LENDAS &
NEGÓCIOS
Turismo folclórico...
ou folclore do turismo?
A Baixada Santista poderia atrair
turistas com seu folclore. Mas, turismo na região é só
mais um folclore...
Carlos Pimentel Mendes (*)
Agosto
é o mês em que o Brasil comemora o seu folclore, ressaltando
suas lendas e tradições, para que sejam lembradas e transmitidas
às novas gerações. Em anos recentes, o processo tem
sido invertido, e passamos mais a comemorar o folclore do resto do mundo,
começando pelas "Festas das Nações" e terminando no
celta
Dia das Bruxas, que os estadunidenses transformaram em Halloween
e começaram a exportar para o mundo, na forma de filmes, discos,
roupas, jogos e livros. Santos e região, que se dizem cidades "turísticas",
emergem das férias de meio de ano com um saldo mínimo de
atrações e, conseqüentemente, contabilizando um baixo
fluxo de turistas.
A ligação entre os
dois temas está em um filão do negócio turístico
ainda pouco explorado no Brasil: o turismo folclórico. O mesmo tipo
de negócio que leva milhares de visitantes ao lago Ness para verem
o (lendário) monstro aquático escocês, ou à
Transilvânia para conhecerem os castelos do (verídico) conde
Drácula, ou ainda às ruas de Londres para uma visita à
casa (real) do dedetive (lendário) Sherlock Holmes.
E a pergunta é simples: por
quê uma região dita de interesse turístico não
tem nada programado que atraia o interesse dos turistas para seu folclore?
Ou esperam as autoridades que os turistas acorram à Baixada Santista
para ver prédios em construção, ou a chuva e o vento
frio agitando as plantas nos jardins praianos?
Em Guarujá,
festival ganhou nome em inglês (Fest In Folk) e celebrou o folclore
estrangeiro Captura de
tela: Jornal da Tribuna 2ª Edição, TV Tribuna,
31/7/2004, 19h07
Lendas, muitas - Turista quer
ter histórias diferentes para contar, e poder arrematá-las
com o clássico "Eu estive lá...". As histórias existem,
e os locais também. Só falta alguém contá-las
primeiro, levando os turistas aos lugares onde elas ocorreram. Criar um
ou mais roteiros turísticos, junto com encenações
teatrais, livros, discos, folhetos e outros materiais que os visitantes
possam levar, para confirmarem junto aos amigos as maravilhas que aqui
viram...
A região poderia contar histórias
de piratas. Afinal, foram pelo menos
quatro grandes invasões, e temos as fortalezas que foram usadas
para afugentá-los. Mas não interessa apenas ver a edificação
em si, falta que alguém conte essas histórias fabulosas aos
visitantes, com a emoção que só um grupo de atores
e músicos consegue transmitir. E o roteiro se completa: numa das
invasões, época natalina, a santa
do Monte Serrat protegeu os santistas, derrubando
sobre os piratas a encosta do morro. Noutra invasão, os habitantes
da vila de Braz Cubas se salvaram entrando num túnel
que, embora redescoberto no século XX, novamente
virou lenda. E que seria um dos vários
túneis secretos que atravessam o centro da cidade...
Curupira
e Boitatá são visitantes ilustres do território de
Cubatão... Imagens: José
Lanzellotti, no livro Estórias e Lendas do Brasil
Em São Vicente, há
um parque e um monumento a Hipupiara, o
monstro marinho. Mas não basta uma placa contando essa história
- que tem até registro de nascimento: foi registrada em 1564 pelo
historiador Pedro de Magalhães Gandavo. Um roteiro de turismo folclórico
digno do nome requer também uma encenação dessa lenda,
de forma parecida como é feito o espetáculo da chegada de
Martim Afonso nas praias vicentinas.
Já que estamos em São
Vicente, podemos conectar esta cidade a um conjunto internacional de lendas.
Afinal, nesta cidade começa um dos ramos do caminho de Peabiru,
que levava os europeus até as minas de prata do Potosí. E
isto não é lenda, apenas um retalho da História meio
esquecido. Lenda é que, por esse caminho, passou
São Tomé, o mesmo santo venerado no subcontinente indiano.
Um santo que a cultura brasileira do tempo da colonização
tratou de aparentar com o Pai Sumé, tendo o beneplácito dos
jesuítas.
E essa lenda se liga ainda com outra
mais transcendental: afinal, não era na selva brasileira uma das
localizações do Paraíso Terreal, do qual saíam
quatro rios bíblicos ("rebatizados" como Orinoco, Amazonas, São
Francisco, Prata) e protegido por muralhas inacessíveis - a serra
do Mar, nesta região? O Peabiru era um dos raros acessos
a esse paraíso...
Vila de
Santos foi alvo de constantes ataques de piratas, principalmente
durante o domínio espanhol de 1580 a 1640
Deixando de lado as lendas de piratas
e as de fundo religioso, temos ainda outro conjunto de lendas a explorar
em benefício de nosso turismo: as contadas pelos indígenas
e caboclos/caiçaras. Afinal, Cubatão já
foi visitado por personagens famosos em todo o Brasil, como o Boitatá
e o Curupira - e o fato é atestado
por uma fonte insuspeita - o quase santificado padre
José de Anchieta.
Por falar nesse apóstolo,
que foi o precursor do teatro no Brasil, quando se fala em turismo folclórico
nada mais se sugere do que adaptar aos tempos atuais o que ele já
fazia, 450 anos atrás. Sentado junto às frescas águas
da Biquinha de São Vicente, Anchieta
contava histórias aos meninos indígenas e aos filhos dos
colonizadores. No mesmo local, modernos guias poderiam reunir grupos de
turistas para relatar, de forma eloqüente, como a
chuva parava e o pássaros encobriam o sol, para que os fundadores
da Cellula Mater pudessem acompanhar em clima ameno as fabulosas histórias
narradas teatralmente nos Autos de Anchieta...
Mapas como
este de 1502 da Terra dos Papagaios indicavam o Paraíso Terreal
no interior do Brasil
Se lendas como a do Paraíso
Terrestre bastaram para que levas e levas de europeus abandonassem tudo
numa viagem muitas vezes sem volta às terras sulamericanas, será
que alguns séculos depois elas não têm força
mais do que suficiente para atrair turistas de todo o País e do
resto do mundo? Afinal, temos histórias tão misteriosas como
as dos lagos escoceses, tão carregadas de dramaticidade como as
encontradas na Romênia, e tão misteriosas que até Sherlock
Holmes gostaria de tentar desvendá-las...
(*) Carlos
Pimentel Mendes é editor do jornal eletrônico Novo
Milênio.
Hipupiara,
na obra quinhentista de Pedro Gandavo
|