Mapa O Cubatão em
1852, com as terras dos cinco Manuéis
Colonos açoreanos em Cubatão
COSTA E SILVA SOBRINHO. O Cubatão e seus povoadores.
In: Romagem pela terra dos Andradas. Rio de Janeiro, Livraria Freitas Bastos, 1957, p. 127 e
seguintes.
"Tendo vindo para o Brasil alguns colonos das Ilhas dos Açores, estabeleceram-se eles
afinal no Cubatão, na referida fazenda dos extintos jesuítas. Destarte, por aviso régio de 2 de junho de 1818, expedido pela Secretaria de Estado
dos Negócios do Reino, foi ordenado que se passassem os títulos das respectivas sesmarias aos referidos colonos, sendo eles conservados onde se
haviam estabelecido. Achavam-se estabelecidos no sítio do Cubatão: Manuel Antonio, Manuel do Conde, Manuel Espinola Bittencourt, Manuel Raposo e
Manuel Corrêa.
O primeiro deles, Manuel Antonio Machado, veio para o Brasil em 1814, com 25 anos,
casado com Domingas Maria da Conceição, de 20 anos. Eram ambos naturais da Ilha Graciosa.
Traziam apenas um filho, de nome Manuel Antonio, com 3 anos de idade, nascido na Ilha
Terceira. Tiveram, no Brasil, 9 filhos.
Esse mais velho, de nome Manuel Antonio Machado Júnior, foi casado com Maria Teresa de
Jesus. E teve, entre outros filhos, Manuel Antonio Machado Neto, pai do Dr. Aristides Bastos Machado, para citarmos apenas os homens.
Manuel Antonio Machado, o velho, viveu no Cubatão até o declinar melancólico dos anos.
Dotado de grandes qualidades, nele realçavam as rudezas do portugal-velho com a atividade no trabalho e o apego à família.
Começavam as suas terras logo depois do atual Cruzeiro
Quinhentista, à esquerda de quem ia para São Paulo pela Estrada Geral, e mediam 471 braças de frente até à raiz da serra, onde cantavam e fugiam
as águas do rio das Pedras. A casa de morada ficava perto do referido Cruzeiro.
Manuel Antonio e os seus companheiros sofreram ali, a princípio, acerbas estreitezas.
Por esse motivo, em 1817 representaram eles a el-rei neste sentido:
"Senhor:
Dizem Manuel Antonio Machado e outros, constantes da lista junta, naturais das Ilhas
dos Açores, mandados conduzir com suas famílias para esta América por ordem positiva de S. Majestade, que, chegando a esta Corte, foram remetidos
para a capitania de S. Paulo, para aí se lhes dar terras onde pudessem plantar e para semear legumes e outros gêneros com que pudessem sustentar
suas pessoas e famílias.
Recebiam unicamente cem réis em dinheiro para o sustento diário de cada um casal de
filhos, o que assim aconteceu por espaço de um ano, passando imensas fomes e necessidades, o que sendo presente a V. Majestade lhes mandou dar mais
dois vinténs a cada um filho, vindo cada um marido e mulher ter um tostão, isto é, meio tostão para cada um e os filhos dois vinténs, cada um.
Tudo isto aconteceu estando os suplicantes em sítio onde hoje está fundada a freguesia
denominada a Casa Branca, 52 léguas distante da capital de S. Paulo; porém não sendo as terras boas e próprias para dar toda qualidade de
frutos.
Que por isso, e também por se lhes não assinalar sítio certo, dizendo-se-lhes que
naquele lugar não havia terras que se pudesse dar aos suplicantes para estes cultivarem, razão esta por que fizeram saber a V. Majestade a triste
situação em que se achavam, desamparados fora de suas pátrias, resolveu V. Majestade que os suplicantes se mudassem para onde lhes conviesse e
houvessem terras que lhes agradassem.
E, com efeito, se foram situar em terras do Cubatão Geral de Santos, que noutro tempo
foram da extinta Companhia dos padres jesuítas, por não acharem os suplicantes outro lugar onde pudessem arrumar-se, e aí já têm feito algumas
benfeitorias e plantações para o sustento de suas famílias.
"Mas, Real Senhor, vivem os suplicantes desgostosíssimos por se lhes não ter dado título
algum das ditas terras para cada um saber até que limite chega a sua posse e domínio, e até onde podem trabalhar, pois que, por não terem os
suplicantes títulos, estão sofrendo vexames e prejuízos de uns poucos de homens que andam cortando madeiras nas terras onde os suplicantes residem,
com o que têm arruinado as suas plantações, dizendo eles que as madeiras são para o serviço de V. Majestade, sem que contudo apresentem ordem de
superior legítimo que justifique esta verdade, e não obstante terem os suplicantes requerido ao exmo. conde general para que lhes mande passar os
seus títulos ou cartas de sesmaria, nunca foram deferidos, motivos estes por que alguns dos suplicantes empreenderam vir pessoalmente por si e por
todos prostrar-se aos augustos pés de V. Majestade afim de que lhes faça a graça de mandar passar carta de sesmaria de meia légua, em quadra, a cada
um dos suplicantes, para não só ficarem com seus títulos, como para saberem o que lhes pertence e aos seus filhos para não terem embaraços e dúvidas
para o futuro com os outros sesmeiros, fazendo-lhes igualmente a graça de lhe mandar restituir o excesso que se lhes não tem pago; pois que,
mandando V. Majestade dar meia légua a cada casal, só têm os suplicantes recebido um tostão, quantia esta que não chega para o sustento de uma
pessoa, quanto mais para muitas, especialmente em lugares remotos, onde tudo é caro, por falta de gêneros e pela grande distância que há dos portos
àqueles lugares, visto que nunca foi da intenção de V. Majestade chamar os suplicantes de suas pátrias para virem sofrer em um país estranho tantas
fomes e necessidades como têm padecido com suas mulheres e filhos, continuando a dita pensão por dois anos que V. Majestade lhes concedeu, os quais
devem ter princípio deste ano em diante, que é quando os suplicantes principiaram a fazer a sua primeira plantação, pois que de outra sorte
continuarão os suplicantes a ser infelizes.
"Pedem a V. Majestade se digne, pela sua inata bondade e justiça, deferir os
suplicantes na forma que requerem. E.R.M."[**]
Apesar de concedidas as cartas de sesmarias
[1] das terras que lavraram, sofreram
alguns desses colonos sérios desassossegos. O principal deles foi Manuel Espinola Bittencourt, cujas terras dividiam ao Norte com a Serra, ao Sul
com o rio Cubatão e a sesmaria de Manuel do Conde, a Leste com o rio Perequê e a Oeste com a Estrada Geral, lado direito de quem vai para S. Paulo.
Em 1837, vinte anos depois de ali residir, teve ele as suas terras invadidas pelo
alferes Francisco Martins Bonilha, juiz de paz de S. Bernardo e sogro do dr. Manuel Dias de Toledo, então vice-presidente da província. Recorrendo à
justiça, fez Manuel Espinola demarcar a sua sesmaria e se viu repossuído das terras por sentença de 28 de novembro de 1842.
Consta do auto de demarcação e de medição que foram colocados nas divisas
das referidas terras vários marcos. Um deles é o que se encontra no Museu do Ipiranga, remetido pelo ilustre e saudoso engenheiro dr. Guilherme
Wendel [2], como sendo um
marco quinhentista. Mas a equivocação é palpável.
Relatou o dr. Wendel:
"...encontrei (subindo o rio Perequê) um objeto arqueológico, creio, de certo valor:
uma antigo marco divisório, tombado no barranco direito, trezentos metros abaixo do Porto, e num lugar denominado Rancho do Adolfo. Era uma
pedra, rusticamente lavrada, sendo gravada nela uma cruz com dois ganchos no pé.
Dizem que Antonio Francisco do Couto a tirara da água, onde deve ter pousado, talvez
durante séculos, pois, muito provavelmente não é, senão, um marco divisório entre a fazenda Acaraú e a sesmaria de Rui Pinto, que constam dos
primeiros anais quinhentistas e que justamente se confrontam pelo rio Perequê".
Esse marco e outros iguais a ele, feitos por João Gomes dos Santos, foram colocados em
25 de novembro de 1837 nas divisas da sesmaria de Manuel Espínola Bittencourt. Estão eles descritos no citado auto de demarcação, onde o escrivão
desenhou até uma cruz com as duas hastes formando um ângulo na base da mesma cor.
Esse marco de pedra secular, adormecida e muda, será de agora em diante uma baliza na
história de Cubatão.
12-11-1950".
NOTAS EXPLICATIVAS:
[1] Veja o
mapa publicado por Costa e Silva Sobrinho in:
Romagem pela Terra dos Andradas, pág. 137,
sob o título O Cubatão em 1852.
[2] Autor de Caminhos
Antigos na Serra de Santos, Anais do X Congresso Brasileiro de Geografia, vol. II - CNG. Rio de Janeiro, 1952. Também na Revista do
Instituto Histórico e Geográfico de Santos, vol. II, 1966. (Ver "Caminho na Serra de Santos") |