HISTÓRIAS E LENDAS DE CUBATÃO
Cubatão nas cartas dos leitores... em 1827
Bem antes do surgimento da
imprensa na Baixada Santista, as cartas dos leitores já eram publicadas nos jornais... da capital paulista. Esta série data de 1827, tratando de
problemas então cotidianos e palpitantes, como o aterrado entre São Paulo e Santos, inaugurado apenas alguns dias antes (em
7 de fevereiro de 1827), a necessidade de pastagens para as tropas de mulas que desciam a serra, a doação de terras para os
colonos açorianos feita oito anos antes, a expulsão dos jesuítas em 1759 e o destino de sua
Fazenda Geral... Tal correspondência, assinada com pseudônimos, foi publicada nos primeiros números no jornal O Farol
Paulistano, criado poucos dias antes (em 7/2/1828) na capital da
então província de São Paulo.
Na edição número 7, de 21 de março de 1827, esta carta ocupa em parte as páginas 2 e 3 (acervo
Memória - Biblioteca Nacional Digital - consulta em 14/9/2012 - ortografia atualizada nestas transcrições):
Cabeçalho da primeira página da edição 7 de O Farol Paulistano, de 21 de março de 1827
Imagem: acervo
Memória - Biblioteca Nacional Digital
Imagem: reprodução parcial da
página 2 da edição de 21/3/1827
Sr. redator. ii em uma folha da Astrea nº 90 o decreto do presidente da República do
Baixo-Peru, que entre outras excelentes providências acerca dos Regulares ali existentes, ordenou que todo o convento que não tivesse oito
religiosos de efetiva residência fosse suprimido, e aplicado com os seus bens para projetos de instruções e beneficência pública, ficando a cargo
daquele governo a cômoda subsistência dos mesmos religiosos.
Parece com efeito, sr. redator, que de uma medida tão justa e acertada devem resultar muitas
vantagens, tanto àquele Estado, porque a existência de semelhantes religiosos servis de peso à sociedade, como à Religião; porque, desviados do
verdadeiro espírito de suas instituições, se haviam esquecido da moral do Evangelho: e como quando existem as mesmas causas, aplicando-se meios das
mesma natureza, devem seguir-se idênticos resultados, de certo ganharíamos muito com uma reforma semelhante no Brasil: a fim de demonstrar esta
verdade pela parte que toca a esta Província, quero, sr. redator, expor-lhe qual é a administração dos avultados bens que possuem os conventos dela.
Há nesta Província oito conventos, quatro de carmelitas calçados, e quatro de beneditinos: possuem
134 moradas de casas térreas, e de sobrado, algumas na Corte do Rio de Janeiro; 743 escravos; 24 estabelecimentos de agricultura; 10 fazendas de
criar; 2 ações no Banco do Brasil; 5 a 6 léguas quadradas de terras, de que percebem foros; dinheiros a juros, olarias &, e entretanto qual será o
resultado da administração de tantos bens? Somente a calcular-se o serviço diário de 500 escravos (prescindamos dos mais por suas moléstias e
idades) nos diversos estabelecimentos de agricultura no valor de 120 (*) cada um (feitos os precisos descontos dos dias santos) e o rendimento de
134 moradas de casas alugadas pelo módico preço mensal de 2:000 rs., juntamente com as ações do Banco, e dinheiro a juros, devem produzir anualmente
de 22 a 24 contos de rs., soma esta com que, ainda mesmo a desfrutar a triste vida de Epicuro, como nos oito conventos só existem 18
religiosos, podia sobrar alguma coisa para conservarem suas igrejas com decência, como debalde recomendam suas instituições, mas sucede o contrário
de tudo, porque o rendimento total de tantos bens (segundo eles dizem) é a soma anual de 3.090:250, excetuando-se, é verdade, o de um convento que
apesar de possuir 71 moradas de casas, 102 escravos, 4 estabelecimentos de agricultura, e uma famosa olaria, diz o seu presidente que apenas chega
para a subsistência dos religiosos, cujo número tão avultado não excede o de três. Tal é a administração de seus bens!
Pelo que respeita à Religião, talvez por ser mui diminuto o número de religiosos não apareçam os
frutos das suas virtudes; mas a decência do culto divino exigia decerto outro asseio nas igrejas; veja porém, sr. redator, quanto custou a
reedificar a de S. Bento desta cidade, o estado dos conventos de Santos, e do resto da Província: qualquer confraria ainda pobre celebra suas
funções religiosas com outra pompa e magnificência; ora tudo isto sucede ou por desleixo e má administração, e então é mui repreensível semelhante
procedimento, ou aliás por causa do pequeno número dos religiosos, que, a cumprirem exatamente com os seus deveres, aplicando-se ao culto divino,
não podem, ou não querem atendê-la, até mesmo porque talvez se recordem que se os santos, cujas instituições professam, desprezaram no mundo as
riquezas, não podiam no Céu tornarem-se avarentos, e por isso prestem atenção aos seus exemplos.
Mas quer em um, quer em outro caso, ganha sempre o Estado e a Religião com uma reforma bem
entendida; o Estado, se em vez de deixar perder-se tantos bens, os confiar a boas administrações, que zelem da sua manutenção e aumento, aplicando
parte deles, por exemplo, para fundos de uma universidade que se projeta estabelecer nesta Província; e a Religião, se praticada a beneficência,
primeira de todas as virtudes, se fizer doação de parte de semelhantes bens, ora desperdiçados, aos estabelecimentos de caridades, como Hospital da
Santa Casa, roda de Expostos, e seminários firmando-se assim, a respeito destes, a subsistência de órfãos, cujos pais, muitas vezes por prestarem
contínuos serviços à Pátria, não cuidam em bens de fortuna, e por isso quando no leito de morte arrancam os últimos suspiros, se recordam q'vão
deixar por herança a seus filhos a pobreza e a miséria, se a mesma Pátria, donde bem mereceram lhes não estender mão protetora, benéfica e piedosa.
Além disso, reunidos os religiosos em um convento, com uma boa pensão dada pelo Estado, o que mais
quererão? Entregues (como diz aquele governo) unicamente ao espiritual, só assim, reformando suas instituições de remota antiguidade, poderão pôr em
prática a moral do Evangelho, e edificar aos fiéis com o exemplo de suas virtudes.
Rogo-lhe, pois, sr. redator, queira inserir no seu periódico estas reflexões; e estou certo que os verdadeiros religiosos convencer-se-ão destas
verdades, e como nessa classe só a esses respeito, por tanto me assino, por esta vez,
O Amigo dos Religiosos.
(*) Ainda é muito a favor dos conventos este cálculo, porque o trabalho de qualquer escravo equivale presentemente
ao jornal pelo menos de 200 por dia, e há pouco tempo que os religiosos recusaram alugá-los para o serviço da estrada de terra entre o Cubatão e a
Vila de Santos, percebendo cada um 320 ou 400 rs. por dia, o que denota recolherem maiores frutos da sua conservação naqueles estabelecimentos: bem
assim deve ser maior o rendimento do aluguel das casas, visto que possuem quase todas nesta cidade, Vila e Santos, e Rio de Janeiro.
Imagem: reprodução parcial da
página 3 da edição de 21/3/1827
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A edição seguinte, número 8, foi publicada em 28 de março de 1827, com a primeira carta começando já na
página 01 e versando sobre a ligação terrestre por Cubatão, entre São
Paulo e Santos:
Imagem: reprodução da
página 1 da edição de 28/3/1827
Sr. Redator – Como por meus negócios
frequento o caminho que desta vila se dirige a essa capital, passo a contar-lhe o que me sucede, e a outros muitos, que se queixam, não tanto pelo
caso em si, quanto pelas providências pouco acertadas a tal respeito.
Era prática em outro tempo antes de
haver caminho por terra entre o Cubatão e esta vila, pagarem os passageiros, que queriam fazer transportar seus animais dali para aqui 480 réis de
cada um, e para esse fim a Junta da Fazenda Nacional conservava uma balsa sempre pronta.
Deu-se começo à feitura do caminho de
terra, depois de se haver percebido imensos tributos, ou contribuições, que os povos tinham oferecido para esta obra, e presentemente já dá livre
trânsito aos viandantes. Nestas circunstâncias era muito natural que cessasse aquele pesado tributo de 480 réis de cada animal, por ser já
desnecessária a balsa, e por consequência a despesa da sua conservação, visto que os animais transitam por terra, ou ao menos seria muito útil que
se tivesse mandado colocar a balsa no Rio de S. Vicente, quando ainda não dava passagem aos animais, por não se achar finalizada a respectiva ponte:
sucedendo porém o contrário, e vendo os comerciantes, que além de serem obrigados a pagar 120 réis de suas pessoas, 40 réis de cada arroba dos
gêneros de seu negócio, e 480 réis por suas cavalgaduras, haviam de mais a mais expô-las (como me aconteceu) ao e […(N.E.:
palavra ilegível no original)] e perigoso nado d'aquele rio, e indenizar a quem lhes desse passagem em canoa
particular, ou representaram à Junta da Fazenda (como suponho), ou ela sabendo, que eles se queixavam, quis providenciar a semelhante respeito, o
certo é que expediu uma ordem, ao meu ver, bastante célebre – que todas as pessoas que fossem somente ver o caminho não pagassem por suas
cavalgaduras os ditos 480 réis, e sim as que fossem a seu negócio – de sorte que ao homem que, movido da curiosidade, não se importa de despender o
aluguel de uma cavalgadura, passar mal uma noite, incomodar-se de fazer uma viagem de nove a dez léguas, quis a Junta da Fazenda poupar esta
despesa, e ao comerciante, que vem com os gêneros do seu negócio abastecer esta vila, além de pagar todos os mais tributos acima mencionados,
obrigou a satisfazer ainda aquele, quando é bem sabido que, sendo o comércio uma das fontes da riqueza pública, tem todo o direito a ser protegido.
Se o rendimento da contribuição voluntária para a feitura do caminho de terra, independente disto, não chegasse para sua
última conclusão e perfeita conservação, dir-se-ia que, para esse fim, se conservava um tributo tão pesado, mas isso não acontece, antes pelo
contrário sobraria, se se tivesse feito há mais tempo a devida aplicação deste rendimento, que devia ser privativamente empregado na feitura e
conservação do dito caminho
Têm havido a este respeito várias questões com a Administração do Cubatão, querendo algumas pessoas deixar de pagar uma tal
imposição, que se torna na verdade muito pesada a um pobre condutor; e como ela não é fundada em lei alguma; porque no caso afirmativo a Junta da
Fazenda não a podia modificar, ou alterar (determinando que pagassem uns e não outros), visto que tal medida é privativa atribuição do mesmo poder
que faz a lei, torna-se evidente a necessidade de melhores providências, mui principalmente porque o caminho se acha franco, e não haveria melhor
método de privar sua serventia, do que continuar a exigir semelhante tributo.
Queira, portanto, sr. redator, inserir esta na sua Folha, na certeza de que sou seu venerador.
Um Enguaguaçu.
Imagem: reprodução da
página 2 da edição de 28/3/1827
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O tema dos religiosos prosseguiria nas páginas
02,
03 e
04 da edição de 28 de março de 1827:
Imagem: reprodução da
página 3 da edição de 28/3/1827
Sr. Redator. – Vi no seu estimável
periódico a correspondência do amigo dos religiosos, e não podendo ser indiferente às hiperbólicas riquezas, com que o dito pretende engrandecer
estes verdadeiros filantropos e propagadores do Evangelho, quando eu sei muito bem, que sendo convidados pelo exmo. Presidente para repartirem as
sobras de suas mesas com os órfãos e pobres dos seminários desta cidade (atentas as poucas rendas para sua subsistência), responderam que nada lhes
sobejava, e que o exmo. Presidente (nadando em dinheiro) podia muito bem dar expansão à sua alma benfazeja; e portanto os senhores carmelitas
calçados e beneditinos nada deram, e somente os franciscanos têm regularmente contribuído para este fim piedoso, ampliando assim a caridade pública.
Ora veja, sr. redator, como foi
enganado o sr. Amigo dos Religiosos!! Será verdade que os senhores religiosos possuem esses ricos estabelecimentos; mas que quer, se nada é
bastante para satisfazer suas primeiras necessidades, entre as quais se compreendem as esmolas, que fazem a pobres de vergonha? Concluamos,
sr. redator, que o seu correspondente não é tão amigo dos religiosos como se assina: pelo que fica demonstrado, e pelo que produzirei eu tenho mais
direito a assinar-me
O Verdadeiro Amigo dos Religiosos
Sr. redator – Uma palavra acerca da
Estrada de Santos. Pouco excede a 40 anos a primeira e pequeníssima exportação de açúcar desta província, e admira que houvesse alguma antes do ano
de 1790 em que se calçou o despenhadeiro por onde se descia a serra. A má estrela que presidia às coisas do Brasil fez com que esta
interessantíssima empresa fosse pessimamente executada: o engenheiro que dirigiu a obra teve por melhor para o seu cômodo seguir a trilha velha por
um declive, que em alguns lugares pouco se aparta da perpendicular, do que examinar melhor vereda.
O capitão general Antonio Manoel de
Mello, achando esta calçada feita, e já muito frequentada, porque a agricultura de exportação de serra acima principiava a florescer, lembrou-se, ou
lhe lembraram, continuar a estrada até a vila de Santos, unindo a ilha com o continente por meio de pontes e grandes aterrados, para o que insinuou
os negociantes de S. Paulo e de Santos para oferecerem 20 réis por arroba na importação e exportação, ao que eles se prestaram de bom grado; porque,
1º lisonjeavam o seu capitão general, o que não só era útil, mas necessários; 2º obtinham mais facilidade de viajar entre a cidade e aquela vila; 3º
não davam do seu. Sim, nenhum imposto no giro do comércio recai sobre o negociante, que muito bem sabe fazer a sua conta para ver por quanto há de
comprar e vender, porém quis-se, não sei para que, apresentar o consentimento dos interessados, atribuiu-se esta qualidade a quem a não tinha, e os
primários produtores, entre nós só honrados pelos poetas, ficaram com a carga sem serem ouvidos.
Sucedeu que o capitão general Horta,
que desfez ou mudou de lugar todas as obras principiadas por seu antecessor, contágio, dizem, comunicado pelos secretários de Estado, e não andou em
tudo mal; avaliando impossível, ou dificílima, a empresa, deu outro e em verdade melhor destino ao produto da contribuição voluntariamente oferecida
por uns, e forçadamente paga por outros, fez grandes e utilíssimos concertos em toda a estrada desde a cidade ao Cubatão, que na estação chuvosa se
tornava quase intransitável; abriu novas estradas para o interior; consertou outras, e até por excesso de piedade, deu avultadas esmolas à Casa da
Misericórdia, e não sei pelo que, exigiu a Piramide do Piques, além dos serviços prestados a outras obras públicas.
Ainda que nesse tempo fosse
estritamente proibido falar do Governo, ou do Desgoverno, não deixou de haver murmurações, que seriam fundadas, apesar de ser prematura a empresa,
se os ofertantes dessem do seu, porém como deram do alheio, porque razão não poderia o general dispor desse alheio em maior utilidade pública?
Sem haver uma estrada, que merecesse o
nome, da cidade ao Cubatão, queriam tê-la daqui a Santos estando suprida a sua falta pela navegação, quando pareceria mais cordata a substituição
inversa! Sem que aprove outras distrações desta contribuição, ainda para bons fins, estou convencido que o emprego feito na abertura e consertos das
estradas foi incontestavelmente mais útil, e a prol dos verdadeiros contribuintes, do que seria na do primeiro projeto.
Porém, os desejosos de ir a Santos, e
vir de lá sem embarcar, não pouparam representações para se efetuar a obra, e finalmente obtiveram que um governo interino, vulgo triunvirato,
fizesse arrematar a feitura da estrada, excetuadas as pontes, por setenta mil cruzados, mais ou menos: os empresários julgaram-se perdidos, por
falta de ânimo, e pela barateza do preço; e tendo passado os seis anos em que deviam dar a obra acabada, obtiveram, depois de obstinadas
solicitações, entregar o serviço feito pelo dinheiro recebido, e assistir com 24 escravos por 2 anos para a continuação: passados os 2 anos sem dar
princípio ao cumprimento desta condução, principiaram novas solicitações para se lhe fazer a esmola da remissão, e nesta esperança trabalham com
menos direito do que a Casa da Misericórdia.
Estava reservado ao atual presidente da
província concluir esta prematura empresa, que prudentemente só deveria ter lugar depois do meado deste século em diante, precedendo obras mais
úteis, de que vou falar chamando sobre elas a atenção do governo.
Há um clamor antigo, geral, e constante
sobre a falta de pastos no Cubatão, e só houve ainda um empregado do Governo da Província que lhe prestasse atenção!
Descem a Serra do Cubatão anualmente
mais de 60 mil animais de transporte, e depois de um trabalho tão fatigante são obrigados a rigoroso jejum enquanto ali se demoram.
O ouvidor Miguel Antonio de Azevedo
Veiga, nobre exemplo de retidão e de patriotismo, entrando no Governo Interino em 1808, foi o primeiro e o último que mandou derrubar uma boa porção
de mato para abrir pastagens, que ali vêm depressa, e excelentes, em razão das copiosas chuvas e intenso calor.
Porém, que fatalidade! Quando as tropas
principiavam a ter que comer, em vez de ser continuado o plano, tentou-se estabelecer no Cubatão uma colônia de ilhéus, e repartiu-se por eles o
terreno desbravado: os colonos, aproveitando a indiscreta prodigalidade, cercaram as pastagens feitas, que hoje alugam a 60 réis por noite por cada
animal, preço exorbitante; e quando os tropeiros pudessem suportar esta despesa, a poucos tocaria o benefício em razão do grande número de tropas
que anualmente desce.
Todo o mundo sabe o remédio para este
mal, que é fazer as pastagens, para o que há sobrados meios; porém, tendo se despendido centenas de mil cruzados, não têm merecido a menor atenção
as barrigas das bestas, nem os clamores dos tropeiros; lembra-me a errada economia de alguns bárbaros, estúpidos senhores, que querem bom serviço
dos seus escravos sem lhe darem de comer.
Não se diga que cessa esta necessidade
com a estrada para Santos; diga-se que aumenta; porque, tendo as tropas de fazer maior viagem, e não havendo pastos em Santos, mais comprido fica o
jejum. E será possível que se continue a olhar com indiferença negócio de tão grande monta!
Outro objeto de utilidade muito
superior ao novo caminho de terra é o melhoramento da descida da Serra, de maneira que se não estafem as bestas, e possam transitar carros: esta
obra, que devera preceder à aquele caminho, apresenta-se hoje de primeira necessidade a quem calcula sobre o passado o andamento do futuro.
É bem conhecido o aumento progressivo
da agricultura de exportação desta província: a do açúcar, sendo zero há menos de 50 anos, aproxima-se hoje a 400 mil arrobas, que sabem pelo porto
de Santos: o número das bestas para a exportação tem crescido igualmente, e deve continuar a crescer com a agricultura, que vai em conhecido
aumento.
Mas, pelo contrário, o mercado de
Sorocaba, constando anualmente de 20 a 27 mil bestas, que abasteciam esta província e outras, deve apresentar uma diminuição, que não admirará ficar
reduzido à quarta ou quinta parte, e talvez a menos.
A guerra do Sul, e talvez outras
causas, fizeram quintuplicar o preço do gado vacum, do que resultou darem-se os fazendeiros do Rio Grande com maior desvelo a esta criação, que se
tornou mais lucrativa, sendo ao mesmo tempo mais cômoda; a criação das bestas diminuiu consideravelmente naquela província, mas tem sido até certo
ponto remediada com bestas espanholas, grande parte das quais têm sido velhas além de bravas; e pode-se dizer que tem vindo todo o sobejo bom e mau
que havia por lá: cessando a guerra, devem continuar a vir algumas, porém em muito menos quantidade; e o resultado deve ser subirem tanto em preço,
que eu não faça conta importá-las, ou as conduções subam a preço tal que os gêneros deixem de indenizar o lavrador.
Isto não são conjeturas vãs, são
efeitos necessários de causas conhecidas: houvera dez anos que em Sorocaba se vendiam bestas brabas a 8.000, agora estão a 30.000, ainda que não
tenha havido menos abundância, mas só porque tem crescido a concorrência dos compradores na razão do aumento progressivo da agricultura. O que
acontecerá quando vierem muito menos em número, crescendo ao mesmo tempo a necessidade do consumo? A agricultura ficará infalivelmente arruinada se
os transportes não forem por outro modo providenciados, e com tempo. Poderemos porém conceber a esperança de se providenciar um mal, que só se fará
palpável daqui a 2 anos, quando o clamor de 40 anos não tem sido bastante para se fazerem pastos no Cubatão?
Haja ou não haja esperança; clamemos
sempre por uma estrada de carro desde o embarque até as Vilas, que exportam: pode ser que venha uma hora boa, em que sejamos ouvidos. Este projeto
não é novo: há muitos anos ouço falar nele. Já o muito honrado e patriota ouvidor Azevedo Veiga mandou, à sua custa, explorar uma quebrada da Serra,
que, com pouco declive, dizem, conduz às Neves de fronte da vila de Santos; ainda é vivo o explorador a quem aquele digno magistrado forneceu do seu
os meios de estabelecer-se no meio da estrada da mata para facilitar qualquer empresa.
Se não agrada esta direção, porque não
aproveita o que está feito com grandes despesas, procure-se outra vereda mais próxima, e não se diga que a não há, diga-se que não se quer saber
dela, e menos ter o incômodo de procurá-la, ainda que muitos a apontem. A imprensa
[…(N. E.: trecho mutilado)]
do que isso. Bem difícil pareceria o caminho de terra, e está feito: vencida a dificuldade da Serra pouco resta a fazer. Eu tomo por testemunha: ele
mostrará que, se não mudarmos os transportes para carro, em poucos anos ficará arruinada a agricultura da Serra-acima, não podendo sofrer na Europa
a concorrência das produções dos outros países.
O
Solitário.
Sr. redator. Estando quarta-feira numa
casa de minha amizade, apareceu aí o nº 7 do Farol Paulistano: a companhia era quase toda de senhoras, e qual primeira queria ouvir ler o
nosso periódico. Depois de feita a leitura, ouvi-as discorrer sobre os diversos objetos, que nele se anunciavam: quase todas tomaram a peito o
bárbaro tráfico que em Itapeva se faz com os nossos patrícios indígenas. E a expressão de ternura maternal da selvagem, que pedia o seu filho,
excitou algumas lágrimas.
Havia aí uma senhora bastante idosa,
que conhecera ainda os jesuítas. Senhora de juízo são, boa cristã, e devota sem fanatismo, nem superstição, a quem fez grande impressão a
correspondência do sr. Amigo dos Religiosos, e como visse que todos estavam propensos a adotar as ideias aí apresentadas, disse: Não posso
convir com esse sr. no que diz a respeito dos bens dos religiosos; conheço que administram mal a sua fazenda, mas será isto um título justificado,
para que sejam privados dos seus bens?
É certo que os estabelecimentos, a que
o sr. correspondente os quer aplicar, são muito pios, e de grande utilidade ao Estado. Eu não tenho luzes para falar nessa matéria; mas tenho ouvido
dizer que a nossa Constituição garante o direito de propriedade em toda a sua extensão: como, pois, sem violar esta lei, poder-se-á lançar mão dos
bens dos religiosos sem o seu consentimento? Pois se houver um ou dois engenheiros, que possuam muitas léguas de terra, grande número de escravos e,
entretanto, preferindo a ociosidade ao trabalho, ou mesmo administrando mal, dissipem ou inutilizem os seus bens, dirá o sr. correspondente que se
lhes tome a sua fazenda para as universidades, hospitais, seminários &? De mais, eu sou do tempo da extinção dos jesuítas: onde estão os bens? Que é
de suas riquezas?...
Confesso, sr. redator, eu que no
princípio tinha abraçado de boa vontade a teoria do seu correspondente, como não soube responder à tal senhora, não sei se por minha pouca
habilidade, ou se pelo respeito que tenho à gente velha, fiquei suspenso, e não sei me determinar: acho muito bom que esses bens inúteis façam parte
dos bens do Estado, que sirvam para alguma coisa; mas não posso responder à objeção.
Se eu conhecesse ao Sr. Amigo dos
Religiosos, procurá-lo-ia para me firmar nos seus princípios; porém, como não sei quem ele seja, nem aonde o possa encontrar, tomei o acordo de
dirigir-lhe estas duas regras, convencido que a […(N. E.: trecho dilacerado no original)]
seu atento venerador.
O que quer saber.
Imagem: reprodução da
página 4 da edição de 28/3/1827
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