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Última modificação em (mês/dia/ano/horário): 07/23/00 19:37:26

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Prédios com nomes estrangeiros enrolam a língua de quem tem que descobrir os endereços

Fabiana Tahan/fotos: Carlos Vieira (*)

O lavador de carros José Edmar Sousa, 31 anos, tenta uma  vez, ri, pára, tenta de novo e finalmente solta: "Namberuan", diante do Number One, o prédio mais azul da cidade. A resposta é seguida com um olhar de dúvida à espera de aprovação: "E aí, falei direitinho?". José é apenas um dos tantos brasilienses que enrolam a língua na hora de pronunciar nomes de edifícios, lojas e outros estabelecimentos espalhados pelo Distrito Federal. A razão é o uso de palavras de outros idiomas, especialmente do inglês, em letreiros e fachadas da cidade.


O porteiro Adeilson Guedes em frente ao Number One, um dos prédios com nome que embaralha a cabeça das pessoas

Como tantas outras pessoas, a pronúncia do lavador de carros, apesar de nunca ter estudado inglês, até que não é das piores. Mas daí a saber o que significa essa palavra estranha que dá nome a um dos edifícios mais modernos de Brasília, no Setor Comercial Norte, só com a ajuda do amigo Valdimar: "Ó, Valdimar, você é meu professor. Fala aí pra menina o que significa o nome desse prédio", diz às gargalhadas. "Number é uma coisa, one é outra. Significa número um", explica o colega Valdimar Menezes Santos, 26 anos, que também nunca estudou inglês.

José cita outros três prédios perto do Number One com nomes que ele também tem dificuldade em pronunciar: o Manhattan Flat, Metropolitan e Liberty Mall. "Acho difícil demais falar isso. Tem uma hora que tem que enrolar a língua e aí o bicho pega", diz, bem-humorado, o rapaz de sorriso largo e simpático. "Esses nomes tinham que ser em português, porque eu acho que isso é inglês, né? Acho que, se colocasse lá nos Estados Unidos o nome de um prédio em português, os gringos também iam achar complicado", pensa.


Embassy Tower

Se José acertou a pronúncia em inglês, o gerente de fazendas Silvério Fernandes, 60 anos, não teve tanta sorte. "Esse prédio se chama Embassaí", diz, ao se referir ao Embassy Tower, no Setor Comercial Sul. Apesar da dificuldade da pronúncia (a pronúncia correta é êmbassi tauer), ele acha bonito o nome do edifício branco e moderno. "É um nome pomposo. Acho legal", opina o homem que precisou perguntar a quatro pessoas onde ficava o tal do edifício Embassaí.

"Pode até ser que para uns seja um nome bom, mas tem gente que nem sabe pronunciar o nome do prédio!", diz o porteiro do Embassy Tower, Josias de Oliveira, 35 anos. "Eu já aprendi porque trabalho aqui há bastante tempo, mas tem muita gente que chama de "embassí"; ou então pergunta pelo  prédio branco para poder encontrar", diz ele, que só sabe o que significa tower. "É torre, embassy não sei não." É embaixada.

A recepcionista do Corporate Financial Center Liandra Matos, 17 anos, demora para responder o que significa o nome do prédio onde trabalha. Olha para a colega Kátia de Cássia, 20 anos, em busca de ajuda. Ao fim, arrisca: "Centro Corporativo?".

Se fosse um programa do Silvio Santos, o apresentador diria que a resposta de Liandra está absolutamente correta. Incorreta é a grafia de muitas correspondências que chegam ao prédio. "Tem muita gente que escreve da maneira que ouve. Como ouvem Corporaite, escrevem assim", conta.

O entregador Romilson de Sousa, 36 anos, ficou um tempinho em frente à placa em que  estava escrito Corporate Financial Center (pronuncia-se corporaite fainenxial center) e arriscou a pronúncia: "Corporete? Se for para pedir informação, prefiro perguntar onde fica o predião azul todo de vidro porque do jeito que falo ninguém vai entender", acredita. "Tem aquele edifício também o Sampô (San Paul). Não entendo por que não colocam o nome em português, põe logo edifício São Paulo que fica tudo resolvido", opina.


Corporate Financial Center: para o entregador Romilson de Souza, é melhor perguntar pelo predião azul todo de vidro

É o que defende o deputado federal Aldo Rebelo (PC do B/SP), que apresentou no ano passado um projeto de lei que defende a contenção do uso de estrangeirismos na língua portuguesa.

Na opinião do deputado, palavras estrangeiras que renovam a língua não são apenas recomendadas como desejadas como mostra a etimologia do idioma português, que agregou inúmeras palavras do francês (abajour, bidê) e do árabe (alface, almofada, almoxarifado) e até do inglês (hambúrguer, xampu).

"O problema é quando abrimos mão de palavras nossas em função das estrangeiras. É um abuso, uma forma de humilhação e de ostentar domínio sobre as pessoas que não conhecem o idioma estrangeiro", acredita ele, que cita o uso de  estrangeirismos como startar (começar), delivery (entrega em domicílio) como absolutamente desnecessários já que o português tem palavras similares.

É o que também defende o deputado distrital Wilson Lima (PSD). Ele apresentou à Câmara Legislativa projeto de lei que proíbe o registro de edifícios com nome ou expressões estrangeiras. "Temos que valorizar nossa língua e cultura e ver o que o povo quer. Ao colocar um nome complicado, a maioria das pessoas não vai saber nem escrever ou pronunciar", defende.

A professora de lingüística da Universidade de Brasília (UnB) Ana Adelina Lopo pensa diferente. "Seria melhor se esses nomes fossem em português, mas não vejo o uso de estrangeirismos como empobrecimento da língua. É um fenômeno da globalização, acontece até no Japão", diz.

Para a professora, mesmo quando as pessoas não sabem pronunciar as palavras estrangeiras acontece o que ela chama de "acordo coletivo", que acomoda os estrangeirismos sintática e foneticamente na língua portuguesa. "Nós estamos vendendo o país de outra forma e não pela língua", pensa.

(*) A jornalista Fabiana Tahan escreveu o artigo para o Correio Braziliense, de Brasília, no qual foi publicado em 22/7/2000 no caderno Coisas da Vida.