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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - SANTOS EM... - LIVROS
Séc.XX - por Edith Pires Gonçalves Dias (11)

Um passeio pela cidade de Santos, com os olhos que a viram durante boa parte do Clique na imagem para ir ao índice deste livroséculo XX: assim é a obra Santos de Ontem, de Edith Pires Gonçalves Dias, publicada em 2005 pela autora, com apoio cultural da Fundação Arquivo e Memória de Santos (FAMS), Universidade Metropolitana de Santos (Unimes) e Museu Martins Fontes (mantido pelo Instituto Cultural Edith Pires Gonçalves Dias), todas instituições santistas.

Com 179 páginas, o livro teve curadoria de Rafael Moraes, revisão de Manuela Esquivel Rodriguez Montero e Manuel Leopoldo Rodriguez Montero, capa de Marco A. Panchorra, projeto gráfico de Marcelo da Silva Franco, colaboração de Cynthia Esquivel e impressão Cromosete. A autorização para esta primeira edição eletrônica foi dada pela autora a Novo Milênio, em 30 de julho de 2010. Páginas 119 a 151:

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Santos de ontem

Edith Pires Gonçalves Dias

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A PRAIA ANTIGA

As lembranças registradas nestas páginas mostram o valor das tradições desta cidade. Muitas coisas desapareceram em nome do progresso, fatos que os mais idosos lamentam sempre. Nessa volta ao passado, que tanto me encanta, vamos nos situar no grande terreno onde foi levantado o Clube Internacional de Regatas, ponto final dos bondes que circulavam pela praia.

Iniciando nossa caminhada, encontramos o majestoso prédio onde funciona o Museu de Pesca. Ele foi construído para abrigar a Escola de Aprendizes Marinheiros. Parece-me ver ainda aquele enorme grupo de pré-adolescentes que, ali internados, estudavam tudo que se relacionasse com esse ofício, saindo aptos para trabalhar nos navios mercantes e até mesmo nos de passageiros.

Desvendavam todos os segredos desse gigante que é o mar. Sabiam como enfrentar as marés altas e como singrar suas ondas. Aos domingos, eles costumavam fazer um passeio pela orla da praia, acompanhados por atentos monitores. O mesmo azul do céu, no terno dos seus uniformes. Para mim, ainda menina, essa cena, sempre repetida, jamais se banalizou. Era uma eterna domingueira! A praia ainda se encontrava em seu estado primitivo, mas era uma bela moldura para esse grato espetáculo. O que mais impressionava a todos que o assistiam era a disciplina existente.

Prosseguindo o passeio, chegamos ao local onde hoje é a Rua Inglaterra. Desse ponto, até a Rua Trabulsi, estava a chácara de Robert Sandall. Ele era inglês e a esposa descendente de alemães. Um de meus irmãos casou com uma filha do casal, o que nos aproximou. Na chácara muitas plantas, arvoredos, orquídeas raras, tudo demonstrava organização e expressivo bom gosto. A casa bem no meio do terreno era térrea e com muitos cômodos, pois a família era numerosa, coisa comum naquela época. Não se falava em planejamento familiar e todos os filhos que Deus mandava eram acolhidos com igual alegria.

Passados muitos anos, quando os filhos se casaram, a chácara foi dividida em lotes, onde os novos casais erguiam suas residências. O atalho ao lado se transformou na bela Rua Inglaterra, homenagem ao país berço do proprietário. Esse terreno ia até a Avenida Epitácio Pessoa.

Vocês, meus leitores, não podem imaginar como é gratificante lembrar nitidamente esses detalhes. À semelhança de um filme, temos a visão das transformações e do progresso, calcado nas novas edificações, de acordo com o aumento da população. Não sei se acontece com todos, o que acontece comigo. Das pessoas amigas com as quais convivi, guardo uma lembrança especial.

Do casal Helena e Robert Sandall, lembro um fato singular. Eles freqüentavam cultos religiosos aos domingos, embora com crenças diferentes. Era lindo quando ele deixava a esposa, católica, na missa do Embaré, e prosseguia seu caminho até a Praça Washington, para o culto na Igreja Presbiteriana. Maravilhoso respeito mútuo, cada um aceitando a religião do outro.

De onde terminava o terreno dos Sandall, até a esquina do Canal 6, era um terreno enorme que pertencia ao meu pai. Sempre generoso, apoiando as iniciativas dos filhos, cedeu graciosamente esse espaço para ali funcionar o Atlântico Clube, fundado por Arnaldo de Barros Pires, eterno esportista, de marcante espírito comunitário. Era muito querido, sobretudo no meio cafeeiro, e conseguiu rapidamente um grande número de sócios.

Não tinham condições de construir muitas dependências, mas o essencial foi levantado. Havia um bom campo de futebol, mas a grande glória do novo clube foi construir um rinque de patinação. Não era coberto, mas Santos, naquela época, não era tão castigada pelas chuvas. À sua volta, numa parte cimentada, eram dispostas numerosas cadeiras para acomodar os que gostavam de apreciar um bonito esporte. Logo foi formado um time de hóquei, a maioria militante de firmas cafeeiras. Vieram times até do Paraná para competir com o Atlântico Clube, não raro o vencedor.

Cito alguns atletas de que ainda me lembro: Oswaldo Faria de Paula, Mauro Botti, Waldir Campos Pacheco, Mário Andrade, Edilberto e Jayminho Kannebley, Edmar e Ademar Porchat de Assis, Thomas Richer, Caio de Barros Penteado, Teco Cândido Gomes, Orlando de Barros Pires, José Carrijo, Linares, entre outros apagados da memória.

Todas as noites as famílias se reuniam no clube. Os que ensaiavam os primeiros movimentos sobre os patins, agarrados à grade que rodeava a pista, ofereciam momentos cômicos com suas quedas. Mas o aprendizado era rápido, os novatos num instante deslizavam com facilidade. Os mais aptos ofereciam bonitos espetáculos, semelhantes aos balanços às vezes executados por casais, ao som das valsas vienenses.

Havia concursos para patinadoras. Eu aprendi com a maior facilidade e até competia com as já moças. A melhor de todas era a Irba de Castro Rios. Como eu a admirava! Mas, pasme, eu sempre era classificada. Tenho do Atlântico CLube as mais belas e gratas lembranças. Nem a praia e o banho de mar me atraíam tanto quando a patinação. Todo tempo permitido, lá estava eu, deslizando sobre os patins, que eram diferentes dos de hoje. Lamentavelmente, esse clube não teve grande duração, pois com a crise financeira que abalou a América em 1929, afetando as firmas cafeeiras, meu pai vendeu a propriedade, para honrar seus compromissos.

O grande terreno foi ocupado mais tarde pelo Hespanha Foot Ball Club que, em razão dos efeitos da 2ª Guerra Mundial, mudou sua denominação para Jabaquara Atlético Clube. A simpática agremiação da colônia espanhola está hoje instalada em grande terreno no bairro da Caneleira, onde manda seus jogos no Estádio Hespanha.

Quando o Jabaquara vendeu o terreno da Ponta da Praia, sua sede foi demolida e loteada. No local surgiram muitos prédios de apartamentos, lojas e até mesmo um supermercado. Sempre o progresso andando com rapidez incrível!

Prosseguindo nosso passeio, chegamos ao Instituto Dona Escolástica Rosa, escola que passou por grandes transformações. Seu idealizador, João Otávio dos Santos, era padrinho de minha mãe, ligação afetiva que faz me deter em seu histórico, como fiz em matéria de minha autoria, publicada no jornal A Tribuna em 31 de março de 1990.

Nascido em berço humilde, conquistou invejável condição econômica graças à sua capacidade de trabalho e determinação. João Otávio foi, sobretudo, uma criatura generosa que amparou muitas entidades filantrópicas.

Ao falecer, aos 70 anos, deixou a maioria de seus bens para a Santa Casa de Misericórdia, mas também, a responsabilidade de realizar o seu grande sonho: a construção e instalação de uma escola profissionalizante para preparar crianças de poucos recursos para o mercado de trabalho, em seus vários setores. Um idealismo muito nobre, que certamente nasceu do fato de ter nascido pobre. A importância por ele deixada, principalmente através de propriedades alugadas, daria para manter o empreendimento.

Bastante previdente, ao perceber que não teria muito tempo de vida, em razão de ser acometido de uma arteriosclerose, um pouco antes de morrer lavrou testamento, nomeando único testamenteiro o seu grande amigo Júlio Conceição, que desempenhou um árduo trabalho, respeitando as vontades expressas nesse documento.

Não foi uma tarefa fácil, mas depois de um período bastante longo, foi construída a escola dos sonhos de João Otávio, planejada pelo engenheiro dr. Ramos de Azevedo. Vencidas todas as lutas, em 1908 era inaugurado o Instituto D. Escolástica Rosa, que dessa maneira perpetuava o nome de sua mãe, uma mulher humilde, mas grande batalhadora.

João Otávio foi minucioso e cauteloso ao idealizar essa notável escola. Nenhum detalhe foi omitido. Muitos alunos passaram pela escola, dali saindo profissionais que souberam exercer seu trabalho com eficiência.

Durante 25 anos a Santa Casa administrou o Instituto com a renda dos imóveis deixados por ele. Mas com a sua desvalorização, foi se tornando difícil manter o seu funcionamento. No ano de 1933 foi firmado um convênio com o Governo do Estado, que passou a dirigir o modelar estabelecimento de ensino.

Várias modificações desvirtuaram totalmente suas atividades iniciais. Hoje, só o prédio, de uma notável arquitetura, nos lembra a antiga escola! E a vontade de seu idealizador não foi respeitada.

No terreno ao lado dessa escola era a residência da família Cox. Uma construção imponente. Mais tarde ela foi adquirida pelo empresário Carlos Caldeira Filho, que a reformou completamente, nada transparecendo da antiga construção.

Vale lembrar que Caldeira foi prefeito nomeado em nossa cidade, quando Santos ainda não havia reconquistado sua autonomia política. Serei eternamente grata a ele por ter declarado de utilidade pública o meu amado "Casarão Branco", através do decreto municipal nº 5.645, assinado aos nove de outubro de 1979. Estava salvo esse monumento de arquitetura que hoje é motivo de orgulho para os santistas.

Na antiga residência de Carlos Caldeira Filho funciona hoje uma lanchonete e nada mais restou de suas antigas formas.

Ao lado, uma casa grande, de portão alto, foi durante muitos anos a residência da família de Jayme Kannebley. A seguir um grande sobrado, residência dos Battendiéri. Na esquina, residia a família de Renato Pinho.

Atravessando a rua, encontrava-se a residência de Manoel Varella, uma casa bem no fundo do terreno, de arquitetura simples e que mais tarde foi demolida, dando lugar a uma notável construção, revestida de pedra, que tinha como destaque um painel de azulejos portugueses e um grande jardim, onde eram encontradas belas espécies de orquídeas. Continuou sendo habitada pela referida família.

Mais adiante, encontramos um casarão enorme onde residia a família Patti. Ao lado, duas grandes casas geminadas, onde moravam os irmãos Miryam Pacheco de Barros Penteado e Waldir de Campos Pacheco. Elas tinham na parte superior um grande terraço envidraçado. Da rua podíamos ver a Miryam, que muito cedo se revelou uma grande artista na pintura, postada à frente do cavalete onde as telas recebiam as imagens criadas por suas mãos privilegiadas.

Essa quadra terminava com duas casas isoladas, mas iguais. Numa residia a família de Duílio Pinto Novaes e na outra a família Amaral Castro, à qual pertencia uma excelente pianista, Thereza Amaral Castro. Atravessando a Rua Alexandre Martins, de esquina, a majestosa casa construída por Pérsio Martins e que se tornou famosa pelas aves de grande beleza que povoavam seu imenso jardim.

Elas constituíam uma verdadeira atração turística. Era comum vermos pessoas postadas atrás do gradil que a circundava, as crianças penduradas no seu paredão, gozando daquele bonito espetáculo. Durante muitos anos, essa casa foi ponto de parada de quantos transitavam pela avenida. Como tantas outras coisas que enalteciam a nossa cidade, essa construção sofreu a ação das picaretas, para ser erguido em seu terreno um grande conjunto de apartamentos. Nessa construção foi ocupado também o terreno ao lado, onde havia uma casa muito antiga que fora habitada pela mãe de Pérsio Martins.

Seguiam-se várias residências de paulistanos, que só as ocupavam nos meses de temporada. Ultrapassada a Rua Anália Franco, pegado à casa da esquina, uma construção que merece especial registro. Eram duas casas geminadas, diferentes entre si, o que lhes dava a aparência de serem apenas uma. Elas foram construídas por dois irmãos médicos, dr. Teophilo Falcão e dr. Edgard Falcão.

Entre essa construção e uma outra a seguir, havia um enorme corredor que levava a uma casa térrea enorme, cujo terreno também ia até a Avenida Epitácio Pessoa. Não sei quem ali morou em época passada, mas ali residiu até falecer o sr. Leônidas Carvalhaes durante os anos 40.

Justamente nessa ocasião, meus pais decidiram residir novamente em Santos e a alugaram. Logo formaram uma enorme horta, graças à competência de um excelente empregado, o Seu Antônio, que apelidamos de "Chitão", pois era assim que ele se expressava ao referir-se ao nosso grande dr. Washington Luiz. Apesar de andar curvado, em razão de um problema na coluna, era um jardineiro muito ativo.

Nessa época eu já estava casada e morava na casa do tio Bulle, a apenas uma quadra dali. Costumava ir até a horta pela manhã, com uma cesta, para trazer as verduras fresquinhas e "sem agrotóxicos', pra o nosso almoço. Um fato digno de registro era um vizinho de papai, mas de frente para o mar. Era uma casa muito grande, rodeada de arvoredo onde, nos anos 30, morava a família de Mauro Goulart. Muitas vezes fui ali, quando me preparava para o vestibular da Escola Normal com a professora d. Zeny de Sá Goulart, que também foi vereadora de nossa Câmara Municipal. Tenho um enorme respeito pela sua memória.

Mas à época que meus pais moravam na casa dos fundos do célebre corredor, ali residia o dr. Justino, sogro do Manoel Varella. Aos domingos, logo cedo, meu pai ia buscar os jornais e trazia-os também para seu vizinho. Este, sensibilizado pela sua atenção, quando se referia a ele, assim se expressava: "O mais encantador dos vizinhos"... Essas coisas realmente só aconteciam na "Santos de Ontem"!

Atravessando a Avenida do Canal 5, na esquina havia uma grande casa térrea que pertencia ao dr. Ernesto de Castro, amigo dileto de meu pai e que tinha essa propriedade para veraneio e fins de semana. Em São Paulo, até morrer, residiu na Avenida Paulista, na esquina com a Praça Oswaldo Cruz, a célebre Casa das Rosas, que hoje é um espaço cultural. Felizmente ela não foi sacrificada. Ele era um empresário do ramo de importação e meu pai colaborou algum tempo nos serviços de sua firma.

Ao lado, havia uma casa também de paulistanos, que pertenceu ao Carlos Caldeira Filho, antes de adquirir a casa da família Cox. Na esquina seguinte, a residência de Lafayette Pacheco. Quando fui sua vizinha, em 1941, tivemos um grato relacionamento e guardo preciosas lembranças de dona Adelaide, sua mulher, que era irmã da esposa do dr. Costa e Silva Sobrinho.

Perdoem-me se envolvo nessa narrativa tantos fatos que enriqueceram minha existência. Sabemos que hoje existem vizinhos que nem se cumprimentam. Parece que o espírito de convivência está desaparecendo a cada dia. Felizmente, fui criada conhecendo o dever que temos de cumprimentar os vizinhos e até mesmo pessoas que não conhecemos, quando estão conosco no elevador. Todos sabem o quanto sou extrovertida. Adoro comunicar-me com as pessoas. É o que estou fazendo através deste livro. Quem sabe se ele poderá despertar, em muitos, a lembrança de fatos já esquecidos?

Atravessando a Rua Sampaio Moreira, erguia-se a grande casa do tio Bulle, onde fui tão feliz! A casa primitiva era também um bangalô, mas eles decidiram transformá-la num sobrado, o que resultou num prédio muito lindo. Tinha uma característica especial, um cômodo no terceiro andar, que apelidamos de torreão. Ali foi instalada uma biblioteca. Acomodados em confortáveis poltronas de couro marrom, podíamos entregar-nos à leitura, ou simplesmente apreciar o espetáculo do mar beijando a praia com suas ondas. Pintada de branco, foi apelidada de "bolo de noiva". Bem merecido! Ainda durante a reforma, meus tios compraram um terreno ao lado, onde foi feito um jardim encantador, onde, nos fundos, havia uma cerca viva que escondia a horta e o galinheiro.

No jardim havia um enorme lago com criação de peixinhos e, na frente, um coreto de onde podíamos apreciar o movimento. Tinha uma sombra acolhedora, oferecida por um enorme "chapéu de sol".

Hoje, nesse local, ergue-se o Edifício Paineiras. Sempre que ali compareço para visitar minha querida "prima Augusta", voltam-me à lembrança os dias felizes em que ali morei, criando meus filhos naquela largueza...

Entre essa casa e uma residência que foi construída por um casal de São Paulo, havia um terreno vago, onde após muitos anos se construiu um prédio de apartamentos. A referida casa foi comprada pelo saudoso advogado dr. Ariosto Guimarães. Acompanhei o namoro e o noivado de seus filhos Lílian e Orlando. Assisti ao casamento de ambos. Num passado não muito distante, eu disse à Lílian que ainda lembrava do vestido dela, no dia de seu noivado. Era de cor verde alface e sua saia apresentava um babado em cascata, muito usado naquela época. Ela ficou admirada de minha memória! Essa casa hoje é ocupada por um conceituado restaurante.

Prosseguindo em nossa caminhada, encontramos uma casa que quase sempre estava fechada, propriedade também de paulistanos. A seguir, chegava-se à casa da família Golzi. Quando namorava, eu me sentava no murinho que sustentava a sua grade, a exemplo de outros casais de namorados, amigos entre si, que "alugavam" os muros disponíveis... Que bom tempo!

Vizinho aos Golzi, havia um grande sobrado da família Pierri e, a seguir, o bangalô da família Raposo, de todos guardo preciosas lembranças. Suas portas estavam sempre abertas para nosso grupo e ali realizavam festas para que pudéssemos dançar. Não havia as "baladas"!

Quando converso com Gilda Raposo Scheneider, lembro com emoção esse bom tempo, quando as amizades não eram convencionais, mas vividas intensamente. Ao sairmos do Casarão Branco, mudamos para a casa vizinha ao bangalô de Gilda. Foi uma temporada muito feliz de minha vida.

Na esquina da Rua Oswaldo Cóchrane residia o senhor Cunha, casado com uma integrante da família Ribeiro dos Santos. Ele é que nos alugou a referida casa (N.E.: essa casa, que tinha o endereço postal de Ponta da Praia, 55, também pertenceu antes a Heitor de Morais, cunhado do escritor Monteiro Lobato, onde este se hospedava constantemente. No final do século XX, em lugar da casa foi construído o edifício Gaivota). Mais tarde, quem residiu nela foi o dr. Eduardo Delamare, que já não está mais entre nós.

Às vezes entristeço-me de ver que o pessoal do meu tempo vai desaparecendo, e, conseqüentemente, meu patrimônio afetivo vai ficando mais pobre.

Do outro lado da rua era a residência da família Luiz Caiaffa. Como a maioria das construções que marcaram a época em que as praias começaram a ser habitadas, essa casa era térrea e bem distante da avenida. Rodeada de enorme jardim e quintal pontilhados de grandes árvores, era um lugar muito aprazível.

Caiaffa era uma criatura muito generosa, que se dedicou principalmente aos internos da Casa da Criança. Constantemente os trazia para passarem os dias em sua casa e gozarem das delícias da praia, do banho de mar e dos folguedos no espaço de seu amplo terreno. Eu me encantava com o alarido feito por eles! Como admirava esse gesto do grande filantropo.

Ele se notabilizou também pelas festas juninas que oferecia todos os anos, numa grande chácara que possuía, no Boqueirão da Praia Grande. Esse acontecimento ficou famoso e era aguardado com ansiedade pelos amigos que ali compareciam. Eu ainda era uma adolescente e um mês antes já começava a me preparar para comparecer devidamente caracterizada. Havia fartura de doces e salgados, também obedecendo ao estilo da festa. Apesar de ser servido o famoso quentão, ninguém se embriagava. Acho que antigamente as pessoas eram mais comedidas.

Pegado aos Caiaffa havia uma grande casa térrea que aparentava ser muito cômoda. Seus proprietários, paulistanos, raramente vinham a Santos. O imóvel estava sempre fechado, apenas um caseiro zelava por ele e o mantinha cuidadosamente tratado. Nele se destacavam muitas flores de coloridos diferentes e gramados sempre aparados.

Em seguida vinha a residência da família Ribeiro dos Santos, uma família muito querida. O Gastão e o Memé, apelido do Américo, freqüentavam muito a nossa casa, amigos que eram de meus irmãos. Às vezes eu lembro da turma que vinha jogar tênis e croquê, no casarão branco; das festas que mamãe improvisava na grande sala de aula; da edícula depois da casa; das tardes ouvindo música na sala onde havia um piano de cauda, rádio e vitrola. E chego à conclusão de que, embora não houvesse televisão, computadores e vídeos, nos divertíamos muito.

Nossa quadra de tênis estava sempre à disposição dos amigos. Ninguém se escravizava aos divertimentos. Tudo era aproveitado com muita naturalidade, sem atropelos.

Dona Anita, a matriarca da família Ribeiro dos Santos, criatura de grande bondade, ainda em vida manifestou o desejo de que futuramente ali fosse construída colônia de férias para crianças do interior, cujas famílias não tinham condições de proporcionar-lhes uma temporada na praia. Seu desejo tornou-se realidade. Hoje, no local onde ela morou nos últimos anos de vida, ergue-se a Casa da Vovó Anita que, ao longo do tempo, vem cumprindo fielmente as suas finalidades.

Causa-me alegria e emoção, quando passo pela sua frente e vejo a criançada, cuidadosamente monitorada, atravessar a avenida em direção à praia.

O alarido que fazem assemelha-se ao barulho dos pássaros ao entardecer. Seus olhinhos brilham de alegria! Podemos imaginar o que devem contar quando retornam às cidades onde residem...

Seguia-se um sobrado onde moraram os Rocha Leite. Depois uma casa de porão alto, onde viveu a família de Olavo Ferraz, até se transferirem para o Rio de Janeiro.

Em seguida a residência dos Bento de Carvalho, cujos filhos Pedro, João e Josette eram também nossos amigos.

Simeão, o filho mais velho, era campeão de natação. Mas, por uma ironia do destino, encontrou a morte de uma maneira trágica, quando passava uma temporada no Rio de Janeiro. Nadando em uma de suas praias, como bom nadador que era, afastou-se muito, entrando pelo mar adentro. Acometido de forte cãibra, como se presumiu, não pode retornar, morrendo de afogamento.

Toda a cidade chorou por sua partida. À semelhança da saudosa Renata Agondi, outra vítima do mar que tanto amava!

Seu vizinho era o saudoso farmacêutico Vahia de Abreu, que durante muitos anos manteve sua farmácia na Avenida Senador Feijó. Era uma figura respeitável. Tinha os cabelos e a barba completamente brancos. À noite costumava sentar-se numa cadeira de vime colocada na calçada. Todos que por ali passavam gostavam de conversar com ele durante alguns minutos. Ele era de uma simpatia irradiante e dono de grande sabedoria.

Em seguida, a casa da família Linares. Seus vizinhos eram os Moraes Barros, uma família também muito simpática.

Na esquina do Largo da Igreja do Embaré, residia a família Sion, onde hoje se encontra o Edifício Lucy.

No princípio do século passado, ainda existia a segunda capela de Santo Antônio do Embaré, que substituiu a pequena capela construída pelo visconde do Embaré dentro de sua chácara. Ela era bem no fundo da praça. Quando se tornou pequena para receber os fiéis, construiu-se a basílica que é considerada, hoje, uma autêntica obra de arte. Minuciosa nos detalhes, a basílica é admirada por quantos visitam nossa cidade. Para construir a atual igreja, avançaram alguns metros à frente, gerando protestos de moradores das ruas laterais, mas o incidente foi esquecido.

Na quadra seguinte, que vai até o Canal 4, moravam as famílias de Julieta Panzoldo, dos Del Nero, do dr. Inácio Pascoal Bastos e de David Medeiros. Este era bastante brincalhão. À noite ele abria a porta e janelas de sua sala de visitas e sentava-se ao piano, passando-se por pianista. Fazia todos os movimentos, como se estivesse executando uma música. Mas na verdade ele colocava na sua vitrola discos de pianistas famosos. Os que o conheciam divertiam-se com sua brincadeira e, aos que era um estranho apenas, impressionava seu suposto talento.

Por mais que revolva o arquivo de minhas lembranças, não encontro nenhuma brincadeira de mau gosto. Tudo se originava de uma alegria pura, sadia. Havia muito respeito entre as pessoas.

Atravessando a avenida do canal 4, durante muitos anos, na esquina, havia um terreno enorme onde dois chapéus-de-sol, com sua imensa copa, ofereciam uma sombra acolhedora.

Foi mais ou menos no princípio dos anos 40 que a família Scurachio, grandes industriais de São Paulo, ali construíram uma casa enorme com padrões mais modernos. Pobre casa! Não resistiu à expansão imobiliária e foi demolida para dar lugar a um enorme prédio de apartamentos.

A seguir havia uma casa não muito antiga e que tinha algo que nos intrigava. O proprietário era um advogado de São Paulo. Quando ele chegava, abria-se um grande porta e o carro entrava na casa, não deixando perceber quem eram os seus passageiros. Aquilo era um tabu, para os que moravam nas proximidades. Em geral, as garagens eram sempre um pouco mais para o fundo do terreno. Um dia, o mistério foi esclarecido. Por questões de bens materiais, ele fazia crer que sua mãe, bastante idosa, já falecera.

Mas, na verdade, ele a mantinha escondida de todos e como sua cabecinha já não funcionava bem, aceitou essa situação sem atinar com as razões que a provocaram. Mas um dia a polícia recebeu uma denúncia anônima e, munida de uma ordem de busca e apreensão, apresentou-se ao proprietário da casa, que custou a franquear-lhes a entrada. Foi o tempo de esconder a pobre velhinha num guarda-roupa. Mas ela foi encontrada pelos policiais. No dia seguinte, o caso era noticiado nos jornais com uma manchete em letras enormes: "Idosa é mantida em cativeiro pelo próprio filho". Guardo até hoje o nome da pobre velhinha, dona Josina do Amaral.

Eu era ainda pequena, mas fiquei impressionada com semelhante selvageria. Todas as vezes que eu passava pelo seu portão, espichava-me para ver se havia algo anormal. Sei lá o que se passava em minha cabecinha. Sei que a família afastou-se completamente da casa, que permaneceu fechada longos anos e acabou sendo vendida.

Até agora só tenho lembrado de coisas alegres, mas hoje são tão comuns os seqüestros, que esse caso deixou de ser muito expressivo. Resta-me dizer: "O que faz o dinheiro!".

Pegado a essa cada existia a Pensão Embaré, de propriedade de um casal de portugueses muito simpáticos. Quase nunca recebia turistas. Ali moravam muitas professoras e algumas famílias que a escolheram como moradia, pela tranqüilidade que oferecia. A casa ficava bem distante da avenida e na sua frente havia um grande arvoredo e alguns bancos onde as senhoras se reuniam fazendo seus bordados, crochês e tricôs. Era um ambiente de muita paz.

Nossos passos atingem o casarão branco que tanto amo e onde tive a felicidade de morar por muitos anos. Quando lá estou, em razão de minhas atividades como diretora secretária da Pinacoteca Benedito Calixto, e dos eventos que se realizam com bastante freqüência, sinto uma felicidade muito grande por que ele se tornou um patrimônio da cidade. Não corre mais perigo de ser destruído como os outros a que me referi.

Mais uma vez tenho de expressar minha gratidão ao prefeito dr. Osvaldo Justo que, mesmo contrariando interesses econômicos daqueles que cobiçavam o maior terreno de toda a praia, salvou-a da mão impiedosa da picareta. Hoje ele é uma referência da cidade. Seria um crime destruir esse monumento de arquitetura que retrata tão bem uma época áurea da cidade.

Quando fomos residir nessa casa, havia ao seu lado outra pensão, bastante barulhenta, por hospedar os artistas que se apresentavam no Cassino Miramar. Quando terminava o espetáculo e vinham para a pensão, faziam um barulho enorme que perturbava o nosso descanso.

Certo dia, meu pai decidiu adquirir o imóvel que, uma vez desocupado, foi totalmente reformado e alugado para famílias de trato, até ser vendido para a família de Núncio Malzoni.

Logo depois se encontrava a residência da família Emílio Wisling. Era uma casa moderna, de grande comodidade, e que nós freqüentávamos, vez que sua cunhada tinha o meu nome e apenas um ano mais de idade. Ela tinha uma irmã mais velha e outra que se casara com o sr. Wisling e assim passaram a viver todos na bela propriedade.

O interessante é que a casa ali construída há muitos anos, bem longe da avenida, foi conservada como era. Os móveis antigos que a decoravam eram maravilhosos e as festas da família eram realizadas nesse local. Era chamada carinhosamente de "casa velha". Nossas famílias tornaram-se muito amigas.

Os moradores seguintes foram os Vaz Guimarães, uma família que se tornou muito amiga da nossa. Apenas dois deles continuam como eu, desafiando o tempo. A Antonieta e o José Roberto.

Vizinhos deles eram os familiares do cônsul da Suécia. Ele tinha duas filhas moças, mas, talvez por serem de cultura e costumes diferentes, tínhamos um relacionamento superficial. Não chegou a ser amizade.

Logo depois havia duas casas geminadas, pertencentes também a famílias de São Paulo. O caseiro de um delas, durante o dia, trabalhava como arrumador em nossa casa. Manter limpa essa casa de grande dimensão como a nossa não era tarefa fácil. Ainda não existia aspirador, enceradeira elétrica, produtos de limpeza milagrosos. Eram apenas sapólio e sabão em pedra!...

Na esquina da Rua Oswaldo Cruz havia um bar freqüentado pelo pessoal do bairro, que ali passava horas conversando.

Chegamos a um ponto de grande importância nesse passado que traz tantas saudades! A quadra compreendida entre as avenidas Bartolomeu de Gusmão, Conselheiro Nébias, Epitácio Pessoa e Rua Oswaldo Cruz. Ali foi construído em 1896 o Teatro e Cassino Miramar, um grande centro de recreação, freqüentado por todas as famílias santistas. Famoso além de nossas fronteiras, pelas festas ali realizadas, além do carnaval, sediava também espetáculos teatrais e grandes cantores, como Caruso e Gardel, que se apresentaram com grande sucesso.

Da mesma forma que o Teatro Coliseu, também o Miramar foi ampliado e reformado em 1923. Oferecia aos freqüentadores um restaurante requintado, um bar americano especializado em saborosos aperitivos. Oferecia inda um novo salão de jogos, luxuosamente decorado, que se tornou o mais famoso da América do Sul. Contava também com cinema e pista de patinação.

Em suas dependências fundou-se a mais antiga estação de rádio de nossa cidade, a Rádio Clube de Santos. Foram seus fundadores: Frederico Hafers e Max Valdez, ambos médicos, Alexandro Ratti, Jovino de Mello, Mimi Caldeira, Antenor Rocha Leite, Hermenegildo da Rocha Brito e Duarte Pacheco.

A fase brilhante do Miramar se estendeu até 1929, quando todos foram atingidos pela quebra da Bolsa de Nova Iorque. O Miramar não resistiu aos efeitos desse grave acontecimento e acabou fechando suas portas.

Permaneceu desativado por longos anos, mas eu me comovia quando ali passava e lia o seu slogan gravado no alto do muro: "Venha ao Miramar ainda mesmo que chova". E me vem agora um pensamento: a chuva jamais afetou os seus freqüentadores, mas a queda do poder econômico acabou por afastá-los de vez. Como tantas outras coisas que tiveram o seu apogeu, o grande Miramar, de tão gloriosa trajetória, foi abatido pela mão poderosa do infortúnio. Mas jamais será apagada a lembrança de quem o conheceu.

Durante a 2ª Guerra Mundial, o Miramar transformou-se num quartel. Algum tempo depois, não tendo mais utilidade, foi demolido, seu terreno loteado, dando lugar a muitas construções, tanto de residências, como de casas de comércio e apartamentos.

Deixemos para trás essa lembrança melancólica. Atravessando a Avenida Conselheiro Nébias, nos vemos à frente do Parque Indígena, que foi motivo de orgulho para os santistas. Formado numa área de mais de dois mil metros quadrados, abrangia o enorme terreno desde a avenida da praia até a Rua Embaixador Pedro de Toledo. Não era conhecido apenas como o Parque Indígena, mas também como a Chácara do Júlio Conceição.

A residência da família era toda branca, destacando-se entre o verde das plantas e o colorido das flores ali cultivadas. Com extraordinário bom gosto ele formou o jardim, o pomar e uma grande estufa onde colecionava plantas raras. Por todo o jardim encontravam-se bancos feitos com ossos de baleia, idéia bastante original. Criava peixes diversos em tanques devidamente preparados. Impossível descrever a beleza de sua cultura de orquídeas. Quando ali entrava, parecia-me estar em outro planeta... Cada recanto simbolizava um especial romantismo, possibilitando dar asas aos sonhos que povoavam minha mente. Mesmo sendo numa época em que os valores ainda não tinham sido atingidos pela lamentável inversão hoje existente, sentia-me flutuar ao sabor dos devaneios de adolescente.

Júlio Conceição iniciou a sua obra, logo que se desincumbiu da construção do Instituto D. Escolástica Rosa, em 1909. Pesquisava atentamente tudo que pudesse fazer parte do seu empreendimento. Não media esforços para realizar o desejo de prover o parque, com desmedido amor, de tudo que pudesse enriquecê-lo. Quem teve o privilégio de conhecer o Parque Indígena em sua intimidade, pode avaliar facilmente o seu amor pela natureza.

Falecendo em 1933, sua imensa obra começou a ser destruída. A coleção de orquídeas, adquirida pela Prefeitura, foi levada para o Orquidário Municipal. Se meu desejo pudesse ser realizado, a Prefeitura haveria de comprar todo esse imenso e belo parque e transformá-lo num rico patrimônio para nossa cidade. Admiro toda beleza existente no Orquidário, mas o meu saudosismo não permite que ele supere o Parque Indígena.

Sua entrada era pela Avenida Conselheiro Nébias, através de imenso portão ladeado por duas colunas encimadas por leões de cimento, como se fossem os guardiões do imenso parque. Júlio Conceição tinha um amor tão grande pelas suas plantas que, quando a Prefeitura pediu-lhe que cedesse um pequeno espaço do seu terreno para arredondar a curva da avenida, ele concordou, mas impôs um condição: que a palmeira existente nesse local fosse mantida. Sua solicitação foi atendida, o muro foi arredondado e a palmeira ficou na calçada por onde circulavam os pedestres. Ao seu redor foi construída uma mureta para protegê-la. Era comum nos sentarmos nessa mureta, à espera do bonde que nos levaria para o Colégio São José. Sempre os bondes enfeitando a minha saudade! Essa quadra ia até a Rua da Paz. A Rua Ângelo Guerra foi aberta depois que a chácara foi desativada e loteada, ensejando novas construções.

Guardo nítida a lembrança de algumas pensões que funcionavam nesse local: a Pensão Glória, e a Pensão São João, que pertencia ao Cícero Fontes. Ainda nessa quadra, a casa da família Domingues Pinto. Na sua frente havia um banco onde ficavam apreciando o vai-e-vem dos carros, bondes e pessoas. Meus olhos se enchem de lágrimas ao lembrar da querida Helena, que há pouco nos deixou pra fazer a grande viagem rumo às moradas do Pai. Sua lembrança não pode ser dissociada da imagem do dr. Marcílio Dias Ferraz, que foi o médico da nossa família, enquanto clinicou. Um sábio, uma criatura de grande bondade. Quanta dedicação, quanto amor à profissão o caracterizava. Ele pertence ao grupo dos que não morrem, ficam apenas encantados. Resta-nos agradecer a Deus, de lembrar dos fatos e pessoas do passado!

Mais adiante havia a residência do gerente da Cia. City, o dr. Bernardo Browne. Em seu terreno hoje existe o Edifício Belmar e, na frente que dá para a Rua Arthur de Assis, ergue-se a magnífica sede da Associação dos Engenheiros e Arquitetos de Santos. Seguia-se um sobrado não muito antigo, onde moraram a família Pinto de Oliveira e a família do dr. Cyro Werneck.

Terminando essa quadra havia um bangalô de porão alto, onde moramos quando retornamos a Santos em 1921, depois de alguns anos em São Paulo, motivo por que lá nasci. Ali ficamos até a reforma do casarão branco terminasse. Depois que mudamos de lá, ali esteve durante muitos anos a Pensão Eva.

Na outra esquina erguia-se o palacete da família Silva Pinto, que possuía várias casas na redondeza. Havia um menino de quatro anos, o Edgard, e eu, com apenas três, dizia que ele era meu namorado. Que precocidade!

Mais tarde, nessa casa, que era bastante ampla, funcionou o Instituto Braz Cubas, cujo curso primário era um excelente preparo para ingresso de seus alunos em um dos ginásios já existentes. Nunca esquecerei o carinho de d. Corina e d. Olga Teixeira com meu filho Ciro, quando seu aluno. Essa escola era um magnífico exemplo de estabelecimento de ensino.

No local onde hoje se constrói o Edifício Clube XV, no mesmo terreno onde existiu a 8ª sede do famoso clube, houve antes uma casa pertencente à The Western Telegraph Company. Ela foi adquirida pelo clube, nos anos 60, para construir sua nova sede, inaugurada em 1969, por ocasião das comemorações de seu 1º centenário.

Dirigindo-nos ao outro lado do Canal 3, temos o Palacete São Paulo, o segundo prédio de apartamentos construído em nossa cidade. Felizmente, sua arquitetura original foi conservada e com muita justiça foi tombado pelo Conselho de Defesa do Patrimônio (Condepasa). Ele é o marco de uma época.

Dessa esquina até a Rua Jorge Tibiriçá, existiam várias casas onde residiram os Tormim, os Silvio Malzoni, os Zancaner. E na esquina onde hoje se encontra o Edifício Santa Cecília, era a casa da família de Ismael de Souza, inspetor da Cia. Docas de Santos por muitos anos. Esse imóvel está nítido na minha memória. Era um sobrado grande e na entrada de carros havia uma elevação. Quando terminou a revolução de 1930, o povo envolveu-se em badernas por toda a cidade e um desses grupos pretendeu atacá-los, embora o sr. Ismael de Souza não fosse político.

Ele era um grande administrador. Deu-se então um fato memorável. Seu filho Olavo, que era ainda um adolescente, postou-se na referida rampa e conseguiu impedir a injusta agressão. Tenho boas lembranças de suas três filhas, Nídia, Carmen e Vera, minhas contemporâneas no Colégio São José.

Na quadra seguinte, alguns sobrados eram alugados para temporada. Minha tia Etinha, residente na cidade de Ribeirão Preto, passou várias temporadas em um desses sobrados. As crianças esperavam as férias com ansiedade, para gozarem do prazer que nossa praia oferecia.

Bem na esquina da Rua Carlos Afonseca, era a residência dos Pedro dos Santos.

Nesse agradável passeio pelo passado, chego ao local em que meu coração fica apertado em razão da saudade que sinto do Parque Balneário Hotel, cartão de visita de Santos. Quando ele foi demolido, uma tristeza foi sentida em toda a cidade. Lamentavelmente não surgiu uma "turma do não" que se opusesse à agressão sofrida pela nossa tradição.

Ocupando toda a quadra, o hotel tinha ao seu redor um jardim maravilhoso em meio a árvores seculares. Era um verdadeiro parque. Ao lado havia duas quadras de tênis, usadas não apenas pelos seus hóspedes, mas também por amigos dos Fraccaroli, proprietários do majestoso hotel. Muitas vezes eu levava minha filha, ainda pré-adolescente, para praticar esse elegante esporte. Era seu parceiro o Alfredo, filho dos Dell'Aringa, nossos grandes amigos. Isso nos anos 50. Havia muitos bancos por todo o jardim e que eram muito procurados.

A princípio, no início do século XX, quando foi construído, o Parque Balneário era apenas um bloco. Mais tarde foram aumentando em razão da grande procura por pessoas de todo o Brasil e mesmo por estrangeiros. Por ele passaram pessoas ilustres ligadas à política, como o dr. Júlio Prestes e o dr. Carlos de Campos e muitos outros. Em seu recinto foi lançada a vitoriosa candidatura de Washington Luiz à presidência da República, que ali se hospedou muitas vezes, mesmo na sua volta do exílio.

Quantas vezes ali se hospedaram Guiomar Novaes, Margarida Lopes de Almeida e muitos outros valores de nosso mundo artístico. Por várias vezes fui visitá-las e me encantava com a decoração do tão famoso hotel. Lustres estrangeiros, móveis entalhados. No término das escadas havia sempre uma estátua de bronze com uma lâmpada na mão. Quando decidida sua demolição, antiquários, colecionadores de obras de arte e mesmo pessoas que admiravam o que ali existia, puderam adquirir muitas peças.

Uma das construções mais importantes do famoso hotel era o Kursaal, com entrada pela Avenida Ana Costa. Era de grande luxo. Na parte térrea foi instalado um fino salão de barbeiro, freqüentado pelos hóspedes e pela alta roda masculina de nossa cidade. Fazia parte desse anexo o Salão de Mármore, ricamente decorado, onde eram realizadas homenagens importantes e chás da elite. O salão de jogos estava sempre lotado. Não apenas pelos que gostavam de jogar, mas também por pessoas que ali iam para um convívio amigo com seus conhecidos.

Enquanto o jogo foi permitido, o Parque Balneário atraía muitos turistas afeiçoados a esse tipo de diversão. O restaurante era requintado. Louças, talheres, cristais, tudo do mais alto luxo. Havia ainda um grande salão de baile, sempre procurado pelos formandos de nossas principais escolas. Eram famosos os bailes de carnaval. O baile de formatura de minha turma, em 1936, foi nesse majestoso cenário. Outras festividades tinham como palco esse nobre salão.

Com a proibição dos jogos, teve início a decadência do hotel, agravada também pela queda do poder econômico.

Como já disse antes, sempre guardo uma lembrança mais especial, de lugares e de pessoas. Eu teria talvez uns doze ou treze anos, quando nos chegou a notícia de que havia um incêndio no Parque Balneário. Minha mãe, assustadíssima, levou-nos até o local, mas o incêndio, iniciado num dos apartamentos, não era de grandes proporções e logo foi dominado pelos valorosos bombeiros. Entre os que comentavam sobre o ocorrido, ficamos sabendo que fora causado por um curto-circuito. Ocupava esse apartamento a família de Benedito Gonçalves, que ali se hospedara devido à reforma de sua mansão, bem em frente ao Colégio São José.

Em meio às dificuldades financeiras para a manutenção do hotel, os Fraccaroli o venderam para o Santos Futebol Clube. Mesmo com intensa campanha de venda de títulos, o Santos não conseguiu mantê-lo e finalmente o vendeu para o grupo empresarial liderado por Cláudio Doneux. O empreendimento imobiliário projetado resultou na demolição do tão querido hotel.

Todas aquelas árvores seculares tombaram, à semelhança de soldados que na guerra são eliminados por balas inimigas.

Ali foram construídos dois conjuntos residenciais, totalizando cinco prédios, que ocuparam toda a frente pra a praia. Na parte de trás, um hotel de luxo e um centro comercial, com todos os requisitos exigidos pela época que vivemos. Passado algum tempo, o hotel foi adquirido pelo grupo Mendes, que se desfiliou da rede "Holiday Inn", voltando a se chamar Parque Balneário, para alegria dos santistas.

O que restou do antigo e glorioso hotel? Apenas um anexo, de frente para a Praça Rotary, onde durante algum tempo funcionou um departamento do Centro de Saúde de Santos, mas hoje sem qualquer ocupação, um leão adormecido. Tardiamente tombado pelo Condepasa, ele hoje pertence ao empresário Armando Lopes. Resta a nossa grande saudade!

Atravessando a Avenida Ana Costa, passamos pelo Atlântico Hotel, que felizmente vem se mantendo fiel às suas tradições. A seguir havia o Hotel Bandeirantes, que, demolido, deu lugar ao Edifício Bandeirantes.

Na esquina, o Hotel Avenida Palace, que desde então pertence à família Dias Marcelino, hoje com muitos sucessores.

Do outro lado, o prédio onde hoje funciona a Caixa Econômica Federal. Ele foi construído pelo Jockey Clube de Santos, sociedade que viveu sua fase áurea, mas também entrou em declínio, até encerrar suas atividades. Foi adquirido pelo Clube XV, que ali permaneceu de 1934 até 1969 e depois o vendeu ao sr. Carlos Paiva.

Seguindo pela Avenida Presidente Wilson, havia o estabelecimento A Sereia, que alugava cabines para troca de roupa, bem como os maiôs, para as pessoas que iam à praia. Eram pessoas que vinham do centro da cidade ou de outros municípios, atraídos pela beleza das nossas praias.

Ao seu lado, a residência da família Ciriaco Gonzalez, um conceituado construtor. Uma casa de porão alto, com um escadaria na sua frente que levava ao alpendre por onde se ingressava na sala principal. Muitas vezes estive na casa, já que minha colega Odette era membro da família. Falando nessa tão querida colega, lembro de uma passagem que me faz sorrir até os dias atuais.

A Odette Gonzalez, assim como a Leonor Levato, não tinham jeito para desenho. Para lhes garantir uma boa nota, eu os fazia para ambas. Assim foi durante todo o curso. Devo confessar que isso até me incomodava! Afinal, estávamos as três enganando a tão querida professora, d. Quercita Falcão, aliás, um criatura boníssima, só alma e coração!

Depois que nos formamos, minha consciência pareceu-me acomodada. Mas acontece o imprevisto. Depois de quarenta anos fui conviver com a querida professora no Liceu Feminino Santista, onde fazíamos parte da diretoria. Minha consciência voltou a me perturbar... Decidida que sempre fui, resolvi contar-lhe o que fazia, pois tinha a certeza do seu perdão. Aí, a surpresa! Quando acabei de confessar o meu delito, ela olhou-me com imenso carinho e disse sorrindo: "Você pensa que eu não sabia? O estilo dos desenhos era o mesmo, mas sua generosidade e coleguismo também me eram conhecidos!" Respirei aliviada! Selamos essa confissão com um afetuoso abraço.

Pegado à casa dos Gonzalez, desde 1918, funcionava a Balneária, a princípio apenas uma padaria, que depois diversificou suas atividades e até poucos meses atrás, era também um restaurante especializado em frutos do mar. Tinha uma freguesia certa e era procurado pela maioria dos turistas que chegavam à nossa cidade. Quando li a notícia de que fechavam suas portas, depois de uma trajetória tão gloriosa, mais uma vez senti dolorido o meu coração e lágrimas dançaram em meus olhos. Não consigo receber com naturalidade o fim de alguma coisa que fazia parte de nossa história e tradição.

Daqui até o canal 2, havia muitas casas que serviam de moradia a famílias mais tradicionais, mas com o tempo aproveitadas para a instalação de pensões e pequenos hotéis. Despertava a vocação turística de nossa cidade e era preciso adaptá-la de forma a receber os que nela chegavam.

A propriedade mais notável, depois do Canal 2, era a residência da família do dr. Silvério Fontes. Uma casa em estilo colonial brasileiro, em meio a enorme jardim. Ali residiu o nosso grande poeta Martins Fontes. A expansão imobiliária não a poupou, impedindo sua preservação para a ideal instalação de um espaço cultural. Em seu lugar foi erguido o Edifício Piratininga. Como homenagem ao seu especial morador, foi colocada bem em frente, no jardim da praia, uma herma com o busto de Martins Fontes.

Desse trecho até a Rua Olavo Bilac, encontrávamos algumas residências que eram muito conhecidas. Uma delas ainda está bem nítida em minha memória. A da família Demétrio Tourinho. Afastada da avenida e cercada por um bonito jardim, chamava a atenção pelos vidros das janelas, todos com desenhos jateados, de extremo bom gosto. Tinha um ar de nobreza que me encantava! Lembro-me com carinho da Maria Amélia, da família Tourinho, muito bonita e agradável. Foi minha contemporânea no Colégio Stella Maris. Ao lado, as casas de número 78 e 80, térreas e muito simples, durante muitos anos pertenceram ao meu pai, que as alugava para temporada ou cedia aos familiares que o desejassem.

Na esquina, a casa de Arlindo Aguiar, que ainda existe até hoje, resistindo heroicamente à febre da demolição. Ali funciona um restaurante... Quando ocupada pela conhecida família, lembro-me que havia um banco na calçada, onde eles costumavam sentar, para apreciar o movimento de carros, bondes e pessoas. O portão de entrada era de canto e possuía uma cobertura como se fosse um telhado. Pois bem. Esse portão foi palco de um trágico acontecimento.

Certo dia, em que chovia bastante, o sr. Sizino Patusca, pessoa muito conhecida e querida, abrigou-se no portão à espera do bonde. Um carro desgovernado subiu na calçada e o atingiu. Nesse acidente, perdeu uma perna. Ele era pai de Araken Patusca, jogador do Santos Futebol Clube, ainda ao tempo do amadorismo.

Na esquina ao lado, uma referência muito especial. O Palacete Olímpia, no número 91 da avenida, que tem uma particularidade muito importante. Foi o primeiro prédio de apartamentos construído em nossa cidade. A notícia do empreendimento espalhou-se rapidamente e pessoas de outras cidades vinham a Santos com o intuito de conhecer a grande construção. Esse prédio mantém a arquitetura original e, por ser reconhecida a sua importância no contexto de nossa história, também foi tombado pelo Condepasa. Inaugurado em 1928, um dos seus primeiros moradores foi o dr. Magalhães Castro, afamado médico homeopata. Quando meu pai ia consultá-lo, levava-me consigo e eu adorava principalmente pela oportunidade de andar de elevador, coisa pouco comum naquela época.

Ele tinha uma filha, a Helena, que cantava muito bem e se acompanhava ao violão. Apresentou-se com sucesso no Clube XV.

Ao seu lado, havia uma casa muito ampla, a de nº 94, onde minha família passava temporadas no início do século XX. Uma de minhas irmãs mais velhas nasceu ali. Ela foi demolida junto com outras que se seguiam e hoje temos nesse espaço um supermercado.

Foi num casa muito grande, nessa quadra, que foi fundada uma escola para ensinar o Inglês, por d. Carolina Souza Dantas Forbes, de parceria com uma professora desse idioma. Chamava-se Colégio Anglo-Americano. Esse colégio chegou a funcionar em outros locais. Um dia, Aglair de Lima Burgos, professora formada pelo Colégio São José, decidiu estabelecer uma escola e colocou esse nome, dando continuidade àquela que fora fundada com grande amor. Hoje, o Colégio Anglo-Americano, que funciona em instalações amplas e que oferece vários cursos, é uma escola exemplar. Ela fica na Avenida Ana Costa, esquina da Rua Joaquim Távora. Aglair partiu para as moradas do Pai, deixando muitas saudades em todos que tiveram o privilégio de tê-la como amiga. E suas filhas continuam à frente da escola, seguindo fielmente as diretrizes traçadas por sua saudosa mãe.

Também nesse pedaço da Avenida Presidente Wilson, funcionou durante algum tempo o Santos Rinque, uma ampla pista de patinação coberta, mas não durou muito.

Mais adiante, existia um palacete que, segundo se contava, fora construído pelo embaixador Macedo Soares. Algum tempo depois, foi vendido para o empresário Haroldo Florez.

Ali residiram muitos anos e tive a oportunidade de conhecê-la, em razão da amizade com sua mulher, a saudosa Márcia. Externamente, a casa era num tom de verde claro e tinha um ar nobre. O seu acabamento interno era de grande requinte. Pisos de mármore, lustres estrangeiros. Todos os ambientes tinham a finalidade de oferecer a maior comodidade aos seus moradores. Quando essa família deixou a casa, ela foi se deteriorando até ser demolida para dar lugar a mais um prédio de apartamentos.

Outras casas que se seguiam tiveram igual destino. Numa delas morou o médico dr. Júlio Moreno.

Atravessando o Canal 1, uma lembrança triste. Bem na esquina branca que mais parecia um castelinho, residia a família de Amadeu Pícone. Certo dia, um jovem de tradicional família, os Castro Andrade, pilotava uma moto em alta velocidade e, perdendo a direção, projetou-se de encontro ao seu muro, morrendo na hora. Foi um dia triste em nossa casa, pois nossas famílias eram amigas.

Mas outra tragédia viria a acontecer com a família que residia na referida casa. Eles tinham ido a São Paulo e retornavam pela Estrada do Mar, que hoje designamos como a Estrada Velha. No banco da frente ia o Amadeu, conduzindo o carro. A seu lado o pai. No banco de trás iam sua mãe e a irmã. Em determinado trecho ocorreu um lamentável acidente: o carro bateu num poste que se abateu exatamente sobre o banco da frente, matando pai e filho. As passageiras do banco traseiro nada sofreram, além da grande dor de perder seus entes queridos. Toda a cidade sofreu com esse acontecimento.

Em seguida vinha a Pensão Paulista, que tinha uma excelente fama e muito procurada pelos turistas. O progresso, sempre exigente, fez com que eles construíssem um grande prédio que passou a ser o Hotel Paulista, conservando o conceito anterior.

Atravessando a Rua Casper Líbero, chega-se ao Universo Palace, enorme prédio que se divide em residências e lojas comerciais, inclusive uma boate. Antes, nesse terreno, existiu um hotel de gloriosa memória, o Palace Hotel, uma primorosa construção, no estilo "art nouveau", que chamava a atenção pelo seu luxo e que também recebia grande número de hóspedes ilustres. O espaço ao seu redor era imenso. O jardim iluminado por artísticos lampiões. Essa construção, exemplo de bom gosto e requinte, também não se preservou. Se conservada, seria um importante atração turística. Juntamente com o Hotel Parque Balneário, ele retratava uma época de fausto.

Mas muita coisa ainda sobrevive, desafiando o tempo. credito na preservação de muitas dessas riquezas, pois nosso povo e especialmente o poder público, estão compreendendo que é preciso lutar contra a ambição imobiliária, para impedir a destruição de tantas tradições que enriquecem o patrimônio histórico de Santos.

Atravessando a Rua Cyra, onde hoje se ergue o Edifício Marajoara, que chegou a ser o prédio mais alto da cidade, era a casa de Godofredo Faria, grande empresário do comércio cafeeiro. Era uma grande mansão, também de grande luxo. Diziam que foi a primeira casa a ter banheiros coloridos. Quando o Marajoara foi construído, no espaço de seu grande jardim, a casa foi conservada e sua entrada passou a ser pela Rua Cyra. Mas chegou o dia de também ser destruída e toda aquela riqueza se desfez.

Lembro-me muito bem do seu proprietário. Ele tinha um bela limusine, dirigida por seu motorista, com a qual passeava pela praia todas as tardes, quando retornava do centro da cidade. Brincando no jardim, eu prestava atenção nesse fato. Ele era de fato uma figura imponente. Às vezes, eu lhe fazia um aceno e ele correspondia.

Chegamos próximos à Rua Newton Prado, onde, durante muitos anos, numa confortável casa, morou o grande artista de dança, coreógrafo de renome, Décio Stuart. Seu pai, bastante idoso, era visto todas as tardes, apoiado na madeira do grande portão, acompanhando calmamente o movimento da avenida. No fundo, havia o estúdio, o ateliê, onde muitas moças de nossa sociedade recebiam as aulas, tornando-se grandes bailarinas. Podemos citar Cecília Botto de Barros e Gláucia Wagner. Mesmo depois do falecimento de seus pais, o mago da dança continuou ali residindo. Não conheci essa casa por dentro, mas tenho conhecimento de que ele colecionava obras de arte valiosas. Décio Stuart era pessoa de gosto apurado, alma afeita às artes.

Um simpático sobrado na esquina foi por muito tempo residência de Tonico Faria, militante no comércio cafeeiro. Sua filha Yolanda freqüentava nossa casa. Na quadra seguinte moravam outras famílias: os Caldeira, os Proost de Souza e outras que já nem me recordo. Do lado esquerdo da avenida, no final do século XIX, foi construído o Hotel Internacional, já que Santos era procurada por pessoas de outras cidades. Mas Santos crescia vertiginosamente, com a migração de famílias para a orla. O hotel desapareceu, dando lugar a grande número de prédios, mudando a paisagem do José Menino.

A construção da Via Anchieta, por iniciativa do dr. Adhemar de Barros, governador de São Paulo, foi uma obra corajosa que trouxe um grande impulso para nossa cidade, cujo acesso tornou-se fácil e rápido. Na quadra final da avenida da praia, não havia muitas construções. Hoje temos ali o Caiçara Clube, que ocupa uma grande área, lamentavelmente passando por dificuldades financeiras, como a maioria dos clubes.

Quase na divisa com São Vicente, em terreno encostado ao Morro do José Menino, foi construído um prédio de apartamentos, o Edifício Holiday.

Chegamos finalmente ao fim da avenida da praia. Durante muitos anos ela se encontrava em seu estado primitivo, pois ainda não fora ajardinada. Foi nos anos 30 que o prefeito dr. Aristides Bastos Machado iniciou o seu embelezamento, construindo os jardins que se tornaram famosos no mundo todo. É considerado o maior jardim de praia do planeta, por esse motivo incluído no Guiness Book, o que muito nos honra.

A avenida, que a princípio era estreita, tendo na sua lateral os trilhos dos bondes, aos poucos foi sendo alargada e hoje temos duas pistas, favorecendo o trânsito em nossa cidade, onde a relação veículos por habitante é das mais altas do país.

Recentemente foi construída a ciclovia, anseio antigo da população santista.

Colocando-nos de costas para o mar, admiramos a beleza dos jardins praianos, tendo como moldura um correr de prédios altos. Ultimamente foi liberada a construção de prédios mais altos. Chegamos a nos assustar com a altura de muitos deles, assemelhados a lanças pontadas para o céu.

Poucas casas restam, mas todas são usadas para fins comerciais, tendo suas fachadas descaracterizadas. As que tombaram significaram o sacrifício em prol de um progresso cada vez maior. Com a população crescendo a cada dia, não havia outro recurso, uma vez que toda a parte que nos pertence, na Ilha de São Vicente, tornou-se insuficiente para abrigá-la.

Hoje se fala na necessidade de ocupar a área continental, como recurso para atender a demanda de espaço.

Mas uma verdade incontestável é que Santos ainda é uma das cidades que possui melhor qualidade de vida. Não é de se estranhar que ela seja procurada principalmente pelos idosos, por ser uma cidade plana, dona dessa praia maravilhosa que acabamos de percorrer.

Rinque de patinação do Atlântico Clube,  onde mais tarde foi construído o campo do Jabaquara

Foto: jornal santista A Tribuna, 26 de março de 1944

 

Casa de pedra da família Varella, em foto de 5/10/1977

Foto de Ricardo, pesquisa do historiador Waldir Rueda nos arquivos do jornal, mantidos no acervo da Unisantos

 

Entrada da chácara de Júlio Conceição, pela Avenida Conselheiro Nébias

Foto de José Marques Pereira. Imagem cedida em 15/9/2006 a Novo Milênio
pela bisneta de Júlio Conceição, Dóris de Tolosa Conceição Gonçalves