Dificuldades do Caminho Santos-São Paulo
Marcelino Pereira Cleto foi Juiz de fora da Vila de Santos de 1779 a pelo menos
1785. Como tal, era o presidente da Câmara e acumulava a função de Juiz de Alfândega de Santos. Levado pelo espírito ilustrado da época, dentro de
sua classe social, escreveu um relato sobre a situação de penúria da Capitania de São Paulo, no século XVIII.
Estudando a triste situação paulista onde se somavam a falta de recursos, o
despovoamento, as despesas com as lutas contra os espanhóis na região platina, as dificuldades nas comunicações, entre outras, conclui que a
situação melhoraria muito se a Capital fosse transferida de São Paulo para Santos. No seu trabalho, intitulado Dissertação a respeito da
Capitania de São Paulo, sua decadência e modo de restabelecê-la, em 1782, dá um testemunho importante das comunicações entre a Marinha (o
Litoral) e o Planalto.
CLETO, Marcelino Pereira. Dissertação a respeito da Capitania de São Paulo, sua
decadência e modo de restabelecê-la. In: Anais da Biblioteca Nacional, vol. XVI, Rio de Janeiro, Tipografia Leuzinger, 1900, p. 214 e
seguintes.
DIFICULDADES DO CAMINHO DE SANTOS
"Se o caminho de Santos para São Paulo estivesse bom, se
não tivessem crescido as dificuldades, e despesas, aos que por ele giram, viriam por ele, como fica dito, com as suas carregações os Negociantes do
Cuiabá, Goiases, e Minas da Campanha, Rio, e Cabo Verde, e além de pagarem na Alfândega os Subsídios Velhos e Novos
[1], compravam no Armazém do Sal
[2] a grande quantidade dele que vai
para todas as Minas, como ainda fazem os poucos que passam pelo dito caminho.
Se o caminho de Santos para São Paulo não tivesse todas as ditas dificuldades, viriam
a Santos mais moradores de Serra acima com mantimentos para venderem, e levarem o produto em sal, como costumam, dos quais muitos se vão
encaminhando já para outras vilas da Marinha, como São Sebastião, Ubatuba, e Parati, por caminhos que de novo têm freqüentado, e que algum dia se
lhes proibirão, e mandavam fechar, e em cada alqueire de sal, que lá compram, aos que o trazem do Rio para revenderem, perde a Fazenda Real um
cruzado, que lucraria, comprando-se no Armazém da Vila de Santos; o que tudo mostra, que animado o comércio na Vila de Santos, facilitado e
reformado o caminho desta Vila para a Cidade de São Paulo à custa mesmo da Real Fazenda, teria esta um prodigioso aumento; porém tudo tem sido pelo
contrário, e as dificuldades e imposições deste caminho têm crescido.
É hoje dificultoso o dito caminho; porque sendo em partes áspero, e pantanoso como já
se disse, já muitos anos que não tem benefício algum, em todo o tempo custa a passar e no de águas se reduz quase aos termos de impraticável. É
dificultoso para os Negociantes que por ele giram com o seu comércio: porque agora muitas vezes lhes sucede não terem tropas que lhes tirem as suas
cargas para a Cidade de São Paulo, e algumas vezes têm estado estancadas seis, oito meses na Vila de Santos por esta única razão; acontece isto
porque na Cidade de São Paulo se conservam dois Regimentos, e a Farinha de Guerra, ou de Mandioca para eles vai da Praça de Santos; enquanto há
Farinha de Guerra são os tropeiros obrigados a conduzirem-na, e por esta razão estacam as cargas dos Negociantes em prejuízo do comércio".
A PASSAGEM DO CUBATÃO GERAL
"É Santos uma ilha cercada em parte do mar, e em parte de diferentes rios; quem quer
ir de Santos para a Cidade de S. Paulo de necessidade deve embarcar primeiro em uma ressaca do mar, da qual passa ao rio que corre pela raiz da
Serra, que cobre Santos, nesta baixa da Serra há diferentes fazendas e em muitas delas havia caminhos e piores para subir para a Cidade de São Paulo
e os donos destas fazendas cuidavam em ter canoas hábeis para passarem os passageiros que por elas vinham para Santos e lhas alugavam, no caso deles
não encontrarem outras mais cômodas para os conduzir, no que faziam sofrível utilidade e mais que todos os extintos jesuítas que tinham fazendas nas
passagens melhores chamadas Cubatão Geral, e de Piassagüera.
Sequestrados os bens dos jesuítas, entraram a administrar-se do mesmo modo as
passagens, que eles tinham e rendiam por ano mais de duzentos mil réis, porém posteriormente pareceu à Junta da Real Fazenda da Capitania de São
Paulo que esta passagem era Direito Real, e proibiu todos os caminhos para se poder descer e subir para a Cidade de São Paulo, à exceção dos ditos
Geral para S. Paulo, e de Piassagüera para Vila de Mogi das Cruzes, e fazendo descrever este direito nas Rendas Reais, entrou a rematar a Passagem
por contrato."
PROPOSTA PARA EXTINÇÃO DO PEDÁGIO
"Quanto mais este direito de Passagem, ainda quanto S.M. o remitisse, pouco ou nada
viria a perder de utilidade, especialmente feito de novo o caminho de Santos para a Cidade de São Paulo, como deixo ponderado era útil para
facilitar o comércio.
Já disse o método que havia de Passagem de Santos até se chegar ao pé da Serra, e como
passavam também os que vinham de S. Paulo para Santos e que como havia diferentes caminhos se serviam regularmente das canoas daqueles, a cujas
fazendas chegavam ao pé da Serra; porém como de todos os caminhos, que havia, os melhores eram os que hoje unicamente se conservam no Contrato das
Passagens, o do Cubatão Geral e o de Piassagüera, sempre estes rendiam à Fazenda Real, a que pertencem as fazendas, que neles há, ainda no estado
antigo, dois mil cruzados, ou pouco menos no triênio; pois se o caminho de Santos para São Paulo se reformasse, como todos os mais ficavam sendo
péssimos, já se vê que todos os comerciantes haviam de concorrer por este, e que vindo a ele se haviam de servir das canoas que ali houvesse da
Fazenda Real, e que ainda deixando-lhes a liberdade de poderem servir-se de outras, podiam indiretamente obrigados a não o fazerem:
As fazendas que há nos ditos caminhos são da Fazenda Real, e só
esta ali tem Armazéns para se recolher as cargas que passam; pois se não forem nas suas canoas, não se recolham nos seus Armazéns, menos que paguem
por se acondicionarem neles um equivalente da Passagem, e deste modo ficam ligados os comerciantes para se não servirem de outras".
..............
"Na passagem de Santos (...) tudo se pesa, não há
abatimento de tára, tanto paga a fazenda que se transporta, como o cesto, canastra, baú ou barril em que vem acondicionada, tanto para o homem, que
vem a negócio, como aquele que morando no termo, ou freguesia da Vila de Santos, e assistindo para lá de Passagem, vem a Santos, ou chamado pelo
ministro ou pelo pároco, a negócio espiritual, como desobrigar-se da Quaresma, confessar-se, ouvir missa, ou a negócio temporal, o que tudo desgosta
nimiamente o Povo, e prejudica à Real Fazenda". [3]
NOTAS EXPLICATIVAS
[1] - Subsídios Velhos e
Novos - Os subsídios eram contribuições impostas pelo governo português e aceitas pelas Câmaras para determinados fins.
[2] - O sal era monopólio da
Coroa portuguesa, que arrendava o seu comércio a certos grupos ou pessoas. Esses cobravam o quanto podiam para ter mais lucro. Era produto caríssimo
e às vezes escasso, o que acarretava repetidas reclamações.
Houve, em 1711, um motim por causa do sal. O
paulista Bartolomeu de Faria, de Jacareí, desceu até Santos e assaltou com seus homens o Armazém do Sal, que pagou a justo preço. Este fato deu
assunto a um belíssimo romance de Afonso Schmidt: O Assalto, editado pela Brasiliense.
[3] - Apesar das justas
ponderações de Marcelino e outros, o governo português não extingüiu o pagamento da passagem, que se modificará com o Aterrado
do Cubatão em 1827, já no 1º Império. Foi de certa maneira substituída pelo pagamento da passagem da ponte do Cubatão,
onde havia um Registro. A Barreira do Cubatão foi criada em 1835 e foi extinta em 1866, devido à construção da estrada de ferro. Apud Inês G.
Peralta - O Caminho do Mar, subsídios para a história de Cubatão - 1ª ed. - Cubatão - Prefeitura Municipal, 1973. |