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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - URBANISMO (U)
Sem memória (12)

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Metropolização, conurbação, verticalização. Os santistas passaram a segunda metade do século XX se acostumando com essas três palavras, que sintetizam um período de grandes transformações no modo de vida dos habitantes da Ilha de São Vicente e regiões próximas. Essas mudanças tiveram conseqüências jurídicas também, na forma de processos de divisão de bens herdados. Dos quais emerge a memória, na forma de fotos que documentam esses imóveis. Como registra a matéria publicada no jornal santista A Tribuna em 13 de março de 2005:
 


Fernando e Thiago trabalham para dividir os bens da família
Foto: Carlos Marques, publicada com a matéria

HISTÓRIA
Meio século de Fórum

O processo de inventário de bens do português Manoel de Souza Varella tramita no Fórum desde 1954, sendo uma das ações mais antigas ainda em andamento na comarca

Da Reportagem

Ao desembarcar no Brasil, em 1915, o português Manoel de Souza Varella, então com 19 anos, não podia imaginar que todo patrimônio fruto de seu trabalho geraria uma das mais longas ações que tramitam no Fórum de Santos. Desde sua morte, em 1954, o inventário para definir a partilha da herança ainda não foi concluído e grande parte de seus bens foi diluída ao longo de meio século.

O processo, que está na 2ª Vara da Família e Sucessões de Santos, já soma inúmeros volumes e está sob a responsabilidade da juíza Gislayne Fátima de Oliveira Martins.

Os entraves no decorrer da ação foram tantos que um dos netos de Varella, Thiago Bellegarde Patti de Souza Varella, desistiu da Educação Física e cursou Direito "por causa do inventário da família".

Hoje, aos 39 anos, o advogado representa o pai, Fernando Carvalho de Souza Varella - um dos filhos do imigrante -, de 74 anos, em cerca de 100 ações movidas contra invasores dos loteamentos de seu avô.

Mas, para entender por que a partilha não foi concluída, é preciso tentar dimensionar o patrimônio de Varella. "Deve ter mais de 3 mil lotes. Tudo era administrado por ele, com impostos pagos e vigias. Depois de sua morte, os filhos não sabiam o que tinham".

Varella, que morreu aos 60 anos, começou a trabalhar em São Paulo com o tio, Carlos de Souza Nazaré, e logo comprou um mercado em São José do Rio Preto. Com os negócios indo bem, ele abriu armazéns em cidades do Interior e firmou sociedade com o Banco Comércio e Indústria (Comind). "Mas ele desfez a parceria e ficou com os Armazéns Varella".

 

Varella acumulou milhares de imóveis na região

 

Embora não tenha conhecido o avô, o advogado fala com paixão sobre a história de Varella, que em meados de 1940 veio para Santos e começou a atuar na atividade cafeeira. "Mas, por um problema cardíaco, o médico aconselhou uma atividade que não causasse muita apreensão e ele partiu para o ramo de imóveis".

Varella comprou uma série de loteamentos - em Praia Grande, Iguape, Itanhaém, Guarujá e Santos -, construiu os edifícios Rubiácea, no Centro, e Veraneio e Weekend, em São Vicente, e adquiriu escritórios e terrenos.

Ainda em vida, o empreendedor negociou muitas de suas aquisições, o que lhe proporcionou, e à sua família, uma vida farta e sem restrições.

Com sua morte, os cinco filhos - Fernando, Inácio, Lia Maria, Lúcio e Luiz - mantiveram o desinteresse diante dos bens da família e perderam o controle dos negócios. "Não se produziu nada, só se tirou. A herança foi diminuindo e hoje tem muito pouco".

Thiago comentou que o primeiro advogado do espólio foi o renomado Archimedes Bava e que nesse período a família já fez quatro divisões amigáveis, "mas a última foi em 1964".

Apesar do tempo transcorrido, algumas providências devem ser tomadas para concluir o inventário, o que ainda parece estar longe de ocorrer.

"Temos que identificar os imóveis que são nossos. Os maiores nós conhecemos, mas os loteamentos, que são sete e constituem alguns milhares de lotes, são difíceis de apurar".

Para complicar ainda mais a situação, as pessoas que compravam os lotes de Varella paravam de pagar, depois de um certo tempo, mas legalmente esses terrenos ainda constam como sendo dele. "Tem mais de 2 mil ações da Prefeitura contra o meu avô pelo não recolhimento de impostos, mas, além de residências, empresas e até uma escola são invasoras".

O neto do imigrante reconheceu que depois da morte da avó, Cacilda Carvalho de Souza Varella, em 1981, aos 67 anos, a desunião da família foi acentuada e agora - Luiz e Inácio já morreram -, os herdeiros querem finalizar a partilha. "Eles estão dispostos a resolver essa situação".


Varella e a mulher, Cacilda
Foto: reprodução, publicada com a matéria

Orquidário poderia ter o nome de Varella

Se Cacilda Carvalho de Souza Varella houvesse doado em 1954 uma rara orquídea, provavelmente originária da Malásia ou Madagascar, o Orquidário Municipal teria hoje o nome de seu marido, Manoel de Souza Varella. Além do tino para os negócios e de inúmeros feitos importantes, o imigrante português tinha hobbies que também o notabilizaram.

Nascido em Nazaré, Portugal, Varella era de uma família muito pobre, mas soube aproveitar a vida no Brasil, graças à sua visão empreendedora. Generoso, o imigrante contrariava o estereótipo atribuído aos lusitanos, chegando a presentear seus funcionários com casas.

Bem relacionado no meio empresarial da Capital, ele é o sócio número 1 da Portuguesa de Desportos e chegou a presidir o clube por um dia, graças à sua forte personalidade.

Os conhecimentos também resultaram no convite para integrar o grupo que criou a Vasp, em 1933. A participação do imigrante consistiu na aquisição de ações para a compra de um avião para a frota.

A paixão por orquídeas o projetou como um dos maiores colecionadores da América do Sul. Para cultivá-las, ele fez cinco estufas no quintal, sendo uma com teto de vidro e outra com sistema de refrigeração.

Quando morreu, um diretor do Orquidário Municipal pediu à viúva para doar a rara orquídea e comprometeu-se a batizar o local com nome de Varella, mas ela se negou.

Amante das artes, o português mantinha uma valiosa coleção de quadros, incluindo quatro obras de Benedicto Calixto - uma ficava no quarto de empregadas.

Entre as excentricidades de Varella, destaca-se a ajuda financeira enviada ao governo da Inglaterra, durante a Segunda Guerra Mundial (1936-1945). O valor doado por ano, 500 contos, era maior do que o pago pelo terreno de sua casa, 400 contos.

A ajuda lhe rendeu, após o fim do conflito, um agradecimento do governo britânico, que devolveu a ele o dinheiro pago por um terreno onde hoje funciona a Paulistana e que pertencia à Inglaterra.

Criador do Jardim Piratininga, loteamento que vendeu em vida, Varella foi homenageado (depois de morto) pelos filhos, que deram a outro loteamento de sua propriedade, em 1956, o nome de Jardim São Manuel.

Imóvel ficava na Avenida Bartolomeu de Gusmão e foi demolido em 1984,
dando lugar a um prédio
Foto: reprodução, publicada com a matéria

Casa de Pedra era um símbolo da família

Impossível falar sobre o imigrante português Manoel de Souza Varella sem contar a história de um de seus símbolos, a pomposa residência conhecida na época como "a Casa de Pedra", que ocupava o número 101 da Avenida Bartolomeu de Gusmão, esquina com a Rua General Rondon, na Aparecida.

Segundo contou Thiago Bellegarde Patti de Souza Varella, neto do empreendedor, o casarão ficou pronto em 1945 e tomava o terreno que ia até a Avenida Epitácio Pessoa.

Morando na residência até 1983, o advogado detalhou que a casa foi minuciosamente planejada pelo avô, que enviou a planta do local para que um fabricante de móveis produzisse, manualmente, toda a mobília.

"Era muito conforto, cheguei a contar 11 empregados, entre babás, passadeira, cozinheira e outros. Chamávamos com sininho, como vemos no cinema".
Na decoração não faltavam cristais importados da Boêmia e de Veneza, tapetes persas, no andar de baixo, e chineses, na parte superior.

Com as fotos espalhadas sobre a mesa de madeira maciça que já recebeu inúmeros banquetes familiares, o advogado revelou que a venda da casa, em 1983, e a demolição, em 1984, foram divisores de águas. "O maior trauma da minha vida foi ter que vender a casa. Tem gente da família que não vê fotos da casa. Era uma coisa muito boa, parecia um outro mundo".

O trauma foi tanto, como detalhou ele, que desde a morte da avó, em 1981, sua família não comemora nenhuma data ou festa. "Você fica lembrando do passado. Era tão bacana que hoje não tem graça".

A casa, que nos tempos áureos recebeu visitas do ex-jogador do time do Santos Futebol Clube Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, foi comprada pela Construtora Phoenix e deu lugar a um edifício. "Algumas árvores estão plantadas no jardim da praia", recordou.


Toledo: impostos pagos
Foto: Paulo Freitas, publicada com a matéria

Impostos pendentes atrasam a divisão das heranças

Um dos motivos da demora na conclusão de inventários é justamente o recolhimento dos impostos pendentes nos imóveis em questão, conforme analisou o advogado especializado em Direito de Família e Sucessões, Frederico de Mello Allende Toledo.

Ele representa oito herdeiros - de um total de 250 - de uma ação iniciada em 1854 em Ubatuba e que parece ainda longe de ser concluída. "É a história do surgimento de Ubatuba, das terras de um casal de imigrantes. Existe até uma associação dos herdeiros desse inventário".

Toledo disse que além dos prováveis impostos em atraso antes do início de uma ação, o acúmulo dos tributos durante o inventário também acarreta a lentidão no processo. "Para ser concluído, todos os impostos devem ser pagos".

O advogado comentou que, nos casos em que existe um testamento, o processo tende a ser acelerado. Nessas situações, a pessoa documenta em vida a forma como gostaria que a partilha de seus bens fosse feita.

250 herdeiros

tentam dividir uma herança em Ubatuba, 
cujo inventário começou em 1854

 

Mesmo assim, frisou Toledo, nem sempre a vontade manifestada no testamento pode ser cumprida pela Justiça. "Existem peculiaridades na sucessão que devem ser respeitadas. Metade do patrimônio, por exemplo, deve ser dos legítimos".
Somadas à lentidão do processo de partilha e às formalidades burocráticas, as questões de cunho estritamente pessoal também emperram o andamento do inventário.

Nesse sentido, comentou ele, o advogado que lida com essas ações precisa ter um pouco de psicólogo para evitar que as desavenças familiares arrastem ainda mais o processo. "Tem família que é unida e que o inventário não leva nem um ano. Já em outros casos, a coisa se arrasta em função dos desentendimentos entre as pessoas".

Por conta dos possíveis imprevistos durante o inventário, muitas pessoas têm feito a doação de seus bens ainda em vida. A medida pode evitar problemas entre os familiares e economiza os custos com advogado. "Isso tem acontecido muito ultimamente e é uma forma inteligente de resolver a partilha. Depois é só pagar o imposto de transmissão de bens e imóveis".

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