O jegue e a Independência

A velha ponte de aço (agora imitando um arco-íris) sobre o Rio Cubatão serve de exemplo aos contrastes do Município. Nesse ponto do rio estão o passado, o presente e o futuro de Cubatão.

O passado está na beira do rio próximo ao Largo do Sapo, onde ficava o Porto Geral de Cubatão. O presente, no colorido da ponte, para as festas da segunda metade do século XX.

O futuro de Cubatão está na indústria, como mostram as torres de processamento da Companhia Brasileira de Estireno. É na indústria de base (refino de petróleo, petroquímica e química, cimento, fertilizantes, siderurgia e papel) que Cubatão encontra seu sustento, e, no prolongamento dessas atividades com serviços, indústria de transformação e portos, que almeja seu futuro.

O mapa elaborado pela Universidade de São Paulo mostra a evolução histórica de Cubatão. Há cerca de cinco mil anos, os primitivos habitantes da região de alagadiços caracterizaram os primeiros povoadores desse pé de serra. Sabe-se da sua existência porque deixaram, misturados a conchas dos mariscos que comiam, seus próprios esqueletos. São os sambaquis, preservados graças à vigilância da USP, no Morro Cotia-Pará, a poucos metros da Via Anchieta, no Parque Ecológico do mesmo nome; e o Morro do Casqueirinho, em terras da atual Cosipa.

Os índios foram os primeiros habitantes conhecidos de Cubatão. Há na antessala do gabinete do prefeito Passarelli um quadro de Jean Luciano mostrando o encontro de Martim Afonso com João Ramalho, casado com uma índia e acompanhado por vários guerreiros, no Porto de Piaçaguera, onde hoje é a Cosipa, em 1532. Esses índios desciam do Planalto desde Paranapiacaba (que queria dizer lugar de ver o mar), usando uma trilha tupiniquim, situada mais ou menos na encosta do Morro de Piaçaguera no espaço ocupado pelos trilhos do ramal Santos-Jundiaí.

Tão ferozes eram esses índios que os portugueses preferiram mudar o porto para o início da subida do Caminho do Padre José, mais ou menos onde fica hoje a fábrica da Union Carbide do Brasil. Chamaram esse porto de Armadias ou Almadias.

A história conta que só por volta de 1765 é que se constatou ser mais fácil subir a serra pelo trecho situado atrás da atual Refinaria Presidente Bernardes e não mais pela encosta do Rio Perequê. Surgiu, então, o Porto Geral de Cubatão, nas proximidades do Largo do Sapo, próximo à atual Companhia Brasileira de Estireno.

Em torno desse porto, nas duas margens do rio, surgiu a povoação de Cubatão e, mais tarde, a Fazenda Coral (N. E.: correto é Geral) dos Jesuítas, em cujas terras estão a atual Matriz de Cubatão e o centro da Cidade. Nessa mesma época, Bernardo José Maria de Lorena mandou construir um caminho que subia a serra na direção de São Bernardo e São Paulo de Piratininga.

Em forma de zigue-zague e todo pavimentado com pedras lavradas, esse caminho passou a ser conhecido como a Calçada do Lorena. Ainda existem vestígios dessa calçada na serra.

Já nessa época viviam os primeiros povoadores, todos chamados Manuel. Esses cinco manuéis vieram das ilhas dos Açores, com suas famílias, convidados pelo governo português para colonizar Cubatão. Construíram suas fazendas onde hoje estão as indústrias. Trouxeram as primeiras mudas de banana e cana-de-açúcar.

Ilustração: Seri, publicada com a matéria

A primitiva cidade nasceu ao pé do Rio Cubatão, e mais tarde se estendeu para o Morro do Pito, elevação atrás do prédio da Cetesb, vista do Jardim Costa e Silva, onde na Semana Santa se realiza a apresentação do Drama da Paixão, pelo Cotac.

Famílias de sitiantes desenvolveram, no século XIX, um outro centro, em Itutinga. Porém, esse Cubatão de Cima não conseguiu rivalizar-se com o de baixo porque ali os tropeiros descansavam, depois de desembarcar as mercadorias no Porto Geral, e iniciavam a subida da serra. Levas de burros transportaram a riqueza do Brasil por essa estrada: traziam ouro e café, levavam manufaturados desembarcados no Porto de Santos.

Foi uma época em que Cubatão pertenceu aos frades jesuítas, que tomavam conta da fazenda onde mais tarde ficaria o centro de Cubatão. Antes de serem expulsos do Brasil, por ordem do Marquês de Pombal, que chefiava o governo português, ergueram uma capelinha.

Bastou essa capela para manter a vida, a fé e os costumes. Os sítios de banana floresceram.

Ilustração: Seri, publicada com a matéria

O Brasil começou a ser nação independente, por Cubatão. No dia 7 de setembro de 1822, o então príncipe d. Pedro saltou de um pequeno barco, vindo de Santos, no Largo do Sapo, e iniciou a subida da serra, rumo a São Paulo, pela Calçada do Lorena. Montou em um jegue ou uma burrinha, para atingir o planalto. Só as tropas que usavam burros conseguiram subir pela calçada, segundo os historiadores. No alto da serra, ele passou para um cavalo e, ao chegar às margens do Riacho Ipiranga, proclamou a Independência do Brasil, separando a colônia de Portugal.

No começo do segundo império, foi aberto um novo Caminho do Mar na Serra, mais espaçoso que a Calçada e que ganharia, em pouco tempo, o nome de Estrada da Maioridade, para homenagear o príncipe filho do imperador que subiu a serra montado no lombo de um jegue: d. Pedro II, que atingia a maioridade.

Mais de 100 anos depois, um movimento emancipacionista, liderado por membros da família Cunha, convenceu a população a votar a autonomia, separando-se de Santos como fez o príncipe, em relação a Portugal.

Cubatão tornou-se município em 9 de abril de 1949. Armando Cunha, um sitiante dono de cartório, foi o primeiro prefeito. Seu sucessor, Luiz Camargo de Fonseca e Silva, no segundo mandato, presenciaria a revolução industrial do Cubatão moderno: a construção da Refinaria Presidente Bernardes e da Companhia Siderúrgica Paulista.

Do antigo pouso de tropeiros, lugar de breve descanso antes de subir a serra, Cubatão transformou-se no maior polo petroquímico, siderúrgico e produtor de cloro, papel e fertilizantes da América Latina.

A primitiva cidade era ponto de repouso dos tropeiros

Foto publicada com a matéria

Um dia na vida do burro Judeu

Maria Albertina Pinheiro Mesquita (Nenê)

Colaboradora

Ao chegar o 47º aniversário de nossa amada Cubatão e vendo tão próximo o final de um século, podemos parar um pouco, deixar de lado nossa sofreguidão pela luta do pão nosso de cada dia e, simplesmente, refletir.

Refletir sobre o passado singelo, na aurora desse centenário.

Rememoramos, através das histórias ouvidas, os casos e causos de nossa gente, pessoas de várias procedências.

Nossos irmãos portugueses, que marcaram com seu trabalho, na cultura da banana no início do século, já contavam com a mão de obra feminina no corte e no transporte da banana em barcos.

De peles rosadas e morenas, portugueses e seus descendentes (cubatenses) forjaram o desenvolvimento desta Cidade.

Um dos pioneiros, mesmo sendo analfabeto, mas dono de uma facilidade em calcular pesos e medidas, fez questão de ceder a sala de sua casa (hoje Lanches Flórida) para abrir a primeira escola do Município.

Foi ele Manuel Jorge, cujo nome denomina importante rua do centro da Cidade.

Nesta época, o transporte mais utilizado era a carroça, puxada por burros. Era o transporte oficial para as noivas na data do desposório, até a igreja da Vila.

Até meados de 1947, a carroça era de grande valia aos trabalhadores no transporte da banana e nos pequenos carretos.

Para ser carroceiro, era necessário ir até Santo André tirar a carta de condutor de carroça, onde o pequeno veículo também recebia o emplacamento obrigatório. Pagavam-se os encargos exigidos e, então, a pessoa estava habilitada.

Hoje, Manoel Mesquita Júnior, nascido em Aveiro, lembra de forma saudosa a sua época de carroceiro, logicamente da carta de habilitação e do seu burro, chamado Judeu.

Judeu ficava no sítio dos Mesquita em Itutinga. Sentindo, o inocente animal, que por perto havia éguas no sítio de Manuel Fiabra, para lá fugiu.

Joaquim Mesquita foi buscá-lo, e nada do burro Judeu obedecer. E eles se desentenderam. Judeu estava enamorado, dava coices para todos os lados.

Joaquim, nervoso, mirou o focinho do burro, desfechou-lhe um tremendo soco, que ocasionou a rachadura do beiço inferior e a perda de dois dentes. Ao português valente, restou o azar de quebrar dois dedos da mão direita.

Judeu foi obrigado a continuar no sítio de Manuel Fiabra, acompanhado pelas belas éguas e ainda com alimentação especial: papinha de farelo e milho triturado, até sua completa recuperação.

Antes de pertencer aos irmãos mesquita, o antigo dono do Judeu comercializava produtos da Capital aqui em Cubatão.

Judeu subia a serra com cautela e, quando chegava á cidade paulistana, conhecia os lugares das compras e identificava os sinais de trânsito.

Manuel comenta: Judeu era inteligente: de burro não tinha nada, somente a raça.

Depois de muito tempo, o nosso burro Judeu foi vendido para um dos pioneiros: Manuel Cunha.

Passou-se o tempo e Cubatão viu surgir as primeiras fabricas. O povoado estava passando pelo processo de transformação, saindo da cultura da banana para o Polo Industrial.

Por este tempo, pessoas de procedências diferentes começaram a chegar.

Eram os nordestinos que deixaram sua terra, como os portugueses. Porém, não trabalharam com carroças, mas nas construções das fábricas. Estes homens, diferentes dos irmãos portugueses, possuíam a mesma fibra e esperança.

Com uma mala de bagagem, acomodavam-se em alojamentos ou quartos alugados.

Destes, conheço José Avelino Santana - pernambucano de Flores, que chegou a Cubatão, trazido pelos seu irmão velho, Chicão, hoje funcionário público municipal.

José trabalhou na fundação da Cosipa. Como ele diz, a leitura era pouca. Procurou, então, uma escola no período noturno.

Não namorava porque as moças de Cubatão não davam chances. Como ainda hoje, era de costume trazer o restante da família. Vieram seus irmãos e irmãs.

Casou com Auxiliadora, moça da mesma cidade (Flores), que conheceu aqui.

José, hoje, está aposentado; seu filho mais velho trabalha na mesma empresa. De forma honrosa, o cabeça chata (como era chamado o nordestino que aqui chegava), agora só vai a Pernambuco a passeio, mas a terra que ele ama é Cubatão.

Em outra situação, Arício Viana dos Reis, sergipano, até hoje com seu sotaque inegável, superou preconceitos ao conhecer Lourdes, uma lusitana de Vagos, Aveiro. O amor desabrochou e constituiu família. Hoje tem três filhos e dois netos.

Além destes, há personagens como Manoel, Joaquim, João, Fernando, Francisco, Antonio, Alfredo, Olívia, Rosa, Leontina, Anunciação, Avelino, Virgínia, Iracema, Florinda, Lourdes, Fátima, Mario, Aldomiro, Santina, Belira, Coleta das Virgens, Gervásio, Hilário, Antonia, Edemilson, Aldenora, Alsênia, Adálio, Eleno, Zinzeuda, e outros que for[m]am nossa cultura e tradição.

Talvez, esses heróis do dia a dia pensem que ficaram no anonimato, mas todos pertencem à história desta Cidade.