Quadro de Benedito Calixto mostra o desembarque de
Martim Afonso em Piaçagüera e o encontro do fundador de São Vicente com João Ramalho
Tela conservada no Museu Paulista, em São Paulo/SP
Cubatão, uma história muito antiga...
Os primeiros habitantes de Cubatão viveram na região de
mangues que se estende desde a base da Serra até as pequenas ilhotas próximas ao mar, há cinco mil anos. A temperatura desses mangues é variável; e
a umidade relativa do ar elevada, superior a 80%. O clima se apresenta quente e úmido, com características de forte tropicalidade.
Os restos mortais dos primeiros habitantes foram encontrados pelos colonizadores, que
chegaram ao Brasil em caravelas e aportaram em Cubatão, na altura da Cosipa, em 1532.
No meio de milhares de conchas, os portugueses descobriram ossos, pontas de flechas, dentes,
esqueletos. Séculos depois, pesquisadores da Universidade de São Paulo concluíram que, na Ilha dos Amores, na área hoje pertencente à usina
siderúrgica, e na encosta do morro de Cotia Pará (entre o Caminho Dois e a Vila Natal), existiam alguns dos mais ricos sambaquis
do litoral brasileiro.
Antepassados dos índios que, em companhia de João Ramalho, casado com a índia Bartira,
recepcionaram Martim Afonso de Souza em Cubatão, esses botocudos desciam a Serra do Mar, onde a temperatura é mais amena, para se alimentarem da
abundância de espécimes, de caranguejos e mariscos, que viviam nos mangues, formados pelos 177 quilômetros das bacias do que hoje são o Rio Cubatão,
Casqueiro, Perequê, Piaçagüera, Mogi, Pilões, Cascalho, Paranhos, Santana e Vapevu.
Cubatão é mais água do que solo. Geograficamente, entre mangues e serras, tem apenas 148
quilômetros quadrados, contra os 177 quilômetros quadrados de rios e lagamares. Seu ponto mais alto está no topo dos 700 metros da Serra do Mar,
cuja vegetação luxuriante foi encontrada por Martim Afonso, ao chegar ao primitivo núcleo do Porto de Santa Cruz, ou das Almadias, conforme pintura
do Jean Luciano, que hoje faz parte do acervo municipal e está instalada na ante-sala do gabinete do prefeito.
Martim Afonso concedeu a Rui Pinto as terras da sesmaria que, anos mais tarde, seriam
conhecidas como a Fazenda Geral dos Jesuítas e o Porto Geral de Cubatão, instalado ao pé da serra, cuja estrada levava, com muitas dificuldades, ao
planalto.
Tropeiros faziam pouso na beira do rio, onde as mulas descansavam do rude caminho de subida
e descida. Mulas ou jegues fazem parte do progresso de Cubatão. Nas noites frias, os tropeiros acendiam fogueiras e faziam rodas de batuques.
Eram tempos difíceis. Em 1585, o padre Fernão Cardim gastou quatro dias de viagem entre o
Planalto de São Paulo de Piratininga e São Vicente, sede da capitania. A viagem, que hoje é feita em menos de uma hora, exigia preparo físico
notável e grande coragem. Os homens subiam agarrados às raízes, e por vezes topavam com animais ferozes e índios pouco amistosos.
Para acabar com esses tormentos, conforme conta a historiadora Inez Garbuio Peralta,
Bernardo José Maria de Lorena, governador da capitania, mandou buscar, em Lisboa, técnicos especializados em construir estradas, para abrir e
pavimentar o caminho de São Paulo a Santos, através da serra.
Os trabalhos foram iniciados em 1790, sob a supervisão do engenheiro João da Costa Ferreira.
Contam as lendas que os engenheiros aliaram a alta tecnologia da Real Academia Militar de Lisboa à sabedoria do reino animal. Para descobrir o
melhor traçado, soltaram uma tropa de mulas no alto da serra. E seguiram a trilha dos muares, que, por segurança, procuravam sempre a crista dos
morros, de forma segura e sem cruzar rios. O curto traçado (menos de seis quilômetros no trecho serrano) ficou pronto em menos de um ano,
gastando-se outro no prolongamento do caminho na Baixada, até o rio e até a entrada de São Paulo.
Em 1792, a Calçada do Lorena estava pronta e em uso, permitindo o desenvolvimento do
Planalto e o aumento do comércio e movimento de pessoas entre o Porto de Santos e São Paulo.
Embora a Estrada Velha do Caminho do Mar ainda permaneça fechada ao tráfego, quem subir a
serra a pé poderá encontrar as ruínas (em parte restauradas pela Eletropaulo em um projeto cultural notável) da Calçada da Lorena, a partir do Arco
do Lorena, monumento construído em 1922 pelo então governador da Província do Estado de São Paulo, Washington Luiz de Souza. Também fazem parte
desse conjunto de monumentos o Rancho da Maioridade e o Pouso de Paranapiacaba.
Aterrado de Cubatão, em foto de meados do século XX
...que esconde mistérios, aventuras e romances
No final do século XVIII, o crescimento do Porto de Santos e
de São Paulo de Piratininga esbarrava nas más condições e na insuficiência de espaço da Calçada do Lorena. Além disso, o transporte da mercadoria
pelo largo do Caneú e porto de Cubatão era moroso. A Câmara de Itu propôs a ligação terrestre pelo manguezal, ganhando o apoio dos comerciantes de
Santos.
Antônio Manoel de Melo Castro e Mendonça, governador geral da Capitania de São Paulo,
resolveu enfrentar o desafio, em 1825, três anos depois que o então príncipe D. Pedro subiu a serra (no lombo de um jegue, pela Calçada do Lorena,
no dia 7 de setembro) para proclamar a Independência do Brasil, nas margens do Riacho Ipiranga.
Inez Peralta afirma que muito sofrimento, doenças, mortes, deserção de mão-de-obra,
discussões e desentendimentos entre autoridades marcaram essa construção. A mão-de-obra, inicialmente escrava, foi substituída pela de imigrantes. O
aterrado ficou pronto em fevereiro de 1827.
"Foi uma obra grandiosa e grandioso o povo que a realizou. Quem passa hoje pela estrada
Cubatão a Santos (formada pelas avenidas Nove de Abril, Tancredo Neves e Via Bandeirantes) não imagina o quanto de heroísmo e garra está presente em
todo esse percurso", assinala Inez Garbuio Peralta.
Nessa época, Cubatão deixava de ser um pouso de tropeiros e um porto de barcaças. Há tempos
já se tornara a Fazenda Geral dos Jesuítas, que tinham também o direito de explorar a navegação do Rio Cubatão, cuja renda se destinava à manutenção
dos colégios desses religiosos.
A expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, em 1759, obrigou a passagem dos serviços
para particulares.
Foi instalado então, no Porto Geral de Cubatão, um posto alfandegário. Um oficial registrava
todo o tráfego que passava por Cubatão, desde pessoas e animais até mercadorias. Pagava-se pedágio.
Afonso Schmidt conta na sua obra O Assalto o despovoamento da Baixada Santista e do
Planalto, porque quase todos corriam para o Interior, no início do século XIX, em busca de ouro nos rios e minas.
De São Vicente e de São Paulo, saíram os bandeirantes em busca de riqueza, abandonando o
plantio de açúcar. Foi o começo da decadência de muitas povoações, e o surgimento de outras.
Em 1803, Franca e Horta convida famílias dos Açores para povoarem Cubatão. Na primeira
década do século XIX, conforme Inez Peralta, chegam a Cubatão cinco famílias açorianas do núcleo de adaptação de Casa Branca: "Vieram para Cubatão
os cinco Manoéis: Manoel Antônio Machado, Manoel do Conde, Manoel Espíndola Bitencourt, Manoel Raposo e Manoel Correia. Dedicaram-se à agricultura
de subsistência".
Nasceu então o hábito do cultivo da cana, das mexericas e, principalmente, das bananas. Já
no início do século XX, Cubatão chegou a exportar banana para a Argentina.
Mas foi a construção da Estrada da Maioridade (depois conhecida como Estrada Velha) que
permitiu alavancar o progresso, abrindo espaço para o tráfego de diligências.
Não fossem as armadilhas econômicas do destino e os interesses políticos, Cubatão estaria
comemorando hoje (N.E.: 1993) 160 anos de autonomia administrativa. O brasão do Município
estampa entre as folhas de bananeira uma faixa com duas datas: 1833 e 1949.
Por ato do conselho de regência e em nome do imperador D. Pedro II (então uma criança),
Cubatão foi elevado à condição de povoação conforme a Lei nº 24, de 12 de agosto de 1833. A historiadora Inez Garbuio Peralta revela que, na
primeira metade do século XIX, São Paulo já estava refeita da crise sofrida com a corrida do ouro. E Cubatão também florescia. Na sessão de 17 de
abril de 1833, o Senado do Império aprovou a proposta para elevação de Cubatão a Município, desmembrando parte do território antes pertencente à
capitania e depois Vila de São Vicente.
Por ordem da regência, da Fazenda Nacional de Cubatão de Santos, na Província de São Paulo,
foi separado o terreno de meia légua em quadra, que servia de pastagem pública, para a fundação de uma povoação. Conforme a historiadora, o centro
de Cubatão, que ficava nas margens do Rio Cubatão, onde hoje está a Praça Coronel Montenegro, em frente à Estireno, passou a se deslocar para a
atual Avenida Nove de Abril, próximo à Matriz.
Mas o "promissor desenvolvimento da década de 1820 e início da década de 30 não atingiu o
grau que previa. Por isso, o Município não chegou sequer a ser instalado. Mais uma vez a situação não lhe foi favorável". Em 1º de março de 1841,
pela Lei Provincial nº 167, Cubatão foi incorporado a Santos. Peralta não acredita que essa incorporação foi ditada pela decadência do Município.
Para ela, foi originada de interesses de políticos de Santos.
Em 1925, o Caminho do Mar foi pavimentado em concreto
Foto: Arquivo/Agência Estado - São Paulo/SP
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