Caixa d'água da usina era chamada Casa de Deus
Foto: Carlos Marques, publicada com a matéria
EDUCAÇÃO
Dona Nenê educou gerações cubatenses
Ela foi professora, diretora de escola e supervisora da Biblioteca Municipal
Joaquim Miguel Couto (*)
Colaborador
Ela nasceu numa Cubatão que começava a sair do cultivo
de grandes bananais e partir para o desenvolvimento industrial. A Cidade era ainda bem modesta. A pequena menina recebeu de seus pais o nome de
Maria Albertina Pinheiro da Silva. Mas logo ficaria conhecida em todo o Município como Dona Nenê.
Quando era criança, olhava quase sempre para o alto da Serra do Mar, costume natural
do povo que vive no sopé da grande encosta. Dizia que, lá em cima, naquela grande construção da Usina Henry Borden, ficava a
"Casa de Deus". Mais tarde, deve ter ficado frustrada ao saber que a "Casa de Deus" não passava da grande caixa d'água da hidrelétrica de Cubatão,
por onde saíam os dutos que desciam a serra.
Formada, Dona Nenê foi trabalhar como professora da rede municipal de ensino. Depois,
virou diretora e ocupou o cargo de secretária municipal de Educação. Por fim, era a supervisora da Biblioteca Municipal,
situada na Avenida Nove de Abril, em prédio de saudosa memória de tantos cubatenses.
Gostava do livro Zanzalá, de
Afonso Schmidt. Não esquecia o personagem chamado Maestro Flanelinha. No entanto, achava outros livros de Schmidt "Muito chatos". Por mais que
gostemos e nos orgulhemos do maior escritor cubatense, temos que respeitar o gosto de nossos amigos.
Conheci Dona Nenê há pouco tempo, em setembro de 2000, quando fui ao Arquivo
Histórico de Cubatão, situado atrás da Biblioteca Municipal. Estava iniciando minha pesquisa sobre o Pólo Industrial e resolvi estender os estudos à
própria história de Cubatão.
Enquanto conversava com os funcionários do Arquivo Histórico, Welington Borges e
Francisco Torres, Albertina chegou e, logo que foi informada sobre quem era o visitante, a supervisora da Biblioteca soltou a provocação: "Que
história é essa que meu bisavô, Manoel Jorge, tramou o assassinato de Joaquim Miguel do Couto? Nunca soube disso".
Albertina não tinha gostado da história que tinha escrito, em 1999, sobre o passado de
minha família, e que fazia referência à tentativa de assassinato, publicada pelo jornal A Tribuna. (N.E.: publicada no
ano 2000)
Famílias - Expliquei a Dona Nenê que a história era real e que, tempos
depois, Manoel Jorge ainda se casaria com a sobrinha de Joaquim Miguel, Úrsula do Couto. Assim, se ela era descendente de Manoel Jorge, também era
descendente de Úrsula do Couto, e portanto, da família Couto.
Tanto ela quanto eu éramos descendentes de Miguel Francisco do Couto e Maria do Couto,
personagens de histórias pitorescas do passado colonial de nossa Cidade. A partir desse momento deixei de chamá-la de Dona Nenê para chamá-la
de Prima Nenê.
Parece que Albertina gostou da nova situação. Recordo que na fundação do Instituto
Histórico e Geográfico de Cubatão, em abril de 2002, Albertina fez um pequeno discurso, dizendo pertencer à família Couto, o que nos agradou muito.
Albertina era uma pessoa ativa. Lutava pelas coisas, principalmente pelo benefício da
educação e da cultura de sua Cidade. Foi dela o projeto de gravar em vídeo depoimentos de nossos moradores mais antigos para o arquivo histórico,
além da publicação sobre a história da Avenida Nove de Abril e do próprio prédio da Biblioteca Municipal. Era uma mulher
de ação, enquanto muitos outros, inclusive eu, ficávamos apenas nas idéias ou nas palavras.
A Casa de Deus - Albertina era franca. Não media as palavras, tanto para
elogiar quanto para criticar. Lembro de quando fomos ao alto da Serra, na "Casa de Deus", acompanhados do prefeito Clermont
Silveira Castor.
Era uma visita para promover a idéia da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (EMAE),
que visava transformar a Estrada Velha Caminho do Mar e seus monumentos num centro de visitas turísticas. No alto da Serra, Albertina olhou para o
prefeito e apontou: "Olhe lá, veja as novas invasões atrás daquele morro".
Albertina era totalmente contra a expansão das favelas no Município e, por isso,
criticava muitos políticos que incentivavam tal expansão de olho nos votos da próxima eleição.
Depois dessa cobrança ao prefeito, olhou para trás, e viu a grande caixa d'água.
Lembrou de sua infância. Enquanto o grupo de visitantes subiu as escadarias em direção à "Casa de Deus", Albertina ficou olhando-a dali mesmo. Não
teve coragem de subir. Vai saber suas razões!
Mais recentemente, começou a pintar quadros. A única tela
pintada por Albertina que conheci era a ampliação de um desenho feito em 1826, que retratava o Porto Geral do Cubatão. Não é que o quadro
pintado por Albertina, hoje na Biblioteca Municipal, superava o desenho original, pois lhe dava cor e vida!
Lutadora - Aposentada, estava livre para lutar pelas coisas de sua Cidade. Ao
mesmo tempo que tentava preservar a memória do passado, buscava melhorar o presente, principalmente através da educação. Sabia que um povo bem
educado teria melhores chances na vida e, por conseqüência, a Cidade cresceria em bem-estar.
Mas não deu tempo! A doença chegou cedo para esta lutadora. A última vez que vi
Albertina foi em 2004. Já estava aposentada e fazendo tratamento contra o câncer. Apareceu na Biblioteca Municipal com um pano na cabeça que lhe
dava grande jovialidade. Parecia uma estrela do rock. Estava bem disposta e ativa, como sempre. Pensei que já tinha vencido a doença. Mas
não!
A doença avançou nos meses seguintes. Internada no Hospital Santo Amaro, de Guarujá,
Albertina veio a falecer no início de outubro de 2005. Seu velório ocorreu no salão da Prefeitura. Foi enterrada no cemitério de Cubatão, onde estão
os nossos queridos antepassados.
Albertina, filha dos filhos de Cubatão, merece uma homenagem formal de sua Cidade. Por
isso, sugiro às autoridades municipais que atribuam à próxima escola a ser inaugurada o nome Professora Maria Albertina Pinheiro da Silva
Mesquita. Seria uma justa homenagem da terra que tanto amou.
(*) Joaquim Miguel Couto é historiador, professor
universitário e colaborador de A Tribuna.
Quadro pintado por Dona Nenê
Imagem cedida a Novo Milênio pela autora, em agosto de 2005
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