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HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
Histórias do Rio Casqueiro

Texto publicado pelo jornal santista A Tribuna em 9 de abril de 1996, no caderno especial Cubatão - 47 anos, página 13:


Como nos velhos tempos que só os monumentos registram, os guarás voltam aos rios de Cubatão
Fotos e legenda publicadas com o texto. Imagem: reprodução parcial da página com a matéria

Havia botos no Rio Casqueiro

Marilda Canelas [*]
Colaboradora

Ela surgiu de um desejo de grupos que queriam a sua autonomia e desenvolvimento. Nesse primeiro momento, porém, não tinha idade e compreensão o suficiente para entender e prever o seu futuro. Era uma criança, até então no ventre de sua mãe, mas já mostrando os indícios da sua personalidade.

Gostava de terra, de mostrar que era capaz de frutificar. Bananas, mexericas, laranjas e outros produtos bons. Os primeiros sinais de seu progresso vieram do trabalho árduo, do suor e da enxada, onde sitiantes jogavam o empenho de crescer combinado com o sangue luso dos nossos irmãos colonizadores.

Além da terra fértil, tinha na sua paisagem e conformação física outros atrativos que envolveram os conquistadores: rios, áreas estuarinas, mangues, a serra altaneira e a ligação do porto com a capital do seu Estado da Federação.

Seu destino foi desviado, e dos frutos coloridos, do verde da Serra do Mar e da vida do mangue, surgiram imponentes construções acinzentadas, sendo vistas ao longe pelas estruturas grandiosas. Novamente, era a saga do progresso que a perseguia.

Nesse cenário, eu nasci, também mulher. Senti que o berço que me acolhia tinha algo de especial e que iríamos ter grandes identidades.

Antagonicamente, da lavoura com complexo empresarial das indústrias pesadas, havia no ar um som com ritmo, cadência, harmonia e poesia, identificado pelo menino Felipe, criança como eu. Mas, a sensibilidade artística não vinha somente da palavra deitada em versos de Schmidt, vinha logo mais pela forte tendência musical. Ela gerou e fez crescer os acordes que combinavam com a queda das cachoeiras, o sibilar dos ventos, o canto dos pássaros e até com o ranger das engrenagens, como contraponto. E continuou a sua trajetória de geradora, trazendo gênios da música que levaram o orgulho de todos os seus filhos para fora de suas divisas.

As imagens da minha infância menina – as travessuras no Rio Casqueiro em barcos até a Ilha Caraguatá – as areias brancas ao redor dos jamboleiros, os botos saltitantes também no Rio Casqueiro e as aventuras no Sítio dos Ruivos. E novas visões me trazem uma nostalgia pelas lembranças e coisas do passado.

As famílias pequenas e unidas do bairro do Jardim Casqueiro, onde pisei de pés descalços, entram no círculo da roda da memória e surgem as pessoas de minha mãe e meu pai, contando os siris, dos mangues e da construção da Via Anchieta; do meu irmão mergulhando nas águas do rio; do sr. Francisco Barbosa, que organizava excursões à Cidade da Criança; dos times amadores de futebol, que recebiam os aplausos das torcidas; das tardes do Cine Veleiro; do point da moçada na Praça Olímpio Lima; das lonas dos circos e das rodas-gigantes, me envolvendo e me ligando à minha terra.

Fui crescendo, observando a fumaça das suas goelas, as labaredas de seus flancos e ouvindo o chamamento dos sons e, como ouvira crianças e jovens, atendi. A música, o teatro, as artes plásticas, o canto coral, tudo se completou como um mosaico multicolorido, mas harmonioso.

Acentuando mais ainda essas diversidades de tendências, vieram os atletas campeões e cheios de medalhas, as escolas bem estruturadas e modelos, as creches e os programas sociais.

E os modelos e experiências atraíam tanto técnicos, engenheiros e ambientalistas, como educadores, artistas e administradores. A indústria, de um lado, corrigindo seus erros de implantação e buscando se transformar em fonte de renda tão benéfica para os filhos da terra. Do outro, a necessidade de tratar melhor os destinos dessa Cidade, que me acolheu de nascimento e a tantos outros irmãos, que vieram de longe colaborar nessa sua tarefa de crescer.

No meu sonho lúcido, ela clama por mudanças, e, apesar de seus 47 anos de vida emancipada, quer ficar mais bonita, vaidosa, altiva e voltar a ser a propulsora do progresso.

Reverenciando o poeta Pablo Neruda, desejo mostrar que ela, minha cidade de Cubatão, precisa de uma dosagem muito grande de sensibilidade e amor, para ser administrada. O uso da palavra na vida política deve ser levado à ação, sem metáforas. Esse é o grande sonho a ser vivido.

[*] Marilda Canelas é advogada e empresária.

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