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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - TÚNEIS SECRETOS
Novamente, a gruta misteriosa

A história dos túneis, contada outra vez, em 1953
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Artigo publicado em 19 de abril de 1953, na página 9 do jornal santista A Tribuna (ortografia atualizada nesta transcrição). Vale notar que a expedição preconizada pelo autor não ocorreu, e cerca de 14 anos depois ele ainda tentava organizá-la, falecendo sem conseguir a concretização de seu intento:
 


Imagem: reprodução parcial da matéria original

A gruta de São Jerônimo

Recordando a "catástrofe" do Monte Serrate - Um mistério santista desvendado pelo acaso - Seria de Braz Cubas o refúgio histórico? - A futura exploração da gruta revelará talvez o seu grande segredo

Francisco Martins dos Santos

(Fundador do Instituto Histórico e Geográfico de Santos)

Amanhecia o dia 10 de março de 1928. Santos acordava entre boatos de morte e de hecatombe, com as novas lugubrejantes que corriam por toda a cidade: "O Monte Serrate, o morro sagrado dos santistas, desabara!" Havia dezenas, centenas de pessoas soterradas! A Santa Casa, o velho Hospital, desaparecera sob as avalanches de pedra e barro!

Até gente que nunca saíra tão cedo, saiu para o centro, para o início da Rua de São Francisco: todos queriam ver o terrível sinistro, para certificar-se da extensão do fato propalado, imaginando a confirmação de tragédias fantásticas...

A chamada "catástrofe" do Monte Serrate abalava uma sociedade inteira, com o cortejo pomposo e comum dos seus exageros, tão do sabor da gente brasileira.

Lá estava, afinal, a encosta sangrada, como se uma garra monstruosa de rapace ou carniceiro houvesse corrido pelo flanco do morro santista, exibindo o vermelho do barro velho empapado das chuvas.

Soldados, operários e bombeiros se agitavam na base e à meia-encosta, nos primeiros socorros e providências, procurando evitar a continuação do desmonte e salvar aqueles poucos homens e animais que lá estavam sob o talude corrido, morrendo ali mesmo, junto deles, ao peso daquelas incontáveis toneladas de terra acumulada.

Ao mesmo tempo, naqueles poucos dias em torno, o comércio, a indústria, os Poderes Públicos, o funcionalismo, o povo inteiro, entraram a fazer o que lhes era possível, reuniam dinheiro, recursos, para valer futuramente, aos estragos do Hospital atingido e às vítimas possivelmente arrancadas à morte ou às suas famílias de improviso lançadas ao desamparo.

Dois espetáculos, notáveis sem dúvida, patéticos, comoventes, se processavam ali, no mesmo passo, para a História: o do desastre da natureza e o do socorro e solidariedade dos homens aos seus semelhantes, enquanto fervilhavam as conjeturas e as opiniões sobre as possíveis causas da "catástrofe"...

Para uns fora um castigo da Santa, como protesto à existência de cabaré-cassino no tope do morro, junto à sua ermida, com jogo de azar e danças, com atividades profanas, barulhos e alvoroços irreverentes... castigo que, em última análise, teria caído sobre os inocentes da base do morro!...

Para outros, fora a trepidação constante do UPA e do CUPA, apelidos pitorescos dados então aos bondinhos ou elevadores da Empresa Monte Serrate (de pouco peso, por sinal...), desagregando, deslocando gradativamente, as camadas inferiores do barro em declive fortíssimo!...

Para outros ainda fora a chuva, a água, em suas infiltrações longas, de meses e anos a fio, surpreendendo a imprevisão ou incúria dos homens e aproveitando a ausência das defesas técnicas contra a erosão. A razão parecia e devia estar com estes últimos.

Lá fora, no Brasil e no mundo, as notícias apareciam tão deturpadas pela imprensa sensacionalista, que todos comentavam e lamentavam o soterramento da cidade de Santos, de toda a nossa comprida Santópolis, pelas "avalanches" de barro e pedra do Monte Serrate... em lugar daquela pequena área de quarenta metros quadrados, que de fato fora soterrada!...

A coisa foi assim: aconteceu, ferveu, cresceu, agitou-se e depois foi esfriando, decrescendo, reduzindo-se, anulando-se, morrendo com o passar dos dias, deixando apenas rescaldos, além da certeza de alguns sustos, de alguns sofrimentos, de algumas vítimas, de alguns prejuízos, de alguns burros mortos, e de vários milhares de contos de réis que ficaram para a Santa Casa, produzindo (valha-nos isso!) o milagre da construção do grande e novo Hospital do Jabaquara.

***

No bojo daqueles fatos, porém, ficava um fato de extraordinária importância, não esquecido, mas irrevelado, porque sua notícia não chegara ao povo, sacrificada pela chuva das notícias de maior emoção ou de sensação momentânea, imediata. É que o desmonte espetacular daquelas incontáveis toneladas de barro velho revelara aos olhos daqueles poucos homens que tiveram o privilégio de galgar a encosta ferida do morro, a presença de uma gruta majestosa, cavada e trabalhada pelo homem de outros séculos, ostentando ainda, à sua entrada, um portão de ferro fundido, gradeado, como portão de presídio, onde a devastação do tempo e da terra se apresentava em escamas ferrugíneas pinceladas de ocre.

Na pressa das providências que deviam impedir a continuação do desmonte, não houve tempo para achado; era preciso impedir que a erosão atingisse os alicerces do grande edifício da Empresa Monte Serrate, que lá ficara no tope, rápida e imprevistamente situado a pequena distância do barranco aberto em precipício.

Ainda assim, uma ligeira exploração pôde ser feita no monumento que se revelara. O pesado portão, ao primeiro arranco dos operários, ruiu sobre o chão, desfeito em fragmentos maiores e menores, tal o seu estado de decomposição, revelador dos séculos decorridos sobre os seu soterramento.

Estava aberto o caminho e era só penetrar, vencendo os naturais receios. O portão dava para uma sala grande, espaçosa nos três sentidos, calçada de lajes, com bancos compridos dispostos em dois lados, e em suas paredes havia inscrições esquisitas. Havia depois um corredor escuro, levando para o coração do morro; dobrava mais além para a direita, para o mistério... porque a exploração parou ali: o ar se rarefazia, a treva aumentava, e era preciso aparelhamento adequado, para penetração e defesa dos devassadores. Estavam todos assombrados com o que viam, mas já sem tempo para contemplações e raciocínios, e menos ainda para novas explorações.

Alguém teve a lembrança de chamar um fotógrafo (velho Marques Pereira) e este apareceu, mas sem magnésium, demonstrando receios, limitando-se então a fotografar a gruta, pelo lado externo, com o portão já desfeito, abandonado no chão, fotografia que possuímos e que por ora não estampamos ilustrando o nosso trabalho, ela que é a única prova material da existência do magnífico refúgio seiscentista revelado pelo acaso, e que poderia até localizá-lo, prematuramente...

Onde iria ter a gruta? Ninguém o soube. Houve ordem para recuar e escondê-la até mais tarde, até que alguém se lembrasse de devassar de novo e mais amplamente o misterioso monumento do passado santista.

Um lençol de tijolos e cimento emparedou o achado; sobre esse lençol, um novo talude de barro e pedra desceu, betumizado em sua superfície, igualado a toda a encosta revolucionada e socorrida pela técnica: eis o depoimento que possuímos.

Quem saberá hoje, onde fica a preciosa gruta? Apenas dois homens, talvez, à distância de vinte e cinco anos, poderão agora localizá-la e redescobri-la, para que se decifre a incógnita dos séculos.

Com a descoberta ocasional da Gruta de São Jerônimo, todo um passado se revela: abre-se um novo capítulo da História da nossa Santos; completa-se um trabalho que nós mesmos escrevemos e publicamos em 1940, sem saber da sua existência, em nosso livro: Lendas e Tradições de uma Velha Cidade do Brasil (pgs. 54 a 62), sob o título: A primeira manifestação de Nossa Senhora do Monte, em que descrevemos a invasão holandesa de 1614, a escalada do morro sagrado pelos soldados de Joris Van Spilbergen, em perseguição dos santistas que nele se refugiavam, carregando seus valores, seus haveres transportáveis - ouro, prata, jóias, dinheiro, obras de arte, alfaias dos templos e outras coisas mais.

Era isso, principalmente, que os holandeses buscavam, não na capela da Santa, mas na gruta, para onde todos naturalmente corriam, e que nós ignorávamos ao fazer aquelas descrições. Uma repetição da Gruta histórica e conhecida de "Nossa Senhora do Desterro", obra seiscentista do famoso ferreiro Bartolomeu Fernandes Gonçalves, um dos fundadores ocasionais de Santos, cuja história também havíamos incluído naquela mesma obra citada.

É pois, daquele ano e daquela ocasião, o primeiro desmonte, tomado como o primeiro milagre da Santa, em defesa de sua gente.

Um mundo de sugestões nos ocorre diante da nova página aberta no grande e comprometido livro dos nossos primeiros tempos. Seria a nossa Gruta um refúgio comum e costumeiro do nosso povo e seus valores nos dias de invasão? Haverá riquezas enterradas em seus meandros? Seria ela uma repetição das "salamandras" argentinas e sul-americanas, as capelas ou mesquitas clandestinas dos judeus coloniais dos primeiros séculos, onde eles realizavam, às escondidas, as suas práticas? Neste caso, as inscrições notadas não indicariam ali a existência de um muro "das lamentações", onde os crentes e "cristãos-novos" lançassem seus nomes, numa invocação de socorro a Jehovah?

O curioso é que ela se encontra nas antigas terras de Braz Cubas, terras particulares compradas a Domingos Pires e Pascoal Fernandes, nas proximidades da segunda morada santista do ilustre filho de João Pires Cubas, um dos principais e o mais famoso dos fundadores da cidade. Seria dele a gruta? Teria sido feita por ele sem que passasse à história?

São muitos os mistérios a resolver com a sua próxima exploração oficial, para maior prestígio histórico de Santos.

***

Muito breve, ainda neste outono, terá o nosso povo a revelação esperada e sensacional. Lá iremos com os seus descobridores casuais ainda vivos em "bandeira" com a participação do novo prefeito, talvez, que há de desejar isto, como um dos expoentes da nossa cultura, com a colaboração e chefia científica do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, com a participação da Associação dos Engenheiros, da Imprensa e de outros estudiosos interessados, sem privilégios, sem ambições, sem egoísmos e sem vaidades, a devassar e iluminar aqueles segredos, em nome da nossa cultura; em nome da CIDADE.

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