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HISTÓRIAS E LENDAS DE GUARUJÁ - BARRA GRANDE
Um vento vermelho na capela da fortaleza (5)

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Unindo patrimônios histórico e artístico, numa simbiose entre passado, presente e futuro, um painel abstracionista de Manabu Mabe surge no interior da centenária Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, surpreendendo por sua atualidade os visitantes que ali talvez esperassem encontrar um altar. A história do forte foi relatada no antigo jornal Cidade de Santos, em 16 de março de 1980:
 


Da velha fortaleza se descortina um belo panorama
Foto: Nivair Neves, em 6 de dezembro de 1977, publicada com a matéria
(imagem extraída de copião fotográfico do jornal Cidade de Santos. Pesquisa do historiador Waldir Rueda nos arquivos do jornal, mantidos no acervo da Unisantos)

A Velha Fortaleza da Barra Grande

Texto: J. Muniz Jr.
Programaçao visual: José Coriolano Carrião Garcia

"Esta fortaleza da Barra Grande, também chamada Santo Amaro ou São Miguel, foi construída pelo almirante espanhol Diogo Flores Valdez, em 1584, logo após a invasão pelos galeões de Edward Fenton, legendário pirata inglês". Eis a inscrição que se encontra em uma placa junto da capela da Fortaleza Velha, indicando o ano de sua fundação em pleno reinado de Felipe II de Espanha e I de Portugal, isso um ano depois que Fenton invadiu a Vila de Santos.

De fato, em dezembro de 1583, em pleno domínio espanhol, o aludido corsário inglês - que vinha numa operação de rapinagem - penetrou barra a dentro, uma vez que a baía estava desguarnecida e sem defesa, e ocupou o porto santista. Tal fato foi levado ao conhecimento do comandante André Hygino, que fazia parte da esquadra espanhola chefiada pelo Almirante D. Diogo Flores Valdez, que navegava à altura do nosso litoral.

Após se inteirar do acontecimento, o capitão espanhol tratou de expulsar Edward Fenton, entrando pelo canal à noite, surpreendendo o inimigo, com o qual travou combate e chegou a capturar um dos seus galeões, cuja artilharia foi desmontada, servindo posteriormente para a fortificação que passaria a ser construída à entrada do canal.


Acesso ao forte, desde o atracadouro de barcas
Foto: Nivair Neves, em 6 de dezembro de 1977 (imagem extraída de copião fotográfico do jornal Cidade de Santos. Pesquisa do historiador Waldir Rueda nos arquivos do jornal, mantidos no acervo da Unisantos)

O episódio serviu de alerta para mostrar o perigo a que estava exposta a Vila de Santos, sem defesa contra as incursões dos terríveis piratas que assolavam a costa brasileira. Isso levou o general da Armada espanhola a expedir ordens no sentido de que fosse edificada uma praça forte como prevenção contra os futuros invasores. Surgia assim a Fortaleza de Santo Amaro.

No entanto, em 1590, apesar da construção da Fortaleza, a frota do corsário Thomas Cavendish (o terceiro circunavegador do globo), aproveitando-se de um descuido da guarnição, conseguiu passar pela barra, saqueou a Vila de Santos e ainda incendiou São Vicente. A 3 de fevereiro de 1615, ocorreu outra invasão, desta vez foi a frota do holandês Joris von Spilberguen, repelida pela Fortaleza da Barra. Também em agosto de 1710, o flibusteiro francês capitão Jean François Duclerc surgiu na Barra com o intuito de pilhar a Vila, mas teve que ficar no largo, pois a fortaleza conseguiu sustar o desembarque daquela frota pirata, que acabou rumando para o Rio de Janeiro.


Interior da fortaleza
Foto: Nivair Neves, em 6 de dezembro de 1977 (imagem extraída de copião fotográfico do jornal Cidade de Santos. Pesquisa do historiador Waldir Rueda nos arquivos do jornal, mantidos no acervo da Unisantos)

O historiador Azevedo Marques informa no seu Apontamentos Históricos da Província de São Paulo que, logo após o ataque dos piratas Thomas Cavendish e Edward Fenton às Vilas de Santos e São Vicente, até 1715, a defesa da fortaleza não oferecia muita resistência. Isso porque, apesar da Carta Régia de 26 de janeiro daquele mesmo ano, aceitando o oferecimento feito por Manuel de Castro Oliveira de "reconstruí-la e armá-la, mediante a mercê de foro de fidalgo, o hábito de Cristo com tença de 80$ por ano...", a sua reconstrução ocorreu entre 1723 a 1725, sob o governo do capitão-general Rodrigo César, época em que passou a contar com 32 peças de artilharia.

Anteriormente, a 23 de julho de 1702, Luiz da Costa Siqueira recebia a patente de Capitão para assumir o comando da fortaleza e, por volta de 1717, devido aos constantes ataques, o governador da Praça de Santos, Luiz Antônio de Sá Queiróga, tomou sérias providências para a sua segurança.


Interior da fortaleza e uma das antigas peças de artilharia
Foto: Nivair Neves, em 6 de dezembro de 1977 (imagem extraída de copião fotográfico do jornal Cidade de Santos. Pesquisa do historiador Waldir Rueda nos arquivos do jornal, mantidos no acervo da Unisantos)

Após ter sido empossado governador da Capitania de São Paulo, o capitão-general Rodrigo Cesar de Menezes visitou a vila e procurou melhorar suas fortificações, incluindo a Fortaleza de Santo Amaro, pois achava que o porto santista dependia muito daquela defesa. É que havia a necessidade de se iniciar uma obra a cargo do engenheiro João Macê, que se encontrava parada por falta de consignação.

Em outubro de 1722, o governador Rodrigo Cesar resolveu nomear o Padre Antonio Pinheiro Machado para o cargo de capelão das fortalezas de Santos, a fim de confessar os soldados e de rezar missas nas fortificações, principalmente na de Santo Amaro, que era a maior guarnição da Praça.

Ao inspecionar a infantaria da Praça de Santos, em 1725, o governador constatou ainda que as fortificações locais precisavam de reforma e que a guarnição do presídio da Fortaleza da Barra necessitava de uniformes; por isso, mandou-lhe pagar doze anos de fardamento.

Quanto à Fortaleza da Barra, onde havia encontrado as carretas de artilharia arruinadas devido ao rigor do tempo, mandou preparar outras novas. Entendeu igualmente que havia necessidade de um armazém para depósito de pólvora, num lugar seguro, sem nenhum risco, mas, no entanto, não havia recursos para se iniciar tal obra. Segundo consta, de 1723 a 1725, houve uma reforma na Fortaleza, ainda sob o governo do capitão-general Rodrigo Cesar de Menezes.


Uma solitária guarita da velha fortaleza
Foto: Nivair Neves, em 6 de dezembro de 1977, publicada com a matéria
(imagem extraída de copião fotográfico do jornal Cidade de Santos. Pesquisa do historiador Waldir Rueda nos arquivos do jornal, mantidos no acervo da Unisantos)

Em precárias condições - Através de carta datada de 27 de setembro de 1738, o rei D. João V - baseado no relatório que lhe fora enviado pelo brigadeiro José da Silva Paes - deu amplas instruções ao governador interino da Capitania, capitão-general do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade, para a remodelação integral das fortificações marítimas de Santos. Resolveu, inclusive, que se levantasse um muro na parte de terra da Fortaleza de Santo Amaro e ainda que se localizasse um sítio mais adequado para o armazém de pólvora.

Após a restauração da Capitania de São Paulo por Carta Régia de 6 de janeiro de 1765, também foi restabelecido o seu governo autônomo. E a 22 de julho daquele ano, D. Luís Antonio de Souza Botelho Mourão veio para a Capitania como capitão-general, tendo sido empossado em Santos. Logo depois, ao incentivar a atividade das forças militares, ordenou que as obras de defesa do porto fossem ampliadas, inclusive as da Fortaleza da Barra, que estava em precárias condições.

Já em 1770, a Fortaleza de Santo Amaro contava com uma artilharia integrada por 28 peças assim distribuídas: três de calibre 24, oito de 18, três de 12, três de 8 e onze de calibre 6. E a 11 de setembro de 1775, em nome de Sua Majestade Real, o general Martim Lopes Lobo de Saldanha, governador da Capitania de São Paulo, nomeou para comandante da fortaleza o capitão de Infantaria José Galvão de Moura Lacerda.


Plano da Fortaleza da Barra Grande no século XVIII
Foto-reprodução: Justo Peres, publicada com a matéria

Naquele mesmo ano de 1775, o governador Martim Lopes, prevendo possíveis ataques dos navios castelhanos, escreveu ao comandante da Praça de Santos, para que fosse conservada a vigia na paragem. E como no ano seguinte a fortaleza já estava em estado de decadência, ordenou que fosse reparada.

Ainda em junho de 1781, o capitão-general Martim Lopes, em ofício datado do dia 5, procurou saber do sargento-mor Francisco A. Barreto, comandante da Fortaleza da Barra, em que termos se encontrava a Casa Forte da mesma e que havia necessidade de concluí-la. Dez anos depois, coube ao general José de Lorena nomear o capitão Thomaz da Silva Campos, comandante daquela praça forte.


Interior da fortaleza
Foto: Nivair Neves, em 6 de dezembro de 1977 (imagem extraída de copião fotográfico do jornal Cidade de Santos. Pesquisa do historiador Waldir Rueda nos arquivos do jornal, mantidos no acervo da Unisantos)

Em princípio do século XIX, quando se encontrava sob o comando do sargento-mor das Ordenanças da Praça, Ricardo Carneiro dos Santos, a Fortaleza da Barra estava numa péssima situação. Apesar dos reparos seculares, encontrava-se imprestável, com o quartel arruinado, a casa de pólvora ainda por acabar e as peças de artilharia sem condições de fazer fogo.

Numa cópia de um manuscrito (relatório) dirigido ao capitão-general da época, provavelmente de 1795 a 1815, e que foi encontrado nos papéis do marechal José Arouche de Toledo Rondon, que era inspetor-geral de milícias e comissionado para examinar as fortificações da Capitania (publicado nos Documentos Interessantes para a História de São Paulo, volume 44), consta uma referência sobre a Fortaleza da Barra.

Eis um trecho do aludido relatório:  "Na Barra Grande achei as portas podres e despedaçadas, o quartel arruinado e parte dele a cair, a casa de pólvora por acabar, na bateria de baixo achei algumas peças montadas em carretas podres e outras no chão, muito maltratadas, de sorte que toda esta bateria está impossibilitada de fazer fogo, sendo a melhor que tem esta fortaleza por serem os seus tiros quase horizontais e, pela curta distância a que chegam os navios, pode esta bateria servir de balas ardentes, de balas fixas, de balas encadeadas de plaqueta, além de ter velas e cartuchos de pinha, e até pelo ângulo que forma o canal, por onde necessariamente passam os navios, oferecem estes a fortaleza o poder meter-lhes balas de coxia. Esta bateria apresenta ao inimigo nove bocas de fogo reto e duas em cada flanco, que sendo bem providos podem fazer um grande dano.

"Na bateria superior achei quatorze peças montadas em carretas novas; cuja bateria é inferior nas suas vantagens à de baixo por serem os seus tiros mergulhantes e só podem ser bons em maior distância, ficando incertos pela falta de bons artilheiros. Pelo prolongamento da cortina, até a porta que dá saída para o forte da praia do Góes, se acham três peças montadas em carretas novas e nove desmontadas, algumas destas muito maltratadas, de sorte que não poderão fazer fogo por se acharem cheias de escaravelhos e uma encravada.

"Na bateria baixa há um telheiro encostado à muralha da bateria superior, o qual se pode acrescentar unindo a este a casa de um índio que serve a fortaleza; em cujo telheiro se pode ter recolhida a maior parte da artilharia, com seus reparos, para se livrar das grandes sóes e imensas chuvas que há de ordinário neste paíz, e porque a plataforma está móvel com o terraplano da praça e com facilidade vem esta artilharia ao seu lugar na bateria em todo e qualquer lugar.

"Na mesma circunstância se pode por a bateria superior, poupando Sua Majestade por este modo a imensa despeza que continuamente está fazendo com o carretamem, devendo ser este pintado a óleo de linhaça e na falta deste com azeite de mamona, e uma terra, que há em Cananéia que é semelhante ao roxo terra da Itália..."

Dessa forma, nos primeiros anos do oitocentismo, a Fortaleza da Barra encontrava-se num estado muito precário para defender o porto. Mas chegou a ser reformada e passou a servir também como presídio político, cujos prisioneiros ficavam em sua masmorra. Em 1830, para o caso de guerra, dispunha de uma guarnição constituída por dois oficiais, 50 artilheiros, 92 serventes-artilheiros e 100 soldados de infantaria. Segundo informava um relatório apresentado na Assembléia Legislativa por volta de 1887, suas instalações necessitavam de reparos.


Interior da fortaleza e uma das antigas peças de artilharia
Foto: Nivair Neves, em 6 de dezembro de 1977 (imagem extraída de copião fotográfico do jornal Cidade de Santos. Pesquisa do historiador Waldir Rueda nos arquivos do jornal, mantidos no acervo da Unisantos)

O seu último combate - A última vez que os canhões da Fortaleza de Santo Amaro vomitaram fogo foi em 1893, durante a Revolta da Armada, chefiada pelo almirante Custódio de Melo, isso em meados de setembro, quando o cruzador República, que havia se deslocado da antiga Capital Federal para Santos, e estava na Barra, atirou contra a fortaleza, seguindo-se um fogo cruzado que colocou em pânico toda a cidade. Apesar de alguns projéteis terem causado danos nas suas muralhas, seus artilheiros prosseguiram firmes, até que os navios revoltosos saíram barra a fora. Foi esse o derradeiro combate da velha fortaleza.

A partir de 1892, a Fortaleza de Santo Amaro passou para a jurisdição do Ministério da Marinha, embora estivesse ocupada por um contingente de Artilharia do Exército, que lá permaneceu até princípios deste século (N.E.: século XX). E com a construção da Fortaleza de Itaipu, a partir de 1901, foi perdendo toda a sua utilidade como praça forte, até que uma determinação do Ministério da Guerra, em 1905, desarmou-a, deixando assim de ser um dos mais importantes redutos de defesa do nosso porto.

Em 1931, chegou a ser solicitada para o serviço de vigilância e Polícia Naval do Ministério da Marinha, mas somente em 1956 é que se transformou em sede náutica do Círculo Militar de Santos, até que, em princípios de 1969, devido ao seu tombamento pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico (Condephat), foi entregue ao Patrimônio Histórico Nacional.

De lá para cá perdeu toda a sua importância histórica e turística, apesar de ainda ser considerada uma das grandes atrações da Barra. Em julho de 1979, a Prefeitura de Guarujá anunciou interesse em restaurá-la, como primeira medida destinada a incrementar o turismo histórico da Ilha de Santo Amaro. Também houve interesse para que servisse de sede da Polícia Naval e da Associação Paulista de Amigos da Marinha (Aspam). E enquanto nada disso acontece, permanece abandonada.

(Pesquisa e texto de J. Muniz Jr.).


Portão de acesso da fortaleza para a praia do Góis
Foto: Nivair Neves, em 6 de dezembro de 1977 (imagem extraída de copião fotográfico do jornal Cidade de Santos. Pesquisa do historiador Waldir Rueda nos arquivos do jornal, mantidos no acervo da Unisantos)

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