A Fortaleza da Barra Grande em 1880
Foto: Os Andradas, de Alberto Sousa, Vol. I, Typographia Piratininga, São
Paulo/SP, 1922
A última fase bélica da Velha Fortaleza da Barra Grande
A. Passos Sobrinho
A Revolta da Armada deflagrada na Baía de Guanabara, a 6
de setembro de 1893, chefiada pelo contra-almirante Custódio de Melo, contra o governo do marechal Floriano Peixoto,
teve repercussão nesta cidade (N.E.: o autor se refere a Santos,
onde foi escrito o artigo), tendo causado sérios prejuízos à nossa praça e a maior das aflições no seio das famílias
santistas.
A população desta cidade - que se achava, dias antes, bastante alarmada com as
notícias do aparecimento de grande quantidade de colchões e travesseiros, que deram às praias do Boqueirão,
Ponta da Praia e Praia Grande - mais alarmada ficou com as notícias, que aqui
chegavam, daquele surto revolucionário no Rio de Janeiro.
No dia 7 de setembro - a maior data festiva nacional - surgiram as primeiras
providências do governador do Estado, dr. Bernardino de Campos, que se postara ao lado do Governo legal, com a remessa de forças para esta cidade e
o recolhimento de todo o dinheiro da Alfândega local (cem mil contos) na Delegacia Fiscal de S. Paulo, acompanhado
de força armada, e a prisão de vários políticos de destaque, aqui domiciliados.
As primeiras forças vieram comandadas pelo cel. Ramalho, comandante do 3º Batalhão, e
foram logo tomar posição na velha Fortaleza da Barra Grande, e nas praias do Embaré e Ponta da Praia. Para
guarnecer a Cidade foi mobilizada a Guarda Nacional, sob o comando do cel. José Proost de Souza.
O cruzador Centauro, da Armada Nacional, que até o início da revolta - 6 de
setembro - estava guarnecendo a entrada da Barra, a fim de evitar a entrada de navios estrangeiros com coléricos (N.E.:
portadores da doença cólera) a bordo, que, como era voz corrente, tencionavam entrar em Santos no dia 8 para 9 do mesmo
mês, o seu comandante, o 2º ten. João F. dos Reis Júnior, fê-lo submergir ali na entrada da Barra, fugindo ele, Reis, o imediato Lins e os seus
comandados nos rebocadores República e Mauro, para o Rio de Janeiro, a fim de se juntarem às forças revoltadas.
A 17-18 do mesmo mês de setembro, os navios de guerra República, Palas e
Marcílio Dias, iludindo a vigilância das fortalezas legais, deixaram o porto do Rio de Janeiro, tomando o rumo do Sul.
Comandava o cruzador República o cap.-ten. Cândido Lara; o transporte Palas,
o primeiro-tenente Pio Tareli, e a torpedeira Marcílio Dias, o tenente Francisco Mattos.
A 18 daquele mês, assistíamos nós à passagem do República, em marcha vagarosa,
pelo Canal de São Sebastião, em direção ao Sul, e no dia seguinte, 19, a do Palas. Este, porém, ali fundeou, fazendo desembarcar na praia
sebastianense um destacamento de marinheiros comandados por um oficial, os quais, depois de terem procurado em vão o chefe político local, maj. João
Fernandes de Oliveira, e o promotor público dr. Nicolau Lobo Viana, que haviam fugido momentos antes, a cavalo, para S. Paulo, via Caraguatatuba,
Paraibuna, São José dos Campos, invadiram suas residências, inutilizaram a estação telegráfica da cidade, levando para bordo todo o armamento da
Polícia local, cuja guarnição também havia fugido à aproximação do Palas, e do mesmo modo, a população, que procurou asilo nos sítios
localizados à encosta da Serra.
Alguns dias depois, a Marcílio Dias veio estacionar em São Sebastião, que
também foi alvejada pelos seus canhões, por várias vezes. Motivou tal ocorrência, naquela cidade litorânea, a prisão ali da guarnição do cruzador
Centauro, que, dias antes, havia fugido daqui para o Rio de Janeiro, a bordo daqueles dois rebocadores.
Com as notícias que chegavam a todo o momento da capital do País, de que aqueles
navios revoltosos haviam forçado a Barra do Rio de Janeiro com destino a Santos, a população desta cidade foi tomada de grande susto, a ponto de
abandonar os seus lares (até doentes e entrevados) fugindo para a Capital e interior do Estado, nos trens da São
Paulo Railway, que não davam vazão ao verdadeiro êxodo da população.
Um raro cartão-postal editado em 1898 pela companhia francesa de navegação Messageries
Maritimes mostra a Fortaleza da Barra, na entrada do Porto de Santos
Foto: Acervo José Carlos
Silvares/Santos Ontem
A 19 de setembro, aumentou o terror com o sinal dado
pelo Monte Serrat, de estar à vista da Barra um navio de guerra da Armada nacional, tendo sido uma canoa de
pescadores, que bordejava na altura da Ilha das Palmas, um pouco aquém da Moela, que
comunicou a presença do navio à lancha de vigia, que se achava um pouco além da fortaleza.
Dados os avisos às forças de terra, estas colocaram-se logo em posição e a velha
Fortaleza da Barra Grande preparou-se para qualquer eventualidade. O navio marchou até a altura da Ilha das Palmas,
onde parou. Fez arriar um escaler de bordo, que tomou a direção de terra, entre a Fortaleza e aquela ilha. Próximo à margem, encontrou uma canoa de
pescadores que chamou e acompanhou até a bordo, onde foi içada com os dois tripulantes. Nesta ocasião, foram disparados de terra contra o navio, que
se reconheceu ser o República, dois tiros de peça, ao que o navio respondeu com um tiro cuja bala caiu no mar a certa distância da praia,
indo a água respingar o batalhão de Polícia, que fazia exercício na margem.
Os tiros de terra foram disparados pela artilharia de campanha do 2º Regimento de
Campanha que estava acampado nas proximidades do ponto dos bondes da Ponta da Praia. Entre a Fortaleza e as
guarnições de terra foram trocados sinais de cessar fogo, dando a Fortaleza sinal ao cruzador para fundear, o que imediatamente fez a certa
distância da Ilha das Palmas. Desde então o República conservou-se no mesmo ponto em que fundeou, tendo feito diversos sinais para o Monte
Serrate e para fora da Barra, presumindo-se que para outro vaso de guerra.
Durante a noite de 19 e a madrugada de 20, o República conservou-se calmo, a
ponto de se acreditar que ele ali estava protegendo a entrada da barra. Às 7,30 horas, surgiu na altura da Ilha das Palmas o transporte Palas
da esquadra revoltada. Fundeou a pequena distância do República, donde arriou um escaler que ia e vinha do Palas para o República,
certamente trocando comunicações entre os respectivos comandantes. Pouco depois, duas embarcações mercantes estrangeiras, que estavam próximas,
foram convidadas a fazer-se ao largo. Às 9,30 horas, mais ou menos, sem aviso prévio e sem sinal algum, partiu um tiro do República em
direção à Fortaleza e outro para terra, onde as forças se achavam em linha.
Apesar do inesperado ataque, a fortaleza respondeu com outro tiro de canhão Krupp e,
de terra, o 2º Regimento de Artilharia rompeu com um canhonaço. Estava dado o sinal de comate. Começou então entre o República e as forças de
terra um fogo nutrido, indo as granadas do República cair a grande distância, passando por cima da fortaleza e sem atingi-la.
O República, horrivelmente sacudido pelo mar, a direção de suas balas, por este
motivo, não permitia alcançar o alvo e daí a razão porque só uma bala de calibre 32 Armstrong foi tocar e encravar na primeira muralha da fortaleza.
A bala, ao tocar na pedra, os estilhaços desta atingiram a 2ª muralha, indo ferir dois soldados do 22º Regimento de Infantaria. O primeiro, cabo
Francisco Nascimento Rodrigues, ficou ferido no ângulo inferior da omoplata direita, e o outro, Pedro Augusto Nascimento, foi ferido na arcada
superior direita, tendo sido considerados leves, os ferimentos.
Nos primeiros tiros, o República estava colocado a cerca de 3.000 metros da
fortaleza, que respondia com fogo incessante ao canhoneiro do cruzador: depois o vaso revolucionário e o transporte Palas afastaram-se cerca
de 1.000 metros mais, ficando este navio encoberto por aquele. Desta posição começou o tiroteio, que durou até as 11 horas.
A artilharia de terra, sob o comando do tenente
Lima, secundava o fogo da fortaleza, sem todavia atingir a nenhum nos navios. Uma das granadas veio cair na praia, a curta distância do
aquartelamento do 2º Regimento, indo ferir, na cabeça, o soldado João Baltazar de Souza, da 4ª Companhia do 2º Batalhão de Polícia, sendo que um dos
estilhaços pulverizou os vidros da janela do quartel.
O último obus lançado pelo cruzador República contra a cidade, como o navio
estivesse em movimento de partida, passou por cima dos morros, indo cair pelos lados do Saboó, tendo um
português, proprietário de um armazém naquelas imediações, aproveitado o ensejo para dar um nome ao seu estabelecimento comercial, que dali por
diante passou a chamar-se Armazém Bombardeio, nome este conservado até há bem poucos anos, pois o local era ponto de parada de todos os
transeuntes em demanda do Matadouro e São Vicente, que por ali passavam, onde faziam
a sua parada para saborearem uma pingüinha caiçara.
Logo após esse tiroteio, uma hora, mais ou menos, os dois navios, inesperadamente,
levantaram ferros e saíram barra afora, tomando a princípio a direção Norte e, depois, a do Sul.
Com a saída inesperada daqueles navios de guerra, a Cidade voltou à calma, se bem que
a população não acreditasse que eles tivessem se retirado definitivamente deste porto, pelo que o terror continuou no dia seguinte, 22 de setembro
de 1893.
Dizia-se naquela época que a missão confiada ao general Piragibe, de vir a Santos, foi
por ele cumprida, conseguindo organizar uma força de patriotas, a fim de oferecer resistência às forças do governo, quando aqui entrassem aqueles
navios, como estava combinado com o almirante, para o dia 9 de setembro. Não tendo sido vistos os sinais convencionais de terra, feitos pelo
general, nos morros, os navios afastaram-se para o Sul.
Na ocasião do bombardeio do República, achavam-se na praia de Santos, em companhia do
chefe de Polícia, dr. Teodoro de Carvalho e cel. José Jardim, chefe do Distrito Militar, o ilustre brasileiro, dr. Bernardino de Campos, presidente
do Estado de São Paulo, que, ao ser aconselhado por aquele distinto oficial do nosso Exército, para que se abaixasse por causa das balas que
sibilavam por cima de sua cabeça, respondeu: "São Paulo nunca se abaixa". |