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Movimento Nacional em Defesa
da Língua Portuguesa
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NOSSO
IDIOMA
A dolarização da língua
Paulo Brossard (*)
Outro dia, assisti pela televisão da Câmara dos Deputados a
excelente programa em que era expositor o jornalista Eduardo Martins, uma espécie de zelador do vernáculo no jornal O Estado de
S. Paulo. Este, desde os tempos de Júlio Mesquita, entre seus redatores teve homens de letras que deixaram seus nomes gravados
na literatura nacional - Euclides da Cunha, para não falar em outros, Monteiro Lobato, por exemplo, Amadeu Amaral, Guilherme de
Almeida, e muitos, muitos outros. O jornalista em causa tem a missão de dar certa uniformidade à linguagem do jornal, hoje invadida
pelas mais variadas expressões estrangeiras, principalmente inglesas.
Ele disse, em síntese, que a língua é um organismo vivo, dinâmico e que o comércio entre
elas é natural e mesmo inevitável, dependendo de mil e uma circunstâncias. Não lhe parecia razoável, por conseguinte, levantar
barreiras alfandegárias vernáculas a todo e qualquer vocábulo de origem estrangeira, dependendo de sua necessidade e adequação.
O que lhe parecia irracional era a importação a granel de palavras estrangeiras,
desnecessárias, inteiramente desnecessárias, em desfavor do vocábulo nacional correspondente, secularmente cristalizado e
encontradiço nos melhores escritores. Pareceu-me judiciosa, em todos os sentidos, a posição do jornalista. Se existe vocábulo de boa
estirpe para designar uma idéia ou uma coisa, por que e para que substituí-lo por outro inglês, ou seja de que língua for, que o
leitor médio nem conhece nem sabe o significado?
Aliás, quando da elaboração do Código Civil, Rui Barbosa teve ocasião de notar que "não há
língua definitiva e inalteravelmente formada. Todas se formam, reformam e transformam continuamente. Quem o não sabe?" E, noutro
passo, "todos os idiomas vivos permutam uns com os outros", "venham os estrangeirismos ... contanto que sejam necessários", e nunca
a "superfluidade evidente ou a crueza indigesta". De mais a mais, a língua é um dos elementos componentes da nação e uma nação que
se desleixa de sua língua, que não é obra de ninguém, e é de todos, começa por alienar sua identidade, abrindo as fronteiras de sua
alma ao avanço alienígena.
A respeito, tenho visto coisas que me cortam o coração. Um dos municípios que mais aprecio,
pelas qualidades de sua gente e por sua participação em memoráveis sucessos nacionais, e que é também uma das expressões maiores do
ruralismo, tinha uma exposição rural, de longa e vitoriosa tradição. Um belo dia a exposição rural passou a chamar-se... Farm Show!
O certame obviamente continuou a ser o que sempre fora, ninguém passou a falar inglês nas mangueiras, o carrapato não mudou de nome,
nem os preços passaram a ser pagos em libras ou dólares.
A Festa do Arroz era, de longa data, acontecimento entre os produtores. Primeiro se
realizava na Cachoeira, a capital do arroz. Depois as festas se multiplicaram e agora, aqui e ali, deixaram de chamar-se festa do
arroz e passaram a Rice Show, embora os agricultores continuem a falar português e, em sua maior parte, a não entender o inglês. O
preço do arroz, cada vez pior, é mal pago em reais e não em dólar ou libra. Isso tem cabimento, razoabilidade e pertinência?
Corresponde a uma necessidade ou não passa de imitação servil ao estranho, numa demonstração de subserviência irracional ao
estrangeiro simplesmente porque estrangeiro?
BB Personal Banking. Seria
BB sigla de Bank Boston?
Faz algum tempo, vem se falando em dolarização da moeda nacional, o que
faria tremer os ossos de José Bonifácio e Pedro II, de Silveira Martins e Rui Barbosa. Os fatos, sumariamente aludidos, parecem
indicar a preparação, consciente ou inconsciente, para a gratuita entrega ao estrangeiro dos valores nacionais, sem excluir a moeda.
Antes da dolarização da moeda, a dolarização da língua. O Banco do Brasil é exemplo do fenômeno.
Embora se diga do Brasil, tem seu nome agregado de duas palavras inglesas - personal banking.
Será preciso dizer mais? O café da manhã deixou de ser o velho café da manhã dos nossos pais e avós para chamar-se breakfast
e não há reunião ou seminário em que o intervalo entre um e outro expositor não seja designado de coffee break. Se isso não
for macaquice, macacos me mordam.
(*) Paulo Brossard, ex-senador, é ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal. Este texto
foi publicado no jornal Correio Braziliense de 24 de maio de 2000.
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Nota de Joyce Pascowitch em sua coluna na revista Época de 21/6/2000:
Caipirinha
Depois de muita polêmica e algumas brigas internas, o Banco do Brasil
está disposto a traduzir para o português alguns nomes de seus serviços, como Home Banking, Personal Banking e BBTeen, entre outros.
O assunto provoca divergências no departamento de marketing do banco: uma ala defende os nomes em inglês, porque dão força
aos produtos. A outra, briga pelo português, afinal o banco é do Brasil. A mudança só depende agora do levantamento de custos,
porque toda a comunicação visual também deve ser modificada. |