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HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS
Ponta da Praia já teve uma fortaleza

O Forte Augusto existiu até o início do século XX no local depois ocupado pela Escola de Aprendizes Marinheiros e pelo Museu de Pesca

Nos primeiros anos do século XX, apenas algumas marcas no chão denunciavam ter existido defronte ao mar, na Ponta da Praia, uma fortaleza, o Forte Augusto. No local foi então construído o prédio que abrigaria a Escola de Aprendizes Marinheiros, mais tarde ocupado pelo Museu de Pesca. A primeira parte dessa história foi contada em 1937 pelo historiador Francisco Martins dos Santos, em sua História de Santos:

No início do século XX, restavam poucas marcas do Forte Augusto, nas dunas da P. da Praia
Foto: suplemento A Escolinha, do Diário Oficial de Santos, em 12/6/1972

Forte Augusto - Forte da Trincheira - Forte da Estacada ou Fortaleza do Castro

Este forte, muito citado nos documentos do século passado [N.E.: século XIX], foi construído, pelos melhores dados possíveis, no ano de 1734, por João de Castro Oliveira, que obteve o lugar de seu primeiro comandante, quando governava a Capitania o Conde de Sarzedas, Antônio Luiz de Távora, sendo reformado e reparado em tempo do governador D. Luiz Antônio de Souza Botelho Mourão, que, em ofício de 30 de junho de 1770, dirigido ao governo da Metrópole, referia estar ele guarnecido com 3 peças de calibre 8, 5 de 6 e 1 peça de 4.

Sua importância era estar situado na atual Ponta da Praia, onde ainda há poucos anos se viam os restos de seus alicerces, quase fronteiro à Fortaleza da Barra Grande, em fogo trançado com esta, de modo a fechar real e totalmente a entrada do porto, e, mais do que isso, por marcar, como um monumento, embora não intencional, o lugar onde começava o antigo e verdadeiro Porto de S. Vicente ou da Capitania de S. Vicente, onde fundeou e permaneceu, por longo tempo, a Armada de Martim Afonso e seu irmão Pero Lopes de Sousa, e onde, segundo se lê em Varnhagen, Frei Gaspar, Machado de Oliveira, Baltazar da Silva Lisboa e outros historiadores, cujos depoimentos fazem parte do nosso Inquérito Histórico sobre a origem e a fundação da cidade, "se construiu uma pequena casa para guarda das velas e enxárcia dos navios, e onde se varou uma nau em terra, para reparos e limpeza", em 1532.

Daquele lugar, e daquele porto histórico, onde fundearam também André Gonçalves e Américo Vespúcio em 22 de janeiro de 1502, e onde nasceu, por eles aplicada (pela primeira vez), a denominação "São Vicente", "rio e porto de São Vicente", que se estenderia a toda a Capitania e à Vila capital, partia o caminho (pela praia e pelo jundu) que levava à Vila de S. Vicente, usado pelo próprio Martim Afonso de Sousa e por toda a sua gente.

O engenheiro militar Luiz D'Alincourt, a quem nos temos referido, visitando este Forte em 1818, assim se expressou:

"Na margem oposta há uma comprida praia e em frente à Fortaleza (de Santo Amaro) um lugar aterrado, a quem chamam bateria: onde construíram modernamente um reduto, que tem seis ou sete peças, mas o parapeito acha-se bastantemente arruinado. Penso que se não podia escolher um lugar mais impróprio para se fundar a Fortaleza, etc.".

O Forte da Estacada teve guarnição até fins do século passado [N.E.: século XIX], tendo sido seu último comandante conhecido, até cerca de 1890, o Capitão Antônio Martins Fontes, sobrevindo depois a sua fase de abandono.

Em 1893 (6 de setembro), deflagrada no Rio de Janeiro a conhecida Revolta da Armada, sob a chefia do almirante Custódio de Melo, voltou este Forte à atividade, talvez a sua maior atividade em todos os anos de existência, merecendo a presença de Bernardino de Campos, Presidente do Estado de São Paulo, que dele assistiu ao bombardeio do Forte e das praias santistas pelo cruzador-couraçado República, capitânia da esquadra revolucionária.

São dessa ocasião os últimos canhões que ali existiram, e que, por incrível que pareça, ali ficaram, abandonados durante muitos anos, chegando a ser atirados a terra, à margem do porto, até mesmo depois da construção da Escola de Aprendizes-Marinheiros, hoje Instituto de Pesca Marítima (com Museu), cerca e 1900, após resolvido o litígio que pesava sobre as terras da Ponta da Praia, entre a Fazenda Nacional e alguns particulares.

Desse Forte do século XVIII, saía um caminho que bordejava o porto e internava-se pelo antigo Pau Grande (Vila Santista e Macuco), servido mais tarde por um trenzinho de carga e passageiros, e conhecido por toda gente, durante mais de oitenta anos, como o "caminho do Forte Augusto", que terminava junto ao chamado "rio do Conrado", que hoje não mais existe.

Toda esta região, aliás, do contorno da Ponta da Praia, ora ocupada pela bela Avenida Saldanha da Gama, partindo do antigo Forte e seguindo até o ferry-boat (balsas para o Guarujá), calçada, pavimentada, arruada, urbanizada, constitui, hoje, um dos mais belos, mais pitorescos e característicos pontos da cidade de Santos, que alia, de modo espetacular, o riquíssimo passado histórico ao notável presente econômico e turístico, do lugar onde desfilam os transatlânticos e os barcos de pesca, onde se agrupam os grandes clubes de esportes aquáticos e atléticos, e os centros de pescadores.

Em outro ponto de sua obra, o mesmo Francisco Martins dos Santos cita que o primeiro jornal santista, a Revista Comercial, em 30 de março de 1868, publicou o seguinte aviso, anunciando "uma grande nova para S. Paulo e para os santistas - a fundação da Escola de Aprendizes Marinheiros":

CAPITANIA DO PORTO DA CIDADE DE SANTOS

Por decreto nº 4.112, de 29 de fevereiro último, foi criada nesta cidade uma Companhia de Aprendizes Marinheiros. Por aviso de 10 do corrente mês houve por bem S. M. o Imperador mandar nomear-me comandante da mesma Companhia.

A S. Exa. o Sr. Ministro da Marinha coube a glória de proporcionar à Província de S. Paulo esta fecunda instituição naval, arrimo seguro aos seus filhos desvalidos da fortuna, a fim de receberem uma educação conveniente, e uma instrução essencial à arte da Marinha de Guerra, em cujo mister poderão prestar valiosos serviços ao Governo e à Nação.

Anunciando pois ao povo desta cidade e à província em geral a criação da Companhia de Aprendizes Marinheiros, cuja sede será no Arsenal desta cidade, onde se trata de construir um bom quartel e outros arranjos indispensáveis à companhia, cumpro o agradável dever de pedir aos Srs. pais e tutores, aos quais faltem meios para a educação e manutenção de seus filhos e tutelados, que os apresentem a alistamento na referida Companhia.

Será muita a minha satisfação se com o concurso dos habitantes desta cidade e província eu conseguir o número de menores de que se deverá compor a Companhia; e a Província de S. Paulo mais uma vez demonstrará que é sempre pródiga em prestar seus filhos para o serviço da Pátria.

Está, portanto, aberto, nesta Repartição, o alistamento de menores para a Companhia, devendo ter a idade de 10 a 17 anos. São igualmente recebidos mediante o prêmio de 120$000 aqueles que forem robustos e que tenham a idade de 13 a 17 anos.

Capitania do Porto de Santos, 27 de março de 1868.

Capitão do Porto e Comandante da Companhia
José Eduardo Wandenkolk

Quem relembra as novas fases de ocupação da área do antigo forte é o pesquisador J. Muniz Jr., em artigo publicado na edição de 4 de agosto de 1995 do jornal santista A Tribuna, pouco antes da realização de uma campanha pública que permitiu a reabertura do museu:

Defronte ao edifício, aprendizes se exercitam subindo no mastro das bandeiras, em 1909
Foto: Liga Marítima, edição de junho-1909/dezembro-1910

Um monumento arquitetônico na Ponta da Praia

J. Muniz Jr. (*)
Colaborador

No dia 5 de maio de 1909 (N.E.: na verdade, 5 de abril de 1909), a cidade amanhece engalanada para receber o presidente da República, pois, desde cedo, já havia uma concentração popular na Ponta da Praia, observando a chegada dos navios da Armada, os contratorpedeiros Piauí e Pará, o cruzador-torpedeiro Tupi e o cruzador Barroso (com a comitiva presidencial), que fundeou nas imediações da Fortaleza da Barra. Transferidas para duas lanchas que aguardavam no local, as autoridades desembarcaram na praia e seguiram para o edifício (em construção) da Escola de Aprendizes-Marinheiros do Estado de São Paulo.

Acompanhado pelo almirante Alexandrino de Alencar, ministro da Marinha; do marechal Hermes da Fonseca, ministro da Guerra; do Dr. Miguel Calmon, ministro da Indústria; e de outras autoridades, o presidente foi ovacionado pelo povo e recebido com honras de estilo por uma guarda de honra postada à entrada do prédio.

Houve solenidade, durante a qual o capitão-tenente Garcês Palha, comandante do estabelecimento, agradeceu a visita do chefe da Nação, cabendo ao ministro da Marinha (por determinação superior) descerrar uma placa de mármore com a seguinte inscrição: "Escola de Aprendizes Marinheiros do Estado de São Paulo - Edifício construído sendo presidente da República o Dr. Affonso Penna e ministro da Marinha o almirante Alexandrino de Alencar - 1908-1909".

Naquela festiva ocasião, ao exaltar a importância da criação de uma escola de aprendizes em Santos, o presidente qualificou-a de "verdadeiro monumento da Marinha Nacional" e, durante um banquete em sua homenagem, foi saudado pelo presidente do Estado, Dr. Albuquerque Lins, seguido do ministro Alexandrino, que agradeceu ao governo de São Paulo o apoio na construção do edifício-escola.

Desde o século passado [N.E.: século XIX] que a cidade passou a contar com um contingente de Aprendizes-Marinheiros, por decisão do Imperador D. Pedro II, através de decreto de 29 de fevereiro de 1866, que criou uma Companhia de Aprendizes-Marinheiros na Província de São Paulo. No início de sua formação, em 1870, a companhia ficou aquartelada no antigo Arsenal de Marinha (defronte da Igreja do Carmo). Depois, foi para o prédio de número 58 da Rua dos Quartéis (atual Xavier da Silveira), junto da Capitania do Porto, onde permaneceu até fins do século [N.E.: século XX].

Com a reforma geral da Armada Nacional, a partir de 1906, o almirante Alexandrino ativou um extenso programa naval, determinando que as escolas de aprendizes-marinheiros funcionariam em todos os estados marítimos, inclusive no Amazonas e Mato Grosso. Em outubro de 1907 existiam onze escolas de Norte a Sul do País e com a remodelação desses estabelecimentos houve, inclusive, a criação de novas escolas. Também foram ativadas quatro escolas-modelos regionais, ficando as demais consideradas estabelecimentos primários, tendo cada uma destas, como centro, uma escola-modelo.

Quanto à Escola de Aprendizes-Marinheiros do Estado de São Paulo, sua construção foi iniciada em 1908, numa área de 118 [N.E.: metros] de frente por 1.100 de fundos, contando com 200 contos de réis do Governo Federal, 50 contos do Estado e a mesma quantia do município, respectivamente. Inaugurada pelo presidente Affonso Penna em maio de 1909, foi solenemente instalada no dia 6 de setembro daquele mesmo ano.

Dotado de imponente arquitetura, o prédio ostentava dois dragões alados no frontão, ladeando uma peça alegórica com a inscrição "EAM", além de contar com um monumental mastro de bandeiras, com gávea e escadas. Iniciou suas atividades com a missão de educar menores adolescentes, através de instrução primária e de marinharia. E, sendo a única do gênero em todo o Estado, serviu não só ao Interior como a todo o Litoral Paulista, recebendo e instruindo os futuros marujos da Armada Nacional, até o final de 1931, quando foi extinta por determinação do Governo Provisório da República.

Depois de um período de vinte e dois anos de atividades como estabelecimento de ensino da Marinha de Guerra, a partir de 1932, o belo edifício da Ponta da Praia passou a sediar a Escola de Pesca do Estado de São Paulo. Naquele mesmo ano, recebeu a denominação de Instituto de Pesca Marítima, onde os filhos dos pescadores da região passaram a receber educação gratuita, através de cursos vocacionais e profissionais.

Todavia, o Instituto de Pesca Marítima encerrou suas atividades em meados de 1950, mas com o aproveitamento do material remanescente do Museu de História Natural, que vinha funcionando anexo ao Instituto, surgiu o Museu de Pesca naquele mesmo ano, com objetivos técnicos, culturais e científicos.

Assim é que o bairro da Ponta da Praia tem o privilégio de possuir um reduto histórico à beira-mar, onde, outrora, existiu o lendário Forte Augusto ou da Estacada, que cruzava fogo com a velha Fortaleza da Barra. E foi ali que, em princípios do século [N.E.: XX...], foi erigido um verdadeiro monumento arquitetônico, que merece ser cultuado como uma das grandes atrações históricas e turísticas da cidade. Infelizmente, o vetusto prédio permanece fechado à visitação pública desde 1987, clamando pela atenção das autoridades competentes, o que é uma lástima.

Bibliografia:

Andréa, Júlio (Cap-Ten.) - A Marinha Brasileira, Tomo II, S. Ed., Rio de Janeiro, 1956;

A Tribuna - Extinção da EAM, 3/11/1931;

Coleção de Leis do Império do Brasil de 1868, Tomo XXVIII, Parte I, Tipografia Nacional, Rio de Janeiro, 1868;

Giacopini, Giuliano (Maj.) - História da Marinha Brasileira, Rev. Mar. Brasileira, Fev-Mar/1963, SDGM, Rio de Janeiro;

Liga Marítima, Jun-1909/Dez-1910;

Moraes, Joaquim Ribeiro de - Histórico do Instituto de Pesca Marítima, Sep. do Boletim de Indústria Animal, São Paulo, 1954;

Muniz Jr., J. - Presença da Marinha em Santos, Gráf. A Tribuna, Santos, 1986 e De Escola de Aprendizes a Museu de Pesca, Gráfica da Fac. de Comunicação da UniSantos, 1976;

Promessa, João Luiz - Reminiscências de Santos (1543-1870), Est. Gráf. Santista, 1930.

(*) J. Muniz Jr. é jornalista, pesquisador de História e autor de várias obras liberárias sobre a cidade de Santos.


O prédio, em cartão postal lançado logo após a inauguração da Escola de Aprendizes-Marinheiros

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