que Roberto Carlos se
referia à estrada nova, a serra da Via Anchieta – hoje bem velha –, mas naquela época os dois caminhos eram normalmente utilizados pelos paulistanos
para ir e vir da Baixada Santista.
De forma parecida com o que ainda se pratica em São Paulo, no Pico do Jaraguá, a prova do Caminho do Mar reunia
aficionados por carros e competições no pé da serra, para cumprir a subida de 7,2 km no menor tempo possível. O regulamento da prova dividia os
automóveis em duas classes, os normais e os especiais. Os primeiros eram originais de fábrica, com preparo livre porém mantidas as características
principais, com classificação em quatro categorias, até 250 cm3, até 1.300 cm3, até 2.000 cm3 e Força Livre. Os especiais eram carros de corrida,
com qualquer motor, chassi, suspensão e freios, separados em duas categorias, até 2.500 cm3 e Força Livre.
No dia da corrida, exatamente 10 de agosto de 1958, o clima era de euforia. O público se posicionou ao longo do
trajeto, como em provas de rali, para ver de perto carros e pilotos.
Na largada o tempo estava bom, mas da metade do percurso até o topo da serra, mais precisamente da chamada Curva da
Morte até o fim, a neblina tomou conta. Prevista para a 8h00, a largada foi dada às 10h15, porque os organizadores queriam esperar o tempo melhorar,
sem sucesso. Mesmo assim, a prova transcorreu bem, apesar da visibilidade prejudicada.
Inaugurando a Força Livre da classe Especial, Rafael Gargiulo, pilotando um monoposto com motor Ford 8BA, estabeleceu
o recorde da pista, com o tempo de 7min13. Na categoria de até 2.500 cm3, o vencedor foi Plínio de Cerqueira Leite, com um Volkswagen especial,
protótipo parecido com o Porsche 550 Spyder, em 7min51.
Foi a classe normal, no entanto, que reuniu a maior quantidade de participantes, todos com modelos mais conhecidos do
público, como DKW, Fusca, MG ou Porsche. O vencedor da categoria até 250 cm3 foi Álvaro Andrade, com Romi Isetta; até 1.300 cm3 venceu Flavio Del
Mese, com DKW; até 2.000 cm3 o Porsche de Guy Whitney foi mais rápido e na Força Livre venceu a prova Waldemyr Costa, com Nash Healey. Na categoria
até 1.300 cm3 havia ainda MG, Simca 1200 francês, e Fiat 1100. Até 2.000 cm3 participaram Citroën 11 Légère e Porsche.
Quanto aos pilotos, além dos vencedores da classe especial participaram alguns nomes hoje conhecidos, como o designer
Anísio Campos, com um Simca Conversível 1952, Hans Ravache e Godofredo Viana Filho. Destacaram-se o piloto Flavio Del Mese, que saiu do Rio Grande
do Sul com seu DKW 1951 para participar da prova, Wilson Fittipaldi, que narrou a prova pela Rádio Panamericana, e Primo Carbonari, que realizou um
filme jornalístico da prova para divulgá-la nas salas de cinema de todo o Brasil.
Muitos não puderam participar da II Subida de Montanha por uma razão hoje óbvia, mas na época não muito lembrada
pelos pilotos: a falta do capacete. A comissão organizadora foi firme na questão e seguiu à risca as regras da FIA – Federação Internacional de
Automobilismo, com a supervisão da Comissão Desportiva Regional do ACB, o Automóvel Clube Brasileiro de Angelo Juliano e Osvaldo Fanucchi, e pela
Polícia Rodoviária. A entrega dos prêmios, troféua e medalhas, foi feita na sede do ACB, na rua Brigadeiro Luiz Antônio, em São Paulo.
Para a realização desta reportagem utilizei material gentilmente cedido pelo engenheiro Jorge Lettry, chefe da equipe
Vemag de Competição nos anos 60, que esteve na prova como repórter do Jornal HP, um dos organizadores da II Subida de Montanha. As fotografias são
de seu acervo pessoal, assim como as informações retiradas de seu texto feito para o antigo jornal. No dia em que estive com Lettry em sua casa, no
município de Atibaia, SP, para que ele me contasse esta história, passamos nada menos que oito horas conversando sobre automóveis, corridas e
pilotos. Jorge Lettry faleceu com 78 anos de idade.
A próxima vez que você passar pela estrada de Santos, hoje Rodovia dos imigrantes, a mais moderna do país, lembre-se
que há mais de 50 anos a história era outra, e que, antes de Roberto Carlos imortalizar a Via Anchieta, heróicos pilotos fizeram história no antigo
Caminho do Mar.