Clique aqui para voltar à página inicialhttp://www.novomilenio.inf.br/sv/svh009.htm
Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 03/03/03 12:26:35
Clique na imagem para voltar à página principal
HISTÓRIAS E LENDAS DE S. VICENTE - PEABIRU
Porta para as riquezas do Paraíso Terrestre: 1

Carlos Pimentel Mendes

São muitas as interpretações que, ao longo dos séculos, a Humanidade fez do texto bíblico do Gênesis, sobre a localização do Paraíso de que Adão e Eva foram expulsos. Todas coincidem em que seria um lugar muito difícil de atingir, mas não impossível, especialmente com a ajuda divina.

Seria um lugar de agradabilíssimo e permanente clima temperado, situado no Oriente, talvez em lugar bem alto para que não fosse alcançado pelas águas do Dilúvio Universal, cercado por grande extensão de terra ou de água que dificultassem ao homem atingi-lo. Se situado em terra, dele sairiam quatro grandes rios (Fison, Gion, Heidequel e Eufrates), em direção aos pontos cardeais.

Além de pássaros cantando durante o ano inteiro, árvores sempre carregadas de frutos, existiriam grandes quantidades de minérios e pedras preciosas. Os quatro rios teriam origem comum em uma grande lagoa, que seria dourada por ali se depositar o ouro carregado dos terrenos vizinhos.

Esse mito inicialmente situava o Paraíso Terrestre em algum ponto entre o centro da África e o Subcontinente Indiano, sendo o Nilo possivelmente um dos quatro famosos rios (o Gion), enquanto o Ganges (o bíblico Fison) seria a saída fluvial oriental do Paraíso - relacionando-se ainda com essa lenda os rios Tigre (que seria o bíblico rio Heidequel) e o Eufrates, que banham a Mesopotâmia.


Um dos primeiros locais do Paraíso Terrestre ficaria em algum ponto  desta foto, que mostra o Rio Nilo e o Egito em primeiro plano, tendo acima a Península do Sinai delimitada pelos golfos de Suez e Akaba (convergindo à  direita para o Mar Vermelho), e à esquerda o Mediterrâneo, sendo visíveis ainda a cidade do Cairo, o Canal de Suez. Na parte superior, vê-se  o Mar Morto (entre Israel, Palestina e Jordânia), os desertos da Síria e do Noroeste do Iraque
Foto de abril de 1991, pelos astronautas da missão orbital 37 do Space Shuttle,
e cedida por Aris Entertainment, EUA

O mito viaja para Oeste - Misturado com as epopéias gregas, com a história das colunas de Hércules (que seriam as laterais do Estreito de Gibraltar, por onde o Mediterrâneo se liga ao Atlântico) e da montanha de Atlas que sustentaria o céu, podendo ser vista de tais colunas, o Paraíso, já em forma insular, foi depois transportado para as Ilhas Canárias, não por acaso chamadas Ilhas Afortunadas, e que já seriam conhecidas desde o tempo dos primeiros navegadores fenícios que se aventuraram no Atlântico.

Essa lenda começou a ganhar forma mais definida na Irlanda, por volta do século X e perduraria por mais 600 anos, com inúmeras versões, conhecidas principalmente como Navigatio Sancti Brandani, em que São Brandão noticia a existência de uma ilha povoada de aves falantes (e lembre-se que no Paraíso todas as aves falavam, emudecendo em conseqüência do Pecado Original).

A mítica Ilha de São Brandão, por ele atingida após 40 dias e noites de navegação, aparece às vezes na forma de um arquipélago, como no mapa de André Benincasa de 1467, que inclui certa ilha do Brasil ou Braçile, também referida em 1367 na carta marítima de Pizzigano, que inclui a Ysola de Braçir entre as chamadas ilhas Benaventuras.

Tal ilha do Brasil, e toda a mitologia céltica de São Brandão, não teriam relação - segundo Sérgio Buarque de Holanda - com "a presença em certas ilhas atlânticas de plantas tais como a urzela ou o sangue-de-drago, que dão um produto tintorial semelhante, na cor purpurina, a outro que que, pelo menos desde o século IX, era conhecido no comércio árabe e italiano sob os nomes de brasil e verzino".

Continua o historiador: "Segundo já o mostrou decisivamente Richard Hennig, aparenta-se o topônimo antes às vozes irlandesas Hy Bressail e O'Brazil, que significariam ilha afortunada. Essa, melhor do que outras razões, poderia explicar a forma alternativa de O brasil e Obrasil que aparece em vários mapas. Até em cartas portuguesas como a de Lázaro Luís, datada de 1563, vê-se essa designação obrasil atribuída à ilha mítica. Em outra, de Fernão Vaz Dourado - existente na Biblioteca Huntington e composta, segundo parece, pelo ano de 1570 -, já se transfere, sob a forma de O Brasil, encimando as armas de Portugal (...) para a própria terra que descobriu Pedro Álvares Cabral. Aliás, antes de 1568, em mapa do mesmo autor, incluído no atlas Palmela, temos o nome hobrasill, juntamente com o do cabo de Santo Agostinho, aplicado a terras compreendidas no Brasil atual. Curioso que a nova naturalização americana do designativo não impeça que, no referido atlas, continue esse obrasill a indicar uma ilha misteriosa localizada a Sudoeste da Irlanda e representada por um pequeno círculo vermelho atravessado de uma raia branca.

"Nascido de uma inspiração religiosa ou paradisíaca, esse topônimo, se não o mito que o originou, perseguirá teimosamente os cartógrafos, revelando uma longevidade que ultrapassa a da própria Ilha de São Brandão. Com efeito, representada pela primeira vez em 1330 (ou 1325) na carta catalã de Angelino Dalorto, ainda surge mais de cinco séculos depois, em 1853, numa carta inglesa de Findlay, com o nome de High Brazil Rocks, isto é, Rochedos do Brasil ou de Obrasil, tal como nos mapas medievais e quinhentistas", cita ainda Sérgio Buarque.

O autor de Visão do Paraíso comenta, em outro ponto dessa obra, que "não há motivos para se pôr em dúvida que fenícios e cartagineses tivessem efetivamente alcançado alguma parte das Canárias atuais e do grupo da Madeira", relembrando comparações de vários pesquisadores de que a ilha citada por Aristóteles como situada para o ocidente das colunas de Hércules seria precisamente a Ilha da Madeira.

Por outro lado, Richard Hennig, em sua antologia de viajantes antigos e medievais às terras desconhecidas, recolhe notícias da presença de certas matérias corantes raras nas ilhas atlânticas. A cidade de Tiro tinha célebre indústria de púrpura que possivelmente devia sua fama ao uso da urzela das ilhas Canárias.

A vinculação histórica das Canárias com as Ilhas Afortunadas tem duas outras razões: para o historiador Kiepert, o nome de Makaron Nesoi, atribuído tardiamente pelos gregos ao arquipélago, correspondia literalmente à forma latina de Insulae Fortunatae, que seria uma deturpação fonética da primitiva designação fenícia do mesmo lugar (Ilha de Macário, ou seja, de Melkert, o deus local de Tiro). Lembre-se ainda que o Melkert fenício chegou a ser identificado com Hércules, a cuja história se prende a do pomo das Hespérides, que por sua vez se relaciona com as ilhas ocidentais.

Humboldt aventa a hipótese de que o pico de Tenerife (que emerge do oceano, alcançando 3.710 metros de altitude) seria o primitivo monte Atlas citado por Homero, e que em dias claros pode ser visto desde o africano Cabo Bojador, sendo apontado como a mais ocidental das colunas que - segundo mitos egípcios - suportavam a abóbada celeste.

Paraíso sulamericano - Com o avanço dos descobrimentos marítimos ibéricos, e a percepção de que numa Terra redonda o Oriente bíblico poderia estar inclusive no Ocidente (ou as cartas geográficas poderiam ser desenhadas de ponta-cabeça, de forma que os locais imaginados para o Éden ficariam em posição nobre, na parte superior), aliada às maravilhas do Novo Mundo descritas pelos navegadores, o Paraíso Terrestre e todo o conjunto de lendas que o cerca foi rapidamente transportado para o interior da América do Sul.

A nova localização reunia todas as características descritas no Éden: clima temperado, vegetação luxuriante, fauna exuberante o ano todo (com muitas espécies desconhecidas e associáveis à mitologia paradisíaca), a aparente pureza de alma dos indígenas, os quatro rios (Orinoco, Amazonas, São Francisco e Prata). Espécimes da flora como a sensitiva, e da fauna como o louva-a-deus, o beija-flor e o colibri, a jibóia que troca de pele (associada à serpente bíblica), a anhuma (comparada ao unicórnio) apenas reforçavam a idéia da proximidade com as regiões paradisíacas.

E os papagaios, além de terem também status de aves-do-paraíso (ao lado do rouxinol e da mítica fênix), apresentavam em alguns casos as mesmas cores dos até então só encontrados na Índia (o papagaio de coleira vermelha, que existia no famoso Reino cristão do Preste João - que seria próximo ao rio Ganges, antes de ser trasladado nos relatos portugueses para a Abissínia/Etiópia), o que Cristóvão Colombo usou como argumento para sua tese de que tinha alcançado tão distante região.


O Brasil já foi denominado Terra dos Papagaios (em 1501) e o fascínio dessas aves sobre os navegadores é bem demonstrado neste mapa elaborado por Cantino, em 1502 - aqui parcialmente reproduzido, com a região Nordeste e a linha do Equador na vertical
Mapa conservado na Biblioteca Universitária de Modena, na Itália

A própria forma de coração do continente sulamericano, destacada pelo historiador e geógrafo Antonio de León Pinelo, conselheiro real de Castela, na obra El Paraíso en el Nuevo Mundo, provaria que os primeiros homens nasceram em seu interior, habitando a América do Sul até o Dilúvio Universal, quando Noé construiu sua arca na vertente ocidental da cordilheira dos Andes, com cedros e madeiras fortes. Segundo seu relato, Noé rumou em sua Arca diretamente dos Andes peruanos para a Ásia e, depois de propagar-se ali a nova espécie humana, voltou ao Novo Mundo.

E se o Éden era cercado por ricas muralhas, não seriam novos indícios de sua proximidade o ouro, a prata e as pedras preciosas descobertos pelos espanhóis nos montes do Peru? Peru que, nas descrições da época, quase chegava ao Atlântico e à Bacia do Prata, pouco espaço deixando ao Brasil dos portugueses em certas cartas geográficas. Como o cosmógrafo e matemático italiano João Batista Gésio, que define a América Portuguesa como "terra continuata con el Peru".

Num mapa de fins do século XVI, o de Arnoldus Florentinus, o Peru ocupava quase toda a América do Sul, com espaços mínimos para os vizinhos Chile, Castilla del Oro e Brasilia. O Brasil também foi descrito no Livro que Dá Razão do Estado do Brasil, de 1612, como apenas a "parte oriental do Peru, povoada na costa do mar Etiópico". Na carta de mestre Pedro de Medina, de 1545, o Peru já quase se confunde com toda a América do Sul, o mesmo ocorrendo na que Alonso Peres elaborou em 1640.

Consultados os indígenas, a respeito dos caminhos para se chegar ao Eldorado, à Fonte da Juventude, à Lagoa Dourada, ao próprio Paraíso, estes acabaram reunindo um pouco de suas próprias lendas nativas às fantásticas histórias trazidas pelos navegadores. O mesmo São Tomé - que viveu e foi sepultado em Meliapor, na Índia - deixou assim pegadas e marcas de seu bastão gravadas em milagrosas rochas sulamericanas desde a Bahia até o Paraguai, sendo que seu caminho pela capitania de São Vicente até as terras do atual Paraguai é bastante citado nas crônicas da época.

Porém, o que mais queriam os navegadores portugueses era estabelecer um caminho por terra entre o litoral brasileiro e as riquíssimas regiões peruanas, ainda mais após a descoberta espanhola das minas de Potosi, em 1545. Para maior controle da Coroa, uma vez que a capital da colônia estava em Salvador, as primeiras expedições partiram da Bahia. Com a transferência da sede administrativa para o Rio de Janeiro, novas expedições foram feitas a partir dessa região.

Mas, bem antes de Martim Afonso se instalar em São Vicente, já era conhecido o caminho do Peabiru, que, com uma das ramificações partindo do litoral vicentino (outra delas começaria na Ilha de Santa Catarina), atingiria os contrafortes dos Andes - onde as montanhas nevadas, com certos efeitos luminosos causados pelo Sol sobre a neve, se transformavam facilmente em montanhas de encostas douradas, de ouro, confirmando assim os mitos do Paraíso Terrestre e da Lagoa Dourada.


Mina de Prata em Potosi, na atual Bolívia, em estampa de Theodor de Bry e Matthäus Merian
Reprodução de Americae Praeterita Eventa, de Helmut Andrä e Edgard de Cerqueira Falcão, 
Editora da Universidade de São Paulo, 1966, São Paulo/SP

Desde São Vicente - Em sua obra Visão do Paraíso, toda ela dedicada à análise desses mitos especialmente na época dos Descobrimentos, conta Sérgio Buarque de Holanda que "a possibilidade de se acharem pelo caminho de São Paulo as mesmas riquezas que tinham sido procuradas a partir de Porto Seguro, do Espírito Santo e da Bahia ficara demonstrada, aliás, desde que Brás Cubas, conforme já foi notado, trouxera ou fizera trazer do sertão mostras de ouro, além de recolher pedras verdes de suas mesmas propriedades, que corriam, como se sabe, até o limite ocidental da demarcação lusitana, ou seja, até as raias do Peru. E, em 1574, segundo um documento divulgado por Jaime Cortesão (Pauliceae Lusitana Monumenta Historica, I, págs. XCLX e CI), certo Domingos Garrucho (ou Garocho?), morador na capitania de São Vicente, e possivelmente em Santos, onde devera ter conhecido Braz Cubas, recebeu patente de mestre de campo do descobrimento da lagoa do Ouro".

Além das referências sobre caminhos possíveis para se chegar a esses lugares fantásticos, dadas pelos degredados e pelos indígenas, São Vicente tinha uma outra vantagem sobre os pontos litorâneos mais ao Norte: a menor distância entre o litoral e os Andes, encurtando bastante a viagem. De fato, os antecessores dos primeiros bandeirantes teriam - mesmo com todas as adversidades - chegado por terra aos rios da Prata/Paraná e São Francisco, senão ao território inca peruano. Assim pensou Dom Francisco de Sousa, "nomeado capitão-general de São Vicente, Espírito Santo e Rio de Janeiro, ou melhor, quando ainda governador-geral do Brasil".

Em 1553, chegava a Lisboa a notícia levada por Tomé de Sousa, atribuída a certo mameluco do Brasil que o acompanhava, que pretendia ter andado no Peru, de onde tornara por terra à costa do Brasil e afirmava que tal percurso poderia ser feito em muito poucos dias. Em 1560 e no ano anterior, tinham-se realizado as expedições de Brás Cubas e Luís Martins, a partir do litoral vicentino, e "de uma delas há boas razões para presumir que teria alcançado a área do São Francisco, onde recolheu amostras de minerais preciosos. Marcava-se, assim, um trajeto que seria freqüentemente utilizado, no século seguinte, pelas bandeiras paulistas", refere Sérgio Buarque de Holanda.

O historiador Capistrano de Abreu tentou identificar tal mameluco citado por Tomé de Sousa como sendo Diogo Nunes, provavelmente natural da capitania de São Vicente, que por volta de 1554 ofereceu a Dom João III curiosos Apontamentos sobre uma viagem ao Peru, relatando que seria possível "ir por São Vicente, atravessando pelas cabeceiras do Brasil, tudo por terra firme". Nesse ponto, contradiz outro historiador, Varnhagen, que acreditou ser o espanhol Diogo Nuñes de Quesada o autor de tal documento.

Um documento aparentemente definitivo sobre o tema seria a relação que Martin de Orue escreveu antes de setembro de 1554 (conservada no Arquivo de Índias de Sevilha), com o trecho "del peru vyno por el año pasado un pasajero natural portugues que se dize domyngo nunes natural de Moron ques Junto ala Raya de Castilla el qual trujo de veynte a treynta myll ducados este andando persuadiento al Rey por uma conquysta por el Brasil para por ally entrar a las espaldas de cuzcol [...]". Com as abreviaturas usadas na época e o pouco esmero de Orue na transcrição de nomes portugueses, não é difícil a Sérgio Buarque de Holanda apontar que Domingos e Diego sejam o mesmo prenome do viajante natural de Mourão (Moron), junto à raia de Castela, na Espanha.

Sérgio Buarque cita por sua vez o Archivo de Indias (Sevilha), conforme cópia da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro: "[...] traxo consigo vn ombre hijo de vn portugues ~q lo ubo de vna mujer del brasil el qual se crió por la tierra del brasil adelante y ~q el dho ombre dize que ha estado en d peru y ~q del peru vino alli al brasyl por tiérra y ~q esta muy çerca de aquello y ~q donde estan los portugueses en el peru y ~q creis ~qlo que este ombre dize deue ser en la demarcaçion de sua mag.de el brasyl em muy pocos dias por tierra yran y ~q ay mas mynas de oro e plata ~q en y tenesys por çierto que juntamente con los que alla tiene en el brasyl lleguen al cauo esto que dize ese ombre y tengoos en seruiº el aviso que dello nos days que ha sydo açertado [...]". Ele observa a respeito que "este ofício do príncipe, datado de Valladolid aos 17 de novembro de 1553, responde à carta de Luís Sarmiento de 8 do mesmo mês e ano." Luís Sarmiento de Mendoza era embaixador espanhol em Lisboa.

São também citadas as narrativas de Anthony Knivet sobre como seria bem mais curto o trajeto do litoral vicentino (que abrangia Cananéia, um dos pontos de entrada dos expedicionários) ao Serro de Potosi. Outro inglês - Thomas Griggs, tesoureiro do navio Minion of London, mandado ao Brasil em 1580 por uma companhia londrina de aventureiros - informava que certa parte do Peru estaria situada "por água ou terra a doze dias apenas" da vila de Santos. Seu testemunho confirma as informações do compatriota John Whithall, então morador em Santos, que atraíra a atenção dos aventureiros londrinos.

Não por acaso, Santos e São Vicente passaram subitamente a despertar grande interesse entre mercadores, navegantes e piratas ingleses, que pensaram em estabelecer na ilha vicentina um trampolim para a conquista das minas espanholas de Potosi, já que São Vicente era pouco fortificada e bastante abastecida de víveres que sustentariam "infinitas multidões" de conquistadores.

Desinteresse - Enquanto isso, os paulistas estavam mais interessados na caça aos índios para escravização que na busca de riquezas minerais, e convencidos de que, se o ouro e as esmeraldas fossem encontrados, imediatamente a Metrópole reforçaria seu controle sobre São Paulo, tirando sua liberdade de ação. Assim, havia um amplo desinteresse, quando não um verdadeiro boicote, à busca dessas riquezas pelas terras paulistas.

A propósito, vale recordar que, no século XVI, os diamantes (incolores) eram considerados desinteressantes, tendo muito maior valor as esmeraldas, verdes, estas bem mais procuradas, pelo papel importante que tinham nas visões paradisíacas (eram encontradas no bíblico rio Fison), em que a tais pedras verdes eram atribuídas virtudes sobrenaturais, como a identificação de venenos e resistir a quaisquer malefícios, garantindo ainda a castidade de suas portadoras e sendo um símbolo da vida eterna.


A cidade de Sabará foi fundada pelo bandeirante Borba Gato nas montanhas de Sabarabuçu
Óleo de Alberto da Veiga Guignard, conservado no Museu Nacional de Belas Artes (RJ)

O comércio de escravos indígenas era mais compensador que a busca de lendárias riquezas, e o insucesso de várias expedições ao Peru, algumas massacradas por indígenas hostis, não animavam muitas tentativas.

Ainda assim, registram-se por volta de 1600 algumas entradas em busca dessas riquezas, especialmente da lendária lagoa dourada de Paraupeba ou Paraupava (nas montanhas de Sabarabuçu ou Sabaroasu - topônimo proveniente de Taberaboçu, forma corrompida do tupi Itaberaba e seu aumentativo Itaberabaoçu, significando "serra resplandecente"), onde começariam importantes rios, como o São Francisco, o Prata e o Amazonas - que se acreditava estarem interligados a ela, pelo fato de serem rios caudalosos e perenes.

Tal lagoa - que explicaria o fato desses rios serem ainda mais caudalosos no verão, quando se esperaria que secassem devido ao calor - estaria no território do atual estado de Goiás ou em Minas Gerais, onde inclusive existe ainda o assim denominado sítio de Paraopeba (e o Rio Paraopeba é um dos principais afluentes do alto curso do Rio São Francisco).

Assim acreditava João de Laet, que reproduziu em sua obra as observações do compatriota Guilherme Glimmer "acerca de uma viagem que pudera empreender em 1601, quando morador na capitania de São Vicente, e que até hoje representa o único documento conhecido sobre o percurso da bandeira confiada ao mando de André de Leão. As origens dessa expedição prendem-se, de acordo com o testemunho de Glimmer, ao fato de ter recebido Dom Francisco de Sousa de certo brasileiro, pela mesma época, amostras de uma pedra de cor tirante ao azul, de mistura com grãos dourados. Submetida ao exame dos entendidos, um quintal dessa pedra chegara a dar nada menos do que trinta marcos de prata pura."

A respeito, Sérgio Buarque cita a Historia Naturalis Brasiliae, pág. 263: "Is narrat eo tempore quo ipse in Praefectura S. Vicentii degeret, venisse ad illas partes à Praefectura Bahiae Franciscum de Sousa; acceperat enim à quodam Brasiliamo mettalum quoddam, è montibus Sabaroason, ut serebat, erutum, coloris cyanei sive caelestis arenulis quibusdam aurei coloris interstictum quod unu à minerariss esset provatum, in quintali triginta marcas puri argenti continere deprehensum fuit".

Depois de aludir às expedições de Aleixo Garcia e do espanhol Cabeza de Vaca, pelo caminho iniciado em Cananéia, nos primeiros anos do século XIV, o autor de Visão do Paraíso observa ser "provável que a via de São Vicente a Assunção, aberta aparentemente pelo ano de 1552 ou pouco antes, fosse um dos galhos da mesma estrada. Não há prova de que antes da vinda dos europeus fosse correntemente usada, em todo o seu curso, pelos Tupi vicentinos. Ao menos em certa informação que, depois de 1554, escreveu do Paraguai Dona Mencia Calderón, a viúva de Juan de Sanabria, diz-se que 'de São Vicente se podia ir até Assunção por certo camiño nuevo que se habia descubierto'."

"Esse novo caminho - continua Sérgio Buarque -, descrito no livro do célebre aventureiro alemão Ulrico Schmidl, que em 1553 o percorreu de regresso ao Velho Mundo, foi largamente trilhado naqueles tempos, em toda a sua extensão, pelos portugueses de São Vicente, em busca dos Carijó, e ainda mais pelos castelhanos do Paraguai, que vinham à costa do Brasil ou pretendiam ir por ela à Espanha, até que os mandou cegar Tomé de Sousa no mesmo ano de 1553. Com alguma possível variante, deve ser uma das trilhas que no século seguinte percorrerão numerosos bandeirantes de São Paulo para seus assaltos ao Guairá".

Peabiru era o nome português do caminho que os espanhóis chamavam de São Tomé, por ter sido percorrido, segundo a lenda por esse santo, identificado pelos indígenas como Sumé e no Peru como Pay Tumé. Mas, esta já é uma outra história.

Leva para a página seguinte da série

QR Code - Clique na imagem para ampliá-la.

QR Code. Use.

Saiba mais