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HISTÓRIAS E LENDAS DE GUARUJÁ - BARRA GRANDE
Um vento vermelho na capela da fortaleza (2)

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Unindo patrimônios histórico e artístico, numa simbiose entre passado, presente e futuro, um painel abstracionista de Manabu Mabe surge no interior de uma centenária fortaleza, surpreendendo por sua atualidade os visitantes que ali talvez esperassem encontrar um altar. O mosaico Vento Vermelho, criado em 1997 e última obra desse artista, com 20 metros quadrados, pode ser visto por quem percorre a Fortaleza da Barra Grande de Santos.


Detalhe do painel de Manabu Mabe, no interior da antiga capela da fortaleza
Foto: reprodução de folheto de divulgação turística editado pela Universidade Católica de Santos

Sobre o tema, a professora Wilma Therezinha Fernandes de Andrade publicou este trabalho na Leopoldianum - Revista de Estudos e Comunicações da Universidade Católica de Santos (Unisantos), edição 72 (maio de 2000, ano 25):


A capela e a fortaleza branca
Foto publicada com o texto em Leopoldianum

A capela de Santo Amaro na Fortaleza da Barra Grande: devoção e proteção

Wilma Therezinha Fernandes de Andrade (*)

Uma bela paisagem

Verdes, bem verdes são os morros do Guarujá que, à entrada do canal do Porto de Santos, elevam-se entre as praias de Santa Cruz dos Navegantes e a do Góes. Morros verdes, que sob o azul do céu definem um relevo tranqüilo. Na paisagem, destaca-se a branca Fortaleza da Barra Grande, que se alarga por um extenso muro em direção à barra, a vigiar a entrada marítima.

"Fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande é o seu nome
Pois antigamente tinha Santo Amaro por sua proteção.
Tinha uma capela dedicada só para ele
Por ser monge beneditino, daí esse nome
Primeiramente foi lá que existiu
A casa da pólvora que ninguém atingiu".

(Bernardete Souza Ribeiro)

Um Santo Protetor da Fortaleza.
Quem foi Santo Amaro

Festejado a 15 de janeiro, Santo Amaro - também chamado de Mauro - nasceu no século VI, filho do senador romano Eutichio.

Mauro ou Amaro veio de Roma trazido para Monte Cassino pelos pais, que eram de origem patrícia. Eles o trouxeram a São Bento de Núrcia, fundador da Ordem que leva seu nome, para que ali terminasse sua formação. Logo depois, verificando-lhe as qualidades, São Bento o escolheu para trabalhar na escola de jovens, anexa ao mosteiro de Monte Cassino.

Realizando a tarefa a contento, São Bento o fez auxiliar direto na administração do mosteiro. Certa vez, obedecendo a uma ordem de São Bento, Amaro entrou no Lago Claudiano, para tirar da água, onde, descuidado, caíra o jovem Plácido, estudante do mosteiro. Segundo a lenda, Amaro caminhou sobre as águas (como Cristo) e rapidamente salvou o jovem de morrer afogado. Mais tarde, Plácido, um dos muitos seguidores de São Bento, foi elevado a santo.

Reconhecendo o valor de Amaro, o Patriarca dos monges incumbiu-o de importante missão: difundir na Gália (França) a Regra de São Bento, o que ele executou nos primeiros vinte anos do século VII. Amaro fundou o mosteiro de Granfeuil (Saint-Maur-sur-Loire).

Suas principais virtudes: casto, humilde, caridoso e obediente à Regra da Ordem. Ainda em vida, Amaro teve fama de santidade. Faleceu em 584.

É invocado na cura de certas doenças; gripe, reumatismo, rouquidão, dor de cabeça e paralisia. É padroeiro dos transportadores.


Santo Amaro, a imagem que estava na capela
Foto publicada com o texto em Leopoldianum

Houve duas capelas de Santo Amaro

A Primeira Capela da Povoação - Jorge Ferreira, um dos primeiros povoadores da região - que chamamos Baixada Santista -, chegou com Martim Afonso de Souza. Casou-se com Joana Ramalho, neta do cacique Tibiriçá, filha de Bartira e João Ramalho. Desse casamento houve descendência que originou muitas famílias que se espalharam, nos séculos seguintes, por várias capitanias do Brasil.

Jorge Ferreira, cavaleiro fidalgo, obteve a doação de terras na ilha do Guaíbe, hoje Santo Amaro e, além disso, ocupou cargos importantes, entre eles o de capitão-mor e ouvidor da Capitania de Santo Amaro e, por duas vezes, o de capitão-mor da Capitania de São Vicente. Lutou contra índios e franceses e foi um dos fundadores, em 1567, da cidade do Rio de Janeiro.

Na ilha do Guaíbe, Jorge Ferreira estabeleceu uma Povoação onde o genovês José Adorno e sua mulher Catarina Monteiro fundaram uma capela dedicada a Santo Amaro. Infelizmente, o Povoado não prosperou e dele não restou vestígio. A capela ruiu e as alfaias foram entregues a Cristóvão Diniz, almoxarife, em 24 de setembro de 1576. A donataria doada a Pero Lopes de Souza (irmão de Martim Afonso), por causa da capela, passou a se chamar Capitania de Santo Amaro. Assim, se a primeira capela pouca influência teve quanto à religião, muita importância exerceu na nomenclatura, pois, em conseqüência, a ilha onde se situa o Município de Guarujá tem o nome de Santo Amaro.

A Segunda Capela de Santo Amaro - Todos os fortes, no Brasil, sempre tiveram um santo protetor. Assim, a Fortaleza da Barra, iniciada em 1584, recebeu o nome de Santo Amaro da Barra Grande. Às vezes é citada como sendo de São Miguel, considerado um anjo guerreiro, mas acabou predominando a devoção do santo beneditino.

Assim, a história da capela sempre esteve ligada à da Fortaleza construída para compor o sistema de defesa do litoral.

Em 1700, por razões estratégicas, a Vila de Santos foi declarada Praça Militar. Pouco depois, a Coroa Portuguesa encarregou o Brigadeiro João Massé ou Massey para fazer o plano de defesa do litoral brasileiro. Dentro desse esquema, João Massé, em 1712, fez dois projetos para entrada da barra de Santos: um para o Forte de Santo Amaro, aumentando-o, e o outro em local fronteiro, na Ponta da Praia, que se chamou de Forte de Estaca, no local do Museu do Instituto de Pesca.

Massé recomendou que se terminasse a Fortaleza e que se construísse, no lugar assinalado pelo Governador, uma Casa da Pólvora e que se desmanchasse a "que lá estava por ser mal construída e estar em sítio muito arriscado". De fato, a Casa da Pólvora, ao lado da Casa do Comando, bem visível do mar, podia facilmente ser atingida pelo inimigo. Interrompidas várias vezes as construções por falta de verba, em 1724 ainda ia ser iniciado o Armazém da Pólvora "em parte mais segura". Mas em 1725 ainda isso não ocorrera. Com o agravamento da discórdia entre portugueses e espanhóis, no Sul, dentro da ampla questão platina, em 1739, o engenheiro e brigadeiro José da Silva Paes fez, por ordem de D. João V, uma vistoria geral nas fortificações do Brasil. Projetou reforços na fortaleza delineada por João Massé e, afinal, deu-se a edificação da Casa da Pólvora, atrás da Casa do Comando.

No lugar da antiga Casa da Pólvora, ergueu-se a capela que hoje vemos. A radical mudança de uso obrigou a reforma do antigo depósito de pólvora, dando-lhe uma aparência que sinalizasse, de modo inequívoco, a nova função.

A Construção da Capela

Voltada para o mar, a capela está à vista de todos, ao lado do edifício principal: a Casa do Comando ou Quartel.

Na parede fronteira, vê-se uma única porta, de linhas retas, e a fachada sobe limitada por duas volutas duplas e de sentido inverso, que sustentam uma base triangular, finalizada por uma cruz simples. A parede é, nos cantos laterais, limitadas por duas sólidas pilastras de pedra, encimadas por pináculos. O conjunto alia a solidez à elegância.

Na fachada lê-se, com emoção, o que está gravado no granito acima da porta:

OBRA
QFESO GOR. JO
SEPH ROIZ OLIV
1742

"Obra que fez o Governador José Rodrigues de Oliveira em 1742"[1].

Internamente, a capela mede 5,75 m de frente e 5,70 m na parede posterior. A fachada lateral direita tem 7,77 m e a lateral esquerda mede 7,73 m, sendo que, nesta parede, a única janela descortina uma bela vista para o mar e para a Ilha de São Vicente. As paredes espessas, de alvenaria, pedras e tijolos são argamassadas com oleato de cálcio, substância aglutinante obtida por um processo que consistia em juntar a cal - retirada de sambaquis e obtida nas caieiras - e o óleo de baleia, abundante na região.

A praia do Góes, vizinha à Fortaleza, tinha um posto subsidiário da Armação das Baleias de Guarujá, no canal de Bertioga e do qual existem ruínas.

A obrigação de manter a capela era da Coroa real e, por isso, só com licença especial do governador da Capitania de São Paulo, padres podiam visitar a capela. Nem sempre a permissão era concedida, alegando-se que a capela estava sob a proteção real e não possuía sacrário.

Os serviços religiosos, como missas, eram, em meados do século XVIII, prestados pelos franciscanos do convento de Santo Antônio do Valongo, que recebiam 60$000, pagos pela Real Junta.

Capela: alívio de uma prisão

A Fortaleza da Barra Grande, utilizada também como presídio de segurança máxima, foi, durante muitas décadas, temível prisão, sendo chamada de a "Bastilha" santista. Nela estiveram presos políticos condenados a longas penas.

Pelo menos dois sacerdotes foram aprisionados nos calabouços. Um deles, o Padre Francisco Xavier Garcia, mereceu do Governador e Capitão-general da Capitania, D. Luís Antônio de Souza Botelho Mourão, o Morgado de Mateus, autorização para rezar missa todos os dias e falar com as pessoas que ali o fossem visitar.

Dramático foi o caso do padre Lousada. Paulista de Guaratinguetá, nascido em 1736, Antônio Ramos Barbas e Lousada foi capelão do Forte do Iguatemi, fundado pelo Morgado de Mateus, na fronteira com o Paraguai.

Tornou-se esse lugar um sorvedouro de homens e de recursos, de tal monta, que o Forte ficou na História paulista como "o maldito Iguatemi". Os espanhóis nunca aceitaram essa ocupação e guerrearam até conseguirem a capitulação dessa praça militar.

O padre Lousada, junto com o tenente da guarnição Jerônimo da Costa Tavares, foi obrigado a aceitar honrosa capitulação. Eram 116 homens do lado português contra 6.000 do lado espanhol, metade composta de índios aguerridos.

Submetidos a conselho de guerra, o capelão e o tenente foram condenados à prisão nos calabouços da Fortaleza, sendo que o padre Lousada ali permaneceu encarcerado de 1777 a 1795, isto é, por 18 anos [2].

É consolador lembrar que os sacerdotes ali aprisionados gozavam do privilégio de celebrar missa e tinham autorização para deixarem as masmorras úmidas, para vir apanhar a luz e ver a magnífica paisagem marinha da esplanada da Fortaleza.

As reconstruções da capela

Erguida em 1742, a capela veio a ruir com o passar do tempo.

Em 1859, quando Santos há 20 anos já gozava do status de cidade, a capelinha estava praticamente abandonada, pois o único sacerdote secular da cidade de Santos era o capelão da Fortaleza, o qual, por motivos de saúde, não podia exercer, satisfatoriamente, suas funções.

No relatório sobre a Fortaleza, assinado pelo tenente-coronel Lúcio Nunes Ramalho, datado de Santos, em 24 de outubro de 1860, lê-se:

"Capela - Este templo precisa ser retelhado, rebocado, caiado e assoalhado".

Vinte e cinco anos depois, em 1855, o capitão-comandante Antônio Emílio Vaz Lobo tomou a iniciativa de recuperá-la e promoveu uma subscrição popular que apurou R$ 695$000 (seiscentos e noventa e cinco mil réis).

Pela prestação de contas do zeloso empreendedor, sabemos que a capela ficou provida de altar, com banqueta (conjunto de castiçais), imagem de Santo Amaro e, em nichos, três imagens menores. O encarregado das obras foi "o hábil artista sr. Leonardo Antônio de Castro" e o assoalho de madeira mereceu o requinte de um tapete.

A capela restaurada foi benta no dia 18 de outubro de 1885. Houve festa programada: tocou a famosa banda do maestro Luís Arlindo da Trindade. A missa, celebrada pelo vigário cônego Scipião Junqueira, reuniu importantes personalidades de Santos, transportadas no barco a vapor de Henrique Porchat.

Apesar disso, o relatório apresentado à Assembléia Legislativa, datado de 7 de fevereiro de 1887, assinado pelo Dr. Sebastião Pereira, informava:

"A capela, casas de residências do comandante e ajudante, quartel e muralhas precisam de reparos, que mandei orçar para solicitar as convenientes providências".

No início do século XX, a capela havia se arruinado por falta de conservação. O relatório do capitão comandante, Francisco Álvaro de Sousa, datado de Santos, 1º de janeiro de 1904, descrevia:

"Na Fortaleza, pode-se dizer que existe apenas uma casa aproveitável. É a que subdividida internamente, abrange o quartel e a casa do Comandante. O outro edifício existente à parte; foi construído em tempos coloniais para capela, e acha-se em ruínas".

Em 1956, a Fortaleza passou para o Círculo Militar de Santos, que aí estabeleceu a sede náutica e decidiu erigir a capela, o que acontecia pela quarta vez. Segundo publicou o jornal A Tribuna, em 1955, a restauração obedeceu fielmente ao caráter antigo, segundo velhas fotografias, desenhos e informações de livros de historiadores. O piso em ladrilhos era de cores sóbrias e a criatividade do ladrilhador utilizou-os, de tal maneira, que desenhavam no chão uma grande cruz. Sua reinauguração festiva e concorrida, com a presença de numerosas autoridades, da imprensa, com o apoio de D. Idílio José Soares, bispo diocesano, fez parte da programação oficial das comemorações do 116º aniversário da elevação de Santos à categoria de cidade e aconteceu no dia 30 de janeiro de 1955.

A Soamar - Sociedade Amigos da Marinha - ocupou também a Fortaleza e aí se faziam reuniões sociais, familiares. Na Casa do Comandante, por exemplo, realizavam-se bailes, sábados à tarde. O uso conservava o patrimônio e isso foi favorável para preservação da Fortaleza. Devido à sua importância, foi o conjunto tombado em 1969.

Na década de 70, o IPHAN enviou um ofício à Soamar dando-lhe curto prazo para desocupar a área da Fortaleza.

De posse plena do bem tombado, o IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, descuidou-se dele e teve início um triste período para a Fortaleza e para a capela. Abandonado, o conjunto deteriorou-se rapidamente. Somente em 1979 o IPHAN anunciou a restauração do monumento decadente e incluía a pequena capela.

A Decadência da Fortaleza e da Capela

Mas a Fortaleza havia sofrido com a retirada de materiais de construção, tais como telhas, tijolos, madeiras, por pessoas estranhas, pois, durante muito tempo, não houve guarda no local. A capelinha fora depredada. Um altar de alvenaria todo revestido de azulejos brancos e azuis, que mostrava cenas religiosas, foi danificado pela ação de vândalos. Com o tempo, o teto ruiu e as telhas desapareceram. A imagem de Santo Amaro ficou ao relento.


Imagem mutilada de Santo Amaro foi preservada no Museu de Arte Sacra de Santos
Foto publicada com o texto em Leopoldianum

A Recuperação do Monumento

A Imagem de Santo Amaro - A situação do monumento chegou a tal ponto que pessoas com consciência cívica iniciaram movimentos para recuperá-lo, citando-se iniciativa de um grupo de crianças, para salvar a imagem de Santo Amaro.

Esse grupo, que freqüentava regularmente o Museu de Pesca e visitava a Fortaleza, tomou a iniciativa de salvar a imagem de Santo Amaro que estava ao relento. O grupo entrou em contato com o Museu de Arte Sacra de Santos (MASS), que aceitou, prontamente, custodiar a imagem. Para tanto, comunicou-se com o IPHAN de São Paulo, dirigido pelo arquiteto Antônio Dias de Andrade, o Janjão (já falecido), que autorizou a cessão da imagem - mutilada em uma das mãos -, sob custódia, para o Museu, em Santos.

Estudos no MASS determinaram que essa imagem é, provavelmente, a mesma colocada, em 1885, quando da terceira restauração da capela. Depois da limpeza da imagem de barro medindo 1,06 m, descobriram-se pormenores como decorações em ouro sobre o fundo preto.

Houve uma grande festa no MASS, quando a imagem do santo, recuperada, foi apresentada a todos, estando até hoje em lugar de honra no Museu.

Finalmente, o órgão técnico procedeu dentro da capela a duas escavações arqueológicas: a primeira, na década de 80, dirigida por Cristina Stacamacchia e a segunda, na década de 90, por Maria Lúcia Pardi. Encontrou-se muito material constando, na maior parte, de fragmentos de louças - a maioria de procedência inglesa: porcelanas, faianças e uma moeda de ouro de origem holandesa. Esses materiais estão sob a responsabilidade do IPHAN, em São Paulo.

A Atuação da UniSantos

Movimentos vários foram feitos, mas foi a Universidade Católica de Santos (UniSantos) que assumiu a coordenação do trabalho de restauro a ser realizado pelo IPHAN. Após anos de persistente trabalho, os resultados foram aparecendo e a Fortaleza como que se desencantou, voltando branca e sólida a destacar-se na paisagem verde do Morro do Limão, em Guarujá.

A capela foi recuperada e é significativo que o Protocolo de Intenções, assinado em 2 de setembro de 1993, entre o IBPC/SP - atual IPHAN -, Prefeitura Municipal de Guarujá e Sociedade Visconde de São Leopoldo, tenha sido assinado dentro da Capela de Santo Amaro sob os olhares de numerosas pessoas satisfeitas com o ato, entre as quais o Bispo D. David Picão e autoridades civis e militares. Deve-se destacar a campanha feita pela imprensa, grupos de pessoas e jornalistas empenhados em reclamar das autoridades federais providências para salvar o belo monumento.

Os trabalhos continuaram com o auxílio da Lei Rouanet e hoje os resultados estão à vista de todos, satisfeitos e orgulhosos com o final feliz.

O Painel de Manabu Mabe

Contatado pelo IPHAN, para criar um painel para a capela, o artista Manabu Mabe, em março de 1997, seis meses antes de falecer, veio ao Guarujá, onde apreciou a ambiência da Fortaleza da Barra e a capela. Inspirado pelo sugestivo conjunto arquitetônico, pelas largas paisagens naturais e humanas, disse:

"Eu me empenharei muito para poder deixar minha obra neste lugar tão maravilhoso".

Manabu Mabe, nascido em Kumamoto, no Japão, veio para o Brasil com dez anos, tendo, mais tarde, se naturalizado brasileiro. Trabalhou no Estado de São Paulo como lavrador e, nessa condição, montou sua primeira oficina de trabalho de pintura.

Sua obra tem duas fases principais: a primeira figurativa e a segunda abstracionista. Em Nova York e em Tóquio já se reinaugurava a abstração lírica e Manabu Mabe aparece com posição de destaque no abstracionismo, na década de 80.

Manabu apresentou exposições individuais. A primeira, no Rio de Janeiro, em 1959, depois no exterior: América, Europa e Ásia. Participou também de numerosas coletivas e de várias Bienais de São Paulo, México e Japão.

Mabe criou para a capela da Fortaleza um painel com, aproximadamente, 20 metros quadrados, na técnica de mosaico, com vidro em cores vivas, com predominância do vermelho, verde, azul e preto, que está assinado: "Mabe/97". A obra denominada "Vento Vermelho" é vigorosa e atraente, no estilo abstracionista que o consagrou. O mosaico, construído por artistas do Atelier Artístico Sarasá, foi colocado na parede do fundo da capela de Santo Amaro.

Oportuno lembrar as palavras de Mabe sobre a arte, em 1973:

"A função de toda arte é um testemunho do instante. Quando coloco o que penso e sinto num quadro, estou testemunhando minha época e um momento meu".

A obra de Mabe levanta a questão do confronto entre o antigo e o contemporâneo. Sua colocação num patrimônio barroco pode parecer provocação.

Cada geração tem sua História, sua mentalidade que testemunha através do comportamento, da cultura e da arte especialmente.

O Presente de um Patrimônio Antigo

Ao reconstruir o conjunto arquitetônico da Fortaleza, os brasileiros demonstram respeito pela sua herança cultural, recuperando um valioso e secular patrimônio, mas deixam nele, também, a marca de sua época. Essa idéia não esgota a polêmica, mas a convivência é estimulante.

A vista da capela reconstruída cinco vezes salva, de modo feliz, os ideais dos homens das épocas antigas do Brasil. Ela é forte, simples e bela.

Restaurada, esplende sua brancura na paisagem verde completando a visão renovada da Fortaleza.

Mais do que reduto da fé católica e exemplo da arte barroca, ela exprime a vontade de realização do povo brasileiro.

Um povo que assume a herança do passado e acredita no futuro.

A capela de Santo Amaro, como escreveu Costa e Silva Sobrinho, "é um valioso fragmento, à flor da terra, do passado santista".

E acrescentamos: do passado brasileiro.


Da esplanada da fortaleza, avista-se a Ilha de São Vicente com as praias de Santos e 
São Vicente, e a movimentação de navios em demanda do porto santista
Foto: jornal santista A Tribuna, 1999

Referências

[1] Na lista dos governadores, estranhamente não aparece o nome de José Rodrigues de Oliveira e sim o de D. Luís de Mascarenhas, Conde d'Alva, 8º capitão-general da Capitania de São Paulo, durante onze anos, de 1739 a 1750. A estranheza logo se desfez após pesquisa, pois ele era o imediato de D. Luís de Mascarenhas. Por ordem de D. João V, D. Luís residiu a maior parte em Vila Boa de Goiás e deixou, em São Paulo, José Rodrigues de Oliveira, um de seus melhores colaboradores, que deu execução às medidas estabelecidas por ele. O construtor da capela era Capitão de Dragões, na Capitania de Minas Gerais, quando foi nomeado Mestre de Campo Governador da Praça de Santos, por três anos prorrogáveis, o que aconteceu, tendo José Rodrigues de Oliveira exercido o comando durante sete anos.

[2] Segundo Costa e Silva Sobrinho, de quem extraímos essas notas, o padre Lousada, ao ser libertado, aos 60 anos, foi ser vigário em Conceição de Itanhaém.

Bibliografia

ALVES, Odair Rodrigues. Os homens que governaram São Paulo. São Paulo: Nobel; Edusp, 1986.

ANDRADE, Wilma Therezinha F. de, A vila e a fé: a Ordem de São Bento em Santos, Séc. XVI ao XVIII. Dissertação de mestrado apresentada à FFLCH, da USP, 1980.

_____, Capela de Santo Amaro na Barra Grande. Folheto. Santos: Comissão Pró-Fortaleza da Barra, 21 de dezembro de 1997, ilust.

AYALA, Walmir. Dicionário de pintores brasileiros. Rio de Janeiro: Spala, [s.d.], vol. II. ilust.

COSTA e Silva Sobrinho, José da. Santos noutros tempos. São Paulo [s.Cp.], 1953, ilust.

DE BIASI, Ana Maria Chamiso Silva. Monólogo de Santo Amaro: lá e cá. Jornal: Tribuna do Guarujá, 14 de dezembro de 1985.

JORNAL O Estado de São Paulo. Fortaleza começa a ser restaurada, 31 de março de 1993.

JORNAL A Tribuna. Capela exige um trabalho minucioso - data da assinatura do convênio entre IPBC e a PM Guarujá.

TELLES, Pedro Carlos da Silva. História da engenharia no Brasil, séculos XVI e XIX. Rio de Janeiro: Livros técnicos e científicos, 1948, ilust.

PIAZZA, Walter F. O brigadeiro José da Silva Paes: estruturador do Brasil meridional. Florianópolis: Ed. FUSC, 1988. Ilust.

RODRIGUES, Edith Porchat. Informações históricas sobre São Paulo no século de sua fundação. São Paulo: Martins, 1956.

SCHUSTER, A. Ildefonso, cardeal, OSB. História de São Bento e de seu tempo. Trad. das monjas beneditinas da abadia de Santa Maria, SP. Rio de Janeiro: Lumen Christi, 1956.

ARQUIVO HISTÓRICO DO EXÉRCITO. Rio de Janeiro. Palácio Duque de Caxias; Praça Duque de Caxias, 25, Centro.

ENTREVISTA com Eliete Pithágoras de Brito Maximino, diretora do IPARQ - Instituto de Pesquisas Arqueológicas da UniSantos, em 11 de junho de 1999.

RELATÓRIO do Tenente-coronel Lúcio Nunes Ramalho, datado de Santos, 24 de outubro de 1860. Original no AHEX Arquivo Histórico do Exército. Rio de Janeiro: Palácio Duque de Caxias. Praça Duque de Caxias, 25. Cópia no CDBS - Centro de Documentação da Baixada Santista da UniSntos.

RELATÓRIO apresentado à Assembléia Legislativa pelo Dr. Sebastião Pereira em 7 de fevereiro de 1887. Original no Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro. Cópia no CDBS.

RELATÓRIO do Comandante da Fortaleza da Barra Grande de Santos relativo ao ano de 1903. Cópia do original existente no Arquivo Histórico do Exército. Rio de Janeiro. Cópia no CDBS.

RELATÓRIOS do Arquivo Histórico do Exército.


No ano de 1999, um painel eletrônico foi instalado na muralha da fortaleza recuperada, 
para a contagem regressiva até a passagem do milênio
Foto: jornal santista A Tribuna, 1999

(*) Wilma Therezinha Fernandes de Andrade é doutora em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); professora de História do Brasil e Cultura Brasileira da UniSantos; coordenadora do Centro de Documentação da Baixada Santista da UniSantos; vice-presidente do Museu de Arte Sacra de Santos; membro da Academia Feminina de Ciências, Letras e Artes de Santos e da Academia Santista de Letras.


No ano de 1999, um painel eletrônico foi instalado na muralha da fortaleza recuperada, 
para a contagem regressiva até a passagem do milênio
Foto: jornal santista A Tribuna, 1999

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