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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 07/26/00 16:42:25

Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa

NOSSO IDIOMA
"Buzzwords"... (língua e consciência)

Carlos Pimentel Mendes (*)

Não digais tudo quanto ouvis, porque aquele que diz tudo quanto ouve muitas vezes dirá o que não sabe.

Parece até um recado para o dono da loja que inconscientemente coloca na porta uma placa de "50% off", imaginando que com esse estrangeirismo todos vão pensar que seu estabelecimento é de alto nível...

Ele não percebe que - em vez de anunciar um desconto nos preços - a placa pode ser entendida por um inglês como indicando que o produto vendido está meio estragado... Quanto aos brasileiros, as pesquisas comprovam: na maioria dos casos, não têm a mínima idéia do que significam as expressões inglesas em geral, e por isso mesmo deixam de comprar nessas lojas, para azar dos esnobes (*) proprietários...

Na verdade, a frase inicial foi formada a partir de uma tabelinha de regras áureas de vida, encontrada nas ruínas da cidade de Persépolis (construída por Dario e incendiada por Alexandre 331 anos antes de Cristo nascer e dar início à Era Cristã de nosso calendário). Eis a tabela, por curiosidade:

Não

tudo quanto

porque aquele que

tudo quanto

muitas vezes

o que

digais

sabeis

diz

sabe

dirá

não sabe

façais

podeis

faz

pode

fará

não deve

acrediteis

ouvis

acredita

ouve

acreditará

não ouve

gasteis

tendes

gasta

tem

gastará

não tem

julgueis

vedes

julga

julgará

não viu

Simples: pegue a palavra em vermelho na primeira linha ("Não"), escolha uma palavra qualquer da mesma coluna, junte com a cabeça em vermelho da segunda coluna, mais uma palavra ao acaso dessa coluna, e assim por diante até o final.

Essa antiga civilização sabia pegar palavras ao acaso e produzir lições de vida que continuam válidas, mais de 23 séculos depois. Hoje, porém - numa civilização dominada pela cultura da imagem tantas vezes construída e desconstruída, esvaziada muitas vezes de qualquer sentido -, o que mais vemos são discursos bonitos, porém vazios de conteúdo. Ou pessoas que, de forma semelhante, penduram em suas frases palavras de outros idiomas por causa de sua sonoridade (como quando ouvimos músicas estrangeiras apenas pela melodia, sem entender patavina do que foi dito), e pensam que com isso estão se alinhando à elite cultural, sem saber que às vezes estão sendo até ridicularizadas por tais atitudes -  como o lojista acima citado, que anuncia em letras garrafais vender produtos estragados...

Poderia aqui mostrar rara erudição, numa análise sobre o que vem acontecendo com a língua portuguesa. Diria: "Temos que repensar nossa atitude. É preciso levar em consideração a revisão para baixo na expectativa. Afinal, se houver uma questão, ela é individual".

Falei bonito, não? Vejam a profundidade da análise... a agudeza da percepção...

Bem, eis a mágica: as frases foram escolhidas ao acaso num jornal datado de 20 de julho de 2000. Disse o técnico Wanderley Luxemburgo, sobre a derrota do Brasil para o Paraguai: "Temos que repensar nossa atitude".  Disse o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, sobre a nova redução na taxa de juros, em meio ao seu característico linguajar economês: "É preciso levar em consideração a revisão para baixo na expectativa". Disse ainda o presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, sobre um escândalo causado por seu ex-assessor Eduardo Jorge: "Se houver uma questão, ela é individual".

Na verdade, nem a seleção de frases é minha, estou parafraseando o articulista Max Gehringer, com um trecho de seu excelente artigo na Revista da Web! de setembro/2000. Ele explicou ter usado essas frases numa outra situação, tipo "perco o amigo, mas não perco a piada".

Seu colega, o Ademar, lhe escreveu pedindo conselho, pois não agüentava mais as pressões de sua empresa para conseguir resultados de curtíssimo prazo, estava totalmente estressado e pensando em pedir demissão do emprego.

Max respondeu o que faria, no lugar dele: "Simples. Se houver uma questão, ela é individual. Temos que repensar nossa atitude. É preciso levar em consideração a revisão para baixo na expectativa".

No dia seguinte, o Ademar telefonou, agradecendo pelo excelente conselho. Algum tempo depois, o Max lhe revelou que, na verdade, o Ademar tinha tomado uma decisão importantíssima para sua carreira com base nos sábios conselhos do triunvirato Fernando Henrique/Luxemburgo/Fraga. Perdeu o amigo...

Buzzwords - Que o Max Gehringer me permita retirar mais alguns trechos de seu artigo "Buzzwords - palavras que ninguém entende - mas todo mundo respeita". Ele explica que buzzword é uma palavra americana, cuja tradução é mais ou menos 'qualquer frase que dê a impressão de dizer muito, mas que não diga absolutamente nada'. E lembra que tais buzzwords são muito usadas nas empresas, principalmente nas grandes corporações, quando elas querem dar aquele tom grandioso a algum projeto interno. Por exemplo, empreendedorismo cibernético. A repetição constante faz com que as pessoas primeiro se acostumem com o ruído - buzz é aquele zumbido das abelhas quando voam - e depois, de tanto repetir a frase, comecem a acreditar que ela significa mesmo alguma coisa importante.

Como os lojistas com a placa "50% off", lembram do que eu disse no início?

Mais Max: "Quem primeiro conseguiu demonstrar na prática o ridículo das buzzwords foi um simples assistente administrativo do Departamento de Saúde dos Estados Unidos, chamado Philip Broughton, em 1967. Cansado de ver os colegas se encantarem com frases cheias de pompa mas sem nenhum sentido, ditas por seus superiores toda vez que anunciavam um novo conceito revolucionário, Philip criou uma tabelinha, chamada Projeção Sistemática de Expressões, que tinha três colunas:

1. implementar 1. balanceamento 1. diferencial
2. redimensionar 2. estruturação 2. exponencial
3. dinamizar 3. setorização 3. funcional
4. flexibilizar 4. operacionalidade 4. transicional
5. alavancar 5. estabilização 5. sistêmica

"Daí, qualquer que fosse a situação, bastava escolher uma palavra de cada coluna para se chegar a uma receita infalível. Por exemplo, a empresa está com problemas de queda no faturamento? Simples. A solução tanto pode ser 1-3-5 (implementar setorização sistêmica), quanto 5-1-3 (alavancar balanceamento funcional), ou talvez 4-4-4 (flexibilizar operacionalidade transcional), ou outra combinação possível, porque qualquer uma delas sempre dá a impressão de ser adequada.

"Outro autor americano, Gershon Legman, gostou tanto da idéia de Philip que a esticou mais ainda: em 1973, ele inventou o Kit de Reconstrução Articulável, em que, em vez de simples palavras, colocou à escolha do freguês sentenças inteiras, que permitiam a confecção de relatórios fulgurantes a partir de buzzwords desconexas. Por exemplo:

1. com base tanto na teoria disponível quanto na experiência prática, 1. mesmo pressupondo-se uma margem de erro insignificante 1. a importância de um estudo mais aprofundado é inquestionável
2. a partir de dados fidedignos de fontes absolutamente seguras, 2. com a indispensável confirmação de nossos próprios parâmetros 2. qualquer julgamento a priori será sempre passível de discussão
3. recentes estudos têm indicado alternativas pouco convencionais, 3. eliminando-se os fatores não aplicáveis à nossa estrutura 3. a solução deverá obrigatoriamente considerar uma transição

"Então, vamos dizer, "Por que o nosso marketing é uma porcaria?" Há várias respostas convincentes. Por exemplo, a 2-1-3 (a partir de dados fidedignos de fontes absolutamente seguras, com base tanto na teoria disponível quanto na experiência prática, a solução deverá obrigatoriamente considerar uma transição).

"O interessante é que a tabela de Legman funciona em qualquer ordem, não importa por qual coluna se comece a frase: "A importância de um estudo mais aprofundado é inquestionável: recentes estudos têm indicado alternativas pouco convencionais, com a indispensável confirmação de nossos próprios parâmetros" pode servir tanto para essa questão do marketing, quanto para aquela do faturamento ou até para tratar de uma unha encravada.

"Além disso, a amostra acima é só um resumo: cada coluna do livro trazia uma infinidade de frases, que permitiam montar 40.000 combinações diferentes, de qualquer tamanho. As nove aqui citadas, por exemplo, poderiam compor uma única e longa sentença, de setenta e tantas palavras, dando a quem a lê a impressão de que o autor da maracutaia pesquisou longa e profundamente o assunto.

"Mas, para que mesmo serve isso? Para entendermos como, e quanto, somos atacados por buzzwords todos os dias sem perceber" - Aí o articulista conta a história do triunvirato FHC/Luxemburgo/Armínio nos jornais de 20 de julho.

Lembrei de reproduzir essas histórias por que tanto a tabelinha de regras áureas como o texto do Max caíram em minhas mãos (a primeira, quando dava uma remexida na minha biblioteca, a segunda em função de meu trabalho como editor de um jornal na Internet) ao mesmo tempo (singular coincidência!) que outros dois textos chegaram à minha caixa postal eletrônica, dentro de um fórum eletrônico sobre a língua portuguesa:

No primeiro, Cláudia Sampaio escreve de Belo Horizonte: "Estava me divertindo muitíssimo vendo o site do Movimento de Defesa da Língua Portuguesa (...), quando cheguei ao caso dos sanduíches. Aí lembrei-me de um caso: meu filho Pedro me contou que foi pedir sanduíche num carrinho e que no cardápio, entre X-burguers, X-bacons e X-frangos tinha um inacreditável X-queijo!" (só para lembrar: a letra X tem quase o mesmo som da palavra inglesa cheese, que significa queijo, e foi por isso empregada pelos brasileiros na denominação dos sanduíches que incluam queijo...).

A segunda mensagem foi enviada, na mesma lista de debates sobre o idioma, por Antonio Carlos Bastos de Mattos, comentando as atividades do Movimento Nacional em Defesa da Língua Portuguesa:

"E que a ação do MNDLP seja também no sentido de que a língua seja usada de forma correta e adequada. Lembro isso porque um texto pode estar escrito numa linguagem corretísssima, porém ininteligível para o comum dos mortais.

"É o que vemos muitas vezes na linguagem jurídica, que poderia ser expressada de forma menos gongórica, mesmo com a utilização necessária de termos técnicos; ou na linguagem dos tecnocratas, que muitas vezes usam propositadamente uma linguagem empolada e cheia de neologismos, para nada dizerem ou para não serem entendidos.

"Há certos textos que me lembram aqueles sonetos do Jorge de Sena, alguns dos mais belos da língua portuguesa, mas que são apenas forma (intencionalmente, é claro). Um deles, que se chama Anósia (se não me falha a memória) é assim:

Que marinais sob tão pora luva
De esbranforida pela retinada?
Não dão volpúcia de imajar anteada
a que moltínea se adamenta ocuva?

Bocam dedetos calcurando a fuva
que arfala e dúpia de antegor tutada,
e que tessalta de nigrors nevada.
Vitrai! Vitrai! Que estamineta cuva!

Labiliperta-se infanal a esvebe,
agluta, acedirasma, sucamina,
e maniter suavira o termidodo...

Que marinais, dulcífima contebe,
ejacicasto, ejacifasto, arina...
Que marinais tão pora luva, todo!

"(Desculpem se não está exatamente igual ao original, pois posso ter trocado alguma expressão...)".

Bem, vou parando por aqui, que fiquei com uma certa fome depois de escrever esse longo texto. Vou fazer um coffee-break, ligar para o Delivery (um disk-sanduíche aqui do bairro), e pedir um X-queijo sem queijo, de preferência com entrega em domicílio...

(*) Carlos Pimentel Mendes é jornalista, editor do jornal eletrônico Novo Milênio, e usa aqui sua prerrogativa de responsável pelas páginas do MNDLP na Internet para acrescentar seus próprios comentários.

Os trechos em vermelho são citações. Os grifos com vínculo levam a outras páginas que comprovam o que foi citado ou completam o seu sentido.

Esnobe - Cita o mesmo Max Gehringer, em artigo ("Isso para mim é grego") publicado na revista Exame (8/9/1999, Editora Abril, São Paulo/SP, seção Comédia Corporativa):

"Cartões de visita apareceram na Inglaterra, e até o século 18 eram privilégio dos nobres. O lorde botava no cartão o brasão de armas da família (atualmente substituído pelo logotipo da empresa), o seu nome e o seu título. E quanto maior o título, maior a pompa e a cerimônia.

"Mas não se podia dizer que isso era esnobismo, até porque tal palavra nem existia. Quem a inventou foram os plebeus com mania de superioridade, quando decidiram imprimir seus próprios cartões. Mas como, se não tinham um título nobiliárquico? Foi aí que nasceu a criatividade que anda à solta hoje em dia: no lugar do título, entrou a inscrição em latim sine nobilitatis (sem nobreza). Que, abreviada, para não dar muito na vista, era grafada s.nob."